DIREITO À EDUCAÇÃO E LEGISLAÇÃO DO ENSINO


PoreGov- Postado em 04 março 2011

Autores: 
MACHADO, Lourdes Marcelino
OLIVEIRA, Romualdo Portela de

Texto retirado da Internet, no endereço http://www.inep.gov.br/download/comped/politica_gestao/texto_livro_anpae..., em 22/05/2009

Duas razões justificam a presença da categoria "Direito à Educação e Legislação do Ensino" num Estado da Arte sobre Política e Administração da Educação: sua importância, tanto em termos de efetivação de direitos quanto de normatização dos Sistemas de Ensino e a sua relativamente pequena presença na literatura brasileira recente.
Este capítulo poderia ser reduzido ao seu segundo termo. O Direito à Educação não deixa de ser uma parte da Legislação do Ensino e, em seu sentido mais amplo, do Direito Educacional. Cabe distingui-los, para fins de classificação, pela especificidade conceitual decorrente da polissemia do termo "Direito à Educação" e pela pequena produção acerca de ambos na literatura brasileira recente.
Entretanto, é preciso reconhecer que o estudo desta temática não faz parte da tradição da pesquisa em educação no Brasil. Afora produções isoladas como a Enciclopédia de Legislação do Ensino, de Vandick Lopes Nóbrega (1952), poucos são os trabalhos na área, eventualmente influenciados por algum processo marcante de elaboração legal. Neste caso, cabe destacar aqueles elaborados a partir do início dos anos 30, motivados pela elaboração da Constituição de 1934 e, posteriormente, da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 4.024/61, momentos em que avulta o número de publicações que procuram analisar e influir nos rumos do debate (Cf. Villalobos, 1969, Buffa, 1979, Cury, 1979)
Diferentemente, em outros países, como os Estados Unidos, é significativa a bibliografia sobre legislação educacional, particularmente no seu aspecto jurisprudencial, característica típica do seu sistema jurídico . Da mesma forma, os trabalhos de Héctor Felix Bravo (1986, 1988), na Argentina, marcam uma importante contribuição para os estudos nesta área na República Platina.
No Brasil, durante o período analisado neste texto, o interesse pela temática foi incrementado pelo debate pré e pós Constituinte de 1987-88 e seus desdobramentos, tanto no que diz respeito aos processos de elaboração das Constituições Estaduais (CEs.), das Leis Orgânicas Municipais (LOMs.), da LDB (Lei 9394/96), do Plano Nacional de Educação (PNE), bem como da regulamentação de aspectos da Legislação facultados ao Conselho Nacional de Educação, nos termos do artigo 90 da LDB . Apesar desse incremento à produção ainda é pouco significativa em termos quantitativos.
Edivaldo Boaventura aponta como contribuição para a sistematização dos estudos na área, o I e II Seminários de Direito Educacional, realizados na UNICAMP, nos anos de 1977 e 1978. O III Seminário, segundo o autor, realizou-se ?em Salvador ? BA, em 1982, em comemoração ao centenário dos pareceres de Rui Barbosa sobre a reforma do ensino? (1985: 109)
No presente levantamento, pudemos constatar que permanecem sérias lacunas nessa área de conhecimento, o que indica a necessidade de maior estímulo e apoio a pesquisas que tenham por foco a Legislação do Ensino e, em seu sentido mais abrangente, o Direito Educacional.
O reflexo dessa situação manifestou-se nas dificuldades que sentimos ao organizar este capítulo. A primeira foi decidir o que faria parte de nosso capítulo e o que seria trabalhado em outros. Enfim, o tradicional problema do que incluir, do que excluir e como classificar, que expressou-se já no levantamento das pesquisas. Uma vez que cada título incluído no Banco de Dados só recebeu uma classificação, nossa amostra foi sensivelmente reduzida. Se tomássemos como critério incluir aqui os trabalhos que se reportam ao Direito à Educação e à Legislação do Ensino, em seu sentido amplo, aqueles que tomam a Legislação como ?pano de fundo? para estudos específicos, provavelmente, teríamos de arrolar vários que estão ?classificados? em outras partes deste Estado da Arte.
Foi, portanto, necessário realizar ?escolhas?. Muitas podem ser consideradas arbitrárias, mas sem elas nosso trabalho seria inviável. Optamos por organizar o capítulo a partir de seus elementos constitutivos, o Direito à Educação e a Legislação do Ensino. Apesar de haver uma certa interpenetração entre eles, é possível distinguí-los.
A comparação do número de trabalhos incluídos em cada uma das duas sub-categorias corrobora o que afirmamos. Elaboramos o gráfico 1, que mostra a distribuição dos trabalhos entre as duas partes deste capítulo e sua presença no total coletado.
Foram incluídos na categoria setenta e quatro trabalhos, o que corresponde a 7% do total de trabalhos. O gráfico 2 mostra sua participação relativa no total.
A seguir realizamos uma análise mais detida do sentido de cada uma dessas subcategorias e os descritores que levantamos em função do material coletado.

