A viabilidade do casamento civil entre os pares homoafetivos


Pormarina.cordeiro- Postado em 20 junho 2012

Autores: 
LIRA, Penélope Aryadne Antony
CHAGAS, Yonete Melo das

É necessário consolidar a tutela jurídica e acabar ou diminuir as injustiças contra casais homoafetivos que constituir família de forma duradoura, contínua e pública.

RESUMO

Este trabalho monográfico trata de uma questão muito intrigante: a viabilidade do casamento civil entre pares homoafetivos no Brasil. Utilizando, principalmente, as ideias da autora Maria Berenice Dias, pioneira no estudo dos direitos dos homoafetivos de serem reconhecidos como um casal. Por isso, foi utilizado, inclusive, o termo homoafetivo, cunhado pela referida autora, por dar ênfase ao afeto como vínculo primordial para formação da família. Primeiramente, será analisada a história da homossexualidade a fim de entender melhor quando e como esse segmento começou ter a intenção de formar casais ligados pela afetividade, sempre tentando entender quais foram os motivos para tanto preconceito acerca do assunto. Por isso, são analisados termos e conceitos e princípios concernentes ao tema. Em seguida, é feita uma análise das lacunas legislativas, objetivando mostrar as colmatações necessárias para ajudar a minorar as injustiças sofridas por casais formados por pessoas do mesmo sexo. Outra parte do trabalho inclui o Direito Comparado para que sejam conhecidos quais os países já legalizaram o casamento civil entre pares homoafetivos e a abrangência de tais normas. Este trabalho pretendeu, ainda, informar quais as conquistas jurídicas dos pares homoafetivos, bem como analisar quais são as jurisprudências e as Normas do Executivo que preenchem as lacunas do Legislativo. Por último, foram expostos argumentos para a viabilidade do casamento civil entre os pares homoafetivos ante a decisão do Supremo Tribunal Federal de aprovar a união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Palavras-chave: Casamento Civil. Família Homoafetiva. Homoafetividade. União Estável.


1.                  INTRODUÇÃO

Este trabalho monográfico visa analisar a viabilidade do casamento civil entre os pares homoafetivos à luz dos princípios constitucionais atinentes à dignidade da pessoa humana, à igualdade, à busca da felicidade, à legalidade e a outros princípios capazes de favorecer o reconhecimento desse direito civil tão importante para o acesso a tantos outros direitos provenientes dele e que, ainda, as pessoas que amam pessoas de mesmo sexo não puderam adquiri-los, uma vez que são discriminados por causa de uma interpretação literalista do art. 226, § 3º, da Constituição Federal de 1988, e artigo 1514 do Código Civil.

Para elaboração desse trabalho, foi utilizado o método dedutivo, com pesquisa bibliográfica em busca de doutrinas, artigos e tantos outros instrumentos capazes de esclarecer, de elucidar os aspectos jurídicos, históricos e sociais para se chegar às lacunas legislativas e a colmatações oriundas do Judiciário e do Poder Executivo como também ao entendimento da viabilidade do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, principalmente após a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal aprovando a união estável entre os pares homoafetivos.

O primeiro capítulo trata dos aspectos históricos da homossexualidade a fim de conhecer o momento que esse segmento começou a ser discriminado, e o que levou à feição atual discriminatória. Serão estudados, também, os aspectos epistemológicos para o melhor entendimento de alguns termos utilizados no texto monográfico. Também, nesse capítulo, serão analisados os princípios constitucionais mais importantes para a viabilidade do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

No segundo capítulo, o trabalho abordará a insegurança jurídica sofrida por esse tipo de casal, Aqui serão citados casos nos quais não houve justiça no momento da extinção da união homoafetiva devido às lacunas legislativas e às decisões conservadoras, prolatadas sem a utilização da equidade. Nesse momento, serão elencadas medidas de iniciativa dos poderes Executivo e Judiciário para melhor proteção dos direitos dos casais homoafetivos, como também a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal aprovando união estável.

E, no último capítulo, será analisado porque a Lei 11.340/2006, a chamada Lei Maria da Penha, foi considerada o marco inicial da legalização das uniões homoafetivas, possibilitando o reconhecimento da união estável entre pessoas homoafetivas, como também reconhecendo a própria família homoafetiva. Serão, outrossim, citados direitos já adquiridos pelos casais homoafetivos no Brasil, passando por legislações alienígenas, os quais tiveram a sabedoria de legislar a favor do casamento civil entre os pares homoafetivos.

Em suma, este trabalho monográfico pretende auxiliar aos operadores do direito a fim de diminuir o preconceito contra pessoas que não cometeram nenhum crime, apenas amaram, amam, têm afeto e desejam formar família, vivendo esse amor de forma pública, contínua e duradoura, com pessoa do mesmo sexo. Pessoas as quais precisam da proteção jurídica do Estado no qual residem, uma vez que vivem em um Estado Democrático de Direito, obedecendo às normas e contribuindo com seus impostos para formar uma sociedade melhor e mais justa. E, com certeza, o Estado não pode negar-lhes proteção e o direito à felicidade.

 


2.                  DESENVOLVIMENTO

2.1.            HISTÓRIA DA HOMOSSEXUALIDADE: BREVE DISCUSSÃO SOBRE CONCEITUAÇÃO E PRINCIPIOLOGIA ACERCA DA HOMOSSEXUALIDADE

A homossexualidade é um fato social e, por isso, deve ser estudada para melhor ser compreendida. E, para isso, é necessário um mergulho na sua história e em conceitos importantes para o entendimento da necessidade da tutela jurídica a fim de proteger esse segmento tão significativo na construção da sociedade brasileira.

2.1.1.      A Homossexualidade na Grécia e em Roma

A homossexualidade é tão antiga como a heterossexualidade (assertiva atribuída a Goethe). Segundo Maria Berenice (2009, p. 34) “as diversas culturas e civilizações sempre encontraram uma forma de revelar sua existência, por meio de mitos, lendas, relatos ou encenações. As restrições que até hoje são impostas às uniões homoafetivas dizem mais com sua externalidade”, ou seja, é alvo de rechaço o comportamento homossexual, sua conjugalidade, muito mais do que sua prática. O que denota preconceito, pois não há uma lógica nesse tipo de entendimento.

De acordo com Fabiana Marion Spengler (2003, p. 37) “Na Grécia Antiga o livre exercício da sexualidade era considerado prática cotidiana. Naquela época, o homossexualismo não era visto com preconceito, sendo considerada uma prática usual entre grandes guerreiros e filósofos como Platão”. A homossexualidade restringia-se aos ambientes chamados cultos, representando uma verdadeira manifestação da libido.

Conforme os ensinamentos de Maria Berenice (2009, p. 36) em Esparta, o homossexualismo era estimulado dentro do exército para torná-lo mais eficiente, pois o espartano lutava não apenas pela sua cidade-estado como também defendia o seu amado nas guerras.

A autora Maria Berenice Dias (2009, p. 36) também cita a obra Discurso de Aristófanes, de Platão, que deixa claro a existência e aceitação de práticas homossexuais entre homens, a aceitável era a masculina, rito de iniciação sexual aos adolescentes, os quais eram chamados efebos. Antes deles se relacionarem com o sexo oposto, os efebos deveriam incursionar em seu próprio gênero.

Tanto em Roma como na Grécia, os homossexuais eram tidos como seres privilegiados, de grande inteligência e com grande desenvoltura verbal, não possuindo as relações com seus amantes qualquer viés preconceituoso por parte da sociedade onde viviam (SPENGLER, 2003, p. 37).

Maria Berenice Dias (2009, p. 37) acrescenta afirmando que em Roma, o preconceito da sociedade romana existia somente contra quem assumia a condição de passividade, uma vez que era feita uma associação com impotência política entre rapazes, mulheres e escravos, os quais eram excluídos da estrutura do poder.

De acordo com Ivone Coelho Souza (2001, p. 103) citada por Dias (2009 p.35), na Grécia, o livre exercício da sexualidade fazia parte do cotidiano de deuses, reis e heróis, sendo o mais famoso casal masculino da mitologia grega era formado por Zeus e Ganimede. Lendas falam do amor de Aquiles por Pátroclo e dos constantes raptos de jovens por Apolo.

Segundo Paulo Roberto Iotti Vecchiatti (2008, p. 45), havia uma diferença fundamental entre gregos e romanos: os homens gregos cortejavam os meninos de seu interesse, com agrados que visavam persuadi-los a reconhecer sua honra e suas boas intenções; entre os romanos, o amor por meninos livres era proibido, uma vez que a sexualidade desse povo estava intimamente ligada à dominação, sendo permitido apenas o amor por jovens escravos.

Já na Idade Média, segundo Fernanda de Almeida Brito (2000, p. 32), a homossexualidade continuou a ser prática frequente principalmente nos mosteiros e acampamentos militares, sendo grandes intelectuais da época tidos como homossexuais. A Santa Inquisição também era contrária a atos e práticas homossexuais.


3.                  A Homossexualidade e o Cristianismo

Conforme Fabiana Marion Spengler (2003, p. 37), o que se depreende é que a condenação da união afetiva entre pessoas do mesmo sexo remonta ao cristianismo e ao fato de o ato sexual ser considerado pela doutrina cristã unicamente como meio de procriação.

Segundo Fernanda de Almeida Brito (2000, p. 47),

Alguns teólogos modernos associam a concepção bíblica de homossexualidade aos conceitos judaicos que procuravam preservar o grupo étnico. Nessa linha, toda a prática sexual entre os judeus só poderia ser admitida com a finalidade de procriação. Qualquer atividade sexual que desperdiçasse sêmen seria condenada.

São Tomás de Aquino, citado por Maria Berenice Dias (2009, p. 35), dispunha que outro ponto de vista ensejador da proibição de relacionamentos homossexuais por parte da igreja demonstrava a preocupação com a ocupação territorial, no sentido de justificar o sexo “como caminho de procriação, pela necessidade de ocupação dos vazios geográficos e para a reposição da humanidade, que tinha uma expectativa de vida de cerca de 30 anos”.

Porém, segundo Daniel Helminiak, (1998, p. 14), esse posicionamento é contraditório, pois, muitas dessas igrejas (Cristãs) permitem o uso de contraceptivos, o casamento e as relações sexuais entre casais estéreis ou que ultrapassaram a idade para procriar. Esse argumento, pois, de que o relacionamento sexual somente pode existir para fins de procriação, se anteriormente adotado, atualmente se encontra completamente ultrapassado, não podendo ser utilizado como meio para cobrir de preconceito o relacionamento homossexual.

Daniel Helminiak (1998, p. 14) continua afirmando ter percebido, durante o período no qual viveu no Cinturão Bíblico (uma vasta região do sudeste dos Estados Unidos), que as religiões cristãs contribuem de modo prepoderante para a manutenção do preconceito contra os homoafetivos, uma vez que divulgam passagens da Bíblia, as quais, supostamente, condenam a homossexualidade, tentando justificar o ódio e a crueldade contra gays e lésbicas.

Maria Berenice Dias (2009, pp. 37-38) acerca do preconceito religioso contra a homossexualidade, afirma:

Das religiões advém o maior preconceito contra a homossexualidade, uma vez que cultura e religião estiveram entrelaçadas na história, daí a censura aos chamados pecados da carne. A Igreja Católica considera as relações de pessoas do mesmo sexo verdadeira perversão, uma aberração da natureza, pois se fundamenta na passagem bíblica: com o homem não te deitarás como se fosse mulher, é abominação (Levítico, 18:22). Daí a condenação à homossexualidade.

Em sites oficiais da própria Igreja Católica, pode-se notar notícias que confirmam tais afirmações, como o site oficial da Canção Nova (2006): “O Vaticano, que se manifesta contra as uniões entre homossexuais, também se posiciona contra a adoção de crianças por casais gays alegando que as crianças correm o risco de quando crescerem manifestarem as mesmas tendências sexuais dos que as adotarem”. E, a polêmica ainda é inflamada por frases do Papa Bento XVI acerca do tema, tais como:

A igreja classifica os casamentos homossexuais como imorais, artificiais e nocivos.

