A Proteção Internacional dos Direitos Humanos e as Violações dos Direitos Sociais


Porelioterio- Postado em 12 janeiro 2012

Autores: 
DIAS, Elioterio Fachin

A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E AS VIOLAÇÕES DOS DIREITOS SOCIAIS *

Eliotério Fachin DIAS 1

Resumo: O Direito Internacional está se orientando no sentido de criar obrigações que exijam dos Estados a adoção de programas capazes de garantir um nível mínimo de bem-estar econômico, social e cultural para todos os cidadãos do planeta. Desde o processo de democratização do País, em particular, a partir da Constituição Federal de 1988, o Brasil tem adotado importantes medidas em prol da incorporação de instrumentos internacionais voltados à Proteção dos Direitos Humanos. A União tem a responsabilidade internacional na hipótese de violação de obrigação internacional em matéria de direitos humanos que se comprometeu juridicamente a cumprir.

Palavras-chave: Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos; Proteção e Violação dos Direitos Humanos; Responsabilidade Internacional.

Abstract : International law is geared towards creating obligations that require States to adopt programs that ensure a minimum level of economic well-being, social and cultural benefit to all citizens of the planet. Since the democratization of the country, in particular, from the Constitution of 1988, Brazil has taken important steps towards the incorporation of international instruments aimed at the protection of human rights. It is the Union that has the international responsibility for violations of international obligations on human rights which are legally committed to do.

Keywords: International Instruments on Human Rights, Protection and Violation of Human Rights, International Responsibility.


1. OS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS
 

Durante séculos, o Direito Internacional moderno tratou exclusivamente dos direitos dos Estados, estabelecendo conceitos que serviram para promover e apoiar os padrões colonialistas impostos pelos europeus em todas as partes do mundo. A lei internacional, muitas vezes usada como instrumento de dominação, reconhecia direitos aos Estados em detrimento de quaisquer outros direitos, para justificar “guerras justas”, espoliação e exploração de terras até então ocupadas por outros povos, escravidão, matança e genocídio, declaram Ana Valéria Araújo e Sérgio Leitão.

Segundo os autores,

[...] foram necessários mais de 400 anos e duas guerras mundiais para que o Direito Internacional passasse a se preocupar com a manutenção da paz e o bem-estar do homem, incluída aí a proteção do seu ambiente e do próprio planeta. A partir de então, o direito internacional incorporou conceitos de proteção aos direitos humanos. No inicio, estes visavam apenas a proteção de indivíduos. Pouco a pouco, no entanto, e agora cada vez mais, começaram a reconhecer a existência de grupos distintos, suas especificidades, os direitos difusos e coletivos.2

No mesmo sentido, afirma David Trubek:

Eu acredito que o Direito Internacional está se orientando no sentido de criar obrigações que exijam dos Estados a adoção de programas capazes de garantir um mínimo nível de bem-estar econômico, social e cultural para todos os cidadãos do planeta, de forma a progressivamente melhorar esse bem-estar.3 

As ações internacionais concretizam e refletem a dinâmica integrada do sistema de proteção de direitos humanos, pela qual os atos internos do Estado estão sujeitos à supervisão e ao controle dos órgãos internacionais de proteção, quando a atuação do Estado se mostra omissa ou falha na tarefa de garantir esses mesmos direitos.

Merece destaque a seguinte reflexão de T. Farer, a respeito da violação dos direitos humanos:

[...] a comparação entre violações de direitos humanos requer um problemático exercício de etiologias e julgamentos de valor acerca da relativa importância de diferentes direitos e seu efeito (se algum) no contexto doméstico e internacional. Como, por exemplo, comparar governos que matam com armas e governos que permitem pessoas morrerem de fome e de desnutrição?4As convenções e tratados internacionais, bem como as declarações e cartas sobre os direitos humanos, declaram, dentre outros, os direitos da criança, à vida, à saúde, à alimentação adequada, etc.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, reconhece no artigo 3: “Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotado pela Resolução n. 2.200 A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, ratificado pelo Brasil, em 24 de janeiro de 1992, o artigo 6, fala de um direito à vida inerente, não ao homem, nem ao ser humano, nem à “persona”, mas sim à “persona humana”. Mesmo tendo todos estes modos de qualificar o mesmo Ser dotado de humanitas, é-nos interessante notar certa evolução na concepção do homem enquanto sujeito de direitos inalienáveis: “§ 1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela Lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”. [...] trata-se do direito de receber cuidados intensivos a fim de não perder a vida.5

Segundo Josiane Veronese6 , do universo de documentos internacionais que objetivam resguardar os direitos infanto-juvenis destaca-se a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução nº L. 44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, e ratificada pelo Brasil, em 20 de setembro de 1990.