2. EDUCAÇÃO COMO DIREITO SOCIAL E HUMANO

Uma das conquistas do século XX é a ampliação da noção de Direitos do Homem que herdamos do iluminismo. Se compararmos os dois documentos paradigmáticos a respeito, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa de 1789, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1948, é possível perceber-se a ampliação do reconhecimento dos direitos que devem ser garantidos a cada ser humano (Cf. ONU, 1948 e Fauré, 1996). No Documento de 1948, o Direito à Educação é incorporado nos seguintes termos:
"I. Todo ser humano tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, ao menos nos estágios elementar e fundamental. A educação elementar deve ser compulsória (...)."(ONU, 1948, art. 26)
Este direito é reconhecido em praticamente todas as Constituições deste século. A Constituição Alemã de Weimar , 1918, foi a primeira a incluir em seu Texto um capítulo específico para a educação.
Esta incorporação do Direito à Educação pode, grosso modo, ser historicizada nos termos realizados por Thomas Humphrey Marshall (1967), em seu estudo clássico ?Cidadania, Classe Social e Status?. Apesar da evidente impregnação, em seu trabalho, da especificidade britânica, esta é certamente uma referência para os estudos a respeito nas sociedades contemporâneas.
Marshall recupera o desenvolvimento do conceito de cidadania, dividindo-o em três elementos - civil, político e social, - cada um deles tendo sua expansão-consolidação, grosso modo, associada a um século diferente, respectivamente, o século XVIII para os direitos civis; o século XIX para os direitos políticos e o século XX para os direitos sociais (1967:66). Ao explicitá-los, trata, inicialmente, dos elementos da cidadania civil e política:
"O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual - liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. Este último difere dos outros porque é o direito de defender e afirmar todos os direitos em termos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento processual. Isto nos mostra que as instituições mais intimamente associadas com os direitos civis são os tribunais de justiça." (1967:63)
"Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. As instituições correspondentes são o parlamento e conselhos do Governo local." (1967:63)
Por fim, do elemento social:
"O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele são o sistema educacional e os serviços sociais." (1967:63-4)
Bryan Turner (1986, 1993) problematiza o trabalho de Marshall, explicitando sua especificidade inglesa, bem como aponta pistas para uma necessária atualização do conceito. Parece-nos uma decorrência do fim do processo de associação entre o desenvolvimento capitalista e a expansão dos direitos, civis, políticos e sociais, conseqüência da crise do Estado de Bem-Estar-Social. Pela primeira vez nos últimos duzentos ou trezentos anos, o desenvolvimento econômico capitalista separa-se do desenvolvimento político e social. Um não implica mais no outro. O cinismo do discurso neoliberal, da inevitabilidade da exclusão de uma parcela da sociedade, é uma expressão desse movimento (Cf. Forrester, 1997). É o fim da associação entre capitalismo e democracia, amplamente problematizada na filosofia política . Assim, passa a ser absolutamente necessário distinguir liberalismo econômico de liberalismo político, de uma maneira que poderia ser ideologicamente, no sentido marxiano do termo, negligenciado em outros momentos.
Em Marshall a educação aparece como um Direito Social proeminente, como um pressuposto para o exercício adequado dos demais direitos sociais, políticos e civis.
"A educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania, e, quando o Estado garante que todas as crianças serão educadas, este tem em mente sem sombra de dúvida, as exigências e a natureza da cidadania. Está tentando estimular o desenvolvimento de cidadãos em formação. O direito à educação é um direito social de cidadania genuíno porque o objetivo da educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva. Basicamente, deveria ser considerado não como o direito da criança freqüentar a escola, mas como o direito do cidadão adulto ter sido educado. (...) A educação é um pré-requisito necessário da liberdade civil". (1967:73).
Além de ser um Direito Social, a educação é um pré-requisito para usufruir-se os demais Direitos civis, políticos e sociais, emergindo como componente básico dos Direitos do Homem. A Educação enquanto Direito Humano é quase um pressuposto para se poder usufruir dos demais, concepção adotada explicitamente na Declaração de 1948. Como decorrência disso, Norma Tarrow (1987) aborda o tema em seus dois aspectos a educação como um Direito Humano e a Educação para os Direitos Humanos.
Na produção brasileira, o conceito de Cidadania adotado é bastante influenciado pelo trabalho de Marshall. As críticas a esta formulação ainda são pouco difundidas. É particularmente instigante a leitura que José Murilo de Carvalho (1992) faz do processo de desenvolvimento da cidadania no Brasil, pois entende que esta, entre nós, desenvolve-se de maneira diferente do esquema proposto por Marshall.
