A Família no Decorrer dos Tempos


Porwilliammoura- Postado em 05 dezembro 2011

Autores: 
DEICKE, César Ricardo

A FAMÍLIA NO DECORRER DOS TEMPOS

 

 

Este capítulo pretende investigar a  origem e evolução legislativa quanto à família, sobretudo as inovações trazidas pela Constituição Federal e Códico Civil, espécies e conceito atual de família.

 

Origem da família

 

A primeira lei que surgiu sobre o tema, foi na França em 1912, estabelecendo como fato gerador o reconhecimento dos filhos oriundos destas relações, gerando posteriormente várias outras leis. As "Uniões Livres" foram ignoradas por completo pelo Código Civil de Napoleão, tendo a doutrina que elaborar uma maneira de solucionar os casos concretos que surgiam decorrentes destas uniões, de acordo com Pereira (2002).

A origem da família segundo Dias (2005, p. 23) :

Vínculos afetivos não são uma prerrogativa da espécie humana. O acasalamento sempre existiu entre os seres vivos, seja em decorrência do instituto de perpetuação da espécie, seja pela verdadeira aversão que todas as pessoas têm à solidão. Tanto é assim, que se considera natural a idéia de que a felicidade só pode ser encontrada a dois, como se existisse um setor da felicidade ao qual o sujeito sozinho não tem acesso. Não importa a posição que o indivíduo ocupa na família, ao qual a espécie de agrupamento familiar a que ele pretence, o que importa é pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores e se sentir, por isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade.

 

De acordo com Oliveira (2002), a família, desde os primórdios, constitui-se no elo mais importante do ser humano. Com culturas variáveis, ela existe em todas as regiões do planeta, multiplicando-se e sofrendo variações quanto às suas formas constitutivas.

A verdadeira  origem da família, como instituição grupal, é bastante controvertida:

Quem rastreia a família em investigação sociológica, encontra referências várias a estágios primitivos em que mais atua a força da imaginação do que a comprovação fática; mas prevalece a generalização de ocorrências particulares do que a indução dos fenômenos sociais e políticos de franca aceitabilidade. (PEREIRA, 2002, p. 16).

 

Para Dias (2005), é natural viver aos pares, pois a união deles acontece por uma química biológica, a família é um agrupamento cultural. A família é uma construção social que se organiza através de regras elaboradas culturalmente, formando costumes de convivência. A estruturação psíquica faz com que cada integrante da família ocupe seu lugar, ou sua função. O pai, a mãe, os filhos, sem que haja a necessidade de estarem ligados biológicamente. Essa estrutura familiar deve ser investugada e trazida para o direito, preservando o lar, lugar de afeto e respeito.

Leite (2003, p. 16) leciona que o objetivo do casamento "deixa de ser o interesse predominante das famílias de origem, ou dos pais de cada nubente, mas passa a ser a vida a dois, onde se privilegiam o crescimento pessoal, a realização individual (dentro e fora do grupo familiar) e uma certa noção de felicidade".

Os juristas possuem um entendimento comum no sentido de reconhecer como antecedente remoto da família moderna, "a estrutura familiar existente na civilização romana, com as modificações sofridas posteriormente em decorrência da influência do Direito Canônico e das instituições germânicas", (PEREIRA, 2002, p. 17).

Conforme Dias, (2005, p. 24), "o intervencionismo estatal levou à instituição do casamento, convenção social para organizar os vínculos interpessoais." Para que a sociedade esteja organizada, é preciso que a família esteja organizada. A sociedade instituiu o casamento como regra de conduta. Foi preciso impor limites ao homem, que na busca do prazer e desejos pessoais, tende a considerar o outro como um objeto. O desenvolvimento de um povo passa por restrições à total liberdade que deverão ser cumpridas por todos.

Essa estrutura fundava-se no modelo tipicamente patriarcal, tendo como figura principal da família o pater famílias, ou seja, o ascendente mais velho, ainda vivo, reúne os descendentes sob sua autoridade formando a família, possuindo ele todos os poderes necessários à sua boa manutenção. "Em Roma, a família era organizada sobre o princípio da autoridade e abrangia quantos a ela estavam submetidos" (PEREIRA, 2002, p. 18).