A citada Convenção trouxe para o universo jurídico a doutrina da proteção integral, situa a criança dentro de um quadro de garantia integral, evidencia que cada país deve dirigir suas políticas e diretrizes tendo por objetivo priorizar os interesses das novas gerações; pois a infância passa a ser concebida não mais como um objeto de “medidas tuteladoras”, o que implica reconhecer a criança sob a perspectiva de sujeitos de direitos.

A Convenção sobre os Direitos da Criança dispõe, no artigo 6º, § 1º: “Os Estados Membros reconhecem que toda criança tem o direito inerente à vida”; e, no § 2º: “Os Estados Membros assegurarão ao máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança”. Ao contrário da Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, a qual sugere princípios de natureza moral, sem nenhuma obrigação, representando basicamente “sugestões” de que os Estados poderiam se servir ou não, a Convenção tem natureza coercitiva e exige de cada Estado Parte que a subscreve e ratifica um determinado posicionamento. Como um conjunto de deveres e obrigações aos que a ela formalmente aderiram, a Convenção tem força de lei internacional e, assim, nesse caso o Estado não poderá violar seus preceitos, como também deverá tomar as medidas positivas para promovê-los. Há que se colocar, ainda, que tal documento possui mecanismos de controle que possibilitam a verificação no que tange ao cumprimento de suas disposições e obrigações.

Segundo Miriam Floriano7 , dentre os documentos internacionais que embasam o direito humano à alimentação adequada encontram-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 25), a Convenção sobre os Direitos da Criança (art. 27), sendo o mais abrangente no enfoque da matéria alimentar o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC, ratificado pelo Brasil em 1992.

O Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, vai além da noção do individual para abarcar os direitos coletivos. Ele garante os direitos à educação, à saúde, ao trabalho, à previdência e ao seguro social, além de proteger também o direito à cultura.

A Convenção, enquanto tratado de Direitos Humanos, se constitui num documento extremamente relevante num todo; no entanto, por questões metodológicas, alguns pontos devem ser salientados: 

1) Todas as ações que digam respeito à criança deverão, primordialmente, considerar os seus interesses, cabendo ao Estado promover a proteção e cuidados que sejam necessários ao seu bem-estar, sobretudo quando os pais ou responsáveis não o fizerem (art. 3º).
2) os Estados são obrigados a implementar os direitos reconhecidos na Convenção, por meio de medidas legislativas, administrativas ou de outra espécie. Para tanto, é necessário que os países destinem parte de seus recursos para tal fim e mais, sendo necessário, poder-se-á até mesmo recorrer à cooperação internacional (art. 4º). [...]
3) A criança tem direito à vida, sendo dever do Estado assegurar a sua sobrevivência e o seu desenvolvimento (art. 6º). Aí se constata a importância dos arts. 5º e 6º da atual Constituição Federal, o primeiro que trata dos direitos individuais e coletivos e o segundo dos sociais, tais como o direito à educação, à moradia, ao trabalho, à saúde pública, à previdência social, ao lazer, à proteção materno-infantil, à assistência aos desamparados. Portanto, o cumprimento de tais preceitos implica garantia de cidadania, garantia de qualidade de vida.
4) Também é obrigação do Estado garantir proteção especial a crianças privadas temporária ou permanentemente de suas famílias e assegurar-lhe um ambiente familiar alternativo que seja adequado ou, nas hipóteses em que for necessária a colocação em instituições, que estas sejam apropriadas, devendo considerar o meio cultural da criança, bem como seus componente éticos, religiosos e lingüísticos (art.20).8


2. A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

Desde o processo de democratização do País, em particular, a partir da Constituição Federal de 1988, o Brasil tem adotado importantes medidas em prol da incorporação de instrumentos internacionais voltados à Proteção dos Direitos Humanos.

