Juizados Especiais Cíveis: uma escolha do autor em demandas limitadas pelo valor do pedido ou da causa


Porwilliammoura- Postado em 16 novembro 2011

Autores: 
PEREIRA, Alfeu Bisaque

Juizados Especiais Cíveis: uma escolha do autor em demandas limitadas pelo valor do pedido ou da causa.

Alfeu Bisaque Pereira

Juiz de Direito Aposentado - Professor da UFSM - RS


 

A partir da vigência da L. 9.099/95, os aplicadores do direito começam a esboçar suas posições que serão pacificadas apenas com o tempo e a firme jurisprudência.

As primeiras controvérsias já surgiram, e são inúmeras, variando as compreensões em número igual aos que se dedicam a esse estudo.

Duas delas, entretanto, parecem merecer maior destaque pelas conseqüências que surgirão na medida em que se aplique uma ou outra das posições assumidas.

Refiro-me à opção da parte autora pelo procedimento dos juizados especiais cíveis e a competência em razão da matéria relacionada com a disposição que limita ao valor de 40 vezes o salário mínimo.

Examino, por primeiro, a faculdade da parte autora em definir-se pelo procedimento especial dos juizados especiais.

Sustentam alguns autores (cf. JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR, Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, ed. RT, pág. 61) a imperatividade da norma, não sendo facultativo o procedimento estatuído na lei, dês que obedecidos os pressupostos que remetem a parte aos Juizados Especiais. Isso implica dizer que a adoção do rito é obrigatório contanto que o pedido esteja inserido entre as hipóteses elencadas pela nova lei.

Entretanto, o mesmo autor, ao comentar o § 3º do art. 3º, ressalta (pág. 75 da obra citada) que a escolha do autor pelo procedimento previsto nesta lei, importa na aceitação de todas as conseqüências que poderão advir desta opção, inclusive a renúncia a algum outro rito por ventura mais privilegiado.

Esta é a posição mais próxima da finalidade do procedimento criado.

Várias razões podem ser invocadas para se concluir que é a parte autora quem dispõe da escolha pelo novo procedimento, não sendo possível determinar, de ofício, o novo rito quando este não for o desejo da parte que ingressa em juízo.

Primeiro, porque a própria lei assim determina.

Dispõe o art. 3º § 3º que a opção pelo procedimento, importará na renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido no mesmo artigo.

Essa redação foi mantida de forma idêntica a que constava do § 2º do art. 3º da lei revogada - 7.244/84 e nunca, ao menos no Rio Grande do Sul, vingou a idéia de imperatividade da norma procedimental, dispondo o autor, na lei anterior, da faculdade de escolher o então Juizado de Pequenas Causas para deduzir sua pretensão.

O art. 21 da nova lei, por outro lado, reproduziu o mesmo texto que constava do art. 22 da lei anterior, com remissão expressa ao § 3º do art. 3º. In verbis:

Aberta a sessão, o Juiz togado ou leigo esclarecerá as partes presentes sobre as vantagens da conciliação, mostrando-lhes os riscos e as conseqüências do litígio, especialmente quanto ao disposto no § 3º do art. 3º desta lei. (grifei).

Essa advertência não diz respeito apenas à renúncia ao que exceder ao valor máximo de alçada dos juizados porque, se assim fosse, a remissão não seria ao parágrafo, mas apenas à renúncia do excedente, como refere o art. 39 das duas leis, quando trata da sentença condenatória.

A par disso, a nova lei não revogou nenhum dos dispositivos do CPC no que se refere ao procedimento comum ou sumário nem se mostra incompatível com qualquer regra daqueles dois ritos tradicionais.

Não há de prevalecer a opinião de quem entende que deve ser dado o mesmo tratamento que os formalistas do processo dispensam ao interpretarem os arts. 244 e 250 do CPC.

Mesmo se entendendo que o procedimento não pode ficar à livre escolha da parte, não mais é possível imaginar, em tempos de efetividade do processo, que optando a parte por procedimento mais moroso, com maior liberdade de defesa para o réu e amplitude de dilação probatória, seja exigida adequação a um rito que a ninguém aproveita.

Nesse sentido concluiu o VI ENTA, por unanimidade, acolhendo a tese de que, cabível o sumaríssimo e sendo observado o comum ordinário, não se deve decretar a nulidade.

Aliás, PONTES DE MIRANDA já não vislumbrava nulidade de adoção do rito ordinário quando o caso fosse de sumaríssimo, desde que respeitada a finalidade do remédio jurídico processual (cf. Com. ao CPC, 2ª ed., Forense, 1974, pág. 472, citado in RP 6/263).

Sob o fundamento jurídico razoável se exigiria da parte autora que renunciasse a ampla possibilidade probatória, com todos os recursos possíveis do procedimento comum ou sumário, obrigando a que se submetesse a um rito cuja celeridade foi acolhida em favor da própria parte autora?