A família hierarquica e patriarcal segundo as palavras de Dias (2005, p. 24).

Em uma sociedade conservadora, os vínculos afetivos, para merecerem aceitação social e reconhecimento jurídico, necessitam ser chancelados pelo que se convencionou chamar de matrimônio. A família tinha uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando uma unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. Sendo uma entidade patrimonializada, seus membros eram força de trabalho. O crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a todos. O núcleo familiar dispunha de um perfil hierarquizado e patriarcal.

 

Na Idade Contemporânea, "os tribunais franceses foram obrigados a pronunciar-se sobre as causas propostas pelas concubinas, considerando estas relações como sociedade econômica e obrigação natural", quando havia promessa de certas vantagens à ex-concubina, conforme (PEREIRA, 2002, p. 29).

De acordo com  Dias (2005), com a chegada da Revolução Industrial, aumentou a necessidade de mão de obra, provocando o  ingresso da mulher no mercado de trabalho. Antes o homem era a única fonte de renda da família, que se tornou nuclear, restrita ao casal e a sua prole. As famílias ficaram menores, começaram a migrar para as cidades e com isso viver em espaços menores. Dessa forma também aumentou o vínculo afetivo, como carinho e amor entre os integrantes da família. O afeto deverá ser mantido por todo o casamento, caso contrário, acabará com a base da família e a dissolução do vínculo restará como única solução para continuar com a dignidade da pessoa.

A família clássica brasileira tem sua ascendência na concepção dos colonizadores portugueses, no caráter familiar dos indígenas e nas estruturas familiares dos escravos africanos, conforme Pereira (2002).

Para uma eficaz proteção da família, é fundamental que a legislação acompanhe as modificações sociais.

 

Evolução legislativa

 

Oliveira (2002), cita a Constituição brasileira de 1824, como uma das primeiras no  nosso país, sendo que não havia nenhuma menção quanto à família, apenas tratavaem seu Título5º, Capítulo lll, da Família Imperial e sua dotação. No Título 1º, art. 4º, qualificou-a como Dynastia Imperante, fixando a hereditariedade do trono imperial brasileiro. No Título 5º, do Capítulo lV, regulamentou a sucessão do Império e, no Título 5º, Capítulo V, tratou da regência da menoridade ou impedimento do imperador. A segunda Constituição brasileira foi a de1891, aprimeira Constituição Republicana que  reconheceu apenas o casamento civil como ato capaz de constituir família. Isto porque  Igreja e Estado andavam separados, pois, até então, o casamento religioso possuía efeitos civis.

Na Constituição de 1934 foram reservados quatro artigos somente com o que diz respeito a família:

Art 144 - A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.

 Parágrafo único - A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo sempre recurso ex officio , com efeito suspensivo.

        Art 145 - A lei regulará a apresentação pelos nubentes de prova de sanidade física e mental, tendo em atenção as condições regionais do País.

        Art 146 - O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento perante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que, perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo da oposição sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil. O registro será gratuito e obrigatório. A lei estabelecerá penalidades para a transgressão dos preceitos legais atinentes à celebração do casamento.

        Parágrafo único - Será também gratuita a habilitação para o casamento, inclusive os documentos necessários, quando o requisitarem os Juízes Criminais ou de menores, nos casos de sua competência, em favor de pessoas necessitadas.

        Art 147 - O reconhecimento dos filhos naturais será isento de quaisquer selos ou emolumentos, e a herança, que lhes caiba, ficará sujeita, a impostos iguais aos que recaiam sobre a dos filhos legítimos.

Em 1937, aconteceram algumas modificações na Constituição Federal e, uma delas, foi a necessidade de educação dos filhos, demonstrando preocupação com os direitos das crianças e adolescentes, garantindo-lhes desenvolvimento e uma vida digna . No que diz respeito ao direito de família, nada foi alterado e, esta, é reconhecida apenas pelo casamento civil, considerado indissolúvel. Diz o art. 127:

 

Art. 127 – A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das suas faculdades.