Ao ressaltar sobre a Proteção dos Direitos Humanos, ressalta Eduardo Bittar que:

[...] a Carta cidadã projeta a intenção de criar condições para a afirmação de um Estado de Bem Estar Social no Brasil, à luz das experiências já sedimentadas na Europa e nos Estados Unidos da América. Por isso, a Constituição nasce e nasce garantista, fartamente revestida de caráter democrático, provedora de direitos humanos, em uma diversidade imensa de seus capítulos, antecipando-se como texto constitucional que acumulam o maior número de aquisições para a cidadania de toda a história do País.9

Segundo José Afonso da Silva10 , é a partir da Constituição de 1988, a Constituição-cidadã, na expressão de Ulisses Guimarães, então Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, o documento mais abrangente e pormenorizado jamais adotado no Brasil, sobre os direitos humanos, que ganham relevo extraordinário.

Após a ratificação da Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, em 1º de fevereiro de 1984, considerado o marco inicial do processo de incorporação do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo direito brasileiro, inúmeros outros instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos foram incorporados, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o marco jurídico da transição demográfica e da institucionalização dos direitos humanos no País.

Assim, destaca Flávia Piovesan,  

[...] a partir da Carta de 1988, importantes tratados internacionais de direitos humanos foram ratificados pelo Brasil. Dentre eles, destaque-se a ratificação: a) da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989; b) da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, tem 28 de setembro de 1989; c) da Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; d) do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992; e) do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992; f) da Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; g) da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995; h) do Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte, em 13 de agosto de 1996; i) do Protocolo à Convenção Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), em 21 de agosto de 1996.11


3. AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS E A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL

De acordo com o Direito Internacional, a responsabilidade pelas violações de direitos humanos é sempre da União, que dispõe de personalidade jurídica na ordem internacional, conforme leciona Louis Henkin:

Um Estado pode ser internacionalmente responsabilizado em virtude de agentes oficiais que atuavam inteiramente no plano das obrigações domésticas, independentemente de suas condutas terem sido endossadas ou conhecidas por oficiais responsáveis pelos assuntos internacionais. [...] Estados federais, por vezes, têm buscado negar sua responsabilidade em relação a condutas praticadas por Estados ou Províncias. Um Estado Federal é também pelo cumprimento das obrigações decorrentes de tratados no âmbito de seu território inteiro, independentemente das divisões internas de poder [...].12

Assim, é a União que tem a responsabilidade internacional na hipótese de violação de obrigação internacional em matéria de direitos humanos que se comprometeu juridicamente a cumprir. Todavia, ressalta Flávia Piovesan,

[...] em face da sistemática até então vigente, a União, ao mesmo tempo em que detém a responsabilidade internacional, não é responsável em âmbito nacional, já que não dispõe da competência de investigar, processar e punir a violação, pela qual internacionalmente estará convocada a responder. Com a federalização restará aperfeiçoada a sistemática de responsabilidade nacional e internacional em face das graves violações de direitos humanos, o que permitirá aprimorar o grau de respostas institucionais nas diversas instâncias federativas. Para os Estados cujas instituições responderem de forma eficaz às violações, a federalização não terá incidência maior – tão-somente encorajará a importância da eficácia dessas respostas. Para os Estados, ao revés, cujas instituições se mostrarem falhas, ineficazes ou omissas, estará configurada a hipótese de deslocamento de competência para a esfera federal. A responsabilidade primária no tocante aos direitos humanos é dos Estados, enquanto a responsabilidade subsidiária passa a ser da União.13

Assim, pode-se indagar:

[...] essas ações internacionais denunciam a violação de qual categoria de direitos? Qual a natureza dos direitos violados? [...] Qual o impacto jurídico e político do sistema internacional de proteção dos direitos humanos no âmbito da sistemática constitucional brasileira de proteção de direitos? Como esse instrumental internacional pode fortalecer o regime de proteção de direitos nacionalmente previsto e o próprio mecanismo de accountabilitty, quando tais direitos são violados?14