É destrutiva para a família e para a sociedade. O direito cria uma forma de moral, já que as pessoas consideram freqüentemente que o que diz o direito também é moralmente lícito. E, se considerarmos essa união mais ou menos equivalente ao matrimônio, temos uma sociedade que já não reconhece as características e nem o caráter fundamental da família, ou seja, que é próprio do homem e da mulher, que tem a finalidade de dar continuidade, não só no sentido biológico, à humanidade (Em entrevista ao jornal 'La Repubblica', em 2004).

Embora a inclinação particular de uma pessoa homossexual não seja um pecado, é mais ou menos uma tendência que vem de um mal moral intrínseco, e, portanto, a inclinação em si pode ser vista como uma desordem de objetivo (Em 1986, na carta aos bispos da Igreja Católica sobre o cuidado pastoral de gays).

Entretanto, para Daniel Helminiak (1998, p. 16), “a Bíblia não fornece qualquer base real para a condenação da homossexualidade”. E, afirma que a bíblia não condena o comportamento homossexual, sob o argumento de que os verdadeiros pecados de Sodoma e Gomorra eram o orgulho, o ódio, o abuso e a dureza de coração, não tendo o sexo nunca sido mencionado.

Daniel Helminiak (1998, p. 44) em seus estudos a respeito do que a Bíblia diz sobre a homossexualidade afirma que:

O Levítico proíbe a homogenitalidade como uma traição à identidade judaica, pois supostamente o sexo entre homens era uma prática canaanita. A questão tratada pelo Levítico com relação ao sexo entre homens era a da impureza, uma ofensa contra a religião judaica e não uma violação da natureza intrínseca do sexo. Segundo, a Epístola aos Romanos pressupõe o ensinamento das leis judaicas no Levítico, e em Romanos o sexo entre homens é mencionado como um exemplo de impureza. Entretanto, a sua inclusão em Romanos tem a finalidade precisa de demonstrar que as questões de pureza não tinham importância em Cristo. Finalmente, através do obscuro termo arsenokoitai, 1 Coríntios e 1 Timóteo condenam os abusos associados à atividade homogenital no século I: exploração e libertinagem.

Segundo Débora Vanessa Caús Brandão (2002, p. 35), “na Idade Média, a homossexualidade estava mais presente nos mosteiros e nos acampamentos militares. Mesmo assim, curiosamente, era a igreja, por meio da Santa Inquisição, a maior perseguidora dos homossexuais”. E, Colin Spencer (1999, p. 109) afirma em sua obra que “Havia um sentimento crescente, na Igreja, de que a sodomia era o maior dos crimes, pior até mesmo do que o incesto entre mãe e filho”. Época na qual ocorreu o III Concílio de Latrão, de 1179, o qual tornou a homossexualidade crime. O primeiro código ocidental prescreveu a pena de morte à sua prática. As legislações dos séculos XII e XIII penalizavam a sodomia.

Sérgio Resende Barros (2001, p. 06) sobre a união heterossexual para a afirma:

Na Idade Média que ocorreu a sacralização da união heterossexual, onde o casamento foi transformado em sacramento, somente a união realizada pela Igreja era válida, o ato sexual foi reduzido à fonte de pecado. Deveria ser evitado sempre, exceto no matrimônio, única hipótese em que poderia ser praticado – assim mesmo em condições de máximo recato – para cumprir o ditame “crescei e multiplicai-vos”.

De acordo com Maria Berenice Dias (2009, p. 39), a Igreja Católica só aprova as relações heterossexuais dentro do matrimônio, classificando a contracepção, o amor livre e a homossexualidade como condutas moralmente inaceitáveis, que distorcem o “profundo significado da sexualidade”. Até hoje, a masturbação e o sexo infértil são considerados antinaturais. Qualquer relação sexual prazerosa é vista como transgressão à ordem natural. O que se observa é que sempre foi maior a rejeição à homossexualidade masculina do que à feminina, pois a última era considerada mera lascívia.

4.                  A Homossexualidade na atualidade e a associação LGBTT

Nas palavras de Maria Berenice Dias (2009, p. 42), desde o século passado, meados da década de 60 e início dos anos 70, houve o aumento da visibilidade de diversas formas de expressão da sexualidade. O movimento de liberação desfraldou suas bandeiras, buscando mudar a conceituação, tanto social como individual, das relações homoafetivas.

Importante ressaltar que, de acordo com a citada autora, desde 1995 o sufixo “ismo”, que designa doença, foi substituído pelo sufixo “dade”, que significa modo de ser, assim a homossexualidade deixou de ser doença.

Conforme os escritos de Veloso citados por Dias (2009, p. 42) sobre a atualidade do mundo homossexual:

Neste novo século, menores restrições pesam sobre os homossexuais, cedendo a intolerância a uma atitude de maior compreensão. Posturas predominantemente negativas são contestadas. Desmascaram-se de falsos preconceitos e errôneos pressupostos estigmatizantes. Começou a ser admitido que a rotulação discriminatória de que são alvo os homossexuais revela comportamento agressivo, obscurantista e violento, e não pode ser admitido ou incentivado.

De acordo com Maria Berenice Dias (2009, pp. 43-44), “a proliferação dos movimentos libertários, estruturados de forma articulada, tem levado à aceitação dessa nova realidade, bastando lembrar as paradas que são realizadas em todas as partes do mundo”. E, Rogério Mesquita (1997) apud Maria Berenice Dias (2009, pp. 43-44) afirma que:

Mais importante, é a constatação de que muito mais prejudicial do que a homossexualidade em si é o avassalador estigma social de que são alvos gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros. São indivíduos que experimentam sofrimento originado na intolerância e no injustificado preconceito social. A busca pela despatologização da homossexualidade visou defini-la como simples variante natural da expressão sexual humana, mostrando um comportamento que determina uma maneira de viver diferente de outros componentes da mesma sociedade.

 

Danda Prado (1995, p. 64), afirma que no século XX, o poder heterossexual e machista deu lugar à família que se tornou um espaço onde se deve assegurar a preservação da dignidade. E, Maria Berenice Dias (2009, p. 42) ensina que no mundo pós-moderno, em nome do respeito à diferença, está sendo construído um conceito plural de família: daí o direito das famílias.

No decorrer do tempo, apesar do crescente preconceito que envolve esses relacionamentos, sua prática continua, inclusive com a intensificação dos movimentos gays por todo o mundo. Como assevera Luís Roberto Barroso (2007, p. 06), “a homossexualidade não é uma opção, mas um fato da vida, que não viola qualquer norma jurídica nem é capaz, por si só, de afetar a vida de terceiros”.

Barroso (2006, p. 06) complementa essa afirmação dizendo que é inquestionavelmente válida para o Brasil, assim como para a maioria dos países. Nem mesmo a Suprema Corte norte-americana, em sua atual tendência conservadora, ousou dizer o contrário. No julgamento do caso Lawrence et. al. v. Texas, (...), declarou-se a inconstitucionalidade da criminalização da chamada sodomia.

E, de acordo com Maria Berenice Dias (2009, p. 48), o neologismo homoafetividade busca evidenciar que as uniões de pessoas do mesmo sexo nada mais são do que vínculos de afetividade.

A autora (2009, p. 49) lembra que, na primeira edição do Festival de Cinema e Vídeo Mix Brasil, no ano de 1993, surgiu a sigla GLS (gays, lésbicas e simpatizantes). Quando os organizadores do evento perceberam que, apesar de a maioria do público frequentador ser de gays e lésbicas, havia também uma parcela que não era homossexual. Resolveram, então, chamar esse grupo não-homossexual de simpatizantes, expressão advinda da inglesa gay friendly, que literalmente significa: amigável ao gay.

Dias (2009, p. 49) afirma que com o tempo agregou-se à sigla a letra “B”, que identifica os bissexuais, e a letra “T”, para contemplar transexuais e travestis. Com o surgimento da expressão transgênero, chegou a se usar GLBTTT. A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT foi criada em 31.01.1995, com 31 grupos fundadores. Em 2008 a GLBT era a maior rede, na América Latina, composta por 203 organizações, sendo 141 grupos de gays, lésbicas, travestis e transexuais, e mais 62 organizações colaboradoras voltadas aos direitos humanos e AIDS. Na assembleia realizada por ocasião da Conferência Nacional, em junho de 2008, foi aprovada a alteração da sigla para LGBTT. A referência inicial é às lésbicas, depois aos gays e aos bissexuais. Os travestis, transexuais e transgêneros são contemplados pelos dois “T”. A nova grafia, ao tornar mais visível a homossexualidade feminina, coaduna-se com as expressões utilizadas internacionalmente.

Atualmente, conforme informações do site oficial, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT é uma rede nacional de 237 organizações afiliadas. É a maior rede LGBT na América Latina, tendo como missão a promoção da cidadania e defesa pelos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, contribuindo para a construção de uma democracia sem quaisquer formas de discriminação, afirmando a livre orientação sexual e identidades de gênero.

O site informa, ainda, que, atualmente, as linhas prioritárias de atuação da ABGLT incluem: o monitoramento da implementação das decisões da I Conferência Nacional LGBT; o monitoramento do Programa Brasil Sem Homofobia; o combate à homofobia nas escolas; o combate à AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis; o reconhecimento de Orientação Sexual e Identidade de Gênero como Direitos Humanos no âmbito do Mercosul; Advocacy no Legislativo, no Executivo e no Judiciário; a capacitação de lideranças lésbicas em direitos humanos e advocacy; a promoção de oportunidades de trabalho e previdência para travestis; a capacitação em projetos culturais LGBT. Algumas destas linhas de trabalho são apoiadas por projetos específicos que são executadas pela ABGLT, por meio de organizações afiliadas. Segundo o Censo Demográfico 2010, o país tem mais de 60 mil casais homossexuais, que desejam ter assegurados direitos como herança, comunhão parcial de bens, pensão alimentícia e previdenciária, licença médica, inclusão do companheiro como dependente em planos de saúde, entre outros benefícios.

Importante analisar brevemente a questão da homofobia neste item da atualidade, tendo em vista os inúmeros crimes cometidos contra os homossexuais, exatamente, por estes existirem. Cabe, em primeira análise, que a palavra homofobia é um termo que combina a palavra grega phobos, que significa fobia, com o prefixo homo, fazendo uma remissão à palavra homossexual. A fobia também tem o significado de aversão ou repulsa em geral, por qualquer que seja o motivo.

É sempre bom lembrar que a Constituição Federal de 1988 define como objetivo fundamental da República, no art. 3º, IV, o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas de discriminação. Assim, verifica-se que a expressão quaisquer outras formas refere-se a todas as formas de discriminação não mencionadas explicitamente no artigo, incluindo a orientação sexual. Atualmente, a homofobia não é criminalizada, apesar de haver alguns esforços para o combate de tal prática criminosa.


5.                  Conceitos doutrinários

São vários conceitos importantes para explicar as relações homoafetivas com intuito de formar famílias e, com isso, fazer jus a direitos inerentes a todo indivíduo capaz de conviver em sociedade. Aqui, serão mencionados apenas alguns.

5.1.            Conceito de Homoafetividade ou homossexualidade

Atualmente, entende-se que os relacionamentos afetivos, independentemente de sexo, são protegidos pela dignidade da pessoa humana. Isto porque tais relacionamento tem por base o afeto, assim, por óbvio, é necessário o reconhecimento de tais relações sem diversidade de sexos, ou seja, deve-se reconhecer todos os relacionamentos incluindo aqueles formados por pessoas do mesmo sexo.

Maria Berenice Dias (2005), reconhece tais relacionamentos com a seguinte assertiva:

Preconceitos de ordem moral não podem levar à omissão do Estado. Nem a ausência de leis nem o conservadorismo do Judiciário servem de justificativa para negar direitos aos vínculos afetivos que não têm a diferença de sexo como pressuposto. É absolutamente discriminatório afastar a possibilidade de reconhecimento das uniões estáveis homossexuais. São relacionamentos que surgem de um vínculo afetivo, gerando o enlaçamento de vidas com desdobramentos de caráter pessoal e patrimonial, estando a reclamar regramento jurídico.

