A teoria constitucional e a morte do caráter dirigente e compromissório: pressupostos para uma teoria da Constituição brasileira


Porvinicius.pj- Postado em 18 outubro 2011

Autores: 
MORAIS, Fausto Santos de

Sumário: 1. Introdução - 2. O(s) sentido(s) da Constituição - 3. Constituição e seu papel - 4. Teoria da Constituição e a proposta de Constituição Dirigente - 5. Base para a Teoria da Constituição Adequada ao contexto brasileiro – 6. Considerações finais – Referencias bibliográficas.

Palavras-chave:Constituição Dirigente. Democracia. Teoria da Constituição Adequada aos Países de Modernidade Tardia.


1 Introdução

A Constituição Dirigente morreu! De maneira difusa essa afirmação vem sendo sustentada em parte da doutrina. Apesar disso, cabe investigar se na sociedade brasileira ainda existe espaço para que se pense numa convalidação da Constituição Dirigente, procurando, pelo presente trabalho, apresentar esta perspectiva. Optou-se, por fins metodológicos, apresentar a (in)viabilidade teórica da Constituição Dirigente como marco da Teoria Constitucional brasileira, deixando para um trabalho posterior a análise mais detalhadas das suas conseqüências à jurisdição constitucional.

Para tanto, estruturou-se o estudo em quatro seções. As duas primeiras procuram apresentar uma visão geral sobre a Teoria da Constituição, enfocando, respectivamente, o sentido da Constituição e o seu papel. Feita a base para o estudo, coloca-se a questão da Constituição Dirigente e a sua (des)necessidade de aplicação no contexto brasileiro.

2 O(s) sentido(s) da Constituição

A Teoria da Constituição serve ao estudo do Direito para familiarizar o jurista com o sentido corrente que se tem em mente ao tratar de uma Constituição. A Constituição assume a partir do Século XVIII papel fundamental na organização das relações entre a sociedade e o poder, mantendo o seu espectro vivo até os dias atuais.

Quando se pensa em Constituição surge de imediato à idéia de um corpo normativo responsável pela limitação do poder soberano. Mas nem sempre foi assim. Numa visão pré-constitucionalista já existia uma norma que estabelecia a forma como as relações de poder eram desempenhadas entre os detentores do poder e os seus destinatários. As regras que disciplinavam estas relações eram vistas como normas fundamentais, cuja vigência se dava através de um consenso[1] sobre a sua importância em dado momento histórico.

Os detentores chegavam ao poder mediante a utilização da força como um instrumento de dominação ou de artifícios metafísicos de índole mitológica.[2]Aos destinatários restava à conformação com o seu destino empregado por aqueles que possuíam o controle do poder político, devendo estrita obediência a lei fundamental.

A lei fundamental era o espelho da organização que determinava a sociedade, colocando, é claro, os poderes de controle da situação social nas mãos dos detentores do poder. Não se pode determinar com exatidão o momento em que surgirá o constitucionalismo, todavia, o seu nascimento possivelmente guarda íntima relação com a necessidade de limitação do poder indiscriminado exercido pelo soberano.

Aliás, pode-se especular que os primeiros pactos políticos procuravam determinar regras para a relação entre o soberano e os seus súditos. Um exemplo poderia ser cotejado pelo contrato social. Fundado em concepções jusnaturais, como o poder da razão humana, o pacto social de Hobbes estabeleceu uma bilateralidade nas relações entre soberano e súdito. O soberano ao proporcionar uma esfera de segurança aos súditos teria em contraprestação a transferência da liberdade individual para si. Absorvendo essa liberdade poderia o Estado, de forma absoluta, pôr as suas normas ou leis fundamentais.[3]

Pode-se especular que esse momento tenha se dado logo a secularização do Estado, com a divisão da esfera mitológica ou religiosa da política. Assim, o exercício do poder deveria se justificar através de outro instrumento que não mais um lei fundamental, que, na sua proeminência, apenas descreveria a forma de dominação imposta na sociedade.

Surge o caris negativo da Constituição como a alternativa para estabelecer um conjunto de regras hábeis para limitar a atuação dos detentores do poder, proporcionando aos integrantes da comunidade um âmbito de segurança frente ao livre exercício do soberano. É possível afirmar com isso que o direito encontra um lugar diferenciado na sociedade, desvinculando-se da política, e a partir de então, estabelecendo limites para o exercício do poder político.

É, então, o direito que passa a estabelecer as formas de organização do Estado, suas competências, e mais, garante o exercício de liberdades pelas pessoas, ora consideradas como cidadãos. O pacto social envolve um direito próprio do
Estado, pois estabelece a sua forma, e o direito de liberdade dos cidadãos, impedindo que sejam punidos ou que a sua propriedade seja expropriada mediante tributos fora das possibilidades legalmente estabelecidas.[4]

Desde então a Constituição escrita ficou conhecida como Constituição Formal, e esta como o documento onde estão depositadas todas as normas que regulamentam o Direito do Estado - organização e competências, e o Direito contra o Estado – direitos dos cidadãos oponíveis ao Estado. Utilizou-se a expressão “contra o Estado” para por em evidência a cisão que se colocou entre o Estado e a Sociedade. Os direitos “contra o Estado” implicavam na possibilidade de liberdade da Sociedade, permitindo que os cidadãos pudessem construir a sua vida sem preocupações com intervenções inesperadas.

