emocracia, cidadania e direitos humanos. O que é proporcional, razoável ou correto?


Porvinicius.pj- Postado em 06 dezembro 2011

Autores: 
SIQUEIRA, Alessandro Marques de

 

RESUMO

Tudo o que é proporcional é razoável? Não. Tudo o é razoável é proporcional? Também não.

Embora a maioria dos livros de Direito Constitucional fale em proporcionalidade como sendo um produto da Idade Contemporânea (não se deve matar pardais com canhões – Jellinek), vejo a Lei de Talião como o ápice da proporção. Acredito que o Código Hamurabi explica com uma clareza única e matemática, o que é proporcional: olho, olho; dente, dente.

"Olho por olho; dente por dente" é proporcional, nem sempre razoável. Quebrar o dente do meu algoz, sem dúvida, não me devolve o meu dente. Por esta razão é mais inteligente, e razoável, reclamar o reparo do dente.

Embora Talião não seja um primor de razoabilidade, é um marco avançado dos Direitos Humanos. Mesmo que não conceda a resposta correta, afasta muitas respostas erradas. Limita, pelo menos, o quantum da vingança privada. Concede à vingança os limites objetivos da legítima defesa nos dias de hoje: "os meios utilizados devem ser proporcionais". Limita a vingança privada e, com isto, a barbárie.

Talião é citado como sendo um código de absurdos, quando, na verdade, é uma compilação objetiva que visa à preservação da própria humanidade. Oferece respostas corretas para tudo? Não. Suas respostas não são as mais corretas, mas foram as mais adequadas para a História Antiga. Então, para aquele contexto e pretexto, foi o texto correto. Foi a resposta correta que pôs fim à vingança privada sem limites.

PALAVRAS CHAVES: Modelos de Democracia. Hermenêutica. Resposta Correta. Razoável. Proporcional.

ABSTRACT

Is everything that is proportional reasonable? No. Is everything that is reasonable proportional? No, it isn´t either.

While most books in constitutional law speak on proportionality as a product of the Contemporary Age (Sparrows should not be killed with guns – Jellinek), I see the law of retaliation as the apex of proportion. I believe that the Hammurabi Code explains, with an unique mathematical clarity what is proportional: An eye for an eye, and a tooth for a tooth.

"An eye for an eye, and a tooth for a tooth" is proportional, but it is not always reasonable. Breaking the teeth of my tormentor will not give me back my tooth. That is why it is more intelligent, and reasonable, to demand the repair of the tooth. Although retaliation is not a perfection of reasonableness, it is an advanced milestone on Human Rights.

Even if it does not give the correct answer, it eliminates many wrong ones. It limits, at least, the quantum of private revenge. Nowadays, it gives revenge the bounds of objective limits of the legitimate defense the used means must be proportionate. It limits private revenge, and with it, barbarism

Retaliation is cited as a code of absurd, when it is actually an objective compilation aimed at the preservation of humanity itself. Does it provide us with the correct answers for everything? No. Its answers are not the most correct ones, but were the most appropriate for the Ancient History. So, for that context and pretext, it was the correct text. It was the correct answer to put an end to the unlimited private revenge.

KEYWORDS: Models of Democracy. Hermeneutics. Correct answer. Reasonable. Proportional.


 

INTRODUÇÃO

Proporcional e razoável são duas palavras avocadas em todo momento pela doutrina brasileira. Os termos são invocados para muita coisa importante, é fato, mas também para fazer bonito e se fazer parecer culto em um mundo onde sernão ser e ter se misturam. Num mundo em que o razoável, em muitos casos, se confunde com o conveniente.

Razoável, proporcional e correto, no olhar morfológico, são três substantivos. Do ponto de vista semântico e sintático, contudo, a questão se complica. Do ponto de vista filosófico, então, o questionamento se torna grandioso. Grande o bastante para que se discuta universalismo e multicuturalismo. Grande o bastante para que se fale de ethos universal, percebido na empatia, enquanto possibilidade concreta de se colocar no lugar do outro. Colocar-se no lugar do outro através de sua própria perspectiva.

Como não se pode precisar com exatidão o os termos significam – inclusive por razões éticas, vide a limitação da metodologia antropológica –, foram tornados expressões iogues. Assim, são e não são ao mesmo tempo. Cabe tudo. Cabe nada.

Na quadra descrita, nega-se o all or nothing[1] descrito por Ronald Doworkin no seu núcleo axiológico. Como a negação ontológica é contraditória, o discurso fica vazio – a partir de Sartre[2] ou de Shakespeare[3] –, porque não se pode ser e não-ser ao mesmo tempo. A questão que fica, então, é: ser ou não ser? Uma grande questão a partir da qual devemos responder: o que é correto? Poderia ter a resposta correta[4] ou apenas o método correto[5]?

Vivemos no mundo ocidental e nossa matriz de pensamento é ocidental. Bebemos da cultura judaico-cristã-mediterrânea[6] e vemos o mundo por este prisma, ignorando que muito mais de cinqüenta por cento da população mundial parte de pressupostos diferentes, exemplo dos indianos, chineses, japoneses, coreanos, tailandeses etc. Defendemos o núcleo duro[7] dos direitos fundamentais, esquecendo que o valor[8] é a Dignidade da Pessoa Humana. Uma dignidade que (na minha leitura de Kant[9] e Cristo[10]) só pode ser realizada por intermédio da liberdade.

Com Cristo chego à noção de liberdade e democracia através do primeiro mandamento: ao próximo como a ti mesmo. Chego na companhia de Rabenhorst[11] e digo: ou se tem preço, ou se temdignidade. Chego com Kant para falar de sua percepção: dignidade é a qualidade do que é racional e autônomo. Vejo o ser humano em sua racionalidade e autonomia. Vejo e sou visto por este prisma, razão pela qual negar a racionalidade e a autonomia a qualquer pessoa seus saberes não é democracia. Pode até ser Estado Democrático de Direito, mas não seria um Estado Democrático.

O Estado Democrático (na leitura que faço) consideraria o saber das múltiplas disciplinas para realizar a Dignidade da Pessoa Humanaracionalidade e autonomiaRacionalidade e autonomia, então, são os substratos éticos da Dignidade da Pessoa Humana. Por isto devo querer integridade psíquica, em primeiro lugar, e física. Por esta razão não posso pretender impor meu modelo, a menos que eu louve sem qualquer reflexão o trabalho dos jesuítas.

Os jesuítas têm o seu valor, mas não são melhores que os índios. São diferentes, mas, como eram mais fortes, impuseram o seu padrão de mundo, faticamente o europeu. O ocidental não é melhor que o oriental, mas, de há muito, vem “doando através da força”, seu olhar hegemônico e evoluído de processo civilizatório. Falo dó Sudão[12] como se o conhecesse. (des)Considero a natureza planetária de Plutão, abstraindo que a viagem do maior telescópio terreno não chegou a Saturno. Falo que o ano tem 365 dias e 6 horas, sem ter consciência – (com)ciência – que o ano nada mais é que o tempo de o corpo celeste cumprir seu desígnio gravitacional, que normalmente é elíptico.

A dança do universo, até onde se conhece, é elíptica e segue uma direção. No sistema solar há dois estranhos: Vênus na contramão; Plutão em uma elipse mais acentuada. São planetas menosevoluídos? Penso que não. São dois planetas. São dois planetas como a Terra, cada um na sua própria órbita.

Devo assumir o multicuturalismo porque, do contrário, estarei dizendo: “bom mesmo é o Sol. Seu ano tem 235.000.000 de anos!” Verdade? Não. Um ano é um ano. Um ano é o lapso temporal gasto pelo corpo celeste para circundar completamente o sistema que o atrai. Uma cultura, então, não é melhor ou pior que a outra. Devo assumir isto se não quiser estar no lugar do onisciente.

É bom se saber das limitações dos modelos culturais – minimamente territoriais – para se expurgar a pretensão de que temos, sempre, a resposta correta. É bom se abrir mão do sentimento de certeza (100% por cento) para se aprender algo. É necessário se admitir que o método correto, nem sempre, foi percebido na matriz de pensamento onde se assentam os valores que apregôo. É preciso se dar o lugar de limitado para não se cair no canto da sereia da ditadura democrática (maioria, por si só, é pouco mais que isto), havida quando se pretende que todos os Direitos Humanos Fundamentais sejam universais[13].

DIREITOS HUMANOS UNIVERSAIS. ISTO É POSSÍVEL?

Nossos direitos são humanos? Sim. São Direitos Humanos porque decorrem da reflexão humana a partir de sua própria existência. Uma reflexão que já foi feita a partir da religião (enquanto matriz de pensamento), mas que hoje clama pela laicização, cobrando do direito suas respostas. Respostas encontradas no sistema[14] ou ordenamento[15].

Nossos direitos são humanos e, por isto mesmo, são da humanidade. Pertencem à humanidade, e não à pessoa que cunhou a expressão. Por isto, a partir da perspectiva oriental (em meu sentir mais humana e menos egolátrica), tem-se Direitos Humanos, e não apenas a primazia do primeiro a proferir a expressão.

A egolatria ocidental é tão evidente, que a lei da conservação da massa, que é da ordem da natureza, “virou” Lei de Lavoisier[16]Nada se cria, tudo se transforma. A frase[17] (que denota percepção de realidade) foi articulada por Lavoisier. É uma lei da natureza que foi apreendida pelo físico francês no paradigmático 1789.

O ocidente convenciona que a Idade Contemporânea começou com a Queda da Bastilha, datada de 14 de julho de 1789. Agora, pelo menos o 1789, faz sentido. Com a transgressão da noção de liberdade defendida por Vitor Hugo – razão na filosofia; beleza na arte; política no direito –, o direito nos fez livresiguais e fraternos.