 

Em 1946, uma nova Constituição foi promulgada e, praticamente em nada mudou no que se refere ao conceito de família. Naquela época já se falava em dissolução do casamento. Grandes mudanças ocorreram no mundo devido à Segunda Guerra Mundial, especialmente a adoção do divórcio pleno por outros países, mas a Constituição de 1946, no que diz respeito à família, em nada mudou. Vejamos o que dizem os artigos 163 e 164 dessa Constituição:

Art 163 - A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado.

        § 1º - O casamento será civil, e gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no Registro Público.

        § 2º - O casamento religioso, celebrado sem as formalidades deste artigo, terá efeitos civis, se, a requerimento do casal, for inscrito no Registro Público, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente.

        Art 164 - É obrigatória, em todo o território nacional, a assistência à maternidade, à infância e à adolescência. A lei instituirá o amparo de famílias de prole numerosa.

As Constituições de 1967 e 1969 continuaram a considerar o casamento como a única forma de origem da família e da mesma forma como as anteriores, o casamento continua indissolúvel.

O grande marco para o início de mudanças no Direito de Família, foi a proposta de emenda constitucional que dava nova redação ao parágrafo 1º do artigo 175 da Constituição de 1969; a emenda 09/77, que propunha a exclusão do princípio da indissolubilidade do casamento e estabelecia a regulamentação, através de legislação ordinária, dos parâmetros para  a dissolução do matrimônio. Essa emenda foi alvo de profundos debates, sendo declarada pelo clero como o fim da família brasileira. Mesmo assim, foi aprovada a Lei do Divórcio, (Lei nº 6.515/77), que veio a regular a dissolução do casamento (DIAS, 2005).

Em 1988 foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, que estabeleceu princípios do direito brasileiro, entre os quais, está o princípio da dignidade da pessoa humana, em seu art. 1º, inciso III. Os princípios constitucionais são o que existe de mais importante para o sistema normativo do país. Este sistema é organizado de forma hierárquica, ficando no topo  da hierarquia a Constituição Federal. Dessa forma, qualquer exame de norma jurídica infraconstitucional deve iniciar da norma máxima, daquela que irá comandar todo o sistema jurídico, (RODRIGUES, 2002).

Para Dias (2005, p. 27), a família passou por uma evolução, a qual, forçou sucessivas alterações legislativas. O Estatuto da Mulher Casada ( Lei nº 4.121/62) foi a mais expressiva, "que devolveu plena capacidade à mulher casada e deferiu-lhe bens reservados que lhe asseguravam a propriedade exclusiva dos bens adquiridos com o fruto de seu trabalho."

Para Gonçalves (2005), a família brasileira sofreu influência não só da família romana, em relação ao pátrio poder e relações patrimoniais entre o casal, mas também prevaleceram características da família canônica, no tocante à sacralização do casamento, uma vez que este não poderia ser dissolvido pelo homem, já que foi unido por Deus.

Segundo Dias (2005, p. 27), "a instituição do divórcio (EC 9/77 e L 6515/77) acabou com a indissolubilidade do casamento, eliminando a idéia da família como uma instituição sacralizada." Com o passar do tempo, surgiram novos paradigmas, seja pela emancipação da mulher, seja pela descoberta de métodos contraceptivos e com a evolução da engenharia genética, mudaram os conceitos de casamento sexo e reprodução. O direito dá um novo enfoque à família, identificando um vínculo afetivo muito mais forte entre os integrantes da família.

O Código Civil de 1916 traz essa influência ao se referir ao direito de família, a qual é reconhecida somente pelo matrimônio e não sendo permitida sua dissolução, assegurando o direito de supremacia do homem sobre a mulher, concedendo aquela o pátrio poder (art. 233). Os filhos havidos fora do casamento eram considerados ilegítimos (art. 229).

Art. 233. O marido é chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos (arts. 240, 247 e 251). (Redação dada pela Lei nº4.121, de 27.08.1962).

Art. 229. Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos (arts.352 a 354).

Como podemos ver, as regras referentes à família e casamento eram bastantes rígidas, o que mudou com o passar do tempo e evolução legislativa.

