Indenização por dano afetivo – Ineficaz - Ausência de restabelecimento do afeto


PorFernanda dos Passos- Postado em 16 novembro 2011

Autores: 
SOUZA, Jamille Fernanda Ferreira de

Resumo: O artigo visa compartilhar a o entendimento da jurisprudência e doutrina moderna sobre o tema dano afetivo, bem como sua efetividade na busca de restabelecer o vínculo afetivo do filho com pai, já que este deixou o lar e rompeu o afeto com o filho. O texto traz decisão pontual da jurisprudência, ainda que o tema não seja matéria pacifica nos Tribunais e ainda o posicionamento de doutrinadores quanto a essa “recompensa” pelo abandono afetivo.

Palavras-chave: dano afetivo, indenização e afetividade.

Abstract: The article is to share the understanding of modern jurisprudence and doctrine on the theme damage affective, as well as its effectiveness in seeking to restore the affective bond of the child with father, since this has left the hearth and broke the affection. The text brings decision punctual of jurisprudence, even if the topic does not matter peaceful courts and even the deployment of doutrinadores that "reward" by abandoning affective.

Keywords: damages affective, damages and affectivity.

Resumen: Este artículo es el de compartir el conocimiento de la jurisprudencia moderna y la doctrina sobre el tema daños afectivos, así como su eficacia para tratar de restablecer el vínculo afectivo del niño con el padre, dado que esto ha dejado a la fogata y rompió el afecto con su hijo. El texto lleva la decisión puntual de la jurisprudencia, aun cuando el tema no importa los tribunales pacífica y ni siquiera el despliegue de doutrinadores que "recompensa" por abandono afectivo.

Palabras clave: daños afectivos, los daños y perjuicios y afectividad.

Deixando o aspecto histórico de lado, já muito bem discutido e amplamente exposto por renomados doutrinadores, este breve artigo importa tão somente em compartilhar do entendimento quanto à ineficácia da indenização por dano afetivo causado pelo abandono paterno, sendo este o mais comum.

É indiscutível que a Constituição Federal de 1988 tenha aberto portas para o novo conceito de entidade familiar, tendo como fundamento principal a dignidade da pessoa humana.

A Constituição de 88 trouxe especial proteção à família e a seus entes, cabendo ao Direito Civil criar e adequar às normas existentes a fim de viabilizar a efetiva proteção.

É interessante entender o conceito literal da palavra Família. No dicionário da língua portuguesa, a palavra “família” significa entre outros sinônimos: linhagem, estirpe, genealogia ou união.

Em inglês, no sentido popular, a palavra “família” trás o seguinte significado: (F)ATHER (A)ND (M)OTHER (I) (L)OVE (Y)OU' (Pai e Mãe Eu amo Vocês)

Desta forma, passamos a compreender o conceito moderno de Família, fixado tão somente no último significado: união, consequentemente gerada pelo afeto.

A entidade familiar transcende os limites da previsão jurídica, a qual compreendia somente o casamento, pai, mãe e filhos, hierarquicamente nesta ordem e, posteriormente, evoluindo para união estável, família monoparental e porque não mencionar as novas famílias, homoafetivas?

O reconhecimento da união estável e da família monoparental desfez o engessamento causado pelo casamento, já que este era o único meio legislador da formação familiar.

O que se busca hoje no seio familiar não é a proteção patrimonial, mas sim as relações e os vínculos existentes, não importando se biológicos ou não, de forma a possibilitar ao indivíduo o desenvolvimento do seu caráter e formação de sua personalidade, através de promoção pessoal, dentro de um ambiente familiar adequado.

Desta forma, o legislador deu uma atenção especial à criança, dividindo com a família e a sociedade a garantia de todos os seus direitos.

A criança foi escolhida como principal ente de proteção dentro do núcleo familiar.

Artigo 277, da Constituição Federal de 1988, in verbis: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”. (artigo alterado pela EC- 000.065-2010). Grifo não original.

Artigo 4º da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, in verbis: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”. Grifo não original.