O direito nos fez livres e iguais, supostamente, pela Dignidade da Pessoa Humana, supostamente. Desta forma, joga tudo na dignidade. Um jogo de palavras (sofismas em profusão) para explicar o que ninguém consegue entender: “a dignidade do ter”. Assim fica fácil explicar as férias dos magistrados (dois meses) serem diferentes da doméstica: 20 dias úteis. Com tudo isto afraternidade se esvazia e só devo respeito ao meu irmão. Com isto se ignora (no sentido de abstrair) o desconhecido e se diz: há melhor (eu); há pior(o outro). Definitivamente, minha vaidade é muita para dizer, na saberia do funkeironem melhor, nem pior; apenas diferente [18].

O sentimento de primazia, então, predomina. Predomina e, com ele, posso dizer: “o primeiro é o primeiro; o segundo não é nada”[19]. O primeiro é o primeiro, tal como ocorria no famoso comercial de tênis dos anos 90, realça o que denomino homocentrismo[20] ocidental.

DIREITO E RELIGIÃO. CONVERGÊNCIA OU ANULAÇÃO?

Não tenho dúvidas de que o nosso modelo de democracia é laico. Isto, então, é um motivo para que se ressalte: nossos direitos são humanos. São Direitos Humanos porque servem ao humano (voltam-se para a realização da Dignidade da Pessoa Humana – autonomia e racionalidade), e não porque foram percebidos por nossa razão.

Quando se pensa em Direitos Humanos, pensa-se Estado Laico. Neste instante, vem à mente James Madison e a Primeira Emenda à Constituição Americana, na qual se estabeleceu a liberdade religiosa. Madison criou o Estado Laico? Penso que não. Percebo esta primazia no ensinamento de Cristo, contido em Mateus 22; 21: “Dai a César o que é de César; a Deus o que é de Deus”. Cristo reconhece César e o dever de se sujeitar a ele. Madison reconhece a liberdade de religião, e, por conseguinte, a possibilidade de se falar de Deus dentro dos limites do Estado Laico.

César de um lado, Deus do outro. Cada um no seu quadrado. Estando em lados dito opostos (dízimo e tributos, por exemplo) as perspectivas são anulatórias. Ocorre, todavia, que, no mais das vezes, há convergência de sentidos. Nesta hipótese, fica uma indagação: o que fazer se Direitos Humanos e Religião apontarem para a mesma direção? Se César e Deus se confundirem, o que fazer? Devem se anular? Se sim, por quê?

Vivemos em uma Democracia, o que é louvável. Vivemos em uma Democracia na qual (James Madison e o Estado Contemporâneo, laico por essência) reconhece Deus. Ao mesmo tempo Deus (Cristo e o seu ensinamento) reconhece César e a necessidade de sujeição aos seus comandos. Algum problema? Nenhum. Não há motivos para fundamentalismo teocrático, como não há razão para o fundamentalismo homocrático. Pelo contrário: há motivo para que os saberes se encontrem. Há motivos para que César e Deus unam forças.

Pecado, em essência, quer dizer “errar o alvo”. Quando se erra o alvo em uma leitura teleológica? Quando a ação humana vai de encontro dos Direitos Humanos, comprometendo sua razão (o conceito de Descartes atende ao que se quer) e sua autonomia, no exato sentido da Dignidade da Pessoa Humana e a consideração de Kant sobre o tema.

A se fazer uma leitura histórica acerca dos pecados, percebe-se que este é um nome de que se vale a religião, enquanto matriz de conhecimento, para designar o que faz mal ao homem e ele não detém de meios cartesianos (físicos) para identificar causa-e-efeito. Vê o efeito, mas ignora o motivo físico do fenômeno. Com isto, joga para a metafísico o que é físico, mas ignorado pelo viés fenomênico.

Dentro do caminho proposto, pecado não tem nada a ver com espíritos. Pecado é algo físico, mas que a razão humana não alcança em um dado momento histórico. É algo físico, mas morador futuro do mundo sensível. Ainda não se trouxe para o mundo sensível (acessado pelos sentidos humanos) o que É no mundo das idéias de Platão.

Na perspectiva proposta, pecado não se confunde com dogmas. Dogmas são diretrizes assumidas por um determinado grupamento social a fim de manter a unidade da organização. Dogmas possuem índole eminentemente social, exemplo das vestes talares e das roupas de gala, reclamadas por alguns grupos. Pecado, em outra medida, diz com integridade.

Apresentada a noção a partir da qual dogma e pecado não se confundem, parece producente se pensar na questão da carne de porco e o povo hebraico, perguntando-se: já pensou nos motivos deste povo não comer carne de animal que possui fenda?

 Animal não-ruminante de fenda nas patas é, a um só tempo, o mamífero de carne branca. Por que mamífero de carne branca? Porque a carne destes animais entra em decomposição rapidamente. Por que entra em composição rápido? Porque é uma carne mais suscetível à atuação das bactérias.

Dizer em 2008 que comer carne de porco é pecado, soa estranho. Soa (e é estranho, na minha leitura do tema) porque este fato deixou de ser pecado. No tempo dos Hebreus, não. Era umpecadão. Literalmente, um pecado de morte, porque matava por intoxicação. Duvida? Experimenta comer um bife de porco, paca ou capivara deixado sem refrigeração por uma semana. Não se esqueça de que as bactérias foram inventadas[21] há pouco tempo.

As bactérias existiam há milhões de anos, mas não no mundo fenomênico. A carne apodrecia pela ação dos espíritos? Que diferença faz? Ela apodrecia e podia matar. Então, como as bactérias não eram percebidas, chamava-se de atuação de espíritos. Ruim isto? Não. Muito bom. Em nome da religião muitas vidas foram preservadas. Preservou-se integridade em nome da religião. Sendo assim, por que César e Deus precisam ocupar setores estanques? É realmente democrática uma leitura que anula o outro ramo do saber?

O homem não inventou a bactéria há três ou quatro séculos, mas foi nesta ocasião que se reconheceu a sua existência. É preciso se saber disto para se entender a fenomenologia e sua premissa fundante: há o que percebo. Há o que se entende no plano físico.

Estudar filosofia, então, é essencial. Entende-se isto ao se chegar à discussão de textocontexto e pretexto. Neste instante se aceitará que qualquer situação deve ser analisada a partir deste tripé hermenêutico. Com isto, dentro do contexto em que os fatos surgiram, estes são facilmente compreendidos. A partir disto se entende as leis (se em última análise forem físicas!) que regem o homem.

Pelos motivos expostos, a realidade deve ser buscada dentro do contexto que a gerou. Se se entender assim, será dito: está correto. Continua correto? Nem sempre. Todavia, como não se pode estar em um tempo diferente do que se vivencia, o entendimento será possível.

Depois de se falar do hebreu-judeu, algumas indagações de nosso Estado Democrático de Direito ficam no ar: como se entender o cigarro? Como se entender a bebida e a Lei Seca, havida por medida provisória?

Os evangélicos sempre associaram o ato de fumar a vício, logo, pecado. Esta consideração era negada e associada à repressão. Todos queriam liberdade. Agora, que existem enfisemas pulmonares, as leis antitabagistas são reclamos de uma maioria laica. A religião é recusada em nome de um Estado Laico. Todavia, quando a informação vem da ciência, é vista como correta. Por quê? Até que ponto a cienciocracia[22] é mais ampliativa que a teocracia?

Beber é pecado? Moderadamente, tenho convicção que não. Mas se embebedar, seria? Penso que sim. Não é pecado porque a denominação A ou B quis. Será pecado se provocar males ao estômago, esôfago, fígado, rins etc, no plano fisiológico, e a derrocada na racionalidade, no plano psíquico. É ruim porque, em análise finalística, a desmedida leva à perda da razão (Kant) e a destruição de lares, uma preocupação do Estado Laico brasileiro no artigo 226 da Constituição da República Federativa do Brasil: a família é base da sociedade.

Vejo o ato de se embebedar como sendo algo pouco saudável. Faz mal ao corpo. Esta perspectiva, perfeitamente ajustada ao Estado de Direito, tem um viés transformador. A mim é boa e me basta. Minha vida social se resolve com esta perspectiva. Nada obstante, na quadra da tolerância (Amartya Sen explicita bem) quem sou eu para dizer para o ex-bandido cachaceiro que a bebida não é um mal em si, e que a denominação o está espoliando? Eu bebo moderadamente em nome da saúde e preservo minha integridade. Ele parará de beber em nome de “Deus”. Qual o problema? O fígado agradece e se evita uma cirrose.

A carne de porco é pecado, então, porque mata. Mata se for mal conservada. Agride porque atenta contra a dignidade e a consideração de Kant sobre ela. Em estado de decomposição causa males ao intestino, no que vai de encontro à integridade física. Em igual medida os vermes que a ela se associam podem causar problemas de ordem neurológica.

Do que se expôs, tem-se que o Estado Democrático é um modelo que quer transformação valorativa no corpo social. É Estado Democrático de Direito? Também. É Estado Democrático de Direito, mas não apenas. O Estado Democrático quer a transformação da sociedade e, para tanto, deve assumir a tolerância como ponto de partida. Uma transformação que parece ser mais efetiva quando não se ignora os demais campos do saber e se concede ao direito um papel maior que o de aparelho de Estado[23] ou instância de manutenção do status quo[24] ou poder[25].

DEMOCRACIA E ESPORTES. QUAL O MODELO CORRETO?

Abordamos anteriormente um famoso comercial de tênis e, nele, o homocentrismo ocidental. Um homocentrismo que será enfrentado a partir de esportes e a consideração de democracia que este permitir inferir.

Quero falar de esportes e democracia porque tenho observado que, sempre que o modelo americano de vitória é posto em xeque, surgem vozes americanizadas para dizer: entre os paísesdemocráticos, nós vencemos.

O que é democracia, afinal? Democracia se impõe? Penso que não. Como penso que não, quero analisar dois fenômenos do esporte mundial a partir da liberdade democrática. De um lado, ocidente; do outro, oriente. Em ambos os lados atletas de ponta. O que os difere? Será mesmo a democracia? Caso seja a democracia, que democracia? Dá para dizer que a democracia cíclica, do oriente, é pior que a democracia linear do ocidente?