A Constituição Federal de 1988 : inovações quanto à família

Para Pereira (1999), a Carta Magna de 1988 representou uma profunda ruptura em relação ao conceito de família das Constituições anteriores. Além da família instituída pelo casamento (art. 226, §§ 1º e 2º), a Carta Magna reconheceu explicitamente a família constituída da união estável (art. 226, § 3º) e a família monoparental, compreendida como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, § 4º).

 Para Dias (2005), a Constituição Federal de 1988 espancou  séculos de hipocrisia e preconceito num único dispositivo. Todos os membros da família passaram a ter os mesmos direitos, depois da  igualdade entre o homem e a mulher acima de tudo. Instaurou igual proteção à família, seja pelo casamento, seja pela união estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada por um dos pais com seus filhos. Estendeu a igualdade entre os filhos dentro ou fora do casamento, ou ainda por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações. Com essas profundas modificações sofridas pela Constituição Federal, deixaram para trás inúmeros dispositivos em vigor até então, por não serem recepcionados pelo nosso sistema jurídico. Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, ela passou a ser a lei fundamental do direito de família, papel que anteriormente assistia ao Código Civil.

Nesse sentido, Pereira (1999, p. 15):

        A idéia de família para o Direito brasileiro sempre foi a de que ela é constituída de pais e filhos unidos a partir de um casamento regulado e regulamentado pelo Estado. Com a Constituição de 1988 esse conceito ampliou-se, uma vez que o Estado passou a reconhecer como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, bem como a união estável entre homem e mulher (art. 226). Isto significa uma evolução do conceito de família. Até então, a expressão da lei jurídica só reconhecia como família aquela entidade constituída pelo casamento. Em outras palavras, o conceito de família se abriu, indo em direção a um conceito mais real, impulsionado pela própria realidade.

É indiscutível, pois, a abertura operada pela norma constitucional vigente, que não mais restringe a família à entidade instituída pelo casamento.

A Constituição Federal de 1988 introduziu uma nova ordem de valores, principalmente no que diz respeito a dignidade da pessoa humana. O art. 226 da CF traz esses valores, como veremos a seguir:

Art.226. Afamília, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Portanto, é dever do Estado proteger seu povo, principalmente no que diz respeito à dignidade da pessoa humana, dando total assistência a  família, que é a base da sociedade.

Segundo o art. 226 da CF de1988, afamília é a célula da sociedade, pois é dela que provêm as gerações futuras, é nela que uma criança é criada e  recebe proteção até chegar a idade adulta e poder andar com as próprias pernas. Para Dias (2005), a família é o ponto de partida, para impulsionar o desenvolvimento de outras relações sociais, constituindo assim, o primeiro agente socializador do ser humano.

A Constituição Federal de 1988 inseriu a proteção estatal à união estável e monoparental, além de prever igualdade entre cônjuges, facilitar o divórcio, isonomia de tratamento dos filhos e proteção especial ao idoso. Tal fenômeno é chamado de "Constitucionalização do Direito de Família".

A Família no Novo Código Civil

O atual Código Civil, que ainda se costuma chamar de novo, entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003. O projeto original, no entanto, é de 1975, sendo anterior, inclusive, à Lei do Divórcio, que é de 1977. Para Dias (2005), o projeto surgiu em completo descompasso com o nosso sistema jurídico e teve que se submeter a profundas mudanças. Ocorreu um grande número de emendas, um bombardeio por todos os lados. Desta forma, o novo Código Civil que foi muito bem vindo, infelizmente, já chegou velho. È imprescindível que as emendas ocorram, para ele seja aperfeiçoado e adquira o viço que a sociedade merece.

Segundo Rodrigues (2002), O Código Civil buscou a atualização dos aspectos essenciais do direito de família. Incorporou mudanças referentes à legislação esparsa, preservando a estrutura do código anterior. Mas faltou a mudança mais ousada, nem mesmo no que se refere aos temas constitucionalmente consagrados, ou seja, operar a subsunção, com o que respeito a construções familiares mais antigas, mesmo sendo ignoradas pelo legislador infraconstitucional.

O Código Civil, cujo projeto é de 1975, passou por profundas mudanças para se adequar às diretrizes ditadas pela Constituição Federal de 1988. Mesmo com as inúmeras alterações sofridas, o texto não ficou atual e tampouco claro para reger a sociedade nos dias de hoje. A estrutura desorganizada, se deve a mudanças constantes referentes à nova concepção do direito de família, conforme Diniz (2002).