Ao tratar sobre as violações dos direitos humanos no Brasil, Piovesan classifica-os em vários períodos, conforme destaca, no primeiro período (1964-1985), relativo ao regime militar, constata que,

[...] dos 10 casos apreciados, 9 se referem a casos de detenção arbitrária e tortura ocorridas durante o regime autoritário militar, enquanto 1 caso envolve a violação dos direitos dos povos indígenas. Já no segundo período, ou seja, a partir do processo de democratização iniciado em 1985, observa-se que, dos 68 casos apreciados, 34 envolvem violência policial, 13 revelam situação de violência rural, 5 referem-se à violação de direitos de crianças e adolescentes,  3 envolvem violência contra a mulher, 1 se refere à violação dos direitos das populações indígenas, 1 à discriminação racial e 6 à violência contra defensores de direitos humanos. Ao lado dos 34 casos de violência policial, constata-se que os demais 34 casos restantes, concernentes ao período de democratização, refletem violência cometida em face de grupos socialmente vulneráveis, como os povos indígenas, a população negra, as mulheres, as crianças e os adolescentes.15

Nesse período, em 90% dos casos examinados, as vítimas eram líderes da Igreja Católica, estudantes, líderes de trabalhadores, professores universitários, advogados, economistas e outros profissionais, todos em geral integrantes da classe média brasileira.

No segundo período, relativo ao processo de democratização, em 87% dos casos examinados as vítimas eram consideradas socialmente pobres, sem qualquer liderança destacada, ai incluídos pedreiros, vendedores, auxiliares de escritório, ajudantes de obras, mecânicos e outras atividades pouco rentáveis no Brasil, como os que viviam em favelas, nas ruas, nas estradas, nas prisões ou mesmo em regime de trabalho escravo no campo, com acentuado grau de vulnerabilidade.

Nesse sentido, as vítimas, via de regra, não são mais dos setores de classe média, politicamente engajados, mas pessoas pobres, excluídas socialmente e integrantes de grupos vulneráveis.

Segundo Álvaro Ribeiro Costa16 , a violência contra a cidadania no Brasil pode ser vista sob os mais variados aspectos. Salientam-se, entre eles, a violência estrutural e a violência específica. Por isso, é importante destacar alguns dados da realidade econômica e social do País, em vista dos quais melhor se compreende o quando das violações aos direitos humanos no Brasil.

A chamada violência específica, cujas formas mais visíveis aparecem como homicídios, lesões corporais, torturas, seqüestros, etc., é a que habitualmente pode chamar mais atenção. No entanto, a violência estrutural, a que reside nas estruturas econômicas, políticas, sociais, culturais e jurídicas, parece ser a mais perversa e de maiores efeitos em detrimento dos direitos humanos e da cidadania, por se caracterizar pela permanência, pela profundidade e extensão de seu alcance.

No entendimento de Flávia Piovesan,

[...] em geral, a violação aos direitos sociais, econômicos e culturais é resultado tanto da ausência de forte suporte e intervenção governamental como da ausência de pressão internacional em favor dessa intervenção. É, portanto, um problema de ação e prioridade governamental e implementação de políticas públicas, que sejam capazes de responder a graves problemas sociais.17

Boaventura de Souza Santos afirma que,

[...] a luta pelos direitos humanos, em geral, pela defesa e promoção da dignidade humana não é um mero exercício intelectual, é uma prática que resulta de uma entrega moral, afectiva e emocional ancorada na incondicionalidade do inconformismo e da exigência de acção.18


4. AS VIOLAÇÕES DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS

A luta por direitos sociais, as configurações de welfare state e suas crises, a retórica neoliberal convivem, hoje, ao lado de tantas outras formas de exclusão e desigualdade, fazendo emergir um sentimento de violência generalizado, típico de uma sociedade aparentemente sem projetos mais incisivos de inclusão social, que parece pensar o enfrentamento da pobreza, da miséria e de toda forma de discriminação como um trabalho de Sísifo.19

As políticas públicas ou programas de ação governamental incluem-se entre as prestações positivas, sendo mais necessários em relação aos grupos da sociedade que estão inferiorizados economicamente, conforme a conceituação do Brasil como Estado Democrático de Direito e a interpretação decorrente do elenco dos objetivos fundamentais do Brasil, insculpidos no art. 3º e seus incisos da Carta Magna, a saber: construir uma sociedade livre, justa e solidaria garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.20