O termo homoafetividade foi cunhado pela própria Maria Berenice Dias em seu livro (2009. p. 15), para quebrar paradigma. Não só para afastar o uso de termos marcados pelo preconceito, mas muito mais para deixar evidenciado que a origem do vínculo que une os pares, sejam do sexo que forem, é o afeto. De acordo com a referida autora (2009, p. 35), a homossexualidade não é uma doença como também não se trata de uma opção sexual, significando que as uniões de pessoas do mesmo sexo nada mais são do que vínculos de afetividade. Homoafetividade é uma expressão que identifica com mais precisão o elo que vincula quem ama pessoa do mesmo sexo.

E, segundo Fabiana Marion Spengler (2003, p. 250), “a homossexualidade vem caracterizada pela atração sexual e prática de atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Da mesma forma, a homossexualidade pode ser masculina e feminina, sendo que os homossexuais são identificados, respectivamente, como gays e lésbicas”.

Homossexualidade está ligada à ideia de sexualidade, a qual, conforme os estudos de Daniel Helminiak (1998, p. 27),

Significa muito mais do que a excitação física e o orgasmo. E, ligada à sexualidade da pessoa está a capacidade de sentir afeto, de admirar uma outra pessoa, de se sentir emocionalmente próxima da outra, de se envolver com paixão. A sexualidade está no cerne da maravilhosa experiência humana de apaixonar-se, de sermos atingidos pela beleza do outro, saindo de nós mesmos para unirmo-nos de tal maneira a outro ser humano, que passamos a avaliar nossa vida não apenas em função daquilo que é bom para nós, mas também em função daquilo que é bom para o outro. A sexualidade é parte integrante da capacidade humana de amar. Pois não somos apenas seres intelectuais, tomando decisões calculadas para agradar alguém; somos seres emocionais e físicos também. Ser humano significa tudo isso, e é o que vem à tona quando amamos.

De acordo com Félix López Sánchez (2009, p. 29), as possibilidades de relação sexual entre homoafetivos é muito semelhante a dos heterossexuais, nem melhores nem piores, uma vez que cada pessoa faz somente o que seu companheiro e ela mesma gostam. E, do ponto de vista afetivo, não há diferenças que possamos perceber, exceto a orientação do desejo: a atração, o apaixonar-se, a intimidade, o compromisso na relação, o afeto, a empatia, os cuidados e o apego, são vividos de igual forma pelos homossexuais. De fato, nesses aspectos tão importantes em um relacionamento amoroso, as diferenças se devem a outros fatores (como se estão apaixonados, se sabem cuidar um do outro), e não à orientação do desejo.

As normas constitucionais que consagram o direito à igualdade proíbem discriminar a conduta afetiva no que respeita à inclinação sexual. A discriminação de um ser humano em virtude de sua orientação sexual constitui, conforme afirma Roger Raupp Rios, precisamente, uma hipótese (constitucionalmente vedada) de discriminação sexual.  (DIAS, 2005).

Conforme se pode verificar em todo este trabalho monográfico, rechaçar e até mesmo tratar de maneira discriminatória e violenta as uniões homossexuais é afastar totalmente o princípio insculpido no art. 3º, IV, da Constituição Federal, o qual é dever do Estado promover o bem de todos, vedada qualquer discriminação, não importando de que ordem ou tipo.

A relação entre a proteção da dignidade da pessoa humana e a orientação homossexual é direta, pois o respeito aos traços constitutivos de cada um, sem depender da orientação sexual, é previsto no artigo 1º, inciso 3º, da Constituição, e o Estado Democrático de Direito promete aos indivíduos, muito mais que a abstenção de invasões ilegítimas de suas esferas pessoais, a promoção positiva de suas liberdades. (GIORGIS, 2002, p. 244).

5.2.            Origem e Conceito de Família

A autora Maria Berenice, em seu outro livro (2007, p. 27), diz que

(...) a família é uma construção social organizada através de regras culturalmente elaboradas que conformam modelos de comportamentos. Dispõe de estruturação psíquica na qual todos ocupam um lugar, possuem uma função, lugar do pai, lugar da mãe, lugar dos filhos, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente. É a preservação do LAR no seu aspecto mais significativo: Lugar de Afeto e Respeito.

Hironaka (1999, p. 7) conceitua família como “[...] é uma entidade histórica, ancestral como a historia, interligada com os rumos e desvios da historia ela mesma, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria historia através dos tempos [...]; a historia da família se confunde com a historia da própria humanidade”.

Maria Berenice Dias (2007, p. 27) também analisa a questão do casamento afirmando que o intervencionismo estatal levou à instituição do casamento: convenção social para organizar os vínculos interpessoais. A própria organização da sociedade dá-se em torno da estrutura familiar, e não em torno de grupos outros ou de indivíduos em si mesmos. A sociedade, em determinado momento histórico, institui o casamento como regra de conduta. Essa foi a forma encontrada para impor limites ao homem, ser desejante que, na busca do prazer, tende a fazer do outro um objeto. É por isso que o desenvolvimento da civilização impõe restrições à total liberdade, e a lei jurídica exige que ninguém fuja dessas restrições.

Em uma sociedade conservadora, os vínculos afetivos, para merecerem aceitação e reconhecimento jurídico, necessitam ser chancelados pelo que se convencionou chamar de matrimônio. De acordo com a brilhante autora (2007, p. 28),

A família tinha uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. Sendo entidade patrimonializada, seus membros eram força de trabalho. O crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a todos. O núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal.

Maria Berenice Dias (2007, p. 28) continua descrevendo como a família formada pelo vínculo do afeto foi-se desenvolvendo ao longo da história.

Esse quadro não resistiu à revolução industrial, que fez aumentar a necessidade de mão-de-obra, principalmente nas atividades terciárias. Assim a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o home de ser a única fonte de subsistência da família, que se tornou nuclear, restrita ao casal e a sua prole. Acabou a prevalência do caráter produtivo e reprodutivo da família, que migrou para as cidades e passou a conviver em espaços menores. Isso levou à aproximação dos seus membros, sendo mais prestigiado o vínculo afetivo que envolve seus integrantes. Existe uma nova concepção da família, formada por laços afetivos de carinho, de amor. A valorização do afeto nas relações familiares não se cinge apenas ao momento de celebração do casamento, devendo perdurar por toda a relação. Disso resulta que, cessado o afeto, está ruída a base de sustentação da família, e a dissolução do vínculo é o único modo de garantir a dignidade da pessoa.

A proteção à família foi outorgada pela Constituição Federal de 1988, independente da celebração do casamento, indicando o novo conceito, tutelando sobretudo os vínculos afetivos, sem restringir sexo, cor, idade. O art. 226, não é um rol taxativo, sim, exemplificativo, fazendo referência à união estável entre homem e mulher como entidade familiar, incluindo também como família, a comunidade formada por qualquer dos pais e a prole.

O caput do art. 226 é cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade, conforme afirma Paulo Luiz Lôbo (2002, p. 95).

Segundo Diogo de Calasans Melo Andrade (1999, p. 101), o caput do art. 226, da Constituição, não conceituou a família, e, pela simples leitura dos seus §§ 3º e 4º, percebe-se que não existe exclusão de outras entidades, mas, ao contrário, que aquelas ali expostas (união estável e monoparental) são, somente, exemplos de família. Veja-se o citado artigo:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...) Omissis;

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Andrade (1999, p. 101), lembra que não se pode fazer uma interpretação gramatical do dispositivo, mas inseri-lo no contexto da realidade social em que vivemos, que fundamental a família nos laços de afeto, e interpretá-lo conforme os princípios constitucionais. Entende que, mesmo para os conservadores que entendem que o rol do citado artigo é taxativo, não se pode esquecer que tais conceitos devem ser vistos segundo os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da afetividade jurídica.

Pluralizou-se o conceito de família, que não mais se identifica pela celebração do matrimônio. Não há como afirmar que o art. 226, § 3º, da Constituição Federal, ao mencionar a união estável formada entre um homem e uma mulher, reconheceu somente essa convivência como digna da proteção do Estado. O que existe é uma simples recomendação em transformá-la em casamento. Em nenhum momento é dito não existirem entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo. Exigir a diferenciação de sexos do casal para merecer a proteção do Estado é fazer distinção odiosa, segundo Suannes (1999, p. 32) postura nitidamente discriminatória, que contraria o princípio da igualdade, ignorando a vedação de diferenciar pessoas em razão de seu sexo (DIAS, 2005).

Paulo Iotti Vecchiatti (2007, p. 70) afirma que o elemento material formador da família é o amor familiar, que é o amor que vise a uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura, por força da interpretação teleológica dos enunciados normativos atinentes à união estável. É, inclusive, o que foi reconhecido normativamente pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), que reconheceu a união formada por indivíduos que se consideram aparentados por vontade expressa, o que ensejou o reconhecimento legal da família homoafetiva.

No saber de Diogo de Calasans Melo Andrade em seu Artigo Adoção por casais homossexuais (1999, p. 101), as uniões homoafetivas apresentam todas as características essenciais para a configuração das entidades familiares, uma vez que essas relações estabelecem uma relação de afeto, respeito, consideração e auxílio mútuo, apresentando-se, para a sociedade, como parceiros, numa relação de forma contínua e duradoura, comportando-se de forma similar a qualquer casal heterossexual.

De acordo com Érica Harumi Fugie (2002, p. 135),

O fato de se estabelecer uma autêntica affectio maritalis entre pessoas do mesmo sexo não configura uma comunidade familiar? A união consensual dos companheiros homossexuais, com vistas à comunidade de vida e de interesses não merece o mesmo reconhecimento jurídico das uniões estáveis entre pessoas do sexo oposto? Não há, pois, obstáculo algum para que o conceito de união estável estenda-se tanto às relações homossexuais quanto às heterossexuais. A convivência diária, estável, sem impedimentos, livre, mediante comunhão de vida e de forma pública e notória na comunidade social independe da orientação sexual de cada qual. Inexiste razão para não se outorgar reconhecimento jurídico às uniões afetivas entre pessoas do mesmo sexo.

Taísa Ribeiro Fernandes (2004, p. 68) fala acerca do assunto:

Tais parcerias representam, sim, uniões estáveis; só não são, é claro, as uniões estáveis entre homem e mulher de que trata a Constituição naquele dispositivo. Mas todo regramento sobre as uniões estáveis heterossexuais pode ser estendido às parcerias homossexuais, dada a identidade das situações, ou seja, estão presentes, tanto em uma quanto em outra, os requisitos de uma vida em comum, como respeito, afeto, solidariedade, assistência mútua e tantos outros. E se num resíduo de excesso formalístico, estando convencido do pedido, o juiz não se sentir à vontade para proclamar que ali existe uma “união estável” que declare, então, que a situação configura uma entidade familiar, uma relação inequívoca, uma união homossexual, em que os efeitos, praticamente, serão os mesmos, atendendo-se, sobretudo o fundamento constitucional que rejeita o preconceito em razão de sexo – ou orientação sexual, como preferimos.

Paulo Luiz Netto Lôbo (2000) afirma sobre família o seguinte:

A família recuperou a função que, por certo, esteve nas suas origens mais remotas: a de grupo unido por desejos e laços afetivos, em comunhão de vida. O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais, além do forte sentimento de solidariedade recíproca, que não pode ser perturbada pelo prevalecimento de interesses patrimoniais. É o salto, à frente, da pessoa humana nas relações familiares.

Na Constituição Federal de 1988, conforme já dito anteriormente, está, terminantemente, proibido qualquer tipo de discriminação, valorando a igualdade, o direito à intimidade e à vida privada, tidas como cláusulas pétreas, além de promover o bem-estar e a dignidade de todos, como fundamento da República, e é por isso que a desigualdade de tratamento entre os relacionamentos heterossexuais e entre os homoafetivos vão de encontro às premissas constitucionais.

Como bem explica Maria Berenice Dias (2009, p. 15), no atual e ampliativo conceito de família, que tem como único traço identificador a existência de um vínculo de afeto, talvez a regra fundamental para albergar a pluralidade de suas manifestações no âmbito de proteção do Direito seja emprestar juridicidade à célebre frase de Antoine de Saint-Exupèry: tu és responsável pelo que cativas.