Essa celeridade, em boa hora incorporada aos juizados cíveis, destina-se à pronta prestação jurisdicional e se a parte que vai a juízo não pretende o caminho mais rápido devido às circunstâncias próprias do rito, não combina com a finalidade do processo impor-lhe outro caminho que inclusive cerceia também a amplitude de defesa do réu, este sim sujeito à escolha da parte autora.

Portanto, a nova lei não modificou a que anteriormente autorizava essa opção e, sem prejuízo às partes, com o cumprimento da finalidade do remédio jurídico processual, assim deve continuar.

Questão não menos polêmica vai se estabelecer quanto ao valor máximo dos pedidos para definir a competência dos juizados especiais cíveis.

Tratando da competência, o legislador não foi muito feliz em definir o que seja causa cível de menor complexidade.

Ao defini-la, estabeleceu três critérios aparentemente distintos.

No inciso I, para as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo estabeleceu a competência apenas em razão do valor da causa;

No inciso II, para as causas enumeradas no art. 275, II do CPC, fixou a competência em razão da matéria;

No inciso III, para as ações de despejo para uso próprio e, portanto, também em razão da matéria, para, ao final, no inciso IV, estabelecer a competência em razão da matéria e do valor para as possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a 40 vezes o valor do salário mínimo. Portanto, critério diverso do inc. I que se refere ao valor da causa, o que nem sempre é igual ao valor do bem, especialmente em possessórias onde há divergência quanto ao que se deve considerar como sendo o valor da causa.

A questão que se coloca, como a mais relevante, dentre outras também polêmicas, é a de saber se quando o legislador, ao tratar da competência em razão da matéria, dispensou o limite de alçada dos juizados especiais cíveis. Ou seja, as hipóteses elencadas no inc. II e III não estão sujeitas ao limite de 40 vezes o valor do salário mínimo?

Os autores têm sustentado que apenas a matéria é limitadora da competência. Assim, seria possível aforar pedido de reparação de danos materiais e morais decorrentes de acidente de trânsito, por exemplo, em que a soma chegasse a R$ 150.000,00, por hipótese.

Várias razões justificam a impossibilidade dessa interpretação, a meu sentir.

Inicialmente é preciso atentar para a razão da própria existência deste procedimento, a partir dos anteriores juizados especiais de pequenas causas.

Quando imaginados e implantados os primeiros procedimentos, mesmo os extrajudiciais na Comarca de Rio Grande de onde tudo começou, pretendia atender às demandas reprimidas, compreendidas estas como as que, em razão da significação econômica pouco expressiva, não justificavam o procedimento tradicional.

Sob este fundamento se espalharam os juizados com a idéia de que essas contendas fossem trazidas a juízo e resultassem em composição. Disso decorreram algumas conseqüências, entre as quais a dispensa de assistência de advogados, informalidade do pedido, limitação dos meios de prova, etc. sendo significativa para a conclusão que se pretende a isenção de custas.

Como se tratavam de demandas sem maior expressão, as custas seriam dispensadas, como continuam sendo, ex vi do art. 54 da L. 9.099/95. Assim, seria um estímulo às partes para que viessem a juízo compor seus litígios.

Essa mesma característica foi mantida pela nova lei, como, aliás, acentua a exposição de motivos subscrita pelo Min. NELSON JOBIM.

A par disso, quando o inc. II menciona as causas enumeradas no art. 275, II do CPC, não repete o mandamento daquele dispositivo que acrescenta: nas causas qualquer que seja o valor;

Portanto, o legislador de 1973 estabeleceu o elenco de matérias inseridas no procedimento sumário, como fez o de 1995, mas excluindo qualquer limite de valores, o que não foi feito agora e, entendo, nem poderia, dada a finalidade e princípios norteadores dos juizados cíveis.

Mas não é só por isso que a competência sempre estará limitada ao valor da causa, ou do bem pretendido.

Quando o art. 15, inserto na seção V - que trata da instauração do processo, dos requisitos da petição inicial, etc. estabelece que os pedidos mencionados no art. 3º desta lei poderão ser alternativos ou cumulados; nesta última hipótese, desde que conexos e a soma não ultrapassse o limite fixado naquele dispositivo, não exclui nenhum dos incisos do art. 3º. Logo, no exemplo antes citado, o pedido de reparação de danos materiais e morais, mesmo elencado entre os que compõe o inc. II do art. 275 do CPC, em sede de juizados especiais deve se limitar ao valor de alçada estabelecido na lei especial.