Pensando-se na idéia de uma Constituição formal, escrita, surge na Teoria da Constituição uma divisão dicotômica que promove a diferenciação entre Constituição no seu sentido formal e material. A condição formal da Constituição é identificada como tudo aquilo que está formalmente presente num documento escrito identificado como Constituição. Não importa o conteúdo que a norma venha a abarcar. O simples fato de figurar no texto constitucional lhe dá o status constitucional.[5] Essa condição faz com que a norma formalmente constitucional se coloque em superioridade as demais normas vigentes na sociedade. Pensando em tempos menos remotos seria a superioridade existente entre as normas constitucionais sobre a lei fundamental do soberano. Atualmente, o exercício de diferenciação deve ser feito pela hierarquização entre a Constituição sobre a lei, assumindo um aspecto instrumental ou funcional para o sistema jurídico. Todavia, antes de se tratar sob este aspecto será exposto o sentido material da Constituição.

A materialidade da Constituição abrange um conteúdo que trate de regular a forma de organização, competência e limites para o exercício do poder político pelos detentores do poder. No tocante a uma idéia de materialidade constitucional é possível estabelecer uma classificação ontológica das constituições de acordo com a efetividade das suas normas, considerando, é claro, a existência de uma Constituição Formal. Existiram assim constituições que seriam capazes de determinar o poder político (normativas), aquelas que algumas de suas normas condicionariam o poder (nominativas) e outras que não teriam qualquer influência junto ao poder (semânticas).[6]

A classificação logo acima permite a introdução da idéia de força da Constituição. Quando a Constituição consegue impor as suas regras, fazendo com que os detentores do poder observem a sua disciplina é possível reconhecer a capacidade normativa da Constituição. Pensando numa relação entre a representação normativa da Constituição e a sua incapacidade regulatória, a norma constitucional passa a representar para o povo apenas um instrumento de dominação simbólica, onde o detentor do poder não se vê vinculado aos dispositivos constitucionais.

Fazendo essa leitura crítica das normas constitucionais através de um viés sociológico, Ferdinand Lassale sustenta que a essência de uma Constituição é ordenar o poder político dos seus detentores sob pena dela servir apenas como signo que oculta às reais relações que se desenvolvem naquela sociedade. Pode-se especular que o autor queria demonstrar a contraposição que existe entre uma Constituição Formal e Material. A Constituição de verdade, material, somente poderia ser aquela que seu poder é real e efetivo, correspondendo o “[...] somatórios dos fatores reais de poder que vigoram nesse país.”[7] O que se pode escancarar com Lassalle é o fato de que nem sempre a Constituição escrita, formal, corresponde aquilo que acontece nas relações sociais. Ocorrendo essa dicotomia entre o escrito e o material (real), a Constituição, nessas condições, não passa de uma mera folha de papel,[8] de caráter exclusivamente simbólico.

Talvez aquilo que Lassalle quisesse expressar é o fato de que a Constituição envolver um paradigma em que lhe fosse concebida a máxima efetividade possível.[9] Quer dizer, a Constituição sempre que aplicada deveria mostrar toda a sua força normativa, fazendo com que a realidade social se amoldasse ao seu poder. Caso contrário estar-se-ia em choque com o próprio limite desse seu poder.[10]

O presente tópico tinha a missão de utilizar autores consagrados da Teoria da Constituição para, dentro de diversas perspectivas, buscar elementos que formassem uma concepção sobre conceitos básicos que determinam o sentido da Constituição. No próximo item, explorar-se-á uma idéia funcional de Constituição.

3 Constituição e o seu papel

Todo o produto da cultura humana surge com algum propósito ou utilidade. O conhecimento imediato que temos sobre as coisas tem a sua base na cotidianidade significativa dela em razão da sua utilização. Com a Constituição a relação não poderia ser diferente.

Observando a primeira parte do trabalho é possível identificar algumas funções atribuídas à Constituição. Ela serve, primordialmente, como um instrumento jurídico que impõe restrições ao poder político. Essas restrições podem ser de caráter organizacional e funcional, e também como garantia, ao estabelecer os limites para o exercício dos atos de poder. A Constituição ao positivar uma gama de direitos que não poderiam ser afetados pelo Estado permite que o cidadão possa gozar de um âmbito de liberdade para desenvolver a sua vida social e econômica sem a intervenção estatal.

Ao longo do tempo a Constituição agregou ao seu ideal de garantia o símbolo da legitimidade do Estado apoiado sobre a soberania popular. O Estado somente poderia ser considerado legitimado democraticamente se praticasse seus atos em representação a vontade popular. A Constituição seria a expressão primeira da vontade popular exaurida através de uma assembléia constituinte, momento em que se transmitia e depositava o poder soberano do povo num documento que pautaria a ação do Estado.[11] Para que o povo não perdesse o seu poder soberano se fazia representar no Estado através dos seus mandatários, procurando tornar permanente a manifestação da vontade geral através da deliberação legislativa.[12]

Em razão da carga simbólica que a Constituição adquiriu como produto de uma vontade geral soberana moldada sobre revoluções, passou a ser considerada a norma mais poderosa do sistema jurídico, assumindo um status de lei diferenciada. Quer dizer, por ser produto da vontade popular ela traria as diretrizes básicas para que as ações do Estado pudessem ser legitimas.