5.3.            Conceito de Direito de Família

De acordo com a Ministra Nancy Andrighi (STJ; REsp 1.026.981; Proc. 2008/0025171-7/RJ; 3ª T.; Relª Minª Nacy Andrighi; DJE 23/02/2010) a quebra de paradigmas do Direito de Família tem como traço forte a valorização do afeto e das relações surgidas da sua livre manifestação, colocando à margem do sistema a antiga postura meramente patrimonialista ou ainda aquela voltada apenas ao intuito de procriação da entidade familiar. Hoje, muito mais visibilidade alcançam as relações afetivas, sejam entre pessoas de mesmo sexo, sejam entre o homem e a mulher, pela comunhão de vida e de interesses, pela reciprocidade zelosa entre os seus integrantes.

Para Maria Helena Diniz (2009, p. 03) o direito de família é constituído pelo complexo de normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, a união estável, as relações entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e os institutos complementares da tutela e curatela. É o ramo do direito civil concernente às relações entre pessoas unidas pelo matrimônio, pela união estável ou pelo parentesco e aos institutos complementares de direito protetivo ou assistencial, pois, embora a tutela e a curatela não advenham de relações familiares, têm, devido a sua finalidade, conexão com o direito de família.

Gustavo Tepedino (1999) afirma que a família é nitidamente instrumental:comunidade intermediária, com especial proteção do Estado, na medida em que cumpra o seu papel, a um só tempo dever e justificativa axiológica.

O Direito de Família é tratado no Livro IV do novo Código, estando preceituado entre os artigos 1.511 a 1.783, com divisão em quatro Títulos assim nominados: Do Direito Pessoal, Do Direito Patrimonial, Da União Estável, Da Tutela e Da Curatela.

Maria Berenice Dias (2007, p. 27) dispõe que a família é uma construção social organizada através de regras culturalmente elaboradas que conformam modelos de comportamento. E, sendo a base da sociedade, recebe especial atenção do Estado (CF 226). Sempre se considerou que a maior missão do Estado é preservar o organismo familiar sobre o qual repousam suas bases. A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece (XVI 3): A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção  da sociedade e do Estado. A família é tanto estrutura pública como relação privada, pois identifica o indivíduo como integrante do vínculo familiar e também como partícipe do contexto social. O direito de família, por dizer respeito a todos os cidadãos, revela-se como o recorte da vida privada que mais se presta às expectativas e mais está sujeito a críticas de toda sorte.

Dias (2007, p. 30-31) acrescenta que o legislador não consegue acompanhar a realidade social nem contemplar as inquietações da família contemporânea.

A sociedade evolui, transforma-se, rompe com tradições e amarras, o que gera a necessidade de constante oxigenação das leis. A tendência é simplesmente proceder à atualização normativa, sem absorver o espírito das silenciosas mudanças alcançadas no seio social, o que fortalece a manutenção da conduta de apego à tradição legalista, moralista e opressora da lei. O influxo da chamada globalização impõe constante alteração de regras, leis e comportamentos. No entanto, a mais árdua tarefa é mudar as regras do direito das famílias. Quando se trata das relações afetivas, afinal é disso que trata o direito das famílias, a missão é muito mais delicada em face de seus reflexos comportamentais que interferem na própria estrutura da sociedade. É o direito que diz com a vida das pessoas, seus sentimentos, enfim, com a alma do ser humano.

O certo é que, citando Maria Cláudia Crespo Brauner (2004, p. 257), para compreender a evolução do direito das famílias deve-se ter como premissa a construção e a aplicação de uma nova cultura jurídica, que permita conhecer a proposta de proteção às entidades familiais, estabelecendo um processo de repersonalização dessas relações, devendo centrar-se na manutenção do afeto, sua maior preocupação.

5.4.            Conceito de Casamento Civil

Segundo Maria Helena Diniz (2009, p. 37), o casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família. Para ela, o matrimônio não é apenas a formalização ou legalização da união sexual, mas a conjunção de matéria e espírito de dois seres de sexo diferente para atingirem a plenitude do desenvolvimento de sua personalização, através do companheirismo e do amor. Afigura-se como uma relação dinâmica e progressiva entre marido e mulher, onde cada cônjuge reconhece e pratica a necessidade de vida em comum, para ajudar-se, socorrer-se mutuamente, suportar o peso da vida, compartilhar-se o mesmo destino e perpetuar a espécie.

Conforme o Código Civil, art. 1514, o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.

Para Oliveira e Muniz (1990, p. 291), casamento tanto significa o ato de celebração do matrimônio como a relação jurídica que dele se origina: a relação matrimonial. O sentido da relação matrimonial melhor se expressa pela noção de comunhão de vidas, ou comunhão de afetos. E, seguem afirmando (1990, p. 293) que o ato do casamento cria um vínculo entre os noivos, que passam a desfrutar do estado de casados. A plena comunhão da vida é o efeito por excelência do casamento (grifos dos autores).

A partir desta disposição, existem várias correntes que definem a natureza do casamento. Uma primeira, de natureza institucionalista, para qual o casamento é uma instituição social, na medida em que é conjunto de regras aceitas por todos para regular as relações entre cônjuges. Para uma segunda, de natureza contratual, o casamento é um acordo de vontades, sendo um certo tipo de contrato especial, em relação aos direitos e deveres peculiares que possui. Há, ainda, alguns autores que entendem que, enquanto celebração, o casamento é contrato, e, enquanto vida comum, é uma instituição social (FIÚZA, 2006, p. 944).

Ainda neste diapasão César Fiúza (2006, p. 943) afirma que “segundo nosso Direito em vigor, casamento é a união estável e formal entre homem e mulher, com o objetivo de satisfazer-se e amparar-se mutuamente, constituindo família”.

6.                  Princípios constitucionais importantes para a viabilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo

Há vários princípios fundamentais para assegurar a proteção jurídica dos indivíduos formadores da sociedade. E, a eles, deve-se recorrer na falta do direito positivo. Para este trabalho, três são os mais importantes. São eles: o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o Princípio da Igualdade e o Princípio da Felicidade.

6.1.            Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

A Constituição Federal de 1988 proclama, expressamente, a dignidade da pessoa humana em seu artigo 1º, inciso III, vide abaixo:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...) Omissis;

III - a dignidade da pessoa humana. (grifei)

O fundamento constitucional foi a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha que foi a primeira a erigir a dignidade da pessoa humana em direito fundamental expressamente estabelecido no seu art. 1º, n. 1, declarando: “A dignidade humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os Poderes estatais”. Fundamentou a positivação constitucional desse princípio, de base filosófica, o fato de o Estado Nazista ter vulnerado gravemente a dignidade da pessoa humana mediante a prática de horrorosos crimes políticos sob a invocação de razões de Estado e outras razões. Os mesmos motivos históricos justificaram a declaração do art. 1º da Constituição Portuguesa, segundo o qual: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”; e também a Constituição Espanhola, cujo art. 10, n. 1, estatui: “A dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos direitos dos demais são fundamentos da ordem política e da paz social”. E assim, também, a tortura e toda sorte de desrespeito à pessoa humana praticado sob o regime militar levaram o constituinte brasileiro a incluir a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme o disposto no inciso III do art. 1º da CF de 1988 (SILVA, 2006, p. 37).

 

Oscar Vilhena Vieira (2006, p. 65) afirma que “a ideia de dignidade humana está, portanto, vinculada à nossa capacidade de nos conduzirmos pela nossa razão e não nos deixarmos arrastar apenas pelas nossas paixões”. E, segue dizendo que o princípio da dignidade, expresso no imperativo categórico, refere-se substantivamente à esfera de proteção da pessoa enquanto fim em si, e não como meio para a realização de objetivos de terceiros (VIEIRA, 2006, p. 67).

José Afonso da Silva (2006, p. 37) considera que a norma compreende dois conceitos fundamentais: a pessoa humana e a dignidade, citando a seguinte filosofia Kantiana:

O homem, como ser racional, existe como fim em si, e não simplesmente como meio, enquanto os seres desprovidos de razão têm um valor relativo e condicionado, o de meios, eis por que se lhes chamam coisas; ao contrário, os seres racionais são chamados de pessoas, porque sua natureza já os designa como fim em si, ou seja, como algo que não pode ser empregado simplesmente como meio e que, por conseguinte, limita na mesma proporção o nosso arbítrio, por ser um objeto de respeito.

De acordo com Roger Rios (2001, p. 89), o princípio jurídico da proteção da dignidade da pessoa humana tem como núcleo essencial a ideia de que a pessoa humana é um fim em si mesma, não podendo ser instrumentalizada ou descartada em função das características que lhe conferem individualidade e imprimem sua dinâmica pessoal. O ser humano, em virtude de sua dignidade, não pode ser visto como meio para a realização de outros fins.

Para Rios (2001, p. 90), as questões relativas à orientação sexual relacionam-se de modo íntimo com a proteção da dignidade da pessoa humana. Esta problemática se revela em face da homossexualidade, dado o caráter heterossexista e mesmo homofóbico que caracteriza a quase totalidade das complexas sociedades contemporâneas.

José Afonso Silva (2006, p. 37) entende que só o ser humano é pessoa, ou seja, que todo ser humano, sem distinção, é pessoa, um ser espiritual, o qual é, ao mesmo tempo, fonte e imputação de todos os valores, consciência e vivência de si próprio. Todo ser humano se reproduz no outro como seu correspondente e reflexo de sua espiritualidade, razão por que desconsiderar uma pessoa significa, em última análise, desconsiderar a si próprio. Por isso é que a pessoa é um centro de imputação jurídica, porque o Direito existe em função dela e para propiciar seu desenvolvimento.

A dignidade, para José Afonso Silva (2006, p. 38) é atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente. Assim, a dignidade entranha e se confunde com a própria natureza do ser humano. E, com relação a proteção constitucional da dignidade humana, a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a princípio, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo sua existência e sua eminência, transformou-a no valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito. Por ser fundamento, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é da ordem política, social, econômica e social, estando na base de toda vida nacional.

6.2.            .Princípio da Igualdade

O princípio da igualdade está prescrito no caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade". É uma norma supraconstitucional com sede no texto constitucional, estando mencionada, inclusive, no Preâmbulo da Constituição. Este princípio tem status de princípio fundamental. Como descreve o autor Roger Raupp Rios (2001, pp. 63 e 64),

O direito de igualdade é entendido como princípio jurídico constitucionalmente vigente, na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais desenvolvida por R. Alexy. Segundo este autor, as normas de direitos fundamentais distinguem-se em normas do tipo princípio e normas do tipo regra. A partir da enumeração dos diversos critérios de distinção correntes, R. Alexy expõe três teorias acerca da distinção. A primeira afirma a impossibilidade de qualquer distinção definitiva, uma vez que a pluralidade de normas efetivamente existente possibilita infindáveis combinações de critérios. A segunda sustenta que a diferenciação entre princípios e regras é apenas de grau de generalidade, compartilhando princípios e regras da mesma realidade. A terceira – por ele adotada – distingue princípios e regras qualitativamente.

Para Marcelo Amaral da Silva (2003), o princípio da igualdade, é um princípio, direito e garantia, Por isso, todas as demais normas devem obediência. Segundo ele, no Direito, tal princípio assumiria um caráter de dupla aplicação, qual seja: uma teórica, com a finalidade de repulsar privilégios injustificados; e outra prática, ajudando na diminuição dos efeitos decorrentes das desigualdades evidenciadas diante do caso concreto. Assim, tal princípio constitucional se constitui na ponte entre o Direito e a realidade que lhe é subjacente. A igualdade de todos os seres humanos, proclamada na Constituição Federal, deve ser encarada e compreendida, basicamente sob dois pontos de vista distintos, quais sejam: o da igualdade material e o da igualdade formal.

O insigne José Afonso da Silva (2006, p. 39), já dizia que "porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou material que busque realizar a igualização das condições desiguais", portanto, o fim igualitário, a muito já era buscado. Todavia, um desafio existe, qual seja: as efetivas desigualdades, de várias categorias, existentes e eventualmente estabelecidas por lei, entre os vários seres humanos, desafiam a inteligência dos juristas a determinar os conceitos de "iguais" e "iguais perante a lei". Assim, cumpre como papel do jurista a interpretação do conteúdo dessa norma, tendo em vista a sua finalidade e os princípios consagrados no Direito Constitucional, para que desta forma o princípio realmente tenha efetividade.

