Admissão de prova ilícita sob o principio do in dubio pro reo e a verdade real possível no Processo Penal


Porwilliammoura- Postado em 07 dezembro 2011

Autores: 
NASCIMENTO, Saulo

Introdução

Nas inovações trazidas com a inauguração da nova ordem constitucional de 1988, deflagrou-se uma onda em favor da proteção de direitos ligados à pessoa e ao sistema democrático, em contra razão à experiência autoritária consequente da instauração do Estado militar. Neste afã, uma extensa e complexa declaração de direitos modificou a cara da ciência jurídica pátria, equalizando os ideais constitucionalistas germânicos.

Em força disso, a nova constituição, no seu artigo 5º, nomeou direitos fundamentais recorrentes a qualquer individuo, modificou os enfoques teóricos e epistemológicos de todos os ramos do direito e colocou-se declaradamente em favor da proteção da dignidade da pessoa humana. Para tanto, recorreu-se à consolidação de diversos princípios, preceitos carregados de normatividade, como vetores interpretativos da matéria jurídica, a partir da construção de linhas teóricas mais robustas e sofisticadas em defesa de um novo Estado Constitucional de Direito.

Em matéria processual, não poderia ser diferente. Realinhou-se as diretrizes epistemológicas da matéria e como importante fenômeno, o processo (penal, civil, trabalhista) passou por um processo de constitucionalização importantíssimo para a sua reestruturação no novo paradigma de proteção de direitos.

Na disciplina de processo penal, dentro do direito das provas, procuramos aqui traçar as linhas gerais da força da estruturação desse novo parâmetro de defesa de direitos dentro de um antigo termo do direito romano – in dubio pro reo- num caso bem peculiar, a admissão de provas ilícitas na ambição de encontrarmos a mais "ampla ou extensa" verdade processual.

1 Prova no Processo Penal

Prova ou conjunto probatório de certa atividade de instrução jurisdicional é o conjunto de meios regulares e admissíveis que se empregam para demonstrar a verdade de um fato conhecido ou controvertido, ou para convencer da certeza de um ato jurídico, sendo também, meio para produção de juízo de certeza ou convicção de seus destinatários. De acordo com Alexandre Freitas Câmara, "para que o juiz possa formar seu convencimento e decidir o objeto do processo, faz-se fundamental a colheita das provas que se façam necessárias, e que serão material com base em que o juiz formará seu juízo de valor acerca dos fatos da causa" (2008, p. 373).

Etimologicamente, do latim probare, convencer, torna crível, estabelecer uma verdade, ou seja, (com)provar. Em sentido amplo, todo meio suscetível de demonstrar a verdade do argumento, levando razoes, documentos, testemunho ou qualquer outra forma de demonstração, tendo, no âmbito jurídico, a forma de todo meio licito e moralmente aceito empregado pela parte ou interessado no escopo de que se atribua consistência àquilo que alega. Assim, denomina-se prova "todo elemento que contribui para a formação da convicção do juiz a respeito da existência de determinado fato" (CÂMARA, 2008, p. 373). Humberto Júnior afirma que existem dois sentidos em que se pode conceituar a prova no processo: um sentido objetivo, isto é, como o instrumento ou meio hábil para demonstrar a existência de um fato; e outro sentido subjetivo, que é a certeza originada quanto ao fato, em virtude da produção do instrumento probatório (JÚNIOR, 2007, p. 472).

Como dantes já citado, deve-se considerar o aspecto subjetivo da prova e seus efeitos. Neste turno, ele se reporta a forma de elemento processual direcionado à convicção do próprio juiz, contendo assim, conteúdo finalístico marcante, desprendendo-se das partes e se juntando ao processo como elemento próprio e autônomo.

Não cabe ao julgador decidir essas questões de fato segundo impressão pessoal a respeito da alegação das partes, ou, então, baseado em meras suposições. A prova é justamente o elemento legitimo para tanto e que possibilita a convicção do magistrado a respeito, daí porque o verdadeiro fundamento da prova é exatamente a imprescindibilidade da escorreita formação do convencimento do magistrado acerca da realidade quanto aos fatos controvertidos afirmados pelas partes, aliada à necessária publicidade do raciocínio empreendido. A estabilidade da decisão e a segurança do sistema jurídico têm suas bases nesse princípio (OYA, 2008, p. 10).