Para o sistema jurídico a Constituição passa a assumir um lugar de supremacia sobre as demais normas. As normas promulgadas pelo poder legislativo, como representação de um poder soberano derivado, somente teriam validade ao convergir com a vontade soberana expressa na Constituição. Importante destacar que colocação da Constituição como norma suprema exalta a sua função de parâmetro para o controle de constitucionalidade das normas.

No Direito Constitucional a condição diferenciada da Constituição ficou conhecida como o princípio da supremacia da Constituição. A idéia sobre a força de uma norma especial que serve para comandar o sistema jurídico não é nova, sendo possível conhecer na Grécia antiga, por exemplo, que o nómos controlava o âmbito de discricionariedade do pséfisma.[13] Analogicamente, pode-se considerar, portanto, que o nómos representaria o mesmo papel que atualmente a Constituição desempenha.

A supremacia da Constituição deriva do fato que determinada norma jurídica somente pode ser modificada mediante um procedimento especial para tanto, diferenciando-a das demais normas do sistema jurídico. As normas dotadas do status supremo servem de referência para a promulgação das demais normas do sistema jurídico, primando para a construção de uma unidade normativa coerente.

É sobre o suporte da supremacia das normas constitucionais que o poder judiciário passou a exercer relevante função na fiscalização da produção democrática, cuja neutralidade política ficava garantida, pois seu poder estaria limitado à vontade popular explicitada na Constituição.[14]

Frente ao paradigma democrático que se instaurou nos Estados Ocidentais do Século XXI a Constituição assume o caráter de norma diretiva fundamental, abarcando para si a função de dirigir os poderes públicos e condicionar os particulares a realização dos valores constitucionais.

É possível estabelecer que a Constituição hodierna assuma aspectos materiais, estruturais/funcionais e políticos. A Constituição no seu aspecto material como um conjunto de normas derivadas de um ideal moral comum proporcionado pelos Direitos Fundamentais. Em outras palavras: a materialidade constitucional contemporânea sustenta-se em valores como os Direitos Fundamentais, estabelecendo mecanismos que garantam a efetividade de tais direitos.

A sua condição estrutural ou funcional as normas constitucionais sofreram uma mutação ao deixaram de estabelecer regras rígidas que simplesmente fixavam limites a atuação do Estado, para incorporarem no seu bojo normas diretivas da ação estatal. Tais normas podem ser qualificadas como programas e princípios, estes, notadamente, assumindo o caráter normativo.

E na sua condição política a Constituição passou a ser considerada como o elo da força normativa material. Isso quer dizer que os atos do poder político somente podem ser considerados legítimos se guardem respeito ao conteúdo político mínimo estabelecido no texto jurídico da Constituição. A decisão política deve assumir o ônus da co-originariedade entre a política e o direito, garantindo aos cidadãos o respeito ao núcleo de direitos contra-majoritários. O direito reconhece a força deliberativa da política através de esquemas legitimadores da explicitação da vontade popular expressos pela lei, mas, ao mesmo tempo, a política se faz parceira do direito respeitando os interesses das minorias assegurados constitucionalmente.

Esse binômio política/direito representa bem a tarefa funcional que a Constituição passou a assumir nas sociedades contemporâneas ao fixar como fundamento do governo o princípio democrático e o respeito aos Direitos Fundamentais.[15] Ascende, por força dos ideais da democracia contemporânea, um espaço reservado à jurisdição constitucional como órgão político-jurídico competente para a fiscalização do jogo democrático e garantidor dos Direitos Fundamentais.

Demonstrado que funcionalmente a Constituição assumiu a responsabilidade de organizar, especializar e limitar o poder estatal, junto com a tarefa de legitimar o processo de evolução da sociedade sobre os pilares da democracia e da garantia aos Direitos Fundamentais – com a garantia da suprema da Constituição através da jurisdição, chega o momento de discutir uma Teoria da Constituição apropriada aos países de modernidade tardia, considerando este, o caso brasileiro.

4 Teoria da Constituição e a proposta de Constituição Dirigente

Contemporaneamente é possível identificar um embate em volta da (re) definição do papel da Constituição diante de uma sociedade (pós) moderna onde não seria possível assumir uma vinculação estrita do Estado e da Sociedade com as definições estabelecidas no passado e positivadas no texto constitucional. Seria necessário que o Estado através dos seus órgãos legiferantes tivesse uma ampla flexibilidade para a tomada de decisões que acompanhassem a contingência determinada pelas condições sociais e econômicas altamente complexas.

