A responsabilidade do advogado/parecerista no assessoramento a órgãos públicos via parecer jurídico


PorJeison- Postado em 18 fevereiro 2013

Autores: 
MORELO, Ludimila Carvalho Bitar.

 

I – INTRODUÇÃO.

 

O presente artigo trata da análise dos três tipos de pareceres jurídicos existentes na legislação nacional e, consequentemente, das causas que geram responsabilidade civil do advogado parecerista, a fim de confirmar se todos os tipos de pareceres implica responsabilidade para seu elaborador.

 

Este assunto tem importância prática, uma vez que frequentemente ocorrem casos de a Corte de Contas condenar um assessor jurídico e, posteriormente, o Poder Judiciário cassar a referida condenação, posto que precisa restar comprovada a culpa do advogado público.

 

II – DESENVOLVIMENTO.

 

O advogado público exerce seu mister, basicamente, de duas formas, ou na área do contencioso, defendendo judicial o órgão público, ou na área do consultivo, assessorando a Administração Pública a respeito da legalidade ou não de determinado ato.

 

Pois bem, neste texto, falar-se-á da função consultiva exercida pelos advogados públicos. Função esta que implica o assessoramento, a orientação, a recomendação para a validade e a eficácia de atos administrativos e/ou normativos praticados a fim de atender às necessidades finalísticas do ente público ou às necessidades “meio” do órgão.

 

Fala-se em atividade finalística para entender que cada ente público foi criado com um fim específico, assim os atos administrativos cujo conteúdo atende à sua finalidade pré-determinada deverão ser analisados pelo órgão consultivo sob a ótica da legalidade.

 

Da mesma forma, ocorre quando a Administração Pública movimenta a máquina para atender suas necessidades meio, que são as contratações em geral de limpeza, conservação, segurança, material de escritório e etc. Esta atividade meio também precisa ser submetida ao crivo de um órgão jurídico de assessoramento.

 

Geralmente, esses assessores jurídicos se manifestam por meio de pareceres, notas técnicas, despachos e outros. Os pareceres, por sua vez, são documentos mais abrangentes, em que constam relatório do caso e do processo, análise jurídica aprofundada do assunto e uma conclusão.

 

Todavia, a própria legislação nacional dividiu os pareceres jurídicos em três tipos distintos, o facultativo, o obrigatório e o vinculante. Diante destes diversos valores em face da atuação do advogado público, surgiu a seguinte dúvida: em qual ou em quais situações há a responsabilização deste profissional?

 

Inicialmente cabe fazer a distinção destes três modelos de pareceres jurídicos, objeto da atuação dos advogados públicos. Conforme previsão da Lei n° 9.784/1999 – Lei do Processo Administrativo Federal, tem-se:

 

Art. 42. Quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o parecer deverá ser emitido no prazo máximo de 15 (quinze) dias, salvo norma especial ou comprovada necessidade de maior prazo.

 

§ 1°. Se um parecer obrigatório e vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo não terá seguimento até a respectiva apresentação, responsabilizando-se quem der causa ao atraso.

 

§ 2°. Se um parecer obrigatório e não vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo poderá ter prosseguimento e ser decidido com sua dispensa, sem prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no atendimento.”

 

A fim de melhor explicar essa classificação de pareceres jurídicos citada na lei transcrita acima, tem-se que a principal característica do parecer obrigatório é a exigência legal para a sua existência, contudo sua conclusão não é obrigatória a ser seguida pelo administrador público. A título de exemplo, cita-se o art. 38, parágrafo único, da Lei n° 8.666/93 (Lei de licitações e contratos administrativos), que prevê:

 

as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração”.

 

O parecer vinculante, por outro lado, tem como principal característica a obrigatoriedade do agente público em atender a conclusão dada pelo parecerista, além, é claro, da necessidade de constar no processo administrativo o próprio fundamento do parecer jurídico. Por ser um parecer que vincula a Administração Pública, uma vez que inibe a liberdade da autoridade em decidir se acompanha ou não o parecer, ele só deve ser assim considerado quando houver previsão legal expressamente neste sentido. Para melhor compreensão temos o art. 40, da Lei Complementar n 73/93, in verbis:

 

Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.

 

§ 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.

 

§ 2º O parecer aprovado, mas não publicado, obriga apenas as repartições interessadas, a partir do momento em que dele tenham ciência”.

 

Além dessas modalidades trazidas pela aludida lei, ainda existe o parecer facultativo, cuja ocorrência se dá quando o administrador público tem alguma dúvida jurídica para elaborar o ato administrativo necessário. Assim, ele pode encaminhar o questionamento ao órgão de assessoria a fim de obter esclarecimento a cerca dos fatos. O administrador, mesmo diante da resposta da consultoria, pode decidir de maneira distinta.

 

Esta classificação também foi feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no Mandado de Segurança nº 24.631/DF, julgado em 09/08/2007, em que detalhou bem a diferença entre os citados três possíveis tipos de pareceres, assim:

 

“a) quando a consulta é facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo;

 

b) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula ao ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer;

 

c) quando a lei estabelece a obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir senão nos termos de conclusão do parecer ou, então, não decidir.”