Durante a atividade probatória desenvolve-se varias formas de produção dos elementos que conduzirão à atividade cognitiva, podendo considerar a prova considerada em si mesma, como "resultado dos atos ou dos meios produzidos na apuração da verdade" ou produção de atos ou dos meios com os quais as partes ou o juiz entendem afirmar a verdade dos fatos alegados. Assim, constitui-se a prova judicial, na concepção de Marcio Koji Oya, "tanto os meios como as razoes ou os motivos nela contidos e o resultado disso" (2008, p.14) abrangendo fatos controvertidos e aqueles que serviram de fundamento à tomada de decisão. Defende o autor, também, certa posição sobre o conceito em sentido estrito de prova judicial, afirmando: "(...) significa os elementos ou instrumentos utilizados pelas partes ou pelos juízes sopesar essas razoes ou esses motivos" (OYA, 2008, p. 12), mantendo a idéia de ‘prova - meio'.

Ovídio Araujo Baptista da Silva citado por Oya uniforma o pensamento quando fala que:

No domínio processual, onde o sentido da palavra prova não difere substancialmente do sentido comum, pode significar tanto a atividade que os sujeitos do processo realizam para demonstrar a existência dos fatos formadores de seus direitos, que haverão de basear a convicção do julgador, quanto o instrumento por meio do qual essa verificação se faz (SILVA apud OYA, 2008, p. 16).

Desta forma, o conjunto probatório juntado aos autos do processo obedece à sua condição de existência, percebida em dois aspectos, (a) lhe assegura objetividade e instrumentalidade as prescrições legais que a conformam e (b) revela seu compromisso com a produção de juízo de valor (certeza, incerteza, veracidade ou vissimilitude) do magistrado a respeito dos fatos alegados.

Não será objeto de prova, fatos inúteis à apuração, os fatos notórios e as presunções legais. O sistema de prova legal recebe como meio probante a perícia, o interrogatório, a acareação, reconhecimento de coisas e pessoas, recolhimento de indícios e provas documentais. Toda essa "carga probatória" é dirigida para a persuasão racional do juiz, devendo a promotoria de justiça – devido à iniciativa da acusação – e o juiz – pelo principio do impulso oficial e do compromisso com a verdade real – instruir os meios cabíveis e necessários.

Segundo MIRABETE (1997, P. 255), falando das reminiscências inquisitoriais que acompanham o processo penal durante a instrução da acusação, aponta:

A instrução do processo é a fase em que as partes procuram demonstrar o que objetivam, sobretudo para demonstrar ao juiz a veracidade ou falsidade da imputação feita ao réu e das circunstâncias que possam influir no julgamento da responsabilidade e na individualização das penas. Essa demonstração que deve gerar no juiz a convicção de que necessita para o seu pronunciamento é o que constitui a prova. Nesse sentido, ela se constitui em atividade probatória, isto é, no conjunto de atos praticados pelas partes, por terceiros (testemunha, peritos, etc.) e até pelo juiz para averiguar a verdade e formar a convicção deste último.

Assim, como aponta a boa técnica jurídica, provas são produzidas tanto na fase pré-processual como no próprio processo penal, concorrendo todos os envolvidos e legitimamente interessados para a produção de meios que demonstrem fatos por eles alegados ou que melhorem sua condição perante a atividade jurisdicional. A prova, não pertence a nenhuma das partes, é do processo e para ele direcionada, tendo, portanto, peso para todas as alegações e sendo igualmente consideradas para a condução da atividade judicante.

A prova, no processo penal, tem como objeto o fato típico que dá ensejo à instauração ou deflagração da ação penal, em outras palavras, dirige-se à instrução do fato punível, comprovando lhe a tipicidade, reproduzindo o fato ou conduta alegado donde se extrai a ofensa à ordem jurídica.

VIANA afirma que a prova terá outras acepções no processo, servindo de meio de defesa, de modo que "não seria curial exigir-se das partes a prova de suas alegações sem que lhes assegure o direito de produzi-la". A doutrina encara o principio da liberdade probatória como parte do processo, haja vista a necessidade provar os fatos alegados e refutar os que se apresentam contra sua pretensão. E com tal efeito, "impor onus processual e crias embaraços  ao uso dos meios de prova importa em cerceamento de defesa, que oportuniza a nulidade do processo".

1.1  Prova ilícita

O uso dos meios de prova, o direito a liberdade probatória, contém reservas. A referida liberdade probatória, como qualquer justo e livre exercício regular de direito, encontra limites na liberdade e no direito de terceiros. Como bem aponta ARAÚJO, "a liberdade probatória sofre as restrições do princípio da convivência das liberdades, que impõem limite de direito ao homem.