Como alternativa a idéia de uma democracia estritamente deliberativa nos ideais brevemente apresentados acima surge o movimento que reclama o caráter Dirigente e Compromissório da Constituição. Remontam-se as discussões sobre a função da Constituição que surgira na década de sessenta com Peter Lerche, numa concepção de Constituição Dirigente (dirigierende Verfassung). Lerche sustentava que as constituições continham um tipo de normas que fariam constantes imposições ao legislador, conformando as suas decisões num âmbito de discricionariedade vinculado ao conteúdo material imposto.[16] Canotilho afirma que as normas impositivas ou dirigentes concebidas por Lerche assumiriam duas vertentes: dirigiria o legislador a uma realização-complementação da Constituição (Aufträge zur Verfassungsausbildung) e seriam regras diretivas formais de caráter contínuo (durchgehende formale Richtssätze).[17]

Canotilho entende que as normas constitucionais representariam um caráter impositivo representando uma ordem material permanente e concreta dirigida ao legislador. Com base nisso seria responsabilidade do legislador atuar sempre visando à concretização por via legislativa das imposições constitucionais. Da mesma forma, reconhece Canotilho que as normas programáticas também trariam consigo o caráter impositivo.[18] Não ficaria ao encargo do legislador escolher realizar ou não as tarefas/fins determinados pelas normas programáticas, mas apenas poderia eleger os meios competentes para a concretização.[19] Para encerrar essa síntese sobre a Constituição Dirigente vale referir a atribuição do status normativo das normas programáticas, permitindo que as tarefas ou fins definidos constitucionalmente pudessem ser concretizados mediante a jurisprudência constitucional no caso de omissão do poder legislativo. Para tanto, a própria Constituição forneceria os mecanismos que permitiriam a concretização das normas programáticas como a Ação de Inconstitucionalidade por Omissão e o Mandado de Injunção.[20]

A Constituição Dirigente como uma realidade para a consolidação da democracia contemporânea é largamente contestada por parte da doutrina que entende que a resposta para a emancipação social se daria mediante esquemas de participação popular e descentralização do poder para a formação de uma sociedade plural. Não poderia a Constituição substituir o papel do cidadão estabelecendo fins e determinando como o futuro deveria ser.

Sustentam os críticos do dirigismo constitucional que a determinação normativa da realização de fins ou tarefas pelo Estado não seria compatível com uma visão democrática de direito, sendo necessário, em contra partida, estimular a Sociedade a compartilhar a responsabilidade pela sua autodeterminação. Nesse sentido, a Constituição deve adotar uma perspectiva institucionalizadora de processos democráticos para a formação da vontade popular.[21]

Uma das mais severas críticas ao pensamento sobre a Constituição Dirigente é a atribuição da falha normativa que ela proporcionaria. Sustenta-se que pensar uma idéia de constitucionalismo dirigente implicaria na falibilidade da deontologia das normas constitucionais. Seria natureza das normas a sua condição imperativa. Todavia, alega-se que o pensamento constitucional guiado pelo dirigismo poderia transformar o caráter imperativo da norma em uma questão teleológica ou axiológica. Assim, a segurança normativa de um esquema se e então, causal, seria substituído por uma incerteza na escolha de meios mais condizentes para a consecução dos fins constitucionalmente estipulados. Sinteticamente, estar-se-ia esvaziando todo o conteúdo democrático da produção legislativa do direito,[22] substituindo a participação popular por outros esquemas, como por exemplo, a intervenção judicial como meio de concretização constitucional.

Em sentido parecido Habermas sustenta uma concepção procedimentalista que deveria ser assuma pelo constitucionalismo. A Constituição, para tanto, teria a sua função remetida ao exercício do controle da formação da vontade popular, com o dever de fiscalizar se as decisões tomadas guardariam respeito aos procedimentos previamente estabelecidos para a participação democrática da cidadania. Em outras palavras: garantir ao cidadão um processo liso nas decisões que envolvem o futuro do Estado. Essa perspectiva ficou conhecida na Teoria da Constituição como um modelo procedimental. A Constituição teria como tarefa primordial estabelecer a regras que deveriam ser observadas para que fosse proporcionando a todos a possibilidade de participação na formação da vontade democrática.[23]

Mas será que a Constituição Dirigente implica numa rejeição a democracia? Antes de responder essa pergunta cabe apresentar a revolução no pensamento de Canotilho sobre a Constituição Dirigente. O autor no prefácio da segunda edição do seu livro Constituição Dirigente e vinculação do legislador emprega uma frase que se tornou célebre desde então: “[...] a Constituição Dirigente está morta [...]”.[24] A afirmação teve repercussão no meio acadêmico justamente por seu impacto. Contudo, para aqueles que estão familiarizados com a fenomenologia hermenêutica,[25] não seria tão fácil ser levado pelas aparências.

Assim sendo, indo às coisas mesmas, a própria complementação da frase que ficou conhecida como um jargão constitucional elucida as intenções de Canotilho “[...] se o dirigismo constitucional for entendido como normativismo constitucional revolucionário capaz de, só por si, operar transformações emancipatórias.”[26] Em linhas gerais, e não dispensando a consulta ao próprio autor, no prefácio da segunda edição da obra Constituição Dirigente e Vinculação do legislador, introduz a idéia de que a Constituição ou o direito como um sistema diferenciado não poderia, por si só, operar transformações sociais que dependem de aspectos que transcendem o seu poder regulatório. A falácia teria sido evidenciada por Canotilho ao ter que reconhecer o alto grau de utopia ao procurar estabelecer aplicabilidade à norma constitucional portuguesa de 1976 que pretendia proporcionar a transição a um regime socialista. Esse tipo de ação, afinal, não depende do direito.