Marcelo Amaral da Silva (2003) entende que a igualdade de todos os seres humanos, proclamada na Constituição Federal, deve ser encarada e compreendida, basicamente sob dois pontos de vista distintos, quais sejam: o da igualdade material e o da igualdade formal.

Sendo o entendimento da igualdade material, deve ser o de tratamento equânime e uniformizado de todos os seres humanos, bem como a sua equiparação no que diz respeito a possibilidades de concessão de oportunidades. Portanto, de acordo com o que se entende por igualdade material, as oportunidades, as chances devem ser oferecidas de forma igualitária para todos os cidadãos, na busca pela apropriação dos bens da cultura. Já igualdade formal, que mais imediatamente interessa ao jurista, é a pura identidade de direitos e deveres concedidos aos membros da coletividade através dos textos legais, estando no art. 5º da CF/88, no qual está prescrito a "igualdade de todos perante a lei" (SILVA, 2003).

Segundo Roger Raup Rios (2001, p. 67), o direito brasileiro compreende o princípio da igualdade na dupla dimensão formal e material, estando presente no nosso direito constitucional positivo, pela simultânea afirmação da “igualdade perante a lei” e da “igualdade na lei”, expressões que encerram distintas e complementares compreensões do direito de igualdade, cuja convivência possibilita o entendimento desse princípio. Raupp (2001, p. 68) segue seu entendimento:

Concebido nestes termos, o direito de igualdade decorre imediatamente do princípio da primazia da lei no Estado de Direito, sem a consideração de quaisquer outros dados que não a abstrata e genérica formulação do mandamento legal, independentemente das peculiares circunstâncias de cada situação concreta e da situação pessoal dos destinatários da norma jurídica.

O objetivo do princípio da igualdade, na sua dimensão formal, é a superação das desigualdades entre as pessoas por intermédio da aplicação da mesma lei a todos, exigindo que se reconheça em todos, “independentemente da orientação homo ou heterossexual, a qualidade de sujeito de direito, o que significa não identifica-lo com a pessoa heterossexual” (RIOS, 2001. p. 69).

Roger Rios (2001, p. 70) faz a diferença entre a igualdade formal, a qual diz respeito à igual aplicação do direito vigente sem distinção com base no destinatário da norma jurídica, sujeito aos efeitos jurídicos decorrentes da normatividade existente, e a igualdade material, a qual exige a igualdade de tratamento pelo direito vigente dos casos iguais, bem como a diferenciação no regime normativo em face de hipóteses distintas.

Konder Comparato (1996) e  Alexandre de Moraes (2007, p. 31) afirmam que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal.

A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos (MORAES, 2007, p. 32).

Esta afirmativa do autor é muito pertinente para este trabalho monográfico, tendo em vista que os homossexuais tem sido tratados pelo legislador brasileiro de forma desigual frente aos heterossexuais, sem que haja a mínima justificativa objetiva, principalmente, razoável.

A não aplicação do direito ao casamento aos homossexuais tem criado ou aumentado desigualdades arbitrárias, principalmente, em relação do legislador brasileiro. E, quando esta desigualdade é sentida no caso em concreto, é o Poder Judiciário que tem resolvido tais lides. Neste sentido, Alexandre de Moraes (2007, p. 36), leciona que  “em especial o Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional no sentido de dar uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas”.

E, hodiernamente, tem-se visto que assim o é, com as jurisprudências do Poder Judiciário no sentido de reconhecer a união estável entre os pares homoafetivos. Contudo, ainda não é suficiente, pois é necessário uma ampliação dos direitos aos pares homoafetivos.

6.3.             Princípio da Felicidade

O Dicionário Escolar da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras define que felicidade é: 1. Qualidade ou estado de quem é ou está feliz. 2. Bem-estar, satisfação, contentamento. 3. Cumprimento que se faz a alguém por algum acontecimento ou data importante.

Segundo Aristóteles, na obra Ética a Nicômaco (2004, p. 68), “a felicidade é a finalidade da natureza humana”. A felicidade é algo louvável e perfeito. Também parece ser assim porque ela é um primeiro princípio e causa dos bens é, conforme afirmamos, algo louvável e divino (2004, p. 36).

A felicidade pressupõe um subjetivismo inerente a cada indivíduo, acarretando certo conceito para cada indivíduo. Desta maneira, o Estado não tem como trazer a felicidade para todas as pessoas, mas deve oferecer condições mínimas para que cada um busque a sua própria felicidade da melhor maneira que lhe convém.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 não trouxe, em seu texto, o direito à busca da felicidade, a despeito de garantir a proteção da dignidade da pessoa humana, como também reconhecer, expressamente, uma série de direitos fundamentais. João Pedro da Silva Rio Lima (2011) disserta sobre a felicidade da seguinte maneira: “Sendo, por isso, um direito fundamental, universal, absoluto e que se alinha ao princípio-mor de dignidade da pessoa humana, o direito à busca da felicidade deve ser tratado de forma expressa em nossa Constituição”.

O Supremo Tribunal Federal, por meio do voto do Ministro Celso de Mello, na ADI 3300/DF de 03/02/2006, reconheceu, em um caso que discutia união estável homossexual, o direito à busca da felicidade como princípio fundamental.

Não obstante as razões de ordem estritamente formal, que tornam insuscetível de conhecimento a presente ação direta, mas considerando a extrema importância jurídico-social da matéria – cuja apreciação talvez pudesse viabilizar-se em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental -, cumpre registrar, quanto à tese sustentada pelas entidades autoras, que o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito e na esfera das relações sociais (grifei).

O Projeto de Emenda à Constituição (PEC) acerca do assunto, de iniciativa do senador Cristovam Buarque, tramita no Congresso Nacional, com o apelido de "PEC da Felicidade" e já aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, o projeto pretende incluir a "busca da felicidade" entre os direitos fundamentais do cidadão brasileiro. Pela proposta, o artigo 6º da Constituição Federal passaria a vigorar com a seguinte redação: Art. 6º. São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

7.                  A INSEGURANÇA JURÍDICA NA UNIÃO FORMADA POR PARES HOMOAFETIVOS CAUSADA PELA FALTA DE LEGISLAÇÃO

Neste capítulo, faz-se necessário conhecer alguns fatos que contribuíram  para a insegurança jurídica na relação formada por pessoas do mesmo sexo. Primeiro, serão mencionadas histórias, todas elas da autora Silva Mendonça do Amaral, as quais demonstram de forma clara o quanto a falta de legislação brasileira já prejudicou indivíduos que resolveram caminhar de forma diferente dos padrões sociais.  Depois serão mencionadas algumas medidas já realizadas pelos poderes Executivo e Judiciário.

7.1.            Histórias de casais homoafetivos que não obtiveram a tutela jurídica

Silva Mendonça do Amaral (2010, pp. 19-44) conta várias histórias de casais homoafetivos que recorreram à Justiça Brasileira e não obtiveram a proteção necessária para a satisfação dessas relações familiares. Neste trabalho, serão apresentadas apenas três.

A primeira delas, ocorrida em 2007, é a história de João Carlos e Augusto, os quais viveram juntos durante sete anos, em uma relação de amor, afeto e muitos cuidados. Augusto adquiriu o vírus da HIV, permanecendo durante seus últimos três anos de vida numa rotina de internações e altas cada vez mais freqüentes. João cuidou de Augusto até o fim, só vindo a conhecer a família de Augusto no dia da morte de seu amado, a qual não se relacionava com João nem com Augusto devido à orientação sexual dos dois. Durante vários anos, Augusto viveu às custas de João, uma vez que não podia trabalhar. Após a morte de Augusto, a dita família requereu judicialmente que João Carlos desocupasse o imóvel no qual o casal residira durante todos aqueles anos de relacionamento, passando-lhes sua posse, tendo aberto o inventário dos bens de Augusto, que não eram poucos, contando um imóvel e uma boa soma em dinheiro aplicada e depositada em conta-corrente.

 

João resolveu buscar seus direitos utilizando: ingressou com uma ação de reintegração de posse; apresentou no inventário dos bens deixados por Augusto, informando ao juiz que era companheiro homoafetivo de Augusto; entrou, também, com uma ação objetivando o reconhecimento da união estável existente entre eles perante uma vara de família e sucessões. Para que João Carlos obtivesse qualquer dos direitos pleiteados (reintegração de posse, participação na herança deixada por Augusto e obtenção de pensão), era imprescindível que fosse reconhecida a existência de uma união estável entre eles.

João Carlos perdeu nessa demanda, pois o juiz que analisou o processo imediatamente entendeu que não poderia ser responsável por um processo que tinha como objetivo reconhecer a existência de união estável, já que para ele tal forma de relacionamento não era permitida entre casais homossexuais por ausência de previsão legal, entendendo que era uma sociedade de fato relacionada à vara cível, conforme Súmula 380 (de 1964), que assim diz: “Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Com o surgimento da união estável, os concubinos passaram a ser aqueles que mantêm relacionamento como amantes. São aqueles que não podem se casar, diferente do que ocorre na união estável, mas, evidente, podem construir patrimônio que, eventualmente, terá de ser partilhado.

João Carlos perdeu também em segunda instância, pois a sentença foi mantida. João Carlos perdeu a oportunidade de ver reconhecida sua união homoafetiva e de fazer parte da partilha dos bens deixados por Augusto, com quem viveu como se fosse o seu único familiar durante sete anos e de quem cuidou incansavelmente por três anos, abdicando de sua vida pessoal, inclusive profissional.

A segunda história ocorreu em 1998. Os protagonistas eram Marcelo e Jaime, os quais viveram juntos entre 1982 a 1989, quando Jaime faleceu vitimado por doença decorrente da AIDS. Durante o relacionamento, eles adquiriram um apartamento que foi registrado apenas em nome de Jaime por facilidades em relação ao financiamento bancário, porém houve participação financeira idêntica de ambos, ficando estabelecido entre o casal que quando o imóvel fosse quitado, Jaime passaria metade dele para o nome de Marcelo, além de terem montado três empresas, das quais eram sócios. Ocorre que antes de parte do imóvel ser passada para o nome de Marcelo, Jaime faleceu, o que acarretou a falência das três empresas, gerando dívidas trabalhistas, que foram quitadas por Marcelo, na condição de sócio (AMARAL, 2010, p. 48).

Após a morte de Jaime, João, o pai de Jaime, pleiteia para si a integralidade do imóvel adquirido pelo casal, porém registrado apenas em nome de seu filho, além de ter ingressado com uma ação para que Marcelo o desocupasse. O que levou Marcelo a entrar com uma ação requerendo para si metade do imóvel, além de pleitear a permanência no apartamento. Na ação, cobrou do pai de Jaime metade das dívidas trabalhistas deixadas pelas empresas e indenização por danos morais, já que João abandonara o próprio filho doente, cabendo a Marcelo todos os cuidados com ele. Eles ainda tornaram pública a causa da morte de Jaime, criando-se em torno dele imediata suspeita, tendo sido, por isso, isolado pela sociedade, e isso, somado ao seu sofrimento e angústia, teria ceifado sua capacidade produtiva (AMARAL, 2010, p. 49 a 50).

A ação foi julgada procedente em parte. Marcelo teria direito à metade do imóvel por ter contribuído em tal proporção para sua compra, garantindo-lhe a permanência no imóvel, porém perdeu em segunda decisão, tendo ficado estabelecido que João ficaria com a totalidade do imóvel, que Marcelo deveria desocupá-lo e, pior, pagar a João um valor a título de aluguel do imóvel durante o período que ficou lá residindo, sem poder tê-lo feito, já que não era seu proprietário (AMARAL, 2010, p. 51 e 52).

E, por último, (AMARAL, 2010, p.p 96 a 99), a terceira história ocorreu com Bianca e Marta. Elas viveram juntas por anos em união estável, porém Marta viu-se extremamente prejudicada, já que os bens constantes do inventário deveriam ter sido partilhados com ela antes de inventariados e partilhados entre os herdeiros. O entendimento de Marta era o de que não poderiam ser transmitidos para os herdeiros de Bianca todos os bens, já que ela havia contribuído para a aquisição deles, para a formação do patrimônio, sendo o mais justo seria, antes de proceder a partilha de todos os bens no inventário, separar o que caberia a Marta e somente a outra parte ser dividida entre os herdeiros de Bianca.