No mundo ocidental se laureia o projeto de Michael Phelps de bater Mark Sptiz e seu recorde, datado de Munique, em 1972. A história é vista sob o prisma da superação, como na doutrina que defende as gerações de direitos fundamentais[26] em detrimento de dimensão[27]. Há quem fala de geração, e não é sem motivo. Talvez por ato falho (valeu Freud). Talvez por vaidade, pois tudo é vaidade, não é mesmo, Salomão? Estou mais para a visão da vaidade, já vez que a expressão geração evoque titularidade, que é ocidental na gênese e se coaduna com Darwin e sua visão de aptidão eadaptabilidade: só os mais aptos sobreviverão.

Uma vez consumado o projeto de PhelpsSpitz já era. As oito medalhas são de Phelps e se somarão às seis ganhadas nos jogos gregos. Na verdade ele ganhou oito medalhas em 2004, mas o bronze não contaria. Ele terá, então, 14 medalhas. Com isto Phelps será o homem a ser batido e a história terá começado com ele. Não por acaso a intenção (ou seria pretensão?!) de divisor da história assolar a muito de nós, ocidentais evoluídos.

Phelps bate recorde sozinho? Penso que não. Ele bate recordes porque há uma confluência de fatores objetivos. Ninguém se torna o melhor a partir do nada. Ninguém nasceu há 10.000 mil anos atrás[28]. As condições objetivas são necessárias para que as potencialidades brotem e se desenvolvam. Por estas não nascem Mozarts nas favelas. Por estas, também, nascem MCs, e bons. Por outras não posso impor o que vivencio.

É claro que podem nascer Mozarts nas favelas. Isto possível, mas, excepcional: estado de exceção. Sendo assim, o fato não pode receber o tratamento de regra, já que isto não seria um Estado Democrático, tal como na propaganda que laureia o espírito brasileiro com o EU NÃO DESISTO NUNCA:

“A Maria José sempre quis ser professora.

Ela lutou contra o pai violento.

Lutou contra a cegueira de um olho.

Lutou contra a falta de recursos.

Nada disso, porém, impediu que ela continuasse sonhando.

Quando ela se formou o destino de novo não deu trégua.

Ela passou a lutar contra uma doença que não tem cura, mas devolveu na mesma moeda, dizendo para si mesma: vou fazer mestrado, e fez.

Agora ela inventou de fazer doutorado.

E o destino?

Bom, o destino é que desistiu, porque a Maria José é brasileira.

Essa não desiste nunca”[29].

Existem Marias como a do comercial? Quantas? Poderia, então, pautar uma democracia pela exceção? Isto não seria a negação axiológica da democracia?

 Do que se expõe, é preciso se reconhecer que MCs e pagodeiros em Viena são raros como Mozarts no Complexo do Alemão. Existem e são raros como pintinhos com quatro patas, aberração que presenciei enquanto menino.

O pintinho de quatro patas foi uma aparição breve. Breve, porque a mãe natureza tratou de eliminar o estranho com o próprio bico. Breve, mas demorada o bastante para que se chegasse ao local o Jornal de Caratinga, chamado em Santa Bárbara (na ocasião um distrito) às pressas. Às pressas porque o Show da Xuxa não acreditou na história e julgou ser trote. Coitada da Dona Filinha do Claudiomiro. A pobre senhora foi ignorada pela produção do programa global na sua ida ao posto telefônico (não havia telefones nas casas) com a intenção de levar a nova do pintinho à rainha dos baixinhos. Que saudade do bucolismo dos rincões deste Brasilzão!

Digressões feitas, volta-se a Phelps para dizer que, uma vez consumado o intento do nadador americano, ele será o maior atleta da história. O cara é fenomenal, mas até quando?

Phelps é um atleta fenomenal porque assimilou vários fenômenos físicos: disciplina, estatura, envergadura, alimentação e treinamento específicos, roupa adequada etc. É fenomenal e, por isto mesmo, quero citar o funk carioca e sua pérola ontológica: “cada um no seu quadrado”.

Phelps pode ser o maior nadador da história (até quando!), mas como compara-lo com JordanPeléProst ou Schumacher? Isto não é possível, porque, ontologicamente, é “cada um no seu quadrado”. Se ontologicamente é assim, teleologicamente deve ser também.

Em meados de 2007 ouvi, pela primeira vez, a dança do quadrado. Não sei quais foram as intenções da autora, a exuberante Sharon, do Axé Moi. Não sei quais foram suas intenções, mas sei que a palavra falada e a flecha lançada não voltam atrás. Assim, quero extrair da Dança do Quadrado tantos elementos de democracia quanto possível. Muitos serão extraídos? Não sei. Mas de antemão vejo elementos para valorar as dimensões de direitos fundamentais clássicas. Digo isto porque liberdadeigualdade e fraternidade se apresentam agraciadas por um discurso de tolerância sui generis. Como percebo isto? Vendo que há quadrados para todos: “cada um no seu quadrado”.

Abstraindo o interminável refrão, tem-se o supra-sumo da lição de Sharon: “Claudinho e Buchecha no seu quadrado; Cowboy no seu quadrado; Matrix, Robinho, Polichinelo, Flexão, Bíceps, 100 metros rasos, Natação, Paquito, Macaquinho, Gaivota, Siri, Cicarelli, Sol e Patinete, todos nos seus quadrados.”

Ainda no trabalho de abstração, Sharon nos apresenta uma lição definitiva de tolerância: “Agora prestem atenção, o quadrado do lado é o quadrado do inimigo! Zidane no seu quadrado...”

Não quero dar uma de Marco Materazzi para levar uma cabeçada de Zidane. Por esta razão entendo que ao se dizer “cada um no seu quadrado”, está sendo dito: HÁ QUADRADO PARA TODO MUNDO. Se é assim, de onde surge a minha pretensão de levar o outro para um quadrado diferente? Quem foi que disse que o meu quadrado é melhor que o dele? Quem assegura que iraquiano quer o modelo de democracia americano? Quem foi que disse que o povo do Camboja é infeliz e o sueco é feliz?

O sueco (com)partilha valores – em especial o hedonismo de sua indústria de filme de romance com ação – e se mata muito mais que o cambojano. Então, se suicídio fosse medida de evolução, o Camboja estaria muito melhor. Será que não é? Talvez devesse dizer à Marcinho: “nem melhor, nem pior; apenas diferente”. Não posso saber porque posso saber apenas o texto (neste caso de Lei) da Suécia e do Camboja, mas para entender pretexto e contexto teria de estar lá. Como não estou, reconheço as diferenças.

Eu não sei quem autorizou Bush democratizar o Iraque, mas não me sub-rogo de seus direitos. Se fizer isto, estarei me colocando no mesmo barco de SadamBushBin Laden e outros aiatolás. Tudo bem que tenho o poder de nominação (obrigado Bourdieu pelo seu melhor vinho), mas, como tenho razão, devo entender que democracia imposta não é democracia. É ditadura da força (no mundo fático), ainda que eu dê o sonoro nome de Direitos Humanos Fundamentais Universais.

Não partilho do universalismo, porque para tanto deveria chamar o medievo de idade da luz, e não das trevas. Por quê? Porque na Idade Média a Igreja se avocava deste mesmo poder para queimar os hereges: bruxas, maçons, astrônomos e companhia. Então, Galileu não deu uma de herói por Darwin e Descartes: se mantivesse a terra fora do centro, morria e retrocedia; se bancasse o que sabia, queimaria.

Abstraio o universalismo. Sabe por quê? Porque não há uma linha segura a partir da qual possa se dizer: aqui é bom; lá é ruim. Algo pode ser verdadeiro (numa escala de valor), como não ser, se eu mudar de escala. Então, como parto da premissa de que o núcleo duro não é ponderável, à Sarmento, não abro mão de minha liberdade: nem da minha; nem da do outro. Por isto digo:LIBERDADE, PARA MIM, NÃO SE PONDERA: ou aceito racionalidade e autonomia do outro, ou assumo que ele pode subjugar a minha.

Algo pode ser verdadeiro para mim? Pode. É verdadeiro para mim e para os meus valores, mas não para os valores do outro. Por isto mesmo, nada como a velha sabedoria popular: “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Assim, se há soberania para o casal (no sentido mais puro das Teorias do Estado), deve haver soberania para um Estado Soberano. Está autorizada a barbárie? Desde Talião que não, mas se o caminho do outro for algo visto por mim como barbárie, problema do outro. O que fazer? ARRUMAR MINHA CASA ANTES DE ESPERAR QUE A RUA FIQUE LIMPA. Falar dos Direitos Humanos do morador da favela brasileira antes de me meter (no bom sentido, é claro) na genitália da sudanesa. Do brasileiro poderei, porque sei (posso saber!) detextocontexto e pretexto.

No dia em que eu for capaz de resolver o caso Sudam, talvez eu possa falar de Sudão. Enquanto isto, parece mais inteligente esquecer teorias e assumir que cada povo pode fazer seu destino. Assumo, enquanto, cada um faz da vida o seu destino e, o meu, é problematizar. Haverá um núcleo essencial a ser partilhado? Para mim, sim, e este núcleo está na leitura de Kant da Dignidade da Pessoa Humana: racionalidade e autonomia. Tudo o que passar disto é vaidade. Tudo o que passar disto é achismo, terrorismo, revanchismo e outras modalidades de xiistismo democráticos que o mundo ocidental, do auto de sua evolução, cria, recria e copia.

Eu não meto a minha colher com ânimo onipotente (em briga de marido e mulher ou na questão de Ruanda) por uma questão simples. Para fazê-lo, preciso saber de textocontexto e pretexto. Às vezes dá para se equilibrar por sobre este tripé hermenêutico, mas, às vezes, não. Portanto, é muita pretensão julgar que terei sempre a resposta correta. Posso ter a resposta correta? Sim, pelo menos para o meu modelo. Agora, posso sempre ter a resposta correta? Não, a menos que eu seja o Deus que o hebreu concebeu há 5.000 anos.

OLIMPÍADAS. ORIENTE E OCIDENTE NA ARENA ROMANA MODERNA.