No código de processo penal, encontramos diversos óbices ao uso do direito de prova, compreendidos dentro da questão de fundo de resguardar a coletividade do abuso de direito particular. Entre eles, a regra do artigo 207, estão proibidas de depor (e fornecer prova testemunhal), as pessoas que, em razão de função, ministério, oficio e profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar seu testemunho; a regra do artigo 206, onde desobriga a testemunha do depoimento quando for ascedente ou descendente em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de seus circunstâncias; além das vedações temporais de juntar qualquer tipo de prova ao processo durante as alegações finais ou juntar provas nas vésperas do julgamento nos crimes de competência do tribunal do júri.

De acordo com o art. 332 do Código de Processo Civil[1], "todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa" (grifo nosso). Explica Marinoni e Arenhart que esse artigo, ao aludir os meios de provas não especificados no CPC, deixa claro que eles podem estar previstos em qualquer lei [meios legais] ou não ter previsão expressa em nenhuma lei [meios moralmente legítimos]. Estes, embora não estejam expressamente tipificados na lei, estão de acordo com o direto. Importante frisar que os meios de provas, a rigor, devem estar de acordo com as normas legais [expressas o não]. Isto é, todos os meios de prova devem estar de acordo com o direito, podendo ser típicos ou atípicos. (2008, p. 387).

Provas ilícitas, em sentido amplo, "são aquelas obtidas com violação à lei" (PRADO, 2009, p. 11). Ou seja, são espécies de provas vedadas, proibidas, aquelas que não podem ser trazidas a juízo ou invocadas como fundamento de um direito. A CF/98 faz alusão às provas ilícitas e seu artigo 5º, inciso LVI. O dispositivo legal expressa que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".

Afirma-se que a prova é ilegítima quando fere dispositivo processual, e ilícita quando afronta direitos substantivos. Neste diapasão, tratar-se-á das quatro correntes fundamentais. A primeira diz que a prova ilícita é admitida quando o ordenamento processual não estabelece nenhuma vedação; a segunda acredita que é inadmissível em decorrência da unidade do ordenamento jurídico [tanto processual quanto constitucional]; a terceira corrente acredita na inadmissibilidade mediante violação de conteúdo constitucional; e por fim, a outra doutrina admite a produção de prova ilícita com violação de dispositivos constitucional, em casos excepcionalíssimos (CASTRO, 2009, p. 86-87).

2        Admissao de Prova ilícita favor rei ou in dubio pro reo

Afirma-se que a prova é ilegítima quando fere dispositivo processual, e ilícita quando afronta direitos substantivos. Neste diapasão, tratar-se-á das quatro correntes fundamentais. A primeira diz que a prova ilícita é admitida quando o ordenamento processual não estabelece nenhuma vedação; a segunda acredita que é inadmissível em decorrência da unidade do ordenamento jurídico [tanto processual quanto constitucional]; a terceira corrente acredita na inadmissibilidade mediante violação de conteúdo constitucional; e por fim, a outra doutrina admite a produção de prova ilícita com violação de dispositivos constitucional, em casos excepcionalíssimos (CASTRO, 2009, p. 86-87).

Segundo Gilmar Ferreira Mendes, o princípio do in dubio pro reo pareio ao da presunção de inocência, foi consolidado no ordenamento jurídico brasileiro sob um viés de justificativa de licitude para o Estado atuar de forma a não-criminalização arbitrária e condenação sem o devido processo legal, ampla defesa e contraditório. Este importante instituto jurídico tem uma abertura constitucional ligada à defesa dos valores e princípios sensíveis à carta constitucional, denotados por todo o corpo normativo de tal instituição (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 121). Gilmar, Inocêncio e Paulo explicam ainda mais:

O principio da presunção de inocência ou também in dubio pro reo, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins (2008, p. 121).

            O juiz, pressionado pelo proibição do non liguet, pela obrigação da prestação jurisdicional quando o cidadão requerê-la, por vezes encontra-se durante o processo, num ambiente de insuficiência instrutiva, ocasionado por lacuna da lei, obscuridade e contradição na construção da norma perante o caso concreto ou na própria jurisprudência, insuficiência ou duvida sobre a prova. Nessa ocasião, o magistrado haverá de proceder no sentido de iluminar com o seu entendimento (fundamentado) à respeito das questões que se apresentam a partir de determinados pontos principiologicos ou lugares-comuns penal-constitucionais.