Marta pediu o reconhecimento e a dissolução de sociedade de fato, sem arriscar-se a pedir o reconhecimento da união estável, porém mesmo assim viu seu pedido negado no Tribunal de Justiça.

Ainda bem que atualmente, no Brasil, a maior fonte de concessão de direitos aos homossexuais advêm não das leis, e, sim, das decisões proferidas por uma pequena parcela dos julgadores do sistema judiciário brasileiro.

7.2.            Algumas medidas realizadas pelos poderes Executivo e Judiciário acerca do reconhecimento da união estável entre homoafetivos, utilizando a analogia e a interpretação extensiva

É importante destacar algumas medidas tomadas pelos poderes Executivo e Judiciário, as quais são muito significativas para assegurar direitos aos casais homoafetivos. Elas ajudam a diminuir as injustiças sofridas por esse segmento da população brasileira.

7.2.1.      Medidas do Poder Executivo para tutelar os casais homoafetivos

Segundo Maria Berenice (2009, p. 82), quer em decorrência de decisões judiciais com eficácia erga omnes, quer atendendo a pedidos formulados em sede administrativa, várias instâncias da iniciativa privada e da administração pública vêm baixando provimentos, instruções normativas e ofícios circulares garantindo direitos ou assegurando a concessão de benefícios a parceiros homossexuais. Assim, é dispensado o uso da máquina judiciária.

Em decorrência de decisão liminar proferida pela Justiça Federal de São Paulo, em ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP expediu Circular 257/2004, regulamentando o direito do companheiro sobrevivente homossexual à percepção do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre – Seguro DPVAT. O companheiro é reconhecido como beneficiário do seguro na mesma condição de dependente preferencial. Além da indenização por morte, o seguro dá cobertura para o caso de invalidez e cobre despesas médicas até determinado valor (DIAS, 2009, p. 83).

A Resolução Normativa 77/2008, do Conselho Nacional de Imigração, dispõe sobre os critérios para a concessão de visto temporário ou permanente, ou permanência definitiva, ao companheiro estrangeiro de um brasileiro, sem distinção de sexo, garantindo aos estrangeiros os mesmos direitos que o casamento assegura. A concessão de visto funda-se na dependência econômica e vinculação afetiva. Essas duas condições estão presentes no convívio de duas pessoas, sejam ou não elas do mesmo sexo (DIAS, 2009, p. 84).

Em decorrência de decisão, no âmbito da Justiça Federal, o Instituto Nacional de Seguro Social expediu a Instrução Normativa n. 25/2000, a qual estabelece a concessão de pensão por morte e auxílio reclusão para o companheiro homossexual (DIAS, 2009, p. 85).

De acordo com o sítio oficial da Fazenda Federal, a Receita Federal decidiu aceitar, em 2011, na entrega da declaração do Imposto de Renda, a inclusão de parceiros homossexuais como dependentes para fins de dedução. A Receita Federal se baseou no parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (Parecer 1530/10), a qual se mostra convicta da constitucionalidade da decisão da Receita de aceitar que homossexuais que tenha sua união estável reconhecida pela justiça incluam seus parceiros ou parceiras como dependentes para fins de dedução. O parecer da Procuradoria Geral da Fazenda leva em conta a Portaria 513/10 do Ministério da Previdência, que considerou os parceiros homossexuais, em caso de união estável reconhecida pela Justiça, como dependentes para fins previdenciários.

O site da Receita Federal do Brasil, ainda, informa que o Ministro fez isso não só amparado pelo artigo 87 da Constituição Federal, em cujo parágrafo único, inciso II, está claro que ao Ministro de Estado compete “expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos”, mas também amparado pelo Artigo 109 do Código Tributário Nacional, que deslegitima a transposição de conceitos do direito privado para o direito tributário. Ou seja, mesmo que o Código Civil, por enquanto, reconheça, para fins de proteção do Estado, apenas a União Estável entre homem e mulher, o Artigo 109 do Código Tributário Nacional é claro: “Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários”.

7.2.2.       Jurisprudências favoráveis à união estável entre pessoas do mesmo sexo e decisão unânime do Supremo Tribunal Federal acerca do assunto

A Jurisprudência de 2ª Instância, ainda, encontra-se dividida sobre o tema, embora pareça ser minoritária a tese de reconhecimento da união estável homoafetiva tem se mostrado crescente. Seguem alguns exemplos:

HOMOSSEXUAIS. UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante os princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. (TJ/RS, Apelação Cível No. 598362655, 8ª Câmara Cível, Relator Desembargador José Trindade, em 01/03/00, v.u. - sem grifos e destaques no original)

Constitucional. Civil. Família. União estável. Pessoas do mesmo sexo. Relação homoafetiva. Artigo 3o inciso IV, da Constituição Federal. A Constituição Federal é expressa no sentido de que constitui objetivo fundamental da República a promoção do bem de todos, tornando defeso qualquer tipo de preconceito ou discriminação ligada a condições que sejam inerentes à pessoa humana. (TJ/RJ, Apelação Cível No. 2006.001.06195, Relator Desembargador Marco Antonio Ibrahim, julgado em 04/07/06 - sem grifos e destaques no original)

UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMÔNIO. MEAÇÃO. PARADIGMA. Não se permite mais o farsaismo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem consequências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevados sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na constância do relacionamento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica. Apelação provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo entre os parceiros. (TJ/RS, Apelação Cível No. 70001388982, 7ª Câmara Cível, Relator Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, por maioria - sem grifos e destaques no original)

UNIÃO HOMOAFETIVA. PENSÃO. SOBREVIVENTE. PROVA DA RELAÇÃO. POSSIBILIDADE - À união homoafetiva que irradia pressupostos de união estável deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo reconhecer os direitos decorrentes deste vínculo, pena de ofensa aos princípios constitucionais da liberdade, da proibição de preconceitos, da igualdade e dignidade da pessoa humana. (TJ/MG, Apelação Cível No. 1.0024.05.750258-5/002(1), Relator Desembargador Belizário de Lacerda, v.u., julgado em 04/09/07 - sem grifos no original)

As jurisprudências citadas demonstram claramente a possibilidade jurídica da união estável homoafetiva, por analogia e com base nos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana. Como se vê, um mínimo de bom senso e conhecimento de hermenêutica jurídica supera a lacuna legal para tanto, o que denota que a ausência de lei expressa não impossibilita o direito.

Atualmente, para casos tais, o art. 4º da LICC impõe ao juiz exercer a analogia quando da lacuna da lei, donde, por ser a relação homoafetiva análoga à união estável, embora dela diferente, em virtude do seu caráter estável, duradouro e afetivo, é cabível a aplicação da analogia para estender o regime jurídico da união estável às uniões homoafetivas.

A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica. (REsp 238.715/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA. STJ. Julgado em 07.03.2006, DJ 02.10.2006 p. 263). Diante do § 3º do art. 16 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, aligizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva. (REsp 395.904/RS, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA. STJ. Julgado em 13.12.2005, DJ 06.02.2006 p. 365) (grifei)

Paulo Roberto Iotti Vecchiatti (2011), comenta sobre o REsp 395.904/RS acerca da concessão de pensão por morte a companheiros:

No REsp 395.904/RS, que versou sobre caso previdenciário, manifestou-se o Ministro Hélio Quaglia Barbosa no sentido de que não merece prosperar a tese no sentido de suposta impossibilidade de concessão de pensão por morte a companheiro homossexual em razão da ausência de previsão legal, na medida em que a matéria versa exclusivamente sobre Direito Previdenciário e não sobre Direito de Família, donde não é apenas o art. 226, §3o da CF/88 que deve ser analisado, mas também o princípio da igualdade, que jamais pode estar dissociado do princípio da justiça, em seu sentido mais puro. Ademais, apontou o Ministro que não há igualdade jurídica no não-direito, donde, a negativa de direitos fundamentais, entre eles o de sobrevivência, mediante percebimento de benefícios previdenciários a pessoas que, se fossem de sexos diferentes, lograriam êxito em auferi-los, implica o surgimento de um não-direito, situação que fere a isonomia constitucional. Apontou, ainda, que o teor do art. 226, §3o da CF/88 conceituou a união estável sem, contudo, excluir a relação homoafetiva, assim como inexiste tal espécie de exclusão no campo do Direito Previdenciário, que não se identifica com o Direito de Família. Assim, reconheceu a existência de uma lacuna que deve ser preenchida mediante acesso a outras fontes do Direito, nos termos do art. 4o da LICC, incumbindo ao Judiciário, através dos princípios hermenêuticos, preencher as lacunas existentes na lei, adequando-as às necessidades sociais. Apontou que pretender, com esteio em regras estratificadas, alijar parte da sociedade - inserida nas relações homoafetivas, da tutela do Poder Judiciário, por falta de previsão legal expressa, constituirá ato discriminatório, inaceitável à luz do princípio insculpido no art. 5o, caput, da Constituição Federal. Afirmou que, apesar do Direito não regular sentimentos, dispõe ele sobre os efeitos que a conduta determinada por esse afeto pode representar como fonte de direitos e deveres, criadores de relações jurídicas previstas nos diversos ramos do ordenamento, algumas interessando no Direito de Família, como o matrimônio civil e, hoje, a união estável, outras ficando a margem dele, lembrando que a própria mulher, por séculos a fio, era tratada pelo sistema jurídico como relativamente incapaz. Dessa forma, reconheceu como suficientemente preenchidas as exigências da Lei n. 8.213/91, comprovadas a qualidade de segurado do de cujus e a convivência afetiva e duradoura entre o segurado e o autor, donde, por analogia, negou provimento ao recurso. (grifei)

Ainda sobre o REsp 395.904/RS, Vecchiatti (2011) comenta sobre o voto-vista do Ministro Paulo Medina iniciou seu voto apontando da seguinte forma:

O recorrente apontou violação ao conceito de companheiro(a) disposto pelo artigo 16, §3o da Lei 8.213/91 que, por sua vez, se reporta ao artigo 226, §3o da Constituição Federal. Ato contínuo, seguindo a lição de Luís Roberto Barroso, apontou que toda interpretação é produto de sua época, donde entendeu que não se trata o conceito de companheiro de um conceito jurídico hermético, que não possa se interpretar de maneira extensiva para melhor atender a uma realidade que não foge aos olhos (a realidade homoafetiva), apontando ainda para a necessidade das normas infraconstitucionais serem interpretadas tendo em vista a Constituição Federal como uma unidade, ao passo que não se pode negar que se está diante de uma tensão e contradição com a negativa do reconhecimento da pensão por morte ao companheiro homoafetivo. Mas aponta que, de um lado, a Lei 8.213/91 adotou como conceito de entidade familiar o modelo da união estável entre homem e mulher, sem, entretanto excluir expressamente a união homoafetiva e, de outro, que há uma realidade em que o segurado contribuiu uma vida toda para a Previdência Social e tinha como seu dependente um companheiro do mesmo sexo, constituindo assim, de acordo com as provas carreadas aos autos, uma verdadeira entidade familiar. Assim, destacou que o princípio da igualdade impõe igual tratamento, além de ressaltar que onde o legislador não determinou uma exclusão expressa, não cabe ao intérprete do Direito fazê-la, sob pena de se descumprir preceito fundamental da Constituição, que é a igualdade entre homens e mulheres. Assim, concluiu que a Lei 8.213/91, deve ser interpretada conforme a Constituição, empregando-se uma interpretação extensiva, onde há uma verdadeira lacuna pelo legislador, razão pela qual também negou provimento ao recurso do INSS.

Outro caso em que o STJ se deparou com questões previdenciárias foi o REsp 820.475, no qual os ministros destacam que os precedentes classificam a união homoafetiva como mera “sociedade de fato”, mas cabe destacar que os mesmos indicam que tal entendimento deve evoluir. O Acórdão concluiu no sentido de que inexiste dita proibição no que tange à união homoafetiva e, dado o caráter análogo desta em relação à união estável constitucionalmente consagrada, aplicou a analogia para estender à união homoafetiva em questão os benefícios da legislação da união estável (VECCHIATTI, 2011).