É no convívio familiar, com seus entes queridos, que a criança receberá afeto, carinho, orientação quanto à dignidade, à moral, à honra respeito, à ética e às normas de conduta dentro da sociedade.

O que move a nova família não são os bens que ela possui, mas o afeto existente nela. Desta forma, a ausência de afeto dos pais, à criança, certamente, implicará em prejuízos irreparáveis, sofrendo distúrbio na formação do caráter e no desenvolvimento de sua personalidade.

O autor do artigo A família afetiva — O afeto como formador de família entende que “Não há como negar que a nova tendência da família moderna é a sua composição baseada na afetividade. Sabemos que legislador não tem como criar ou impor a afetividade como regra erga omnes, pois esta surge pela convivência entre pessoas e reciprocidade de sentimentos.”. 11     

Nota-se que é no convívio familiar harmonioso que a criança terá seu caráter desenvolvido e sua personalidade formada.

Entende-se que o elo existente entre os membros da família é o respeito, a vontade de seguir juntos, o afeto e o ambiente equilibrado para a convivência.

“A afetividade, traduzida no respeito de cada um por si e por todos os membros a fim de que a família seja respeitada em sua dignidade e honrabilidade perante o corpo social é, sem dúvida alguma, uma das maiores características da família atual”, entende o doutrinador Jose Sebastião de Oliveira. 7

Neste ponto, temos que a ausência da figura paterna (já que o abandono do pai à família é o mais comum), gera muitas vezes, consequências irreparáveis na formação do caráter e na personalidade da criança, como vem se comprovando por meio de estudos psicossociais.

 

O psicanalista Sergio Nick afirma que os filhos abandonados total ou parcialmente pelo pai têm dificuldade de lidar com sentimentos gerados por este abandono, o que vai trazer consequências imprevisíveis. "Estas crianças apresentam um núcleo depressivo que pode levá-las a sentimentos de baixa auto-estima, de não serem merecedoras de amor. Além de gerar sentimentos de ódio e de inveja de difícil manejo. A mãe mais madura emocionalmente ajuda os filhos a superar a ausência do pai e evita que as fantasias de abandono predominem.”. 6

Em razão desta situação constrangedora ocasionada pela ausência do pai no convívio familiar, há grandes discussões em torno da indenização por dano afetivo, que, supostamente, foi o caminho encontrado para “compensar” os filhos da ausência do pai ao longo do seu desenvolvimento. 

No entanto, as ações de indenização por dano afetivo, em sua maioria, não tem encontrado guarida na jurisprudência, dada à inexistência de provas para se comprovar o dano.  

Os Tribunais têm proferido decisões no sentido de que “não é com a concessão de indenização por abandono afetivo que se restabelecerá o afeto”, ou, ainda, “as indenizações não tem o poder de produzir o afeto perdido”, fundamentando que tais indenizações podem causar traumas muito maiores, ou seja, ruptura definitiva do filho com o pai, por exemplo.

No entanto, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais reconheceu o direito à indenização por dano moral e psíquico causado pelo abandono do pai. "A responsabilidade (pelo filho) não se pauta tão-somente no dever de alimentar, mas se insere no dever de possibilitar desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana". (AC nº 408.550-5, de 01.04.2004).

Porém, a referida decisão foi brilhantemente reformada pela 4º Turma do Superior Tribunal de Justiça, na qual deu provimento ao recurso especial interposto pelo pai da criança. 

"A determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização por dano moral", relatou o ministro Fernando Gonçalves ao proferir seu voto. 9
O pai, após condenado a indenizar o filho por não lhe ter atendido às necessidades de afeto, encontrará ambiente para reconstruir o relacionamento ou, ao contrário, se verá definitivamente afastado daquele pela barreira erguida durante o processo litigioso?", indagou o ministro Fernando Gonçalves. 9

E o ministro Jorge Scartezzini concluiu: “É uma busca de dinheiro indevida”. 10
O Desembargador Sérgio Fernando Vasconcellos Chaves, compartilha seu posicionamento: "Se tanto o pai quanto a filha tiverem a grandeza de perdoarem as faltas que um e outro possam ter cometido, se cada um conseguir superar as suas dificuldades pessoais e minimizar ou sublimar as mágoas porventura existentes, certamente terão ganhos afetivos e serão mais felizes. Mas o certo é que esse conflito, que ainda persiste, não poderá ser resolvido com qualquer indenização, pelo contrário...".