            Segundo VIANA:

O julgador, diante do caso concreto, encontrando-se na dúvida no que diz respeito ao tipo penal, às circunstancias que o envolvem e à autoria, ou, em outros termos, quando estiver em dúvida sobre a culpabilidade do agente, deve declarar sua inocência ou absolvê-lo, aplicando-se à hipótese o principio do in dubio pro reo, que é adotado por quase todas as legislações do mundo, evitando, assim, possível erro judiciário. (2007, p. 296) 

           

O principio do in dubio pro reo é de grande permanência na materia penal, provando-se altamente aceito porque evita a sucumbência injusta da individualidade frente ao exercício do jus puniendi do Estado. Meros indícios, ainda que fundado no sentimento geral das pessoas, fumus bonis iuris, a fumaça do bom direito, não tem o condão de imputar a alguém pena restritiva de direito e/ou liberdade.

Localiza-se o beneficio do réu em algum momento de duvida, "no combate ao abuso do poder, ao arbítrio e aos sistemas processuais penais injunstos, extremistas e desumanos", assim, submete-se o poder de punir do Estado à diversas etapas de verificação, no caso penal, de punibilidade, dando azo ao contraditório e a ampla defesa, constituindo nessa relação processual, o devido processo legal.

Segundo MORO(2006, p. 07), o principio do in dubio pro reo é construído no direito romano, em O Digesto, destaca-se os seus primeiros princípios informadores, quais sejam, semper in dubiis benigniora praeferenda sunt (nos casos duvidosos sempre se há de preferir o mais conforme a equidade), in poenalibus causis benignius interpretandum est (nas causas penais se há de seguir ou adotar a interpretação mais benigna),  in re dúbia benigniorem, interpretatinem sequi, non minus iustios, est, quam tutios (segundo a interpretação mais benigna, nos casos, duvidosos não é menos justos do que seguro). Deles se retira que, no pesar de assertivas ambíguas, provas equívocas, adota-se a posição a favor do réu.

Tutela-se aqui o "super-princípio" da dignidade da pessoa humana, liberando o individuo, no caso o réu, do suplício físico ou psicológico potencialmente injusto, prejuízo injusto à sua imagem.

A declaração universal dos direitos do homem, votada na 3º sessão ordinária da assembléia geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948, na França, preocupada com o reconhecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento da liberdade, da justiça, da paz, reafirma o já consagrado estado de inocência, que respalda o principio do in dubio pro reo, quando estabelece que "todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com as leis, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa". (VIANA, 296, p. 2007)

            Seguindo essa tradição, o in dubio pro reo, tem seu fundamento no principio constitucional da presunção da inocência no inciso LVII do art. 5.º da CF/88, "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", repousando juntamente com a amplitude do devido processo legal para o processamento de qualquer demanda penal.

            Este instituto, tendo relação direta com a valoração da prova, é considerado tanto um dever jurídico, quando tende determinada interpretação de ato jurídico ou judicial à favor do réu, como principio geral de direito, quando associado à presunção de inocência, transcendendo a mera valoração da prova neste sentido, mas inspirando a relação jurídica como critério de seu disciplina, ou seja, debelar alguns vícios superficiais na natureza jurídica de alguns atos em favor do réu, constituir novos parâmetros de interpretação justapostos com o âmbito e o programa da norma a ser aplicada.

Na leitura constitucional da prova ilícita, ou prova obtida por meio ilícito, o legislador constituinte tutelou o interesse do cidadão de não ter direito fundamental violado, o devido processo legal e sua idoneidade, além de coibir abusos e excessos do poder estatal. O direito de produzir prova encontra, deste modo, limites nas liberdades públicas e a partir daí, encontra também relativização quando da valorização ou relativização de certa condição ilícita ou ilegítima da prova.

Devemos encarar o in dubio pro reo como preceito carregado de normatividade e, seus efeitos, como paradigma para apreciação do objeto. Desta feita, o princípio, como gerenciador de interesses, Güterund Interessenabwägung princípio do balanceamento dos interesses e dos valores – e, de forma reflexa, Verhältnismässigkeitsprinzip – princípio da proporcionalidade e razoabilidade entre o meio empregado e a finalidade pretendida, localiza-se também na atividade do magistrado quando da apreciação das provas, de todos os tipos e formas.

Vejamos em que medida o órgão jurisdicional se responsabiliza ou torna-se cúmplice de certa situação patentemente injusta? Exauridas as possibilidades de averiguação da verdade real pelo órgão magistrado, limitado ao texto de norma que especifica e dirigi suas funções, seria irracional e indesejável a não-apreciação de provas cabais de certo fato controverso pelo juiz por terem sido viciadas no inicio, no momento da sua capitação?