No referido prefácio Canotilho assume o ônus de uma idéia de Constituição metanarrativa,[27] passando para aquilo que chamou de constitucionalismo moralmente reflexivo. Isto é, substituir a falta de eficácia do direito revolucionário por outros esquemas que privilegiem a cooperação da sociedade na transformação do status quo.[28] Seria a adoção de uma Constituição comprometida, responsável, para que o seu texto não se tornasse inócuo.

A interpretação que se faz da mudança no pensamento de Canotilho está no reconhecimento da importância democrática que a Constituição deve proporcionar. Não pode ela querer estabelecer per si, transformações sociais tão bruscas sem o devido apoio da sociedade civil. Isso não quer dizer, de forma alguma, que se pode abandonar de vez algum caráter dirigente da Constituição, mas apenas reconhecer que existem tarefas que demandam muito mais do que aquilo que o Direito pode oferecer.

5 Base para a Teoria da Constituição Adequada ao contexto brasileiro

Contando contra a mudança de posicionamento de Canotilho é possível afirmar que o Brasil se faz dependente da construção de uma Teoria da Constituição bem parecida com a proposta dirigente. Por que tal posicionamento? A primeira justificativa que poderia surgir serviria como uma crítica ao abandono da condição dirigente ao conformar-se com uma Constituição eminentemente descritiva. Claro que quanto mais próxima a correlação do texto constitucional com a realidade verificada nas relações entre os detentores e destinatários do poder, maior será a força normativa constitucional. Mas a Constituição não é a mesma coisa que a lei fundamental do reino. Ela não pode se limitar a descrever o que acontece. Ela assume um caráter prescritivo, institui um dever-ser.

O segundo pós-guerra legou Constituições embebidas de conteúdo ético-moral, que, sem descuidar do passado, apontam para um futuro próximo. Esse futuro, no caso do Brasil, comporta uma sociedade igualitária, preocupada com a redução das desigualdades sócio-econômicas e a erradicação da pobreza. Além desses objetivos, notadamente compromissórios e de vinculação dirigente, a Constituição assume uma feição principiológica sustentada sobre a concretização dos Direitos Fundamentais. Esse é o conteúdo ético-moral que impregna a Constituição.[29] Agora, no que o ideal de concretização de Direitos Fundamentais poderia emperrar o avanço democrático? Ora, somente se o avanço fosse destinado a poucas pessoas.

Acontece que aqueles que são poucos têm muito e aqueles que são muitos têm pouco. Por isso que a efetivação de Direitos Fundamentais seria tão prejudicial à democracia brasileira. A história dos Direitos Humanos ensina que eles representam o mínimo necessário para que seja possível desenvolver uma vida digna.[30] Na sua grande maioria, são positivados no texto Constitucional  e obrigam a sociedade enfrentar de frente o problema da sua ineficácia por força de sua característica deontológica, impedindo que se possa virar as costas para a realidade.

É nesse contexto que a crítica é feita a teorizações universalizantes sobre a Constituição que deixam de lado a concretude específica da sociedade brasileira. De fato, o Brasil luta para diminuir a desigualdade sócio-econômica que lhe foi legada pela história. Enquanto outros países podem promover a discussão de interesses mais parecidos numa sociedade homogenia, no Brasil, o embate político se dá para a manutenção ou ampliação dos privilégios.[31]

Sob tal desiderato não pode o Brasil querer assumir a mesma condição de países já desenvolvidos. Quer dizer, não pode a Constituição ser compreendida sob a perspectiva importada das Teorias da Constituição pensadas para o velho continente.[32] Por esses motivos é que o clamor por uma teoria própria da Constituição Brasileira se torna tão necessária.

Respondendo a esse anseio Streck procura estabelecer as bases para uma Teoria da Constituição Dirigente Adequada aos Países de Modernidade Tardia. Ao ver do autor, posição esta compartilhada, as condições sociais, políticas e econômicas da sociedade brasileira não permitem que se abandone uma noção forte de Constituição Dirigente. Mais especificamente o que isso vem a dizer? Que apesar da simbologia proporcionada pela promulgação de uma Constituição que nominalmente inaugura o Estado Democrático de Direito, na sociedade brasileira não existe uma institucionalização de condições mínimas que permitam o gozo de uma vida digna pela grande parte da população do país, fato que impacta diretamente na forma de participação democrática.[33]

Enquanto que em outros países do velho continente se fala na flexibilização das normas para destrancar a pauta proposta pelo welfare state, no Brasil deve-se emergir a consciência de que o Estado Social ainda não chegou. Por isso, deve ele ser realizado concomitantemente com o modelo democrático, circunstância que acaba por lançar ao Brasil a condição de um país de modernidade tardia.