Quando paises como Cuba e China se saem bem nos jogos olímpicos, nós, e nossos Direitos Humanos Fundamentais Universais, dizemos: “A que preço? À custa de democracia? Vale a pena tantas medalhas se eles não têm liberdade?” O senso comum diz que não vale a pena ter medalhas se não se tem liberdade. Curioso!

Que atleta de verdade (não me refiro a bons amadores, ainda comuns no futebol!) tem a liberdade que o modelo Tio Sam apregoa? Comer 12.000 calorias por dia, treinar de 7 a 8 horas durante seis dias da semana para ganhar oito medalhas de ouro é liberdade? Sim.

No ocidente somos livres para competir, desde que ganhemos. Ácido? Talvez. Possibilidade que vira certeza até se observar um ouro é melhor que mil pratas. Por quê? Porque o importante é competir. Piada? Não. Este é o espírito olímpico da anulação e superação. Bom, pelo menos até a ditadura chinesa ter mais ouros, ERA assim...

O que difere a privação do Phelps da privação de Liu Xiang, o primeiro amarelo a vencer uma prova de atletismo: 110 metros com barreiras em Atenas. Onde se assegura que é mais nobrePhelps ganhar as medalhas em nome do eu, e isto virar dinheiro através de salário, bônus e patrocínios? De onde provém a certeza do homocentrismo hedonista? Onde está escrito que ohomocentrismo é o único modo de se superar o medievo e o teocentrismo que o marca? Quem assegura que o homocentrismo é evolução, e não mera mudança? Darwin?

Talvez se possa dizer, a partir de Darwin, que o teocentrismo precisa ser enterrado de vez, já que a evolução nos apresenta, sempre, algo de melhor. Isto pode ser verdadeiro, mas também pode não ser. Por quê? Porque chimpanzés são semelhantes a nós em 98,5%[30] dos genes. Se a ciência prova isto pelo genoma, a diferença entre mim e o fundamentalista islâmico deve ser menor. A diferença entre a mulher feia e Ana Hickmann é insignificante, embora todos nós saibamos da beleza de Ana. Nesta quadra, a diferença entre mim e um serial killer deve ser desprezível. Portanto, em que eu sou melhor?

Phelps, assim como todo grande atleta, passa por privações. Phelps não sai de casa, não namora e treina de domingo a domingo. Porque, então, ele é livre? Liu Xiang, que passa pelo mesmo processo, não seria também? Qual o erro do projeto chinês? Eu não sei. Não sou americano nem chinês, portanto, não sei o que se passa na casa deles...

Não pretendo oferecer respostas acabadas para as indagações propostas. O que quero é apontar que não dá para se criar certo e errado universal. Há mais adequado e menos adequado para o momento histórico e para o contexto histórico. Pretender a verdade, então, é querer mais que nossa inteligência alcança, a menos que eu me dê o lugar de onisciente no sentido mais puro: conhecedor de todas as ciências.

Pretender sempre a verdade, desfazendo do consenso, é ignorar, em muitos casos, que o consenso é necessário para a manutenção do grupamento social, como ocorre com o chamado financiamento da casa própria, visto no tópico seguinte, recobrando a questão existencial de Shakespeare: ser ou não ser? Eis a questão...

ALUGAR OU FINANCIAR? EIS A QUESTÃO!

Desde Platão convivemos com dois mundos. Um mundo sensível, inteligível pelos sentidos, e um ideal. No mundo sensível Somos Quem Podemos Ser, como aponta Humberto Gessinger na música homônima. No mundo das idéias podemos confabular. Podemos ser tudo e deve ter sido de lá que Kant trouxe o imperativo categórico: aja de maneira tal que sua conduta possa ser universalizada.

Alguém conseguiu cumprir o desígnio de Kant em sua inteireza? Penso que não. Aliás, penso que quem mais chegou perto do projeto foi a Solange do BBB 4 com suas falas categóricas: “a vida é minha; o problema é meu; você não tem nada a ver com isto etc”.

Solange é um fenômeno. Conseguiu fazer valer Kant e, ao mesmo tempo, colocou abaixo John Donne: nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente. É verdade que esta assertiva estava em xeque desde a constatação da existência dos autistas – que não se relacionam por serem incapazes de (com)partilhar –, mas ganhou mais uma pazada de cal comSol. Por isto ela ganhou uma referência na ontológica obra de Sharon: cada um no seu quadrado.

Lenio Luiz Streck, no seu Verdade e Consenso[31], parece ter tomado um bom vinho com Platão. O livro é fenomenal. Não me refiro a algo fenomenal como sendo algo grandioso. Refiro-me a fenomenal como apreensão de fenômeno, à Sartre e sua base fenomênica. Apreensão de assertivas que (a partir da matriz de conhecimento com a qual partilho muita coisa) me permite dizer: há muitas verdades na obra. Ele revela (no sentido puro de tirar o véu, rumo à luz) proposições esclarecedoras.

Depois de ler Verdade e Consenso pensei. Quero a verdade. Não quero ser senso comum. Logo em seguida fiquei refletindo: e se o mundo todo quiser a verdade? E se a verdade for apenas um consenso sobre o que é verdade? Nesta aflição pensei em muita coisa. Pensei em Einstein, e sua teoria da relatividade, e voltei a Shakespeare: Ser ou não Ser?

Algumas diretrizes de pensamento marcam a humanidade. Em Moisés tudo era Lei. Em Cristo, amor. Em Freud, sexo. Na verdade não era sexo, e, sim, sexualidade, mas sexo impacta muito mais, convenhamos. Por este motivo reitero: em Freud, tudo é sexo. Impacto feito, chega-se a Einstein para dizer: tudo é relativo.

Tudo é relativo e, assim, é Melhor Pra Mim. Inovei? Não. Leoni escreveu esta música enquanto a curtia fossa de Paula. Inventei? Também não. Ele foi ao Jô e, desta vez, o entrevistador sabia menos que o entrevistado. A motivação de Melhor Pra Mim gerou no apresentador uma cara de surpresa. A mesma cara que eu fiz ao ver a motivação do que o levou a escrever: “tudo é relativo, quando te fazer feliz, me faz feliz; se a história for sempre assim, melhor pra mim”.

Ser ou não Ser? Alugar ou Financiar? Eis as questões...

Partindo da matemática, a resposta às questões é muito simples. Aritmética resolve o problema e terei uma verdade matemática. Simples assim: a) OPERAÇÃO 1: Divida o valor nominal mensal do ALUGUEL pelo VALOR DO BEM alugado. Anote a proporção; e, b) OPERAÇÃO 2: Divida o valor nominal mensal dos JUROS DO FINANCIAMENTO pelo VALOR DO BEM financiado. Anote a proporção.

Anotadas as proporções, ter-se-á uma verdade matemática. Uma assertiva verdadeira até se entender de cultura de poupança. Será verdade, e um bem, até se constatar que o brasileiro gosta mesmo é de correr atrás e que sua relação com bem de raiz não é sem propósito, vide a Lei de Terras: terra é sempre terra; bem imóvel é que é bom.

Embora o texto aponte para uma paradoxalidade, parece certo que a verdade só será boa se trouxer consigo a noção de bem. Qual bem? O bem que minha matriz cultural considerar. Há um único tamanho de quadrado? Não. Há quadrados para todo mundo e isto já foi enfrentado.

Sabendo que há quadrados para todo mundo, é de se perguntar: “qual a melhor resposta?” Eu responderei à Einstein: “tudo é relativo”.

Vivemos em um mundo cheio de absolutismos. Um mundo onde esta parece ser uma verdade: não pague aluguel, meu filho. É melhor fazer um financiamento. Aluguel é dinheiro jogado fora.

Aluguel é dinheiro jogado fora? Depende. Depende de quanto ele significa em termos proporcionais quando confrontado com o bem financiado. Depende da outra opção que o locatário (pretenso mutuário!) terá, se é que terá.

A pessoa que profere aluguel é dinheiro jogado fora o faz com a mais pura verdade portuguesa. Errado? Não. Diferente. Portugueses têm uma relação com bem de raiz que é muito forte. Uma relação que só foi rompida na corrida que levaram de Napoleão. A corrida é fato? Sim. 1808 tem 200 anos e agora é o hit, na forma contrata, ou o heat da estação. A fuga virou história e está entre os mais vendidos. É best seller! Santa colônia...

Aluguel é dinheiro jogado fora é verdade portuguesa, mas não é a verdade do judeu. Por quê? Porque o judeu, ao contrário do português, não tem relação histórica com bem de raiz. Pelo contrário. Tem história de perseguição. Primeiro quarenta anos fugindo do Egito em busca da terra prometida. Parece muito? Parece, mas não é. A diáspora começou em 721 d.C., com a invasão babilônica, e durou até 1948, com a criação do Estado de Israel.

Aluguel, então, não é, necessariamente dinheiro jogado fora. Aliás, de um modo geral, acaba sendo um grande investimento.

Aluguel pode ser um grande investimento porque os títulos do tesouro rendem SELIC[32] e qualquer pessoa poderá comprar títulos com este rendimento. Moramos em um país onde viver de juros é mais cômodo e lucrativo que investir na produção de bens. Estranho? Sim. É estranho. É estranho até você se dar conta de que a lucratividade dos bancos brasileiros é disparada a mais alta do mundo e muito ganho advém do financiamento da dívida pública, operação pela qual se recebe a taxa SELIC.

Os títulos do tesouro rendem SELIC para qualquer banco, e poderá render para você também. Basta, apenas, que se poupe e se adquira estes títulos. Quem faz isto? Quase ninguém. É mais fácil reclamar, outro traço de nossa cultura.

SELIC (que de um modo simples contempla juros e correção monetária) é mais que o dobro do rendimento do aluguel. Claro isto? Para um judeu, certamente. Para um brasileiro, e sua matriz portuguesa de pensamento, não.