As pesquisas sobre a educação enquanto um direito são raros, podendo-se mencionar entre estas o clássico ?Direito à Educação?, de Francisco Pontes de Miranda (1933).
A legislação brasileira tem progressivamente incorporado o Direito à Educação, elevando-o ao nível constitucional a partir de 1934. Mesmo as Constituições ditatoriais de 1967 e sua emenda de 1969, o ampliam (Cf. Oliveira, 1995b:cap. 3). Finalmente, em 1988 é detalhado, precisado e explicitado, estabelecendo-se até mesmo os mecanismos para sua garantia como em nenhuma das Constituições anteriores (art. 208).
Um senão que se pode levantar a este processo de ampliação do Direito à Educação, seria mencionar-se as modificações introduzidas nos incisos I e II do artigo 208, pela Emenda Constitucional n°. 14 (EC-14), de 1996. No inciso I, suprime a obrigatoriedade do acesso ao ensino fundamental aos que a ele não tiveram acesso na idade própria, mantendo, entretanto a sua gratuidade. No inciso II, substitui a expressão ?progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade? ao ensino médio, por ?progressiva universalização?. Evidentemente, a ênfase do Texto diminui, mas é discutível que tenha representado uma redução de direitos.
No inciso I, é necessário lembrar que o termo "obrigatoriedade" neste tipo de legislação é de duplo significado. Refere-se tanto à obrigação do Estado em garantir o ensino gratuitamente, quanto ao pai ou responsável de matricular seu filho na escola. Assim, esta obrigatoriedade para os que a ela não tiveram acesso na idade própria, não poderia redundar em eventual punição ao adulto que não desejasse estudar e que não tivesse tido acesso ou completado este nível de ensino. No caso do ensino fundamental para as crianças de 7 a 14 anos, os pais ou responsáveis, são obrigados a matricular seus filhos na escola. O art. 246 do Código Penal, de 1940, tipifica esta omissão como crime de "abandono intelectual", caracterizado como "deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar ", cujas penas previstas são a perda do pátrio poder ou multa pecuniária.
No caso da versão original do Texto Constitucional de 1988, não há tipificação de crime por parte do adulto que optar por não cursar o ensino fundamental. Ele teria o direito de se matricular, e o Estado de garantir-lhe a gratuidade. O termo "obrigatoriedade" ali expresso, propiciava uma ambigüidade interpretativa. Resta, pois, discutir se a exclusão da palavra obrigatoriedade, exclui também o dever do Estado. Entendemos que não, pois mantém-se a garantia da gratuidade, no inciso I modificado pela EC-14 e, ao mesmo tempo, mantém-se o expresso dever do Estado para com a oferta de educação, no artigo 205 do Texto Constitucional. Nesse sentido, parece-nos que fica juridicamente mais explicitado o caráter opcional ao aluno, mantendo-se a obrigação do Estado.
No inciso II, em ambas as redações a prescrição tem um caráter prospectivo, não é um dispositivo auto-aplicável, nem enseja a possibilidade de responsabilização da autoridade pública pelo seu não cumprimento, como no caso do Ensino Fundamental. Assim, a diferença introduzida pela EC-14, tem sentido mais simbólico do que real, pois discutir se "progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade" é substantivamente diferente de "progressiva universalização", salvo melhor juízo, não parece delinear claramente posições antagônicas.
Neste caso, o elemento decisivo para a ?progressiva obrigatoriedade? ou para a "universalização" do ensino médio, é dada pela crescente pressão da população por vagas nesse nível de ensino, conseqüência dos processos de regularização do fluxo no ensino fundamental que temos assistido nos últimos anos. A realidade atropela eventuais posições restritivas impressas no texto legal.
Uma decorrência dessa progressiva ampliação da declaração do Direito à Educação pode ser observada na presente pesquisa. Constatou-se que o conceito de cidadania é referência para diversos estudos que abordam aspectos específicos do Direito à Educação a partir da análise de programas visando combater a exclusão do sistema escolar. Adotamos como critério caracterizá-los no item Direito à Educação, sob o descritor "combater a exclusão do acesso à educação". Particularmente nesta sub-categoria, poderiam ser incluídos trabalhos classificados em outros itens deste Estado da Arte, se incluíssemos mais de uma classificação para uma mesma pesquisa.
A outra gama de estudos decorrentes desta temática refere-se à educação para a cidadania ou para os direitos humanos. Seria mais pertinente incluí-la num levantamento sobre os ?fins da educação? ou em um sobre ?conteúdos curriculares?. Entretanto, levando-se em conta a importância que a educação adquire na construção dos demais direitos, pareceu-nos adequado considerá-los.
Dessa forma, optamos por classificar os trabalhos deste tópico nas seguintes subcategorias:
a) Direito à Educação e construção da cidadania
b) Combate à exclusão do acesso à educação
c) Educação para os Direitos Humanos e/ou cidadania