RECURSO ESPECIAL Nº 820.475 - RJ (2006/0034525-4). RELATOR: MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO R.P/ACÓRDÃO: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO; RECORRENTE: A C S E OUTRO ADVOGADO: EDUARDO COLUCCINI CORDEIRO PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. 1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar. 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 5. Recurso especial conhecido e provido. Documento: 4231384 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 06/10/2008 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça. (grifei)

Na análise do RE 406.837/SP, o Ministro Eros Roberto Grau afirmou que a norma da união estável não abarcaria a união homoafetiva, mas deliberadamente deixou de apreciar o mérito de alegação de afronta à isonomia por tal posicionamento por não ter considerado a questão devidamente prequestionada. A impressão que fica é a de que o Ministro adiantou sua pré-compreensão a respeito do tema, mas, como não se justificou perante a isonomia (trazendo a motivação lógico-racional que afastaria o "conflito aparente" oriundo desta sua posição), não pode ser sua tese seguida (VECCHIATTI, 2008).

Reconhecimento de união estável homoafetiva. Pedido juridicamente possível. Vara de Família. Competência. Sentença de extinção afastada. Recurso provido para determinar o prosseguimento do feito. (Apelação Sem Revisão 5525744400. Relator: Caetano Lagrasta; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo; Data do julgamento: 12/03/2008; Data de registro: 17/03/2008)

Uma vez presentes os pressupostos constitutivos da união estável (art. 1.723 do CC) e demonstrada a separação de fato do convivente casado, de rigor o reconhecimento da união estável homossexual, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de consequência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, tal como a partilha dos bens, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70021637145, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 13/12/2007)

UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70012836755, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 21/12/2005)

Os casais homoafetivos obtiveram uma vitória significativa, pois, de acordo com o sítio do STF, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por unanimidade, no dia 5-5-2011, a união estável entre casais do mesmo sexo como entidade familiar.

Com a mudança, o Supremo cria um precedente que pode ser seguido pelas outras instâncias da Justiça e pela administração pública. O presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, concluiu a votação pedindo ao Congresso Nacional que regulamente as consequência da decisão do STF por meio de uma lei. “O Poder Legislativo, a partir de hoje, tem que se expor e regulamentar as situações em que a aplicação da decisão da Corte seja justificada. Há, portanto, uma convocação que a decisão da Corte implica em relação ao Poder Legislativo para que assuma essa tarefa para a qual parece que até agora não se sentiu muito propensa a exercer”, afirmou Peluso.

Com essa decisão, as regras que valem para relações estáveis entre homens e mulheres poderão ser aplicadas aos casais gays no âmbito Judiciário, incitando, com isso, o Legislativo para que o mesmo elabore leis protetivas de direito a esse segmento, que é um fato social inegável.

8.                  A VIABILIDADE DO CASAMENTO CIVIL ENTRE OS PARES HOMOAFETIVOS

No último capítulo, comenta-se a Lei Maria da Penha, a qual faz referência às famílias homossexuais. Neste capítulo, também, é feito referência aos países que já legislaram acerca das relações homoafetivas. Enfim, fica evidenciada a viabilidade do casamento civil entre os pares homoafetivos, principalmente, no tocante à decisão unânime do Supremo Tribunal Federal acerca da união estável entre pessoas do mesmo sexo.

8.1.            A Lei Maria da Penha e a Legalização das Uniões Homoafetivas

Maria Berenice Dias, em seu artigo sobre as Uniões Homoafetivas na Justiça (2010), entende que o advento da legislação visando coibir a violência doméstica teve mais um mérito. A Lei nº 11.340/06, que passou a ser chamada Lei Maria da Penha, é o primeiro marco legal que faz referência expressa às famílias homossexuais, ao proibir discriminação por orientação sexual. Diz o seu art. 2º: "Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual (...) goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana". O parágrafo único do art. 5º reitera que independem de orientação sexual todas as situações que configuram violência doméstica e familiar. O preceito tem enorme repercussão. Como é assegurada proteção legal a fatos que ocorrem no ambiente doméstico, isso quer dizer que as uniões de pessoas do mesmo sexo são entidades familiares. Violência doméstica, como diz o próprio nome, é violência que acontece no seio de uma família. Assim, a Lei Maria da Penha ampliou o conceito de família, alcançando as uniões homoafetivas.

 

A mesma autora (2008), em seu outro artigo Violência doméstica e as uniões homoafetivas, discorre sobre a Lei Maria da Penha, quando afirma que a mulher está sob o abrigo da lei, sem distinguir sua orientação sexual, assegura proteção tanto às lésbicas como às travestis, às transexuais e os transgêneros do sexo feminino, as quais mantêm  relação íntima de afeto, num ambiente familiar ou de convívio.

De acordo com Maria Berenice Dias (2010), a lei define como família qualquer relação íntima de afeto (art. 5º, III), o que não permite excluir as homoafetivas deste conceito. Às claras que os vínculos constituídos por pessoas do mesmo sexo são uma sociedade de afeto.

Assim, é imperioso reconhecer que as uniões homoafetivas constituem uma entidade familiar. Quer as uniões formadas por um homem e uma mulher, quer as formadas por duas mulheres, quer as formadas por um homem e uma pessoa com distinta identidade de gênero, todas configuram famílias. Ainda que a lei tenha por finalidade proteger a mulher, fato é que ampliou o conceito de família, independentemente do sexo dos parceiros. Se também família é a união entre duas mulheres, igualmente é família a união entre dois homens. Basta invocar o princípio da igualdade. A partir da nova definição de entidade familiar, não mais cabe questionar a natureza dos vínculos formados por pessoas do mesmo sexo. Ninguém pode continuar alegando omissão legislativa, para deixar de emprestar-lhes efeitos jurídicos (DIAS, 2010).

Já no artigo sobre a violência doméstica e as uniões homoafetivas, Maria Berenice (2008), fala do um avanço significativo sobre a questão da união homoafetiva, visto que, para a autora, a Lei Maria da Penha coloca um ponto final à discussão que entretém a doutrina e divide os tribunais.

A eficácia da nova lei é imediata, passando as uniões homossexuais a merecer especial proteção do Estado. Sequer de sociedade de fato cabe continuar falando, subterfúgio de conotação nitidamente preconceituosa, pois nega o componente de natureza sexual e afetiva dos vínculos homossexuais. Agora, não mais é possível excluir as uniões homoafetivas do âmbito do Direito das Famílias, sob pena de se negar vigência à Lei Federal. Consequentemente, as demandas não devem continuar tramitando nas varas cíveis, impondo-se sua distribuição às varas de família.

No mesmo artigo, ela continua acredita que, diante da definição de entidade familiar, não mais se justifica que o amor entre iguais seja banido do âmbito da proteção jurídica, visto que suas desavenças são reconhecidas como violência doméstica. A realidade demonstra que a unidade familiar não se resume apenas a casais heterossexuais. As uniões homoafetivas já galgaram o status de unidade familiar. A legislação apenas acompanha essa evolução para permitir que, na ausência de sustentação própria, o Estado intervenha para garantir a integridade física e psíquica dos membros de qualquer forma de família.

Segundo a autora (2010), com a Lei Maria da Penha, as uniões homoafetivas estão reconhecidas como entidade familiar. Entretanto, não existe a concessão de direitos, como ocorre com os cônjuges e os partícipes de uma união estável. Diante das lacunas no Código Civil brasileiro, fica a cargo da jurisprudência fazer justiça, o fim maior de um Estado Democrático de Direito. Porém, nem sempre os magistrados se despem de preconceitos na hora de julgar e tratar a matéria sob a ótica da justiça.


9.                  Direito Comparado sobre o tema: os países que já legislaram a favor dos pares homoafetivos e a situação da falta de legislação no ordenamento brasileiro.

Maria Berenice (2009, p. 62) disserta, em seu livro, sobre a polêmica que envolve o reconhecimento da homossexualidade, a qual se estende a todos os países do mundo. Para a conceituada autora, condicionada ao grau de desenvolvimento social e cultural de cada sociedade, diferentes posturas ensejam tratamentos diferenciados. De acordo com a autora (2009), “estudos comprovam que os países que alcançam um mais alto nível socioeconômico-cultural promovem a integração de suas minorias. A legislação de muitos países vem inserindo as uniões homossexuais no âmbito do conceito de família, quer admitindo o casamento, quer nominando de outra forma”.

Segundo Félix López Sánchez (2009), o governo espanhol deu um passo decisivo ao aceitar, em igualdade de condições com os heterossexuais, o casamento entre homossexuais e a possibilidade deles adotarem filhos, formando casais parentais, isto é, com pais do mesmo sexo.

A Dinamarca, em junho de 1989 (DIAS, 2009, p. 63), foi o primeiro país a reconhecer a homossexualidade, permitindo aos casais homossexuais o registro da união civil e estendo-lhes os mesmos direitos dos parceiros heterossexuais, inclusive a troca de nome.

Na Holanda, a união civil existe desde o ano de 1998, conferindo direito à saúde, à educação e aos benefícios trabalhistas iguais aos dos heterossexuais. Lá, a partir de 2001, tornou-se possível o casamento (DIAS, 2009, p. 63).

A Bélgica, em 1-2-2003, foi o segundo país a autorizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo (DIAS, 2009, p. 67).

A Cidade do México aprova a união civil de homossexuais desde 2007, passando a permitir o casamento em 2009, concedendo ao casal os mesmos direitos conferidos aos heterossexuais, inclusive o direito de adotar (AMARAL, 2010, p. 28).

Em dezembro de 2009 houve o primeiro casamento homossexual da América Latina, em Ushuaia, no extremo sul da Argentina, realizado graças a um decreto provincial (AMARAL, 2010, P. 28).

A Áustria passou, em 1º de janeiro de 2010, a legalizar a união de homossexuais por meio do parlamento. Todos os direitos referentes à seguridade, herança e processos judiciais foram concedidos, devendo as uniões serem registradas em secretarias municipais, e não em cartórios (AMARAL, 2010, p. 28).

De acordo com Maria Berenice (2009, p. 65), nos Estados Unidos, as uniões homoafetivas possuem direitos em Massachusetts, Connecticut, New Hampshire, Iowa, Vermont e a Capital Washington.

Enquanto nos citados países já se fala em direitos para o segmento homoafetivo, no Brasil, o Projeto de Lei n. 1.151, o qual pretende regulamentar a parceria civil registrada, data do ano de 1995, está emperrado no Congresso Nacional desde então, sem qualquer chance de ser aprovado. O substitutivo alterou o nome para “Parceria Civil Registrada”. Trata-se de legislação que já se encontra defasada, pois os direitos que pretendia assegurar não mais correspondem aos anseios da comunidade LGBTT (DIAS, 2009, p. 66).

De acordo com o sítio do Congresso Nacional, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a maior instituição do país voltada ao estudo da família, no ano de 2007, elaborou o Estatuto das Famílias, o qual é um Projeto de Lei n. 674/2007 em tramitação no Congresso Nacional. Trata de proposta legislativa que visa positivar o Direito das Famílias mais adequado às necessidades e à realidade da sociedade contemporânea, regulando os aspectos cíveis e processuais das relações familiares, insere a união homoafetiva no âmbito de proteção legal, reconhecendo-a como entidade familiar merecedora da tutela jurídica, equiparada às união estável. O Estatuto das Famílias normatiza e reconhece deveres e direitos dos diferentes tipos contemporâneos de relações da convivência familiar no país. O Projeto de Lei 674/2007 está tramitando no Senado, depois de ser aprovado em duas comissões da Casa – a Seguridade Social e Constituição e Justiça, em dezembro de 2010.

Sobre Emendas Constitucionais, Maria Berenice (DIAS, 2009, p. 79) informa que a Projeto de Emenda Constitucional - PEC 70/2003 a qual pretende alterar o § 3º do art. 226 da Constituição Federal de 1988, afastando a expressão “entre um homem e uma mulher” do dispositivo que prevê a união estável. Já a PEC 66/2003 dá nova redação aos arts. 3º e 7º da Constituição Federal, incluindo entre os objetivos fundantes do Estado a promoção do bem de todos, sem preconceitos de orientação sexual, motivo de orientação sexual.