A propósito, o Prof. Paulo Sérgio Pinheiro lembra que

[...] ‘somos campeões mundiais da desigualdade: em 1992 (dados da ONU), a renda dos 20% mais ricos era 26 vezes maior do que as dos 20% mais pobres’, [...] as elites impedem ‘as reformas que aliviariam a fome, a pobreza, a doença. A fome é parte inescondível dessa realidade. Estudos do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontam a existência de 37 milhões de pessoas situadas abaixo do da linha de pobreza, em condições nítidas de miséria ou de indigência (9,2 milhões de famílias) (v. Jornal de Brasília, de 8 de agosto de 1993).21

Segundo Paul Farmer, de acordo com dados do relatório:

[...] “Sinais vitais”, do Worldwatch Institute (2003), a desigualdade de renda se reflete nos indicadores de saúde: a mortalidade infantil nos países pobres é 13 vezes maior do que nos países ricos: a mortalidade materna é 150 vezes maior nos países de menor desenvolvimento com relação aos países industrializados. A falta de água limpa e saneamento básico mata 1,7 milhão de pessoas por ano (90% crianças), ao passo que 1,6 milhão de pessoas morrem de doenças decorrentes da utilização de combustíveis fósseis para aquecimento e preparo de alimento. O relatório ainda atenta para o fato de que a quase-totalidade dos conflitos armados se concentra no mundo em desenvolvimento, que produziu 86% de refugiados na última década.22

Para Joseph E. Stiglitz23 , o “número de pessoas vivendo na pobreza aumentou atualmente quase 100 milhões. Isto ocorreu ao mesmo tempo em que a renda mundial aumentou em média 2,5% ao ano”. Fica, por fim, o alerta do Statement to the World Conference on Human Rights on Behalf of the Committee on Economic, Social and Cultural Rights: “Com efeito, democracia, estabilidade e paz não podem conviver com condições de pobreza crônica, miséria e negligência”.

Um grave problema de miséria assola boa parte da humanidade, segundo Eduardo Luis Leite Ferraz24 , das 79% das pessoas que vivem no Sul pobre; 1 bilhão encontra-se em estado de pobreza absoluta; 3 bilhões têm alimentação insuficiente; 60 milhões morrem de fome; e, 14 milhões de jovens abaixo de 15 anos morrem anualmente em conseqüência das doenças da fome.

Em síntese, essas questões e dilemas precisam ser ponderados quando se implementam políticas públicas de corte social enquanto ações afirmativas que visam ao enfrentamento da exclusão social, para que não se tenha o impessoalismo da pobreza como uma categoria absoluta e para que se possa refletir sobre o cotidiano histórico, cultural e até mesmo pessoal dos usuários dos serviços públicos.

Assim, uma coisa é se pensar em ações de saúde, educação e moradia para população de centros urbanos, e outra, bem diferente, é se falar dos mesmos serviços para povos indígenas ou remanescentes de quilombos.


NOTAS:

* Publicado na Revista Arandu, Dourados MS,  Ano 13, nº 51 Fev.Mar/2010 – ISSN 1415-482X

1.  Professor do Curso de Direito da UniversidaEstadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, Especialista em Direito das Obrigações.

2. ARAÚJO, Ana Valéria. LEITÃO, Sérgio. Socioambientalismo, Direito Internacional e Soberania.  In BORGES, Letícia. OLIVEIRA, Paulo Celso de. (Org.) Socioambientalismo: Uma Realidade – Homenagem a Carlos Frederico Marés de Souza Filho. Curitiba PR: Juruá, 2006, p. 30-31

3. TRUBEK, David. Apud PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 183.

4. FARER, T. Apud PIOVESAN, Op. Cit., 2009, p. 183

5. ASSIS, José Francisco de Assis. Direitos Humanos Fundamentação Onto-Teleológica dos Direitos Humanos. Maringá PR: Unicorpore, 2005, p. 341

6. VERONESE, Josiane. In WOLKMER, Antonio Carlos. LEITE, José Rubens Morato. (Org) Os “Novos” Direitos no Brasil: Natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 36-37

7. FLORIANO, Miriam. In PIOVESAN, Flávia. CONTI, Irio Luiz (Coord) Direito Humano à Alimentação Adequada. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2007, p. 193.