A verdade matemática trazida à colação é, então, uma verdade. É verdade, mas não é consenso. Não é consenso, sobretudo, porque a maioria acredita mesmo que aluguel é dinheiro jogado fora. A maioria prefere isto sem levar em consideração qualquer outra variável. De fato, acredita-se na segurança do bem de raiz e, em nome desta segurança, nenhuma outra hipótese é vista. A verdade chinesa, digo, portuguesa, revelará: aluguel é dinheiro jogado fora. Em nome desta verdade a assertiva matemática – pagar a aluguel pode ser muito mais barato que ser proprietário – será relegada e parecerá um devaneio.

Dizer a alguém que não saiba matemática financeira que pagar aluguel é mais barato que financiar, será um sacrilégio, tão grave e feio como transgredir o primeiro mandamento e bater na mãe. Vai parecer, no mínimo, papo de maluco.

Parecer maluco não é bom. O melhor é pegar a calculadora HP12C, aquele invento que não tem a tecla de igual e que transporta o usuário para o olimpo e faz dele um deus. Aquela maquininhaque concede ao operador a condição de entendedor de tábuas atuariais, o que é mais que mitológico, sobretudo para as pessoas das humanas. Aquele objeto que nos faz pedir desculpas a quem o usa e nos impele à insignificância, mesmo quando, no fundo, se sabe: este sujeito está me passando a perna.

O problema proposto não é tão complexo. A HP12C pode ser deixada de lado em nome da boa e velha regra de três. Aquela regrinha que todo mundo sabia nos tempos de Skinner, mas que hoje é ignorada em nome da descoberta de Piaget e de uma leitura muito limitada de seu construtivismo.

A leitura equivocada de Piaget resolveu o problema? Não. Há quem sabe regra de três e quem não sabe. Digo, inclusive, que há mais pessoas que não sabem, já que hoje seria errado se cobrar tabuada. A criança deve descobrir por si só. Bonito, não? Não. Não é bonito. É vaidade. É a constatação de que todo mundo pode inventar a própria roda, e por que não, a tabuada?

A pseudoleitura de Piaget, além de não ter resolvido o problema, criou outros e deu a isto o nome de solução, por exemplo, acabando com a reprovação nas escolas. Acabar com a reprovação parece um bem. Parece, e é, se a aprovação advier de aprendizado. Mas não é isto que ocorre. O que ocorre, então? Ocorre que se criou a aprovação automática. Um engenho brasileiro que deveria constar das marcas e patentes. Qual é o autor? O velho conhecido de todos: o jeitinho; the brazilian way...

Já que não temos mais reprovação o correto seria se exclamar: o novo método é bom e provou que todo mundo pode aprender. Que bacana! Bacana, onde? Bacana se estivéssemos a serviço do aprendizado, e não ao Senhor IDH.

Ainda no mundo das idéias, diria: todo mundo está aprendendo pelo novo método, não é mesmo? Não. Claro que não. Uma boa parcela continua sem saber, mas agora estamos bem na fita e não temos reprovação: no Brasil, 90% dos jovens estão na série equivalente; estamos acabando com a evasão escolar; no nosso país todos os jovens estão nas escolas. Bonito isto...

Ficar bem na fita é até fácil. É só maquiar a realidade. Como? Photoshop. Pensa que o programa serve apenas para diminuir aquele pneu ou acrescer aquele glúteo? Ledo engano. Photoshopdeixou de ser espécie para virar um gênero: o gênero do faz de conta, onde a realidade não é a do mundo sensível, mas a da ilusão que eu puder ter. O mundo deixa de ser o que podemos ser para ser o que queremos ter. O mundo da Xuxa e sua Lua de Cristal: tudo o que eu quiser, o cara lá de cima vai de dar...

Maquiar o problema não resolve nada, mas faz de conta. Adianta alguma coisa no mundo fático? Não. Mas o que isto importa se o que realmente importa é ter todo mundo diplomado e o país evoluir no IDH para se dizer: nunca na história desta república houve tanta evolução...

A República brasileira, infelizmente, é a terra do faz de conta, a começar pelo significado do nome: res publicae. A nossa res (coisa) publicae (pública) é tão pública que se apropriar do bem público recebe tratamento diferenciado, como que se dizendo: pegar no povo, pode; do povo não é de ninguém. Não era para ser assim, mas é, vide o reclamo de Lenio em O princípio da proibição da proteção deficiente (Untermassverbot) e o cabimento de mandado de segurança em matéria criminal: superando o ideário liberal-individualista-clássico[33].

Vimos que ter uma formação de verdade não parece interessar ao projeto nacional. O povo, nesta quadra, é só um detalhe. Aliás, o povo vem sendo um detalhe desde Zélia dos tempos pós-confisco que sucederam à eleição presidencial de 1989.

A pseudocompreensão de Piaget colocou para trás na escala-linear-evolutiva a repetição de Skinner. Isto é constatável, mas, ainda assim, não responde à questão, circundada por várias vezes e ainda não respondida. De uma vez por todas, então, voltemos à pergunta: “alugar ou financiar? Eis a questão...”

Sem querer parecer maluco, digo: aprenda regra de três. Como? Repetindo. Repita muito até que tenha decorado no sentido mais puro e latino do termo. Repita até que saiba regra de três de core: de coração. Assim conseguirá chegar à verdade que o senso comum te impede ver.

Por falar em verdade, é hora de se voltar às operações propugnadas no início do tópico, reproduzidas aqui por questões didáticas: a) OPERAÇÃO 1: Divida o valor nominal mensal do ALUGUEL pelo VALOR DO BEM alugado. Anote a proporção; e, b) OPERAÇÃO 2: Divida o valor nominal mensal dos JUROS DO FINANCIAMENTO pelo VALOR DO BEM financiado. Anote a proporção.

Vistas as fórmulas, vamos à aplicação simulando uma situação de aluguel e uma de financiamento. Em ambas as hipóteses, um bem de R$ 100.000,00. De um lado uma taxa de juros de 1,5%. Do outro um aluguel avençado de R$ 600,00.

Sendo a proporção dos juros 1,5% (valor mensal médio do financiamento imobiliário) e o aluguel R$ 600,00 (média de liquidez do setor), estará sendo dito que é mais barato alugar que financiar. Por quê? Porque entre “jogar fora” R$ 1.500,00 e R$ 600,00, qualquer pessoa verá que a segunda opção é melhor. Então, neste caso, o aluguel não é dinheiro jogado fora, uma verdade que o judeu já sabe de há muito.

A segunda opção é melhor se a pessoa tiver disciplina para guardar R$ 900,00 remanescentes. Caso não tenha, surge uma outra questão: quem tem disciplina de poupança?

Esta questão não pode ser respondida com exatidão, mas, a partir dos Cadastros Restritivos de Crédito (SPC, Serasa e similares) e da baixa poupança interna dá para se ter uma noção de nossa cultura: não temos disciplina para poupar. Então, entre pagar 1,5% e 0,6% a resposta não é tão simples. Seria simples se se resumisse à matemática, mas isto não é absoluto.

Como a questão não se resume à matemática, ela volta para a cultura. Percebe-se, com clareza, que nem a matemática é tão exata como ela se faz parecer. Além do mais, se todos os brasileiros se vestissem do espírito judeu, haveria uma mudança de verdade. Diminuiriam os imóveis para alugar, já que muita gente preferiria a locação, e aí Adam Smith entraria em cena: lei da oferta e da procura. Alugar, então, tornar-se-ia muito caro.

A realidade (o que percebo) do Sistema Financeiro Nacional, no cenário atual, é a seguinte. O sistema é financiado com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, principalmente. Como? Através de um empréstimo compulsório que recebe o singelo nome de FGTS e se veste a roupa de benefício. O trabalhador não-estável, assim, observa ser retirado de seu salário 8% ao final de cada mês. Viva ao poder da linguagem, Bourdieu. Sua apreensão do “poder de nominação” é um biscoito fino, ou um bom vinho, se preferir.

FGTS, como se vê, seria uma poupança forçada que rende incríveis 0,25% a.m.: 3% a.a. Este mesmo dinheiro será utilizado pelos bancos voltados para o social, em especial a Caixa Econômica Federal, para que eles financiem o sonho da casa própria. Um sonho que custará seis vezes mais (0,25% a.m. x 6 = 1,5% a.m.) e, no mais das vezes, chegará ao final num conto de Hitchcock ou deSexta-feira 13: o saldo devedor será maior que o valor do bem.

No senso comum ninguém entende. Pôxa, vida! Eu paguei a minha casa a vida toda e agora que paguei a última parcela, fico sabendo que tenho uma dívida maior que o valor do bem. O que fazer? Não é possível. O que a gente sugere? Um bom advogado e a sorte de se avistar pela frente um juiz leigo[34].

Honestamente, você já parou para pensar nos motivos de se dever (mesmo tendo se pagado por vinte anos!) depois de ter pagado todas as prestações avençadas? Já pensou sobre o sistemaPrice (amortização crescente, juros decrescentes) e o Sacre, onde a amortização é constante e os juros são decrescentes? 

Observo poucas pessoas (no coerente, completo e unitário mundo do direito) que conhecem os sistemas Price ou Sacre. A maioria prefere dizer: isto é papo de economista. Santa ingenuidade. Soa, e é, muito ingênuo, porque nenhuma disciplina é estanque. É ignorância, mas para isto deixo com Sartre: o inferno são os outros; foram as malditas letras miúdas; os bancos são a escória da humanidade; Deus condena a usura; o STF condena a capitalização de forma expressa, vide o enunciado 121 de sua súmula...

Argumentos não faltam, mas como sentar e chorar resolve pouca coisa, algumas assertivas devem ser assumidas, a começar pelo sistema de governo que nossa contemporaneidade consagrou: o capitalismo. O que quer dizer? Prática de capitalizar: capital + ismo. Capital = dinheiro; Ismo = prática ou doença.