10.              Reconhecimento de União Estável entre pessoas do mesmo sexo e a conversão para o casamento civil

A União estável está prevista no Código Civil de 2002 no artigo 1723, o qual prevê que: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, continua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. O reconhecimento deste instituto foi uma das principais inovações trazidas com o Digesto Civil, trazendo inclusive alguns direitos aos companheiros. Doutrinariamente César Fiúza (2006, p. 969) conceitua este instituto jurídico como:

União estável é a convivência pública, contínua e duradora sob o mesmo teto ou não, entre homem e mulher não ligados entre si pelo casamento, com a intenção de constituir família. O entendimento mais moderno é que seja dispensável o mos uxoruis, ou seja, a convivência idêntica ao casamento. Bastam a publicidade, a continuidade e constância das relações, para além de simples namoro ou noivado (...). Pode haver, portanto, união estável sem que haja coabitação e vida idêntica à do casamento, embora deva estar presente a intenção de constituir família. Esta intenção traduz-se na prática de viver juntos, compartilhando o dia a dia, criando uma cumplicidade, uma comunhão de vida, amparando-se e respeitando-se reciprocamente (...).

Paulo Lôbo (2008, p. 22) explica em sua obra que ao excluir a expressão “constituída pelo casamento”, constante da Constituição de 1967/69, o Constituinte de 1988 eliminou a cláusula de exclusão relativamente ao reconhecimento jurídico das entidades familiares, donde deixaram de ser juridicamente legítimas apenas as famílias enumeradas pela Constituição, no que se consagra o princípio da pluralidade de entidades familiares no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.

Raphael Peixoto de Paula Marques (2010, p. 51) expõe que a Constituição de 1988 prevê no seu art. 5º, § 2º, dispositivo que remonta à Constituição de 1934 – uma cláusula de abertura de forma a abranger, para além das positivações concretas, todas as possibilidades de direitos que se propõem no horizonte da ação humana. A Constituição não se resume apenas à literalidade dos seus textos, pois textos constitucionais sozinhos significam muito pouco, eles apenas inauguram o problema do direito. Com efeito, Paulo Luiz Netto Lôbo (2002, p. 32) observa o seguinte:

Os tipos de entidades familiares explicitamente referidos na Constituição brasileira não encerram numerus clausus. As entidades familiares, assim entendidas as que preencham os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade, estão constitucionalmente protegidas, como tipos próprios, tutelando-se os efeitos jurídicos pelo direito de família e jamais pelo direito das obrigações, cuja incidência degrada sua dignidade e das pessoas que as integram.

O princípio da igualdade e da proibição de discriminação foram ideais expressamente protegidos pelo art. 1º, I e III, pelo art. 3º I e IV, e pelo art. 5º, X e XLI, da Constituição Federal de 1988. Raphael Peixoto de Paula Marques (2010, p. 58) lembra que os tratados internacionais de direitos humanos possuem estatura supralegal, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal. Se antes da Emenda Constitucional n. 45/04 havia discussão a respeito da natureza jurídica desses tratados, não obstante a defesa de autores de peso acerca da tese constitucional, atualmente o tema encontra-se pacificado.  O art. 26 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e os art. 24 e 29 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ambos incorporados pelo ordenamento brasileiro.

Art. 26

Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da lei. A este respeito, a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação.

Art. 24

Igualdade Perante a Lei

Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei.

Art. 29

Normas de Interpretação

Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de:

a)                  Permitir a qualquer dos Estados Partes, grupos ou pessoas, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;

b)                 Limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados;

c)                  Excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo;

d)                 Excluir ou limitar o efeito que possa produzir a Declaração Americana dos direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.

E Marques (2010, p. 58) afiram que:

Embora tais tratados não tratem textualmente do direito à orientação sexual, tal fato, no decorrer dos anos, não foi um obstáculo para o reconhecimento desse direito no plano internacional. A Comissão de Direitos Humanos da ONU, órgão responsável pelo monitoramento do cumprimento do Pacto pelos Estados, em pelo menos duas decisões, reconheceu que a proteção contra discriminação prevista no art. 26 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos inclui a discriminação baseada na orientação sexual. Em Tooney contra Austrália (1994), a Comissão entendeu que a criminalização das relações homossexuais viola o direito à privacidade (art. 17º do Pacto) e a proteção contra a discriminação (arts. 2º e 26 do Pacto). Em Young v. Austrálida (2003), a Comissão entendeu que o indeferimento de pensão a homossexual em decorrência da morte de seu companheiro veterano de guerra viola a proteção contra a discriminação prevista no art. 26 do Pacto.

O autor Marques (2010, p. 55) lembra a iniciativa do Brasil em 2003, na 59ª sessão do Comitê de Direitos Humanos da ONU, ao introduzir uma proposta de resolução sobre a orientação sexual e os direitos humanos. Em outra ocasião, o Brasil deu suporte para que a ONU adotasse uma Carta Global (Princípios de YogyarKarta) sobre o direito à livre orientação sexual e à identidade de gênero. Em 2008, o Conselho de Direitos Humanos da ONU editou uma resolução, assinada pelo Brasil, no intuito de combater a criminalização da homossexualidade.

Segundo Mário Rodolfo Arruda (2010. p. 20) “(...) a Legislação deve se moldar aos tempos contemporâneos, às transformações visivelmente ocorridas no mundo empírico, como instrumento hábil a proporcionar uma aproximação, cada vez maior, entre as decisões judiciais e a verdadeira justiça”.

A autora Maria Berenice Dias (2009, p. 75), argumenta que o Código Civil regulamenta o casamento, dedicando-lhe 110 artigos, porém não define o casamento e, entre os impedimentos para casar, não está previsto que os noivos não podem ser do mesmo sexo. Limita-se a afirmar que o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz a vontade de estabelecer vínculo conjugal. O Código Civil reconhece a capacidade para o casamento ao homem e à mulher com dezesseis anos e afirma que, pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. Estas são as únicas referências na lei civil ao sexo dos cônjuges, não havendo em nenhuma delas a previsão de que o casamento é exclusivamente entre um homem e uma mulher.

Desta forma, a autora anteriormente citada não observa qualquer vedação expressa ao matrimônio de parceiros do mesmo sexo. E, realmente, não se pode observar, tendo em vista que, compreende-se que não se vive mais sob a égide de um formalismo positivista, o qual pregava que somente era juridicamente possível aquilo que os enunciados normativos reconheciam expressamente, pois, o fato da Constituição Federal de 1988 mencionar, expressamente, apenas a união entre o homem e a mulher como entidade familiar, não exclui a família homoafetiva de sua proteção, considerando o art. 5º, II, da CF 1988, segundo o qual ninguém será obrigado a deixar de fazer algo senão em virtude de lei, tem-se que inexistem proibições implícitas no Direito Brasileiro.

Acerca do que o Código Civil determina acerca do casamento e união estável, Tavares et alli (2009) diz que:

Conclui-se que o Código Civil de 2002 não trouxe os avanços pertinentes ao Direitodas Famílias, estando em desacordo com o artigo 226 da Constituição da República de 988, pois não prevê a união homossexual e outras formas de entidades familiares, tais como a monoparental, formada por qualquer dos pais, e a anaparental, formada pelos seus descendentes. Afinal, o referido artigo de nossa Constituição é uma cláusula aberta, não excluindo qualquer forma de entidade familiar.

A decisão unânime do Supremo Tribunal Federal acerca da aprovação da união estável entre pessoas do mesmo sexo foi uma vitória muito importante para o segmento homoafetivo, uma vez que concorre para a viabilização do casamento civil entre esses casais, pois, além de não haver nenhum impedimento e nenhuma letra inconstitucional ou infraconstitucional capaz de proibir esse tipo de casamento, a partir desse reconhecimento na última instância, fica mais fácil entender a viabilidade jurídica do casamento civil.

Na referida decisão, de acordo com o sítio oficial do STF, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. O sítio informa que o julgamento começou no dia 04/05/2011, com a fala do relator das ações, ministro Ayres Britto, o qual votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, o qual se apresenta com a seguinte redação: É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Segundo o sítio, o ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, “ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual”. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF. Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, acompanharam o entendimento do ministro Ayres Britto, pela procedência das ações e com efeito vinculante, no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

Considerando que não há nenhum impedimento, nem uma proibição expressa, pois o que há é uma interpretação literal de alguns juízes a qual não atende aos anseios contemporâneos, uma vez que a família homoafetiva é uma realidade, o casamento civil entre os pares homoafetivos é perfeitamente viável, podendo advir da conversão da união estável entre pessoas do mesmo sexo, conforme § do art. 226 da Constituição Federal de 1988: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

O fato é que projetos de lei permanecem engavetados por tantos anos que acabam ultrapassados, como é o casão do Projeto de Lei nº 1.151, de 1995, de autoria da deputada Marta Suplicy, o qual já foi modificado de tal monta descaracterizando a parceria civil. O que se sabe é que poucos são os políticos com interesse em discutir, no sentido da aprovação, esse tipo de projeto corajoso voltado para os homossexuais, pelo contrário, muitos políticos preferem modificá-lo adequando-os aos seus preconceitos.

Por tudo isso e para não haver nenhum tipo de interpretação errônea, anacrônica ou mesmo reacionária dos textos constitucionais e do Código Civil acerca dos sujeitos que podem contrair matrimônio e unir-se em união estável, há a necessidade de uma nova lei alterando o artigo 1514 do Código Civil, como também alterando uma Emenda Constitucional alterando o parágrafo 3º do artigo 226, os quais passam a ter as seguintes redações, respectivamente: O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher, ou entre duas pessoas do mesmo sexo, manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados; Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher ou entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Como está bem escrito no abaixo-assinado pela criminalização da homofobia, no sítio do conhecido Grupo Arco-Íris Cidadania LGBT: “Alguns preconceitos só terminam por lei”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após análise dos conceitos e doutrinas concernentes ao par formado por pessoas do mesmo sexo, conclui-se que não há artigo constitucional ou lei infraconstitucional para inviabilizar a união homoafetiva e, consequentemente, o casamento civil entre os pares homoafetivos, principalmente, porque não se pode ignorar os princípios orientadores para elaboração de normas constitucionais e infraconstitucionais: da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da busca da felicidade. Enfim, na falta de normas, não se pode ignorar o direito fundamentado por princípio.

A união homoafetiva estável, na qual o casal se relaciona afetuosamente entre si e desenvolve uma vida em comum estabelece, tal qual a união estável entre pessoas de sexos opostos, uma relação de amor, de cumplicidade, de respeito, uma união de esforços e anseios, devendo alcançar o direito, uma vez que esta relação, assim como as demais, atinge a esfera patrimonial e pessoal, porém sem que seja formalmente amparada pelo texto constitucional. O que levou a Justiça, em muitos casos, a utilizar a analogia para reconhecer vários direitos aos partícipes da União Homoafetiva, elevando essa união ao status de família, possibilitando, assim, a solução de questões familiares e patrimoniais levadas aos Tribunais. Tudo isso até chegar à decisão unânime dos ministros do Supremo Tribunal Federal - STF, os quais aprovaram a união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Por isso, esse trabalho pretende despertar a reflexão acerca da necessidade de uma solução para o problema da falta de legislação sobre o casamento civil entre os casais homoafetivos. O que indica a necessidade de uma nova lei alterando o artigo 1514 do Código Civil, o qual passaria a figurar com a seguinte redação: O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher, ou entre duas pessoas do mesmo sexo, manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.

 

E, sobre a união estável, faz-se necessária uma emenda constitucional alterando o parágrafo 3º do artigo 226, o qual passaria a ter a seguinte redação: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher ou entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Tudo isso a fim de consolidar a tutela jurídica e acabar ou diminuir as injustiças contra casais que resolvem constituir família de forma duradoura, contínua e pública com pessoa do mesmo sexo.  O STF já se pronunciou, agora falta o Poder Legislativo exercer a função legiferante a fim de consolidar a igualdade entre os indivíduos formadores de uma sociedade.


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