Para tanto, a Constituição nos moldes dirigentes é a única que ainda dá conta, de maneira satisfatória, das três violências que assombram os países de modernidade tardia, quais sejam: a falta de segurança e liberdade, a desigualdade política e a pobreza.[34] No Brasil a previsão de Direitos Fundamentais no texto constitucional se dá principalmente porque a maioria da população não tem acesso a eles. O pior é que a dogmática jurídica brasileira, principalmente aqueles que procuram desenvolver uma hermenêutica constitucional não conseguem enxergar os esquemas que apresentem a baixa compreensão do papel da Constituição, pois estão imersos sobre condicionamentos do velho positivismo jurídico e refratários aos paradigmas típicos do esquema sujeito-objeto.[35]

Para compreender o sentido da Constituição Brasileira, e a sua necessidade de ainda se manter dirigente, bastaria uma postura hermenêutica de tomada da consciência sobre a situação histórica,[36] desvelando a face oculta da sociedade através do espelho proporcionado pela Constituição. Quer dizer com isso que o texto constitucional diz algo “sobre nós mesmos”.[37] E, propondo-se a escutar, seria possível ouvir a voz da sociedade dizendo que no Brasil está ausente a justiça social. Mas qual seria o esquema para reversão da situação?

Junto com a Constituição, o segundo pós-guerra promoveu o protagonismo da jurisdição constitucional como mecanismo de transformação do status quo. Os Direitos Fundamentais, por exemplo, ao estarem presentes ao texto constitucional provocam uma reação deontológica. Eles não podem mais ser considerados como simples declarações ou recomendações, mas passam a obrigar o Estado a desenvolver políticas para a constante realização e concretização dos Direitos Fundamentais, mediante mecanismos próprios previstos ao texto constitucional como canais para concentrar a força normativa da Constituição. Significaria dizer que os juízes constitucionais teriam liberdade para decidir sobre os meios para alcançar os fins constitucionais? A Hermenêutica Jurídica Crítica se propõe a responder esta pergunta, no entanto, o presente trabalho declinará essa questão.[38]

Importa, sobretudo, destacar que a previsão de instrumentos próprios à concretização de Direitos Fundamentais é a comprovação de que a Constituição Dirigente possui o poder para (re)formar a sociedade até o momento que ela própria desenvolva a capacidade à participação no jogo democrático. A Constituição Brasileira deve apresentar, de maneira forte, elementos como o caráter prescritivo e revolucionário da constituição material, identificados na teoria da constituição tradicional, como suporte para a transformação da heterogeneidade social. De modo algum se quer substituir a esfera de participação popular na formação democrática do governo, todavia, não é possível que o caminho democrático não sofra intervenção quando desvie o seu foco. Assim, sem pretender estabelecer uma posição definitiva, esses são alguns dos argumentos para que se deixe de lado reificações tanatomanas sobre a Teoria da Constituição Dirigente, cuja aposta é feita na sua convalescência.

6 Considerações finais

Analisando a Teoria da Constituição tradicional foi possível apresentar que a Constituição passou a ser respeitada pela força normativa do seu caráter prescritivo, fazendo da sua característica deontológica o ponto de mudança do status quo. Além disso, viu-se que a equiparação da Constituição ao signo da legitimidade, principalmente no segundo pós-guerra, elevou o documento constitucional ao suporte do sistema jurídico nos países democráticos.

Apesar da aparente contradição entre liberdade democrática dos poderes públicos, com a possibilidade de caracterizá-los aos detentores do poder, com uma constituição de forte conteúdo dirigente e compromissório, viu-se que estas características não oferecem obstáculo ao desenrolar de uma sociedade democrática, ao contrário, procura fomentá-la.

Assim, pensa-se na Teoria da Constituição Dirigente Adequada a Países de Modernidade Tardia como alternativa válida para aquelas sociedades que ainda não conseguiram realizar as promessas da modernidade, estabelecendo um padrão digno de vida a sua população. Sob tal pressuposto, esta teoria mantém-se necessária no Brasil destacando-se ao garantir limitações ao exercício arbitrário do poder, juntamente com instrumentos para a concretização dos direitos básicos à população, esquematizados por normas prescritivas que, através da jurisdição constitucional, reclamam a força normativa da Constituição.


Referencias bibliográficas

BADIE, Bertrand; HERMET, Guy. Política comparada. México: Fondo de Cultura Econômica, 1993.

BERCOVICI, Gilberto. Ainda faz sentido a Constituição dirigente? In. 20 anos de Constitucionalismo Democrático – E agora?Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. n. 6. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2008.

BILIER, Jean-Cassien. O arco judaico-cristão e a construção da modernidade. In: BILIER, Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito.Lisboa: Instituto Piaget, 2001.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Prefácio. 2. ed. Coimbra: Editora Coimbra, 2001. p. V-XXX.

            .Constituição Dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Reimp. Coimbra: Coimbra Editora, 1994.

CAPELLETTI, Mauro. O controle de constitucionalidade das leis no direito comparado. Trad. Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Fabris, 1984.

CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a constituição dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

CRUZ, Álvaro de Souza. Constituição Dirigente e reformismo constitucional. In. 20 anos de Constitucionalismo Democrático – E agora?Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. n. 6. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2008.

            .Jurisdição constitucional democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

FIORAVANTI, Maurizio. Constitución: De la Antigüedad a nuestros días. Trad. Manuel Martínez Neira. Madrid: Trotta, 2007.

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. II.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991.

LASSALLE, Ferdinand. O que é uma Constituição?Belo Horizonte: Cultura Jurídica, 2002.

LOWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Editorial Ariel, 1992.

MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e (m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 8. ed. rev. e. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.

            . Verdade e consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas: da possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.

            . A hermenêutica filosófica e as possibilidades de superação do positivismo pelo (neo) constitucionalismo. In: STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel. Constituição, sistemas sociais e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 153-185.