Se é prática ou doença, não sei. De toda sorte, penso que é muita pretensão do direito pretender ignorar a realidade que o gerou, como o filho adolescente que diz: eu não pedi para nascer. Tendo pedido (os espíritas acreditam que sim!), ou não, nasceu. Nasceu e deve obediência. Não mais como o officium pietatis do Direito Romano, mas, pelo menos, como o dever de alimentar: artigo 1.694 do Código Civil de 2002.

Embora tenha sido usado o termo dever, o melhor para a hipótese é obrigação. Qual a diferença? Dever se circunscreve no plano moral, enquanto obrigação pode ser deduzida em juízo. Mero devaneio intelectual? Não. Com base nisto o Superior Tribunal de Justiça pôs fim à questão do abandono afetivo, que é dever decorrente do Poder Familiar, e não obrigação, como os alimentos.

Em nome de obrigação se confronta os artigos 733 do CPC e 19 da Lei n. 5.478/68. A partir destes artigos se discute o prazo da prisão civil do devedor de alimentos, mas, em nome de dever de afeto, lamenta-se que a humanidade estaria perdendo sua solidariedade. Triste? Parece que sim, mas não é jurídico. Totalmente ruim? Não. O que seriam dos profissionais da psicologia?

 Ignorar a realidade é só um modo de ter uma realidade menor. Então, eu não terei uma realidade, mas uma fração desta. É como se eu visse um lado do dado e pretendesse saber exatamente quantos pontos existem nas outras faces. É possível? Não. Observando apenas um dos lados, poderei, apenas, saber o que há na face diametralmente oposta. Nada mais...

Falar do dado é fácil, mas experimenta falar com o mutuário: você deve mais depois de ter pagado por tantos anos porque o valor amortizado mês a mês era menor que o capital produzido pela taxa de juros. Como isto é possível? Com a aplicação do sistema Price.

No exemplo colacionado o imóvel custa R$ 100.000,00. Admitindo-se que a taxa de juros seja 1,5% a.m., o mutuário deverá pagar, pelo menos, R$ 1.500,00 a cada volta completa da lua. E se pagar menos? Caso pague a menor, sua dívida aumentará todo mês. E se pagar exatos R$ 1.500,00? Será dono do imóvel no dia de são-nunca-de-noite (ou de madrugada, tanto faz!), porque ele só estará pagando juros.

Pagar menos, não pode, porque a dívida aumenta. Pagar o equivalente aos juros, não adianta, já que não há amortização: diminuição do débito principal. Então, o que deve ser feito? Deve se pagar um valor que seja superior a R$ 1.500,00. Tudo o que exceder R$ 1.500,00 será diminuído do montante da dívida.

Resta claro, então, que a resposta correta só pode ser uma. O mutuário ou o locatário deve ter uma reserva para, algum dia, se tornar proprietário. Sabendo disto, vamos imaginar que o mutuário pague R$ 2.000,00 todo mês e os juros absorvam R$ 1.500,00. Nesta hipótese a dívida será diminuída todos os meses. Uma amortização que progrediria a partir de R$ 500,00. É. No sistema price a amortização é crescente.

Em outra medida, caso fosse aluguel, o locatário poderia ter um saldo mensal de R$ 1.400,00. Com R$ 600,00 remuneraria seu locador e com R$ 1.400,00 se remuneraria. R$ 1.400,00 é melhor que R$ 600,00. Sim. É mais que o dobro. Com este saldo ter-se-á o equivalente para se ter um imóvel muito mais depressa, desde que se tenha a disciplina de se remunerar, como, aliás, fazem os judeus. Mas aí surge outro problema: judeu não se apega a bem de raiz. Qual o motivo? Talvez o Egito e a diáspora possam responder...

VERDADE E CONSENSO. CULTURA E MATEMÁTICA EM XEQUE.

O FGTS é um benefício do trabalhador? Matematicamente, não. É um meio de o governo financiar programas sociais, sobretudo habitação, pagando juros irrisórios a uma massa de trabalhadores que todos os meses vêm sair de seus contracheques 8% de seus rendimentos. O que é, então? Matematicamente é uma poupança forçada. Uma poupança forçada que será bonificada com 50% (40% para o trabalhador e 10% para o governo) em caso de dispensa sem justa causa.

No âmbito da matemática é uma poupança forçada. No âmbito social é um benefício. Por quê? Porque será o FGTS que garantirá o tempo que o trabalhador permanecerá sem emprego. Ah, o governo é melhor que o trabalhador? Não deveria ser, mas como o trabalhador não tem o hábito de economizar, o governo se sub-roga na função. Ruim? Não necessariamente. Apenas denota que a autonomia da vontade vem sendo diminuída e o Estado vem se agigantando. 

Vimos no tópico anterior que no caso do FGTS o trabalhador tem uma poupança que rende 0,25% ao mês. Um dinheiro que, in tese, será usando em benefício dos trabalhadores. Um dinheiro que será repassado ao custo médio de 1,5% ao mês para que ele tem a tão sonhada Casa Própria. Ruim tudo isto? Não. São as regras do jogo e no capitalismo o spread.bancário é um pressuposto.

As regras do jogo são o “consenso”. Um consenso que eu poderia chamar de senso comum. Um senso comum de que se valeu o senhor Rubens Menin Teixeira de Souza[35], proprietário da MRV (construtora mineira) para chegar à Forbes, grande vitrine do capitalismo. Uma vitrine onde apenas os bilionários são expostos. Uma exposição na qual criador e criatura se confundem.

O “consenso” leva o senhor Menin de Souza à Forbes, mas também realiza o sonho da casa própria. O preço é alto? Sim. Mas o preço da verdade não parece ser menor. Pelo contrário, o preço do que hoje é verdade imporia uma inversão da lógica no longo prazo se todo mundo passasse a ser verdadeiro. Uma inversão que não parece ocorrer porque o consenso predomina desde a compra deManhatan[36] no século XVII.

Manhatan teria sido o grande negócio da história, como se relatou na nota de rodapé. Todavia, segundo Robert Kiyosaki e Sharon Lechter em Pai Rico, Pai Pobre[37], o valor de compra daria para comprar toda Nova York, hoje, caso tivessem sido aplicados em 1626 com juros de 8% ao ano. Caso a taxa anual fosse de 12%, comprar-se-ia todos os EUA.

Do que se expôs uma pergunta fica no ar: aluguel é ruim? Depende. Financiamento é ruim? Depende. Depende do percentual que cada um representa sobre o valor do bem utilizado. Depende da disciplina da pessoa que faz a pergunta. Depende da matriz cultural que o interlocutor apresente quando da indagação.

NOSSOS DIREITOS SÃO FUNDAMENTAIS? QUAL A RESPOSTA CORRETA?

Nossos direitos são fundamentais? Provavelmente, sim. Tudo indica que esta assertiva seja correta e assim esta será considerada, salvo a existência de um motivo divergente.

Nossos direitos são fundamentais, pelo menos, para a nossa cultura. São melhores que os do oriente? Não. “Nem melhor, nem pior, apenas diferente”. Talvez diferentes. Talvez iguais. Pouco importa. São Direitos Fundamentais e devemos batalhar para que estes direitos não retrocedam, daí a vedação do retrocesso[38].

Nossos direitos são universais? Possivelmente[39], sim. É possível que sejam universais, ao menos em parte. É possível, e não provável, porque em um mundo com mais de seis bilhões de habitantes soa muito pretensioso a criação de um modelo exclusivo de condução da vida humana.

Einstein, a partir dos “Buracos Negros” no universo, formulou a “Teoria da Relatividade”. Relatividade, então, existiria fora do self.

Parece muito claro que haja relatividade fora do eu, mas parece claro, também, que a relativização se dá no plano pessoal. Parece claro e fica mais claro ainda diante da história que se segue, recriada para que se pense em democracia e a função dos Direitos Humanos e da Constituição.

Imagina que você seja o maquinista de um trem e venha dirigindo com toda calma possível. Subitamente uma bifurcação é vista: a) à esquerda uma linha desativada; e, b) à direita uma linha ativa. O que fazer?

Como o problema foi proposto, não há qualquer complexidade. Deve se seguir pela linha ativa, e ponto final. A resposta é óbvia.

A resposta é obvia até se avistar que na parte ativa há cerca de quinhentas pessoas (adultas, em sua maioria) brincando. Por outro lado há apenas uma criança na parte desativada da linha.

De um lado cerca de quinhentas pessoas. Quinhentas pessoas que brincam na linha férrea porque a freqüência do trem ali é muito baixa. Do outro lado  uma criança. Uma criança que escolheu a linha férrea desativada porque ali não mais há passagem de trem.

O trem vai seguindo. Não há qualquer possibilidade de se frear. O momento da decisão se aproxima e uma escolha deverá ser feita. O que fazer? Qual é a resposta correta? O que é razoável? O que é proporcional?

A situação é de “Velocidade Máxima”, mas não é Hollywood. Aliás, é Hollywood, mas uma fábrica de ilusões pós 11/09/2001. Não há, portanto, um Bourne supremo. Não há os homens de preto de MIBDuro de Matar, agora, é só Duro de Matar, e não “Impossível”[40]. Invasões continuam a chegar pelos ares, mas de aviões comerciais tornados armas de guerra, ainda que Santos Dumont diga: “eu não inventei o avião com esta finalidade”. Continuam a chegar pelos ares, mesmo que o American World negue a primazia do brasileiro e conceda a honra aos irmãos Wright, para nós meros mísseis humanos, catapultados por uma energia inercial mecanicamente contida.

Como estamos no mundo real, ou na Hollywood por Armagedon 11/09Keanu Reaves Sandra Bullock não “frearão o ônibus sem freio” ou mudarão a “direção do navio sem leme”. Não farão isto por razões óbvias. No mundo sensível[41] as leis da física[42] vigem sem qualquer embargo, de declaração ou infringente. Não há obscuridade, contradição, dúvida, omissão ou voto vencido. Há inércia. Há gravidade. Há uma realidade na qual os sentidos percebem. Há uma realidade de percepção, e não de criação.