Ao afirmar que todo homem possui uma esfera intangível de direitos, decorrentes somente de sua existência enquanto ser da espécie humana, a Constituição garantiu devam todos os cidadãos ser tratados de forma eqüitativa, o que pressupõe, para além da igualdade formal, tratamento diferenciado buscando adequar a lei às necessidades e peculiaridades de cada um. O princípio da proporcionalidade tem, portanto, papel indispensável na consecução de um dos principais objetivos do Estado brasileiro, qual seja, "reduzir as desigualdades sociais e regionais", consoante letra do artigo 3o., III, de nossa magna Carta. A proporcionalidade é, por conseguinte, idéia ínsita à concepção de estado democrático de Direito (CRFB/88, artigo 1o., caput). (SOUZA; SAMPAIO, 2008, p. 4)

A experiência jurídica pós-CF/88 erigindo um programa de concreção de certos objetivos, sociais, econômicos, financeiros e político, abre espaço para o julgamento intimo do magistrado sobre como proceder diante de situações-limite, onde direitos indisponíveis contrastam e desafiam o próprio ordenamento. Em face disso, aparece a necessária atividade de buscar o fundamento social de cada questão levada ao judiciário, redundando na utilização da exegese em causa própria, na interpretação literal desprovida da apreciação das pertinências sociais e políticas.

O in dubio pro reo tem aplicabilidade segundo parâmetros da proporcionalidade, que gerencia as formas protetivas das garantias individuais.

Como aponta Gilmar Ferreira Mendes (2008, p.143), "a proporcionalidade cuida-se, fundamentalmente, de aferir a compatibilidade entre meios e fins, de molde a evitar restrições desnecessárias ou abusivas contra os direitos fundamentais". Devemos buscar, portanto, na face conciliadora do principio da proporcionalidade, o termo entre a necessidade e a vedação da admissão de prova ilícita.

Se a um processo, ele se faz imperiosa, a prova ilícita, desde que não infrinja de maneira irresponsável outro direito fundamental ou atinja a dignidade de nenhum sujeito, deve ser legitimamente constituída e levada aos autos do processo.

Conclusão

            Não se deve considerar apenas o texto da norma que dispõem a inadmissibilidade de provas ilícitas e nem devemos crer que a consecução absoluta do repudio à prova ilícita redundará na força do devido processo legal. O ordenamento jurídico necessita de uma visão integralizada para sua boa interpretação e aplicação, considerando não tão-somente o texto positivado, como todos os aspectos da norma, seu programa e âmbito, os valores contidos na decisão e as conseqüências sociais de cada ato praticado ou não durante a relação processual.

A aplicação do principio do in dubio pro reo para relativização (responsável) dos critérios de deferimento e apreciação de provas, representa avanço da boa prática jurídica em direção à quebra do formalismo jurídico e aumento das possibilidades de decidir em meio a carência de certeza e convicção. Criterioso se faz também estabelecer o problema hermenêutico em torno da verdade formal, e em que medida ela é justa ou adéqua-se as demandas sociais.

Assim, este princípio tem abrangente apoio constitucional para apreciação daquelas provas que trazem com absoluta propriedade o deslinde dos pontos controvertidos. Por ultimo, só se faz necessário alertarmos ao dilema da segurança jurídica. Ainda que para proteção da melhor prestação da atividade jurisdicional, para o comprometimento com a verdade e justiça, é preciso deixar resguardado as liberdades individuais, a dignidade da pessoa humana, a ordem das instituições.

REFERENCIAS

ARAUJO, José Osterno Campos de. Verdade real possível no processo penal. 18ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 18ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

CASTRO, Raimundo Amorim de. Provas ilícitas e o sigilo das comunicações telefônicas. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2009.

__________________________. Curso de processo penal. Vol 01. 3º ed. Lumen Juris, 2008.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. 47ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

OYA, Marcio Koji. Revista de processo. Edição de Agosto. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

PRADO, Leandro Cadernas. Provas ilícitas: teoria e a interpretação dos tribunais superiores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.

VIANA, A prova em matéria penal e a aplicação dos princípios do in dubio pro reo e do in dubio pro societate. O princípio da razoabilidade e o princípio da proporcionalidade: uma abordagem constitucional. [S.I]: Puc-Rio, 2008. Disponível em: < http://www.puc-rio.br/direito/pet_jur/cafpatrz.html#_ftn1> Acesso em: 29 de outubro de 2009.

[1] Como se percebe neste trabalho, utiliza-se sobremaneira o Código de Processo Civil e sua literatura científica pelo fato de este conter normas gerais de processo e procedimento aproveitadas nas diversas disciplinas processuais, além de reconhecer a abrangência e profundidade dos institutos que nele estão contidos. Por outro lado não nos descuidamos a traçar as diferenças ou especificidades do processo penal, eixo principal da discussão.