O professor Leonardo Castro em seu artigo O preço do abandono afetivo, conclui: “Se a solução para o problema fosse o dinheiro, a própria pensão alimentícia atenderia o objeto da reparação, o que não ocorre. Quanto ao efeito dissuasório e punitivo, corremos o risco de mal ainda maior...”.

“Nas relações familiares, cabe ao Judiciário apenas a defesa aos direitos fundamentais do menor. A sua intromissão em questões relacionadas ao sentimento é abusiva, perigosa e põe em risco relações que não são de sua alçada. O amor é resultado de algo alheio ao nosso entendimento, e não da coação.”. 2

As considerações do ministro Fernando Gonçalves e do ministro Jorge Scatezzini reforçam o entendimento aqui compartilhado.

Grosseiramente, pode-se dizer que a indenização pelo dano afetivo não retoma a convivência familiar, não traz de volta o afeto necessário para o desenvolvimento da criança e sua formação à vida.

Na verdade, a indenização em razão do abandono afetivo, “compensa” a ausência de afeto, pune a pai pela negligência, tendo ainda caráter pedagógico a sociedade, porém, traça no desenvolvimento da criança um novo conceito de pai.

A criança que não teve seu pai para andar de bicicleta, ir à reunião da escola, dar carinho, entre outras situações do convívio familiar, após receber esta “compensação financeira”, irá, implicitamente, concluir: quando tiver filhos, caso não queira dispor de tempo com eles, certamente, enchendo-os de bens materiais, suprirá a ausência do afeto.

Compreensão melhor não há de que a indenização por dano afetivo é ineficaz, pois, não produz os efeitos para o qual foi requerida, ou seja, “pagasse” o abandono afetivo, porém, não restabelece o afeto, tampouco a convivência paterna.

Não esquecendo de mencionar a ocorrência de traumas ainda maiores, já que a criança terá em suas mãos o dinheiro do pai e não o afeto, sendo que o restabelecimento do afeto era a busca inicial, ou será que o dinheiro resolve esta questão?

Como bem lembrado pelo professor Leandro Castro: “o dinheiro não é a resposta para tudo.”.

 

Referências bibliográficas:
1. ALVES, Leonardo Barreto Moreira. O reconhecimento legal do conceito moderno de família: o artigo 5º, II, parágrafo único, da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, v. 8, n. 39, p 131-153, dez./jan.2007.
2. CASTRO.-, Leonardo. O preço do abandono afetivo. Disponível em http://www.lfg.com.br. 04 de maio de 2009.
3. COSTA. Maria Isabel Pereira da. Família: do autoritarismo ao afeto - como e a quem indenizar a omissão de afeto? Revista Brasileira de Direito da Família, Porto Alegre, v. 7, n. 32, p. 20-39, out/nov. 2005. 
4. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2007.608p.
5. LOBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. Revista Brasileira de Direito da Família, Porto Alegre, v. 6, n. 24, p. 136-156, jun./jul.2004.
6. Nick, Sergio. Autor do ensaio Danos provocados pela ausência do pai. Disponível em http://www.pailegal.net/guarda-compartilhada 26.09.99.
7. OLIVEIRA, Jose Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 233.
8. SILVA, Cláudia Maria da. Indenização ao Filho: descumprimento do dever de convivência familiar e indenização por dano à personalidade do filho. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, v. 6, n. 25, p.123/147, ago-set. 2004.
9. Trecho do voto dado pelo Ministro Fernando Gonçalves (REsp. n.º 757.411).
10. Trecho do voto dado pelo Ministro Jorge Scartezzini (REsp. n.º 757.411)
11. SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A família afetiva - O afeto como formador de família. Disponível em http://www.ibdfam.org.br/artigos 24/10/2007.