Nas palavras de Dias (2005), não se pode dizer que o código é novo, é um código antigo com texto novo. Está sempre correndo atrás das mudanças constantes que vem ocorrendo no direito de família, fazendo nova Lei e emendando o código. Foram excluídos expressões e conceitos que já não serviam mais, nem poderiam ser usados na nova estrutura jurídica e conviver numa sociedade moderna. Foram sepultados todos aqueles dispositivos, considerados como letra morta, que já causavam preconceitos discriminatórios. Podemos citar aqui as desigualdades entre o homem e a mulher, as adjudicações da filiação, o regime dotal, etc.

Houve avanços significativos, foram corrigidos certos equívocos e foram acatadas orientações pacificadas pela jurisprudência, como não mais determinar compulsoriamente a exclusão do sobrenome do marido do nome da mulher. Na conversão de separação em divórcio, era obrigatória a perda do nome. Mesmo que não tivesse condições de sobreviver, o responsável pela separação não tinha direito a alimentos. Dessa forma, o código civil eliminou a única forma de pena de morte fora das exceções constitucionais, garantindo direito a alimentos mesmo para o cônjuge que provocou a separação. No entanto, o novo código não trouxe a guarda compartilhada, a filiação socioafetiva e as uniãos homoafetivas, direitos esses, conquistados recentemente.

Vejamos os artigos a respeito:

Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:

I - pela morte de um dos cônjuges;

II – pela nulidade ou anulação do casamento;

III - pela separação judicial;

IV - pelo divórcio.

§ 1º O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.

§ 2º Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial.

Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.

§ 1º A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.

§ 2º O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.

§ 2º O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.

Art. 1.702. Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694.

Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.

Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.

O legislador também cometeu inconstitucionalidades. A culpa na separação, onde um dos cônjuges deve abrir a intimidade do outro, trazendo a juízo os fatos que tornaram insuportável a vida em comum, ferindo o direito à privacidade. O tratamento desigual entre o casamento e a união estável, gerou uma diferenciação sem respaldo constitucional.

Com o advento da Lei nº 10.406, de 10/01/2002, que instituiu o Novo Código Civil brasileiro, foram dedicados cinco artigos a essa nova entidade familiar. Diz o artigo 1.723, caput, referente à união estável: "É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

Portanto, o objetivo de constituição de família está expressamente indicado nesse art. 1.723. Não basta, assim, a mera união entre homem e mulher. Antes é preciso que ambos tenham em mente constituir uma família.

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.

Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

 

Conforme posicionamento de Diniz (2002), com a edição da Constituição Federal de 1988, bem como o novo Código Civil, a união estável deixa de ser sociedade de fato e ganha "status" de entidade familiar.

Espécies de família

Nas palavras de Dias (2005), a sociedade, a partir da metade do século XX, com o declínio do patriarcalismo, a revolução feminista, a evolução do conhecimento científico, juntamente com o fenômeno da globalização, está vivendo uma importante transformação, refletindo e criando novos paradigmas na própria família, obrigando-a a repensar os seus valores.

No ordenamento jurídico pátrio temos o casamento, a família monoparental e a união estável como instituições familiares legalmente reconhecidas.

O artigo 226 da Constituição Federal de 1988 traz as três formas legalmente reconhecidas como constitutivas de família:

- o casamento civil e o casamento religioso, conforme os parágrafos 1º e 2º respectivamente;

- o reconhecimento da união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento, segundo o parágrafo 3º;

- entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, ou também, chamada de família monoparental, pelo disposto no parágrafo 4º.

O Cristianismo, pelas palavras de Pereira (2004, p. 51-52):

Elevou o casamento à dignidade de um sacramento, pelo qual um homem e uma mulher selam a sua união sob as bênçãos do céu, transformando-se numa só entidade física e espiritual (caro una, uma só carne), e de maneira indissolúvel (quos Deusconiunxit, homo non separet).

O casamento é uma das formas de constituição de família, previsto no artigo 1.511 do Código Civil, asemelhando-se ao dispositivo constitucional nas seguintes palavras: " o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges".