Como estamos no mundo sensível e neste vige a lei da inércia, o trem continuará seguindo. Continuará seguindo e em velocidade ascendente, uma vez que se trata de uma descida. Uma descida pouco íngreme, é verdade, mas uma descida É! A bifurcação sucede a uma leve descida. Uma pequena descida, mas grande o bastante para anular a atuação dos freios. Portanto. O trem continuará seguindo. Mesmo freado, continuará caminhando por sobre os trilhos, dando provas concretas de que o princípio da inércia é da ordem da natureza.

Já que o trem continuará seguindo, uma opção deve ser feita. Mas qual? O que é razoável? O que é proporcional? O que você faria? Qual a resposta adequada para o problema proposto?

Repisando a história, na linha desativada há apenas uma criança. Na linha ativa há cerca de quinhentas pessoas. Ah, no problema proposto, você, o maquinista, não sabe as razões que levaram à desativação da linha. Ela foi desativada, e ponto. A linha está desativada, e ponto. É isto que importa. Importa que na linha desativada há uma criança. Importa que na linha ativa há cerca de quinhentas pessoas.

Não há mais tempo. A bifurcação chega e você deve virar. Então! O que fazer? Esquerda, e linha desativada, ou direita, e linha ativa? O que salvar? Uma criança ou quinhentas pessoas? Pense bem. Pense bem, porque terá de matar, pelo menos, uma criança. Ainda que seja “só” uma criança, ocorrerá um sacrifício. O sacrifício tem de ocorrer e você deve escolher o que sacrificar: “uma criança” ou “quinhentas pessoas”.

Sacrificar uma criança parece a resposta correta, sejamos honestos. Para muitas pessoas pode até ser a resposta correta, mas, a mim não parece nem mesmo a resposta adequada. Tenho poucos elementos, mas posso pré-compreender algumas coisas, sobretudo que a desativação deve ter uma motivação.

As lições de Gadamer[43] são essenciais para a chamada compreensão. São essenciais, sem dúvida, sobretudo, para o mundo ocidental. São essenciais em um mundo em que a representação mental deve anteceder à escrita, que é “nua” por si só. É nua e se veste de significado quando atribuo sentido a uma determinada seqüência de letras. Então, o que significa não é a letra, em si. O que significa é a junção de letras, que formam palavras.

Palavras permitem uma compreensão mínima. Isto é fato. É um fato notório porque a partir destas se pode esperar um padrão mínimo de entendimento. Por isto mesmo é preciso se cuidar para não confundir nomes, uma vez que este não muda a natureza das coisas. Chapéu é chapéu. Geometria é geometria. Desta forma, chamar geometria de chapéu não permitirá ao calvo (ou seria careca?) cobrir a própria cabeça.

No mundo ocidental as letras são vazias de significado. Isto é ruim? Não. Absolutamente. Não é ruim, mas é diferente do modelo oriental, sobretudo o chinês (de onde provém o japonês), uma vez que este conta com Kanjis, chamados por nós de ideogramas. Isto mesmo: grafia de idéias.

Como o padrão chinês conta apenas com ideogramas, japoneses cultos se correspondem com chineses, embora não se falem verbalmente. Não se falam porque o modo de ler o ideograma (idéia grafada) é próprio de cada idioma, mas o significado não é alterado por isto. Portanto, o amor ( para o japonês) significará o “encontro de duas pessoas pelo coração”, muito embora o chinês tenha um modo próprio para ler o mesmo Kanji.

Falar do chinês e do japonês parece distante, mas isto ocorre conosco também. Duvida? Experimenta comer aipimmacaxeira ou mandioca. Ah, continue tentando e coma a macaxera, forma que a Língua Portuguesa de igual modo prevê. O que mudou? Nada. Estes quatro nomes são apenas um modo de se dar chamar o tubérculo de uma certa planta. 

Como posso pré-compreender algumas coisas, compreendo que a desativação foi motivada. Motivada em quê? A isto, a menos que tenha “informação anterior”[44], não tenho como responder. Mas posso responder que uma linha férrea não é desativada sem uma motivação qualquer. Portanto, devo partir da premissa de que houve uma razão relevante para a sua desativação.

Eu seguiria pela linha ativa, porque este é o caminho adequado. Ah, e as quinhentas pessoas? Elas escolheram brincar na linha ativa! Sei que a reposta parece dura, mas até quando quem está no caminho certo deve ser punido em nome do “sentimento democrático” de maioria?

Escolho o caminho mais ‘duro’ porque esta também é uma missão dos Direitos Humanos. Ser remédio contra as maiorias. Devem garantir as maiorias, ainda que seja coibindo os excessos cometidos por esta. Maioria não quer dizer, necessariamente, correto. Isto parece claro e fica mais claro ainda se se pensar na “Revolução Iraniana de 1979”, onde um Aiatolá mudou a história, do oriente e do ocidente, inclusive o nosso dicionário, que hoje contempla termos como fundamentalista e xiita.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não vejo resposta para o problema do direito fora do direito. Usarei a tese do ordenamento – à Kelsen and company –, do sistema (obrigado Luhmann e sua trupe), da ponderação (valeu, Sarmento e companhia), dos princípios (volta aqui e explica, Alexy), da verdade (ainda estou de queixo, Lênio) ou do método de Gadamer. Quero tudo, porque quero textocontexto e pretexto. Aceito tudo para negar o hibridismo. Modelo chega de motorista. Top model de driver...

Acredito que, partindo do pressuposto correto (preservação da Dignidade da Pessoa Humana), pouco importa o nome do método. O que se quer é vida digna. Se vai se chegar a isto pela seita, tudo bem. Democracia é respeito à perspectiva do outro. Preciso respeitar porque quero ser respeitado, à Cristo: ao próximo como a ti mesmo. Assim, só venço a arte da guerra quando conheço a mim e ao outro. Posso sempre fazer isto? Não. Então, preciso me colocar no lugar do outro quando puder. Abstração não é mágica e, até ela, tem limites. Duvida? Experimenta comparar a dor do parto com ochute no saco...

Preciso assumir que a pessoa é o pressuposto do direito para ter um núcleo duro. Do contrário, terei conveniência. Do contrário, preferirei puxar saco à carroça, esquecendo que o puxa saco vê o escroto, enquanto o burro vê o horizonte, ainda que estreitado pela viseira.

Do que se expõe tenho que: universalismo é só vaidade. É só uma capacidade de comparar o que é incomparável. É só a capacidade de fazer o ano do sol ser matematicamente (e não filosoficamente) igual ao da terra. Abstração é bom? Sim. Mas abstração demais é vaidade.

Devo me preocupar com o outro, mas devo começar a fazer isto por mim. Não mudo a vida do meu irmão de sangue, porque ele é livre e igual. Posso dar dicas? Sim. Mas não posso viver sua vida. Se fizer isto, estarei negando sua condição de dignidade. Isto não é razoável, embora seja bem possível, sobretudo na ditadura.

Do que se expõe, temos que o reclamo de Lenio clama aos céus e nos faz perguntar: até quando nossa república não será de ninguém? Até quando o crime de colarinho branco será de menor potencial ofensivo? Até quando o juiz, do auto de seu Iphone com 10.000 músicas baixadas da internet, vai mandar para prisão o vendedor de CD pirata porque o infeliz é criminoso e desrespeita direito autoral, gerando desemprego.

Até quando o estado (em minúsculo, por opção) vai anteceder à pessoa. Até quando o Estado será maiúsculo e o eu será minúsculo? Até quando uma máquina de uma gravadora multinacional, que faz milhares de cópias em pouco tempo, será mais importante que milhares de famílias que vivem do comércio de mídias não-autorizadas? Até quando vão chamar a parte patrimonial do “direito autoral” de Direito da Personalidade para, em nome de uma pretensa ofensa à Dignidade Humana, se aplicar a pena base do ECAD: dois anos de reclusão! Até quanto vão chamar patrimônio de pessoa para continuar cobrando serviços à comunidade e cestas básicas no procedimento de comutação da pena aplicada? Até quando o direito brasileiro vai se travestir?

Até quando quem está no caminho certo deve ser punido em nome do sentimento democrático de maioria? Os direitos humanos devem ser levados a sério. É chegada a hora...


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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______. Verdade e Consenso. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.

Notas:
[1] Daniel Sarmento faz uma leitura consistente de Ronald Dworkin e sua apreensão do all or nothing. SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 44.
 

[2] Para maiores considerações: SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 2005.

[3] É preciso se cuidar para não mudar o nome das coisas na ilusão de alterar o conteúdo destas mesmas coisas. É necessário se cuidar para que não confundamos capital e pessoa, porque, neste caso, desproporcionalidades serão vivenciadas. Joio e trigo precisam ficar separados, “cada um no seu quadrado”. Do contrário, o discurso sobre a Dignidade da Pessoa Humana será despido de qualquer conteúdo prático. Do contrário continuaremos defendendo o Nazismo em nome de um ordenamento coerentecompleto e coeso, como quis Kelsen. Assim, de uma vez por todas, o que é, é; o que não é, não é. Assim a indagação feita por Shakespeare em Hamlet se mantém absolutamente atual.

No sentido proposto, ler: KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999; e, SHAKESPEARE, William. Hamlet. Porto Alegre: L&PM Editores, 2007.

[4] STRECK, Lenio Luiz. A resposta Correta. Aula Magna ministrada no STF em 06 de dezembro de 2007 a partir das reflexões contidas em Verdade e Consenso, do autor. Porto Alegre: LenioStreck. Disponível em: <www.leniostreck.com.br/index.php?option=com_seyret&task=videodirectlink&Itemid=30&id=20> Acesso: 15 setembro 2010.

[5] Cf.: GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 1a ed. Petrópoles: Vozes, 1997.

[6] O termo foi trazido à colação no sentido de realçar que esta matriz nos deixou um legado que se evidencia dia após dia, sobretudo no modo linear de se ver o mundo.

[7] ASCENSÃO, José de Oliveira. A pessoa: Entre o Formalismo e a Realidade Ética. Revista da EMERJ. Rio de Janeiro, v. 9, n. 33, p. 93-115, 2006.