            .Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

            ; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004.


Notas:


[1]LOWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Editorial Ariel, 1992. p. 149.

[2]Explica LOWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Editorial Ariel, 1992. p. 150: “En las fases primitivas de la civilización política se equiparó el gobierno secular con los valores y las instituciones religiosas de la comunidad. El poder político fue ejercido por los dominadores actuando como representantes o encarnaciones del mundo sobrenatural, a los que libre y consuetudinariamente se sometían los destinatarios del poder.”

[3]Idéia sustentada em BILIER, Jean-Cassien. O arco judaico-cristão e a construção da modernidade. In: BILIER, Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito.Lisboa: Instituto Piaget, 2001, p. 131: “A doutrina de Hobbes não pode ser associada ao positivismo jurídico se este admitir uma autolimitação constitucional do Estado, o que será o caso em certas formas modernas do positivismo jurídico. O Absolutismo de Hobbes aproxima-se. Pois, de um decisionismo e, por via disso, opõe-se radicalmente às doutrinas modernas de autolimitação do poder do Estado pelo direito [...]”

[4]É possível afirmar que o telos de toda a Constituição seria a formação de instituições hábeis para limitar e controlar o poder político. LOWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Editorial Ariel, 1992. p. 151.

[5]MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 322: “[...] Constituição em sentido formal (é) como o complexo de normas formalmente qualificadas de constitucionais e revestidas de força jurídica superior à de quaisquer outras normas.”

[6]A classificação ontológica das constituições é apresentada por LOWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Editorial Ariel, 1992. p. 216-221.

[7]LASSALLE, Ferdinand. O que é uma Constituição?Belo Horizonte: Cultura Jurídica, 2002, p. 48.

[8]Idem. Ibidem, p. 56.

[9]HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p. 24.

[10]Idem. Ibidem, p. 25: “A Constituição não está desvinculada da realidade histórica concreto do seu tempo. Todavia, ela não está condicionada, simplesmente, por essa realidade. [...] existem pressupostos realizáveis (realizierbare Voraussetzungen) que, mesmo em caso de confronto, permitem assegurar a força normativa da Constituição. Somente quando esses pressupostos não puderem ser satisfeitos, dar-se-á a conversão dos problemas constitucionais, enquanto questões jurídicas (Rechtsfragen), em questões de poder (Machtfragen).”

[11]O povo é que seria o fundamento da soberania, se fazendo presente mediante a representação, como afirma FIORAVANTI, Maurizio. Constitución: De la Antigüedad a nuestros días. Trad. Manuel Martínez Neira. Madrid: Trotta, 2007, p. 113: “[…] la representación es legítima, ya que el pueblo no aliena en ella su propia soberanía; por otra parte, el pueblo existe políticamente porque se expresa de manera representativa.”

[12]A Declaração dos direitos dos homens e dos cidadãos fazia o papel de Constituição, estabelecendo que o legislador fosse individualizado como sujeito responsável pela produção de leis que tornariam permanente a vontade geral, como refere FIORAVANTI, Maurizio. Constitución: De la Antigüedad a nuestros días. Trad. Manuel Martínez Neira. Madrid: Trotta, 2007, p. 114.

[13]Nesse sentido doutrina CAPELLETTI, Mauro. O controle de constitucionalidade das leis no direito comparado. Trad. Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Fabris, 1984, p. 49.

[14]A jurisdição é vista como forma de manter a legitimação do poder político sobre o princípio da soberania popular que expressou sua vontade na Constituição. Tal afirmação tem apoio em FIORAVANTI, Maurizio. Constitución: De la Antigüedad a nuestros días. Trad. Manuel Martínez Neira. Madrid: Trotta, 2007, p. 109: “Los jueces – en el momento en que declaran nula una ley contraria a la constitución – no están afirmando su superioridad sobre el legislativo, sino que son instrumentos de la constitución, que se sirve de ellos con la finalidad de reafirmar la superioridad de la ley fundamental sobre las leyes ordinarias, del poder originario del pueblo entero sobre el poder derivado del legislador, de las asambleas políticas, de la mayoría de turno.”

[15]STRECK, Lenio Luis. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 112.

[16]Em razão do difícil acesso a obra Übermass und Verfassungsrecht: Zur Bindung des Gesetzgebers na die Grundzsätze der Verhältnismässigkeit und der Erforderlichkeit de Peter Lerche a referência é feita através de apud BERCOVICI, Gilberto. Ainda faz sentido a Constituição dirigente? In. 20 anos de Constitucionalismo Democrático – E agora?Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. n. 6. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2008, p.151.

[17]CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Reimp. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 310.

[18]Idem., Ibidem., p. 315.

[19]CANOTILHO, Constituição dirigente e vinculação do legislador, 1994, p. 317.

[20]Inclusive ambos os instrumentos concretizadores foram contemplados pela Constituição da Republica Federativa do Brasil.

[21]Discurso empregado por CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Jurisdição constitucional democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 226: “[...] a Constituição deixa de ser vista como “medida de condicionamento jurídico da sociedade”. Sua legitimidade se dá justamente por institucionalizar processos democráticos tendentes à apuração da soberania popular, garantindo, de outro lado, o livre exercício dos espaços públicos e privados no seio desta coletividade.”