Ainda com o mesmo exemplo, não há como compatibilizar um pedido de reparação no valor de R$ 150.000,00 com a regra do art. 3º § 3º que estabelece a renúncia do que exceder o limite fixado no art. 3º, não havendo, a exemplo do art. 15, qualquer referência à exceção.

No mesmo sentido, para confirmar o propósito do legislador em limitar a um certo valor todo e qualquer pedido, determina o art. 39 a ineficácia da sentença que exceder a alçada estabelecida nesta lei. Qual é a alçada instituída nesta lei? Claro está que é o valor fixado pelo art. 3º, não estabelecendo, também, o art. 39 qualquer exceção.

Poderia ser argumentado que esse limite se refere apenas para os pedidos de créditos, ou pedidos de condenação em dinheiro, e que para os demais, quando o bem da vida não é propriamente um crédito pecuniário, esse limite não existiria.

Entretanto, não há como imaginar que para algumas espécies de pedidos constantes do inc. II haja limite e para outros este seja ilimitado, especialmente porque todos os quatro incisos dizem respeito ao art. 3º que demonstra como se conceitua causa cível de menor complexidade. Mesmo tratando o inc. II de competência em razão da matéria, esta se encontra limitada ao valor de alçada do juizado, conforme se verifica não só do art. 3º, mas também do art. 15, do art. 39, do § 3º do mesmo art. 3º e de todo o sistema.

Esse mesmo sistema também limitou expressamente as execuções de títulos extrajudiciais no art. 53 ao valor de alçada, não o fazendo quanto aos títulos judiciais, porque a própria lei já determina a ineficácia do que exceder ao valor e autoriza a execução de valor superior ao de alçada, quando decorrente de conciliação - art. 3º § 3º última parte ou quando homologado acordo extrajudicial de qualquer natureza ou valor - art. 57.

Portanto, quando o sistema autoriza valor superior a alçada, expressamente consigna, tendo o art. 57 sido expresso em mencionar qualquer natureza ou valor. Logo, aqui é exceção à regra do art. 3º que é a regra geral.

Há mais uma evidência desse limite, seja de natureza patrimonial ou não o pedido.

Imaginemos um pedido de condenação em obrigação de fazer, por exemplo, que consista em restabelecer servidão de caminho entre duas propriedades rurais, sendo o prédio dominante utilizado para o plantio de 1.000 quadras de arroz.

Essa espécie de pedido está elencada no inc. II e, para os que sustentam não estar limitado ao valor, porque apenas competência em razão da matéria, seria possível, independente do valor da causa, receber para processo e julgamento nos juizados especiais.

Instruído o feito e julgado procedente o pedido, em sede de execução há inadimplemento, o que determina a transformação da condenação em perdas e danos que devidamente comprovadas alcançam o valor de uma safra anual de 1.000 quadras de arroz. Aproximadamente 200.000 sacas de arroz a um preço de hoje de R$ 7,00 a saca, o que alcançaria R$ 1.400.000,00 depois do que se seguiria a execução por quantia certa, na forma do art. 52, V da lei em estudo.

Sabe-se que nenhuma condenação pode ultrapassar o valor de alçada porque o excedente é ineficaz. A própria lei estabelece quando esse limite pode ser ultrapassado, fixando que apenas quando se tratar de transação - art. 3º § 3º última parte, ou quando for homologado judicialmente acordo extrajudicial de qualquer valor ou natureza - art. 57.

Sendo assim, não é possível imaginar que o devedor se submeta a uma execução, como a do exemplo, em sede de ajuizado quando o procedimento não autoriza valores superiores ao estabelecido na lei.

Some-se a todas essas evidências, as circunstâncias de que o Estado estaria impedido de receber custas por ações com esses valores e os profissionais advogados impedidos de receberem honorários advocatícios, que na hipótese elencada somariam R$ 140.000,00 se fixados no mínimo legal.

Seguramente não foi para isso que os juizados especiais foram criados, implantados e desejados por toda a sociedade.

Assim, entendo como melhor interpretação quanto às matérias em exame, o entendimento de que o procedimento continua sendo uma faculdade de escolha por parte do autor para os pedidos autorizados pela L. 9.099/95, dês que limitados ao valor da causa em 40 vezes do valor do salário mínimo para todas as hipóteses, salvo se decorrentes de transação ou homologação de acordo extrajudicial de qualquer valor ou natureza, quando estará autorizado, para a execução, valores superiores ao que determina a lei como sendo o limite de alçada dos juizados cíveis.


Informações Bibliográficas

 

Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
PEREIRA, Alfeu Bisaque. Juizados Especiais Cíveis: uma escolha do autor em demandas limitadas pelo valor do pedido ou da causa. Site do Curso de Direito da UFSM. Santa Maria-RS. Disponível em: <http://www.ufsm.br/direito/artigos/processo-civil/jec.htm>.

 

Acesso em: 16.NOV.2011