[8] Em relação à discussão em pauta, parece-nos producente a discussão travada no filme “Quanto vale ou é por quilo?”, de Sérgio Bianchi. Esta referência se mostra importante porque a dignidade diz com o que não pode aferir preço. Não pode ser apreciada, porque tem valor.

[9] KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. Trad.: Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003.

[10] ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucional da Dignidade da pessoa humana: o enfoque da doutrina social da igreja. Rio de Janeiro: Renovar, Biblioteca de Teses, 2001.

[11] RABENHORST, Eduardo Ramalho. Dignidade humana e moralidade democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. 

[12] Minha referência do Sudão é mínima. Sei o que uma top model, casa com um rock star fala. Analiso sua “mutilação” a partir do modelo clássico (grego/romano/hedonista). Falo isto com ares de evolução, esquecendo que a psicanálise de Freud (já secular) diz que prazer está na cabeça.

[13] Universal, de verdade, é a Dignidade da Pessoa Humana. Como percebê-la? Buscando substrato em outros saberes, identificados quando se portam de forma a assegurar racionalidade eautonomia. Percebidos em seu viés democrático se garantirem vida digna: integridade psíquica e física, primando pela primeira. 

As lições apontadas em Direitos Humanos no Brasil são muito boas para a discussão. Cf.: LEAL, Rogério Gesta. Direitos Humanos no Brasil: Desafios à Democracia. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1997.

[14] Neste sentido: LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983; MATURANA, Humberto R. e VARELA, Francisco J. De Máquinas e Seres Vivos: Autopoiese – a Organização do Vivo. São Paulo: Palas Athena, 1997; e, CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.

[15] Como expoentes desta matriz de pensamento é de se citar: KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999 e BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1999.

[16] “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. Esta frase, formulada por Lavoisier em 1789, ficou conhecida como a Lei da Conservação da Massa ou apenas LEI DE LAVOISIER. PROJETO e atividades. São José de Ubá: Escola Municipal Ponte Preta. Rio de Janeiro: Departamento de Recursos Minerais. Disponível em: <www.drm.rj.gov.br/item.asp?chave=115> Acesso: 02 de outubro de 2008.

[17] O termo frase foi usado no sentido leigo, já que, tecnicamente, há “período, oração e frase”. Frase é uma construção gramatical que apresenta sentido semântico, mas, que, do ponto de vista morfológico, não apresenta um verbo. A oração tem sentido semântico e apresenta verbo. O período é um conjunto de orações.

[18] Bonde de Cabo Frio, MC Marcinho.

[19] O projeto Sidnelson, desenvolvido pela Trattoria para o produto tênis Rainha, da Alpargatas, pela DPZ, foi desenvolvido a partir de ilustração de Tom B., sob direção de Guilherme Ramalho. É um anti-herói chato, metido e carismático que se gaba de ser o bom em tudo. SIBGRAPI’98 Video Festival. Rio de Janeiro: de 20 a 23/10/1998. Disponível em: <http://w3.impa.br/~nando/publ/vfestival.pdf> Acesso: 25 setembro 2010.

[20] Desconheço a utilização da expressão, mas me foi ensinada a noção de prefixo e sufixo. Tentei, então, a partir disto, (re)criar as informações passada a noção: homo, homem; centro, centrismo. Os dicionários de que disponho não contemplam a expressão, mas tenho certeza de que ela não é minha.

[21] Para o Direito Civil inventar quer dizer ter acesso a bem cuja titularidade é ignorada. O inventor, então, torna-se dono da coisa.

[22] O que é ciência?!!!

[23] Cf.: FOUCAUTL, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1995.

[24] BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência. Por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora da UNESP, 2003.

[25] BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

[26] NOGUEIRA, Alberto. Globalização, Regionalizações e Tributação. A Nova Matriz Mundial. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

[27] Enquanto os Direitos Humanos de primeira dimensão impõem um dever de abstenção do Estado, os de segunda determinam uma prestação positiva deste, contexto em que surgem os Direitos Sociais. Neste sentido aponta Carlos Leite que: “inovando substancialmente em relação ao regime anterior, a Constituição Federal de 1988 preocupou-se não apenas com a proteção dos direitos humanos de primeira dimensão (direitos civis e direitos políticos) e os de segunda dimensão (direitos sociais, econômicos e culturais), mas, concomitantemente, com a tutela dos direitos humanos de terceira dimensão, também denominados novos direitos, direitos híbridos, direitos ou interesse metaindividuais.” LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2002, p. 145.

[28] Raul, se alguém disser que foi redundante, abstraia. Talvez não tenha usado a norma culta, mas isto é irrisório diante de sua limitação e gratidão temporal: sabe que nasceu no século XX; agradece ao legado histórico iniciado com a escrita, há cerca de 10.000 anos, conforme a bibliografia.

[29] A crítica de Souza ao tema parece conclusiva. Cf: SOUZA, Danielle Andrade. Eu sou brasileiro e não desisto nuncaethos e política de identidade no discurso publicitário. Santos: XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (de 29/08 a 02/09/2007). Disponível em: <www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R0571-1.pdf> Acesso 23 agosto 2010.

[30] FOX, Maggie. Diferença entre homem e macaco está em alteração genética sutil. São Paulo: Universo On Line. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/reuters/2004/05/26/ult27u42321.jhtm> Acesso: 22 novembro 2007.

[31] STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.

[32] A taxa SELIC é divulgada pelo Comitê de Política Monetária (COPOM) e tem vital importância na economia, pois as taxas de juros cobradas pelo mercado são balizadas pela mesma, neste termos, Onde: µ = taxa média apurada; DIi = Taxa da i-ésima operação; VEi  = Valor de emissão da i-ésima operação; n = número de operações na amostra. Disponível em: <www.portalbrasil.net/indices_selic.htm> Acesso: 05 dezembro 2007.

[33] STRECK, Lenio Luiz. O princípio da proibição da proteção deficiente (Untermassverbot) e o cabimento de mandado de segurança em matéria criminal: superando o ideário liberal-individualista-clássico. Porto Alegre: Lenio Streck. Disponível em: <www.leniostreck.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=40&Itemid=2> Acesso: 29 setembro 2010.

[34] O termo leigo aqui foi usado no sentido mais comum. Leigo, então, é quem desconhece o código de leitura.

[35] COSTA, Melina. Mais de um bilionário por mês. São Paulo. Exame. Disponível em: <http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0908/financas/m0146222.html> Acesso: 23 agosto 2010.

[36] Há algumas curiosidades sobre Nova Iorque que poucas pessoas sabem – provavelmente até quem mora lá. Consta que em 1626 a ilha de Manhattan foi vendida para os colonizadores holandeses pelos índios, por 60 florins (algo em torno de US$ 24, o que na época parece ter sido um ótimo negócio). O nome da cidade foi Nova Amsterdã até 1664, quando foi conquistada pelos ingleses, e só então passou a se chamar Nova Iorque. O apelido Big Apple (do inglês, “Grande Maçã”, termo comumente usado para se referir à cidade) surgiu nos anos 20, pelos músicos de jazz, como uma referência à expressão I´m playing the big apple (algo como “eu cheguei ao topo”). CANELLA, Graziela. 45 motivos para ir a Nova Iorque. Disponível em:<www.revistaview.com.br/publisher/preview.php?edicao=0204&id_mat=1209> Acesso: 23 agosto 2010.

[37] KIYOSAKIRobert T.; LECHTER, Sharon L.  Pai Rico, Pai Pobre. O que os pais ricos ensinam aos filhos sobre dinheiro. 53. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2007.

[38] Cf.: BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

[39] Não é provável, mas é possível. Disto surge a teoria do “núcleo fundamental dos Direitos Humanos”, que seria a parcela efetivamente universalizável, ou, na doutrina de Oliveira Ascensão, o “núcleo duro” da Dignidade da Pessoa Humana.

[40] Bruce Willys, embora Duro de Matar, portava-se como o Super-Homem: Impossível de Matar. Aliás, um SUPER-HIPER-HOMEM, porque não morria nem mesmo com a criptonita e, o mais importante: dispensava a “indefectível cueca sobre o traje azul e vermelho”. Parafraseando a paródia de Sandy & Junior: “o que é imortal, não morre no final”. É! Nossa pobre Língua Portuguesa ficou mais rica com este requinte de rima elaborado pela ex-dupla de irmãos inseparáveis... 

[41] Para Platão haveria o “mundo sensível” e o “mundo das idéias”. Mundo sensível, então, é o mundo que se percebe pelos sentidos humanos: visão, paladar, tato, audição e olfato. A bem da verdade a psicologia em percepção cinestésicamas isto é outra história. Uma história diferente, é de se frisar, do chamado “sexto sentido” reclamado pelas mulheres.

[42] Isaac Newton marcou a história do ocidente por ter percebido (e não criou, como muitos dizem) leis fundamentais da física, caso da atração gravitacional (vista a partir da onipresente maçãe sua umbilical relação com a humanidade) e do princípio da inércia, que nós juristas, de um modo geral, pensamos se encerrar no artigo 2º do Código de Processo Civil: Lei n. 5.869/73. 

[43] Cf.: GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 1a ed. Petrópoles: Vozes, 1997.

[44] O caso MARKA e FONTECINDAM, que coloriram o noticiário brasileiro do início de 1999, parece superar a visão de Gadamer e avançar sem pedir desculpas pelo Brazilian Way. Um jeitinho a partir do qual todo o tipo de crime do colarinho branco cabe no espírito nacional e com o qual se vive uma situação de conivência e empatia com o criminoso. O crime, então, é ser pobre, e não contrariar as disposições constitucionais. Nesta quadra “tráfico de influência” recebe o eufêmico nome de “amizade”. Lalau, que era só um genérico clamor do R.P.M., se faz carne e habita em Nicolau dos Santos Neto, o juiz, e sua grande construção do TRT paulista. Por quê? Porque “neste país é o dinheiro que manda”, parafraseando Paulo RicardoLuiz Schiavon e Paulo Pagni em Alvorada Voraz.