DIREITOS REAIS NA COISA ALHEIA - SUPERFÍCIE (CONTINUAÇÃO)


PorViviane Santos ...- Postado em 16 novembro 2011

Autores: 
Menezes, Rafael de

Rafael de Menezes

 

Reais na Coisa Alheia

 

SUPERFÍCIE

 

História: a superfície era conhecida do Direito Romano. Nosso país também conheceu no séc. XIX, até que o Código Civil velho a aboliu em 1917, e o novo Código de 2002 a ressuscitou. Na Europa vários países admitem o direito real de superfície. Espera-se que o instituto venha diminuir a crise habitacional e agrária do Brasil neste séc. XXI, racionalizando o uso do solo urbano e contendo o homem no campo. A crise no campo (falta de estradas, ferrovias, água, sementes, armazéns, etc) traz as pessoas para as cidades, incha as metrópoles e provoca lides que sempre deságuam no Poder Judiciário, sobrecarregando a Justiça. Quanto mais amontoadas as pessoas vivem, mais tendem a brigar, por isso o êxodo rural é um problema judicial. O art. 5º, XXIII, da CF, determina que a propriedade atenderá sua função social, e a superfície é mais um modo de estimular o uso da propriedade, para que a terra rural e urbana não fiquem abandonadas. A S é a separação do solo das benfeitorias (plantações e construções) em cima.

Conceito de Orlando Gomes: superfície é o direito real de ter uma construção ou plantação em solo alheio (grifei). Lembrem-se que nós estamos estudando os dir. reais nas coisas alheias (jura in re aliena), porque o direito na coisa própria (jus in re propria) é a propriedade, já os direitos limitados deste semestre são nas coisas alheias, nas coisas dos outros. Eu não posso ter direito de superfície (ou servidão, usufruto, hipoteca, etc) no meu terreno, apenas no terreno dos outros, pois no meu terreno, se é meu, o que eu tenho é propriedade.

Voltando ao conceito, a S é o mais amplo direito real limitado de gozo ou fruição. O superficiário adquire o uso, a fruição e quase a disposição da coisa. Adquire o uso pois pode ocupar (tem a posse da coisa), adquire a fruição (ou gozo) porque pode explorar a coisa economicamente. E quase adquire a disposição porque pode, por exemplo, vender a superfície a terceiros, mas não pode dar destinação diversa ao terreno (art. 1374, ex: o proprietário cede a superfície da fazenda para agricultura, então o superficiário pode escolher se vai plantar cana ou soja ou milho, mas não pode decidir criar gado, pois pecuária e agricultura são coisas bem diferentes; escolher o que vai plantar estaria dentro do jus fruendi do superficiário, mas substituir agricultura por pecuária estaria mais próximo do jus abutendi pleno que só o proprietário tem).

A S está prevista no CC que traz um conceito legal do instituto no art. 1369. O conceito do código refere-se a “construção” em áreas urbanas, para fins de habitação, e a “plantação” em áreas rurais, incentivando a produção no campo. A lei 10.257/01 também dispõe sobre a S; esta lei é o Estatuto da Cidade, que vocês vão estudar em Dir. Administrativo.

Espécies da S: de edificação (construção, habitação, urbana) e de plantação (rural).

Tempo da S: o CC exige superfície por tempo determinado, quanto tempo? Bem, vocês sabem que de regra os direitos reais são permanentes (duradouros), enquanto os direitos obrigacionais são temporários (efêmeros). Assim, um arrendamento (locação) de uma fazenda pode até durar alguns anos, mas uma S de uma fazenda pode durar por décadas, cerca de trinta ou quarenta anos. Eu entendo que mais do que isso, mais do que uma geração, é exagero, afinal o art 1231 prescreve que a propriedade deve ser plena e exclusiva.

Na Bélgica o prazo máximo da S são cinquenta anos e na Áustria oitenta. O art 21 do referido Estatuto da Cidade permite que a S seja por tempo indeterminado, mas eu discordo, afinal não é da essência dos direitos reais limitados durarem para sempre. O que dura para sempre e deve ser plena é a propriedade (1231). Se alguém deseja adquirir a S de um terreno por oitenta ou cem anos, é mais razoável logo comprar o terreno porque depois desse tempo todo nenhum dos contratantes com certeza estará mais vivo.

Limite: a S abrange parte do subsolo e o espaço aéreo do terreno razoáveis, úteis ao exercício, nos mesmos termos do nosso conhecido 1229. Mas não admite obra no subsolo, salvo se for expresso. Assim numa cidade, a S de um terreno não implica a S do subsolo, afinal ali o proprietário pode fazer uma garagem ou um teatro, enquanto o superficiário explora em cima um edifício (pú do 1369).

Construções e benfeitorias: com a S, as plantações e construções pertencem ao superficiário e o solo ao proprietário, mas ao término da S tais acréscimos (benfeitorias) passam, via de regra, ao proprietário, sem qualquer indenização ao superficiário (1375). O legislador sabiamente afastou a aplicação do 1219 e do 1255 para estimular a S. Lembram que eu já dizia isso a vocês, como o 1219 gera injustiças por admitir indenização por benfeitorias úteis sem autorização do proprietário? Vejam aulas do semestre passado. Na S este risco de injustiça está afastado.

Constituição da S: como se forma, como nasce, como se constitui a S? Por três modos:

a) contrato: o proprietário e o superficiário interessados celebram contrato de S, contrato solene via escritura pública, no Cartório de Notas (1369 e 215, § 1º), não podendo ser contrato por instrumento particular (redigido pelo advogado no escritório), muito menos verbal. Tal escritura pública será depois registrada no Cartório de Imóveis, que é diferente do Cartório de Notas, já falamos disso no semestre passado.

b) testamento: José morre e deixa sua fazenda em superfície para João com a propriedade para Maria, fixando o prazo e o valor do aluguel pago pelo superficiário João para Maria. Este aluguel chama-se “canôn” e é facultativo (1370). João e Maria aceitam se quiserem, pois herança é como doação: é bom mas não é obrigatório. Qualquer dúvida no testamento, o Juiz decide, veremos isso em Civil 7. A sentença de partilha, no processo de inventário que apreciou o testamento do falecido José, será registrada no Cartório de Imóveis, pois não existe contrato, já que a S originou-se de um testamento.

c) usucapião: difícil na prática, pois se alguém tem a posse da construção ou da plantação, tem também a posse do solo, então com o tempo viria a adquirir a propriedade e não apenas a S do solo. Vai depender do animus do possuidor, se animus de dono ou animus de superficiário (ex: uma S celebrada por instrumento particular é nula, pois a lei exige instrumento público, mas passam dez anos e o superficiário permanece na coisa, vai terminar adquirindo a S pela usucapião, e pedir ao Juiz que assim declare por sentença – 1242).