O casamento para Venosa, (2004, p.41-42):

O casamento estabelece um vínculo jurídico entre o homem e a mulher, objetivando uma convivência de auxílio e de integração físico-psíquica, além da criação e amparo da prole. Há um sentimento ético e moral no casamento, quando não metafísico, que extrapola posições que vêem nele, de forma piegas, mera regularização de relações sexuais.

Conforme posicionamento de Diniz (2002),  com a edição da Constituição Federal de 1988, bem como o novo Código Civil, a união estável deixa de ser sociedade de fato e ganha "status" de entidade familiar, mas não deve ser confundida com união livre, na qual não há vínculo compromissário, onde as pessoas que fazem essa opção, não têm qualquer pretensão de construírem uma família.

O que hoje chamamos de união estável, antes de ser reconhecida, era vista como concubinato, que também era denominado "união livre", conforme Gonçalves (2005).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. PROCEDÊNCIA.O reconhecimento da união estável decorre de prova plena e convincente de que o relacionamento se assemelha,em tudo e perantetodos, ao casamento civil. A existência de relação entre as partes, com os requisitos exigidos pelo art. 1.723 do CC/02, caracteriza a união estável, cujo reconhecimento, restou cabalmente demonstrado nos autos. Legislação aplicável que não exige tempo mínimo de duração da entidade familiar para reconhecimento da união estável.

APELAÇÃO DESPROVIDA.

 

Com a Constituição Federal de1988, afamília recebeu proteção especial do Estado, momento em que a união estável passou a ser reconhecida como núcleo familiar, assim como se o casamento tivesse acontecido no civil ou religioso.

A crítica de Dias (2005, p. 44), para esse período:

Alei emprestava juridicidade apenas à família constituída pelo casamento, vedando quaisquer direitos às relações nominadas de adulterinas ou concubinárias. Apenas a família legítima existia juridicamente. A filiação estava condicionada ao estado civil dos pais, só merecendo reconhecimento à prole nascido dentro do casamento. Os filhos havidos de relações extramatrimoniais eram alvo de uma enorme gama de nominações de conteúdo pejorativo e discriminatório. Assim, os filhos ilegítimos, naturais, espúrios, bastardos nenhum direito possuíam, sendo condenados á invisibilidade. Não podiam sequer pleitear reconhecimento enquanto o genitor fosse casado.

Para a mesma autora, o legislador não regulava as relações extramatrimoniais, negando, com veemência, direitos e um possível vínculo afetivo fora do casamento. Mesmo sem direitos legais, os relacionamentos fora do casamento, ou seja, relacionamentos sem casamento iam se multiplicando. Quando se buscava romper esse tipo de união, batendo as portas do judiciário, viram-se nos juízes, obrigados a criar alternativas, para evitar injustiças. A rejeição a essa união como forma de formar uma família ara tanta, que a jurisprudência, quando não havia patrimônio a ser partilhado, reconhecia esses casos como relações de trabalho, concedendo à mulher indenização pelos serviços domésticos prestados.

Conceito atual de família  

Atualmente, a família não apresenta as mesmas características das famílias dos nossos antepassados. A mudança de cultura, de hábitos e as alterações que a vida contemporânea provocou, não só no dia-a-dia das famílias, mas na sua própria concepção legal.

Não encontramos nenhum conceito formado do que vem a ser família. O casamento até pouco tempo atrás, era a única forma legítima de constituição de família. Posteriormente, a idéia de família mudou, com o reconhecimento da união estável e também com a possibilidade de formar uma família monoparental.

Quando buscamos conceituar a família, devemos lembrar do que diz o artigo XVI, 3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: "a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado."

Normalmente, interpreta-se que a família é a base da sociedade. Roudinesco (2003, p.39-40) lembra de um princípio do passado, que liga a família à sociedade:

Em 1821, nos princípios da filosofia do direito, que Hegel forneceu a melhor descrição da nova relação assim instaurada entre o indivíduo, a sociedade e o Estado. A partir daí a família se torna, ao lado das corporações, uma das estruturas de base da sociedade. Pois sem ela, com efeito, o Estado só poderia lidar com massas despóticas ou tribais.