 

O Ministro Joaquim Barbosa relator deste citado caso escreveu na fundamentação do seu voto que um parecer jurídico só é vinculante se a lei assim expressamente prever, vejamos:

 

“Assim, via de regra, se a lei (i) não exige expressamente parecer favorável como requisito de determinado ato administrativo, ou (ii) exige apenas o exame prévio por parte do órgão de assessoria jurídica, o parecer técnico-jurídico em nada vincula o ato administrativo a ser praticado, e dele não faz parte. Nesses casos, se o administrador acolhe as razões do parecer jurídico, incorpora, sim, ao seu ato administrativo, os fundamentos técnicos; mas isso não quer dizer que, com a incorporação dos seus fundamentos ao ato administrativo, o parecer perca sua autonomia de ato meramente opinativo que nem ato administrativo propriamente dito é, como bem define Hely Lopes Meirelles: “o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva” (Direito Administrativo Brasileiro, 28ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 189).

 

E o ministro conclui nos seguintes termos:

 

Com essas considerações, no atual momento da jurisprudência do STF, eu acredito que seja possível formular as seguintes premissas para o exame de questões como a presente:

 

a)    Nos casos de omissão legislativa, o exercício de função consultiva técnico-jurídica meramente opinativa não gera responsabilidade do parecerista. A contrário senso, e a bem da coerência do sistema, não cabe extrair dessa conclusão que o administrador também se isenta da responsabilidade, pois se a lei lhe reconhece autoridade para rejeitar entendimento da consultoria, também lhe imputa as eventuais irregularidades do ato. Esse é o entendimento firmado no MS 24.073, ressaltando que se aplica a ressalva desse julgado quanto à possibilidade de verificação de “erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo” (trecho da ementa do MS 24.073)

 

b)    Nos casos de definição, pela lei, de vinculação do ato administrativo, a lei estabelece efetivo compartilhamento do poder administrativo de decisão, e assim, em princípio, o parecerista pode vir a ter que responder conjuntamente com o administrador, pois ele é também administrador nesse caso.”

 

Diante do exposto, pode-se concluir que o advogado público não responde por perdas e danos nos casos de elaboração de pareceres jurídicos facultativos e obrigatórios, no entanto, quando se tratar de parecer vinculante, o profissional se responsabiliza pelo conteúdo do documento.

 

Mesmo em face dessa responsabilidade do parecerista no parecer com força vinculante, não se pode esquecer, também, que o atual entendimento jurisprudencial assevera, como direito fundamental, a independência e a autonomia do advogado púbico para garantir o maior controle dos atos e processos administrativos. Ou seja, o advogado tem liberdade de pensamento e de opinião a respeito do caso em análise, mas tudo deve estar fundamentado nos princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência, dentre outros não menos importantes princípios.

 

É justamente por isso que a Constituição Federal garante ao advogado, no art. 131, a sua indispensabilidade para a administração da justiça, sendo inviolável os seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Lembrando que o parecerista, na maioria das vezes, é um advogado e não um simples bacharel em direito.

 

Nessa mesma toada, o Estatuto do Advogado, Lei nº 8.906/1994, no art. 2º, § 3º, dispõe:

 

“Art. 2º. O advogado é indispensável à Administração da Justiça.

 

...

 

§ 3º. No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites da lei.”

 

A propósito desse tema, o art. 7º deste mesmo Estatuto proclama os direitos dos advogados, nos incisos I a XX, além das prerrogativas e direitos assegurados ao advogado-empregado. No entanto, não deve ser dispensado tal regramento aos advogados públicos, que além de obedecerem o Estatuto do Advogado devem respeito, também, à Lei do Servidor Público, que no âmbito federal é a Lei nº 8.112/90.

 

Pois bem, abrem-se uns parênteses, aqui, para esclarecer que a garantia constitucional da intangibilidade profissional do advogado não se reveste de caráter absoluto. Os advogados, como quaisquer outros profissionais, serão civilmente responsáveis pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, desde que decorrentes de ato (ou omissão) praticado com dolo ou culpa, nos termos do Código Civil e do art. 32 da já citada Lei nº 8.906/94.

 

III – CONCLUSÃO.

 

Dessa forma, não é qualquer parecer, inclusive o de força vinculante, que enseja a responsabilização do advogado. Precisa-se tratar de erro grave, inescusável, comprovando que o profissional agiu com imprudência, negligência ou imperícia para que possam lhe culpar. Com isso, a mera discordância de interpretação ou divergência doutrinária não gerará consequências danosas para o advogado.

 

IV – REFERÊNCIAS.

 

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 16ª ed. São Paulo: Método, 2008.

 

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

 

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007.

 

DA UNIÃO, Tribunal de Contas. Licitações & Contratos, orientações básicas. 3. ed. Brasília: TCU, Secretaria de Controle Interno, 2006.

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

 

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2008.

 

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 10.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

 

MORAES, Alexandre. Direito constitucional administrativo. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.

 

ZYMLER, Benjamin. Direito administrativo. Brasília: Fortium, 2005.

 

Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.42103&seo=1>