[22]CRUZ, Álvaro de Souza. Constituição Dirigente e reformismo constitucional. In. 20 anos de Constitucionalismo Democrático – E agora?Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. n. 6. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2008, p.54.

[23]Como um dos notórios defensores da idéia de procedimentalismo Habermas entende que a cidadania estaria ligada a possibilidade de institucionalização dos processos e pressupostos para uma formação comunicativa da participação popular nos processos deliberativos. Essa participação faria com que o ato de tomada de decisões se desse de maneira descentralizada, envolvendo, por exemplo, redes periféricas da esfera pública. Em outras palavras: seria possível através do procedimento democrático envolver a participação daqueles que não estariam oficialmente engajados na condição de representantes do povo. Para tanto ver: HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. II, p. 21.

[24]CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Prefácio. 2. ed. Coimbra: Editora Coimbra, 2001, p. XXIX.

[25]Amparada na idéia de velamento/desvelamento do sentido. De maneira mais direta: o pensamento ocidentalizado influenciado pela razão instrumental esquece do aspecto fenomenológico do conhecimento, deixando-se guiar por aparências e dogmas que, em muitas vezes, não se confirmam nas coisas mesmas. A morte prematura da Constituição Dirigente é um bom exemplo de como o paradigma da filosofia da consciência influencia o conhecimento científico. Para uma inserção na idéia de fenomenologia hermenêutica e da hermenêutica filosófica no direito vale consultar: STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e (m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 8. ed. rev. e. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.

[26]CANOTILHO, Constituição dirigente e vinculação do legislador, 2001, p. XXIX.

[27]A metanarrativa a que se refere Canotilho guarda correspondência a ilusão de que a Constituição ou os princípios constitucionais poderiam promover a revolução, independente de outros aspectos sistêmicos. Nas palavras do próprio autor: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a constituição dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 24: “O que eu defendo é que um texto, para ser operacional, tem que transportar dimensões materiais que se possam concretizar.”

[28]Como diz o autor CANOTILHO, Constituição dirigente e vinculação do legislador, 2001, p. XXII: “[...] certas formas já apontadas de <<eficácia reflexiva>> ou de <<direcção indirecta>> - subsidiariedade, neocorporativismo, delegação – podem apontar para o desenvolvimento de instrumentos cooperativos que, reforçando a eficácia, recuperem as dimensões justas do princípio da responsabilidade apoiando e encorajando a dinâmica da sociedade civil.”

[29]Esse fenômeno marca a idéia de neoconstitucionalismo, fazendo com que o conteúdo das Constituições sejam carregados de princípios morais positivados. A Constituição é (re)definida, passando a abarcar conteúdos materiais consubstanciada em princípios, exigindo do jurista uma tarefa diferente do que a mera verificação formal da normas constitucionais. Promovendo um estudo do neoconstitucionalismo sobre um viés crítico ver: STRECK, Lenio Luiz. A hermenêutica filosófica e as possibilidades de superação do positivismo pelo (neo) constitucionalismo. In: STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel. Constituição, sistemas sociais e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 153-185.

[30]Contribuindo para a dogmática jurídica sobre o assunto ver: SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

[31]O alerta é feito por CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 223: “A prática política posterior à redemocratização tem revelado a força das grandes corporações de banqueiros, comerciantes, industriais, das centrais operárias, dos empregados públicos, todos lutando pela preservação de privilégios ou em busca de novos favores.”

[32]Para uma visão sobre os problemas de importação de teorias sem o devido contexto social, político e econômico ver: BADIE, Bertrand; HERMET, Guy. Política comparada. México: Fondo de Cultura Econômica, 1993.

[33]Nesse sentido, por exemplo, a doutrina aponta que é preciso uma segunda transição até a efetiva instauração do regime democrática. O problema está na necessidade de consolidação das instituições democráticas em oposição a uma tradição de democracia delegativa, Cf.: STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 111-112.

[34]Nas próprias palavras do autor: STRECK, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, 2004, p. 132: “(A Constituição Dirigente) a) respondeu à falta de segurança e liberdade, impondo a ordem e o direito (o Estado de direito contra a física e o arbítrio); b) deu resposta à desigualdade política alicerçando liberdade e democracia (Estado democrático); c) combateu a terceira violência – a pobreza – mediante esquemas de socialidade.”

[35]Crítica trazida por: STRECK, Hermenêutica jurídica e (m) crise, 2009, p. 31-59.

[36]A hermenêutica filosófica gadameriana contribui para a compreensão do fenômeno jurídico ao implicar num ato de consciência histórica. Esse “método” colocaria o intérprete em condições de denunciar as incongruências daquilo que tradicionalmente se mantém escondido pela dogmática jurídica brasileira, instigando uma posição reflexiva. Sobre o assunto consultar: GADAMER, Hans-Georg; FRUCHON, Pierre. O problema da consciência histórica. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 19.

[37]Denunciando a capacidade dialógica da Constituição ao apresentar a sociedade brasileira por sua perspectiva, jogando o intérprete a uma realidade que não poderia ser percebida sem a intervenção dela no seu horizonte compreensivo.

[38]Para uma abordagem sobre o assunto ver: STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas: da possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.