Conforme as palavras de Venosa (2003, p. 21), "atualmente, o jurista defronta com um novo direito de família, que contém surpresas e desafios trazidos pela ciência."

Para Pereira, (2004, p. 19-20), a família:

Em sentido genérico e biológico, considera-se família o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum [...]. Em sentido estrito, a família se restringe ao grupo formado pelos pais e filhos. Aí se exerce a autoridade paterna e materna, participação na criação e educação, orientação para a vida profissional, disciplina do espírito, aquisição dos bons e maus hábitos influentes na projeção social do indivíduo. Aí se pratica e desenvolve em mais alto grau o princípio da solidariedade doméstica e cooperação recíproca.

Segundo Rodrigues, (2002, p.04), a família pode ser conceituada da seguinte forma:

Num conceito mais amplo poder-se-ia definir a família como formada por todas aquelas pessoas ligadas por vínculo de sangue [...]. Numa acepção um pouco mais limitada, poder-se-ia compreender a família como abrangendo os consangüíneos em linha reta e os colaterais sucessíveis [...]. Num sentido ainda mais restrito, constitui a família o conjunto de pessoas compreendido pelos pais e sua prole.

Conforme o entendimento de Diniz, (2002, p. 9-10), o conceito de família se resume da seguinte forma:

No sentido amplíssimo, o termo abrange todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consangüinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos, como no caso do artigo 1.412, § 2º do Código Civil [...]. Na acepção lata, além dos cônjuges e de seus filhos, abrange os parentes na linha reta ou colateral, bem como os afins (os parentes do outro cônjuge) [...]. Na significação restrita é a família não só o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole, mas também a comunidade formada por qualquer dos pais e descendentes [...].

Hoje, há uma nova concepção de família, pois, o princípio da afetividade, é essencial em qualquer entidade familiar, seja para aquela formada pelo casamento, união estável ou monoparental, ou ainda, para as uniões homoafetivas, da qual, o afeto já está inclusive no nome. Para Dias (2002, p.08) "[...] a família passou a ser o espaço para o desenvolvimento do companheirismo, do amor e, acima de tudo, o núcleo formador da pessoa e elemento fundante do próprio sujeito".

Segundo Dias (2004, p.71):

É necessário, "que se encontre um conceito de entidade familiar que sinalize a natureza do relacionamento entre as pessoas. Esse ponto diferenciador só pode ser encontrado a partir do reconhecimento da existência de um vínculo afetivo".

Conforme Dias (2005, p.48):

[...] Surgiu um novo nome para esta nova tendência de identificar a família pelo seu envolvimento afetivo : família eudemonista, que busca a felicidade individual vivendo um processo de emancipação de seus membros. A possibilidade de buscar formas de realização pessoal e gratificação profissional é a maneira que as pessoas encontram de viver, convertendo-se em seres socialmente úteis, pois ninguém mais deseja e ninguém mais pode ficar confinado à mesa familiar. [...] A busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade ensejam o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de definição de família e de preservação da vida. Esse, dos novos vértices sociais, é o mais inovador.

A família atual, segundo Oliveira (2002, p. 233): "a afetividade, trazida no respeito de cada um por si e por todos os membros – a fim de que a família seja respeitada em sua dignidade e honorabilidade perante o corpo social". Para esse autor, não há dúvida nenhuma, de que essa é uma das maiores características da família atual.

Ainda conforme Dias (2005, p.48) :

A família identifica-se pela comunhão da vida, de amor e de afeto no plano da igualdade, da liberdade, da solidariedade e da responsabilidade recíproca. No momento em que o formato hierárquico da família cedeu à sua democratização, em que as relações são muito mais de igualdade e de respeito mútuo, e o traço fundamental é a lealdade, não mais existem razões morais, religiosas, políticas, físicas ou naturais que justifiquem essa excessiva e indevida ingerência do Estado na vida das pessoas.

Assim, entende-se a família, como uma comunidade de pessoas, onde um ajuda o outro, deixando que o afeto fale mais alto, onde seus membros são envolvidos por um laço material, espiritual e psicológico, em busca da tão almejada felicidade.