A seguir, apresentamos os descritores que identificamos em cada uma delas.

a) Direito à Educação e construção da cidadania
Foram identificadas como descritores nesta sub-categoria as seguintes expressões: concepções/representações/práticas e prática social; formação/construção da cidadania; relações educação/economia/Estado; direitos; direito à educação, participação social/participação criativa; trabalho/trabalhador/formação profissional; espaço social/relações sócio-culturais/poder.

b) Combate à exclusão do acesso à educação
Aqui enfatizam-se experiências e alternativas para a universalização do atendimento ao direito subjetivo e inalienável à educação, todas tendo como foco o combate à exclusão social ou a promoção da inclusão na escola, tanto do ponto de vista do acesso, quanto da permanência e do sucesso do aluno. Sobressaem os seguintes descritores: escolas/ creches/classes comunitárias; Campanhas Nacional de Educação Popular e de Alfabetização; Projetos Especiais, como Ensino Noturno; diferentes formas de Educação Básica de Jovens e Adultos; experiências em Educação Especial; Educação Indígena; Escola de Assentados e Ensino Supletivo, fracasso escolar; cultura popular; prática de avaliação; exclusão; Conselhos Tutelares/agentes institucionais; Estado/família/sociedade; escola pública; creches/escolas comunitárias; violações; demanda social; educação do trabalhador/trabalho-educação; práticas institucionais; alfabetização/ escolarização e desigualdades sociais

c) Educação para os Direitos Humanos e/ou cidadania
Nesta sub-categoria foram considerados descritores: projeto pedagógico/político-pedagógico; cidadania/participação/organização popular; educação popular/educação de jovens e adultos; educação básica; alfabetização; movimentos sociais/populares; escolas comunitárias; Estado/poder público/sociedade civil; ensino supletivo/centro de ensino supletivo; acesso à escola; escola pública; espaço social; defesa/resistência; educação rural; valorização da cultura popular; saber oficial; dificuldades de aprendizagem; classes especiais; portador de dificuldades de aprendizagem; escola de tempo integral e estrutura curricular.

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