8. WOLKMER, Antonio Carlos. LEITE, José Rubens Morato. (Orgs.) Os “Novos” Direitos no Brasil: Natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 42

9. BITTAR, Eduardo A. B. Maio de 68 e os Direitos Humanos. Conferencia 17.set.2008. II Congresso Transdisciplinar Direito e Cidadania. Dourados MS: UFGD/UEMS, 2008.

10. SILVA, José Afonso da. Apud PIOVESAN, 2009, p. 24.

11. PIOVESAN, Op. Cit., 2009, p. 284-285

12. HENKIN, Louis. Apud PIOVESAN, Op. Cit., 2009, p. 304.

13. PIOVESAN, Op. Cit., 2009, p. 305-306

14. PIOVESAN, Op. Cit., 2009, p. 14

15. PIOVESAN, Op. Cit., 2009, p. 337

16. COSTA, Álvaro Ribeiro. Apud PIOVESAN, Op. Cit., 2009, p. 337

17. PIOVESAN, Op. Cit., 2009, p. 184

18. SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006, p. 447-448

19. GONÇALVES, Cláudia Maria da Costa. Políticas dos Direitos Fundamentais Sociais na Constituição Federal de 1988: releitura de uma constituição dirigente. Dissertação. Centro de Ciências Sociais. Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas. São Luiz MA: UFMA, 2005, p.37.

20. TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. v. l. p. 373. PIOVESAN, Flávia; IKAWA, Daniela (Coord.) Direitos Humanos – Fundamentos, Proteção e Implementação – Perspectivas e Desafios Contemporâneos. Vol. II. Curitiba: Juruá Editora, 2008 p. 544

21. PINHEIRO, Paulo Sérgio. Apud PIOVESAN, Op. Cit., 2009, p. 337

22. FARMER, Paul. Apud PIOVESAN, Op. Cit., 2009, p. 184

23. STIGLITZ, Joseph E. Apud PIOVESAN, Op. Cit., 2009, p. 184

24. FERRAZ, Eduardo Luis Leite. Ars Boni et Aequi, hoje: O Direito e a Causa dos Pobres. Florianópolis SC: Revista de Direito do Cesusc nº 2 Jan/Jun 2007, p. 74.


REFERÊNCIAS:

ASSIS, José Francisco de Assis. Direitos Humanos. Fundamentação Onto-Teleológica dos Direitos Humanos. Maringá PR: Unicorpore, 2005

BITTAR, Eduardo A. B. Maio de 68 e os Direitos Humanos. Conferência 17.set.2008 . II Congresso Transdisciplinar Direito e Cidadania. Dourados, MS: UFGD/UEMS, 2008.

BORGES, Leticia. OLIVEIRA, Paulo Celso de. (Org) Socioambientalismo: Uma Realidade - Homenagem a Carlos Frederico Marés de Souza Filho. Curitiba: Juruá, 2006

FERRAZ, Eduardo Luis Leite. Ars Boni et Aequi, hoje: O Direito e a Causa dos Pobres. Florianópolis SC: Revista de Direito do Cesusc nº 2 Jan/Jun 2007.

GONÇALVES, Cláudia Maria da Costa. Políticas dos Direitos Fundamentais Sociais na Constituição Federal de 1988: releitura de uma constituição dirigente. Dissertação. São Luiz MA: UFMA, 2005

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009

PIOVESAN, Flávia; CONTI, Irio Luiz (Coord) Direito Humano à Alimentação Adequada. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2007

PIOVESAN, Flávia; IKAWA, Daniela (Coord) Direitos Humanos: Fundamentos, Proteção e Implementação – Perspectivas e Desafios Contemporâneos. Vol. II. Curitiba: Juruá Editora, 2008

WOLKMER, Antonio Carlos. LEITE, José Rubens Morato. (Org) Os “Novos” Direitos no Brasil: Natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003.
 

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