A reparação integral e o julgamento ultra ou extra petita em face do dano ambiental


Porvinicius.pj- Postado em 25 outubro 2011

Autores: 
BARRETO, Caroline Menezes

Resumo: A responsabilidade civil pela reparação do dano ambiental submete-se a um regime jurídico próprio em que o princípio da reparação integral assume papel de grande relevância. Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça não há que se falar em julgamento extra ou ultra petita quando se reconhecer que a área objeto da agressão ao meio ambiente é de alcance maior do que a referida na exordial ou que se determine a adoção dedeterminada medida à recuperação do meio ambiente mesmo sem ter sido provocado a tanto.

Palavras-Chave: Dano ao meio ambiente. Regime jurídico próprio. Reparação integral. Natureza do Pedido. Julgamento extra ou ultra petita.

Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento: 2.1 Da Reparação Integral X Regime Jurídico Próprio. 2.2 Da  Da Reparação Integral X Julgamento Extra/Ultra Petita. 3. Conclusão.

1. Introdução

O art. 225 da Constituição Federal de 1988-CF/88 assegura que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Já o §3° do art. 225 da CF/88, prescreve que a prática de condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

A legislação infraconstitucional impõe ao poluidor e ao degradador o dever de reparação do bem ambiental como uma das diretrizes da política nacional do meio ambiente. Nestes termos, cita-se o art. 4º, inciso VII, da Lei 6.938/81, in verbis:

“Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

(...)

VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.”

Nesse contexto, o art. 3º da Lei 6.938/81 traz o conceito de poluidor, como a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

Já o §1° do art. 14 da referida Lei 6.938/81 prevê que sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar oureparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.

Da redação dos artigos acima referidos, extrai-se a o princípio da reparação integral, no âmbito do Direito Ambiental.

2. Desenvolvimento

2.1. Da Reparação Integral X Regime Jurídico Próprio

''Pelo princípio da reparação integral, todo aquele que causar um dano ao ambiente deve arcar com as conseqüências patrimoniais de seu ato[1]''

Álvaro Luiz Valery Mirra[2], ao explicitar a extensão da reparação integral, assevera que:

“Nesse sentido, a reparação integral do dano ao meio ambiente deve compreender não apenas o prejuízo causado ao bem ou recurso ambiental atingido, como também, na lição de Helita Barreira Custódio, toda a extensão dos danos produzidos em conseqüência do fato danoso, o que inclui os efeitos ecológicos e ambientais da agressão inicial a um bem ambiental corpóreo que estiverem no mesmo encadeamento causal, como, por exemplo, a destruição de espécimes, habitats e ecossistemas inter-relacionados com o meio afetado; os denominados danos interinos, vale dizer, as perdas de qualidade ambiental havidas no interregno entre a ocorrência do prejuízo e a efetiva recomposição do meio degradado; os danos futuros que se apresentarem como certos, os danos irreversíveis à qualidade ambiental e os danos morais coletivos resultantes da agressão a determinado bem ambiental.” [destaquei]

A responsabilidade civil em matéria ambiental submete-se a um regime jurídico próprio, diferente, em muitos aspectos, do regime de direito civil e de direito administrativo, em face da natureza especial atribuída por nossa Magna Carta ao meio ambiente.

Explicitando esse regime jurídico próprio, cumpre destacar a lição de Jeanne da Silva Machado[3]que destaca que é indispensável encontrar soluções atuais e adequadas para promover a justiça e a equidade diante do dano ambiental:

“Na responsabilidade por dano ambiental, não se perquire a culpa, pois o dano provocado não permite a liberação da sua reparação; o meio ambiente, uma vez degradado, permanecerá prejudicando injustamente a vida presente e, principalmente, a vida futura, sendo indispensável encontrar soluções atuais e adequadas para promover a justiça e a equidade.” [grifei]

E Álvaro Luiz Valery Mirra[4], ao se referir sobre esse regime jurídico diferenciado explicita que ele possui regras próprias e especiais que não admitem a inclusão de  qualquer norma mitigadora da reparação integral do dano:

“Nessa matéria, portanto, como se pode perceber, o sistema de responsabilidade civil por danos ambientais configura um “microssistema” ou um “subsistema” dentro do sistema geral da responsabilidade civil, com regras próprias e especiais sobre o assunto, que, no caso, não incluem qualquer norma mitigadora da reparação integral do dano”. [destaque nosso]

2.2. Da Reparação Integral X Julgamento Extra/ultra Petita

A partir desse regime jurídico próprio e diferenciado, nossos tribunais superiores têm firmado entendimento no sentido de que a área objeto da agressão ao meio ambiente pode ser de extensão e alcance maior do que a referida na inicial e que, caso se faça necessária determinada medida à recuperação do meio ambiente, é lícito ao julgador determiná-la mesmo sem ter sido provocado a tanto, o que não implicará em julgamento extra ouultra petita.

Nesse sentido, vale a transcrição de excerto de voto prolatado no julgamento do REsp 967.375-RJ, da lavra da Ministra Eliana Calmon, ocorrido em 2/9/2010, em que expressamente se prevê que fazendo-se necessária determinada medida à recuperação do meio ambiente, é lícito ao julgador determiná-la mesmo sem que tenha sido instado a tanto:

“Há ainda, para além da conformação estritamente processual que a hipótese admite, que se considerar a natureza da causa em tela, a impor a adoção de modelos e paradigmas próprios do Direito Ambiental, o que se justifica a partir das diversas peculiaridades desse ramo do Direito. No contexto, encontra plena aplicação o princípio do poluidor pagador, a indicar que,fazendo-se necessária determinada medida à recuperação do meio ambiente, é lícito ao julgador determiná-la mesmo sem que tenha sido instado a tanto”.[grifo nosso]

Nesse contexto, tem-se que a tutela ambiental é de natureza fungível por isso que a área objeto da agressão ao meio ambiente pode ser de extensão maior do que a referida na inicial e, uma vez assim aferida pelo conjunto probatório, não importa em julgamento ultra ou extra petita[5].

A análise de tal questão deve se dar considerando-se também o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o pedido se extrai a partir da interpretação lógico-sistemática das questões apresentadas pela parte ao longo da petição, em consonância com o princípio da efetividade e da economia processual.

Nesse sentido, vejamos alguns julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça-STJ.

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MULTA ADMINISTRATIVA. PRÁTICA DE ATO LESIVO AO MEIO AMBIENTE. ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. ART. 460 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA.

(...) 2. Não viola o art. 460 do CPC o julgado que interpreta de maneira ampla o pedido formulado na petição inicial, pois "o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda  e  se  extrai da  interpretação  lógico-sistemática da petição  inicial,  sendo de levar-se em  conta os requerimentos  feitos em  seu corpo e não  só aqueles constantes em capítulo especial ou sob a rubrica 'dos pedidos'" (REsp 284.480/RJ, 4ª Turma, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 2.4.2001).  (...)” [grifo nosso](AgRg no Ag 1038295/RS, Rel.Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/11/2008, DJe 03/12/2008)

 “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. OCUPAÇÃO IRREGULAR DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE COM DEGRADAÇÃO AMBIENTAL. JULGAMENTO EXTRA E ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA.

(...)

4. Ademais, os pedidos devem ser interpretados, como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide. Precedentes do STJ: AgRg no Ag 1038295/RS, PRIMEIRA TURMA, DJe 03/12/2008; AgRg no Ag 865.880/RJ, PRIMEIRA TURMA, DJ 09/08/2007; AgRg no Ag 738.250/GO, QUARTA TURMA, DJ 05/11/2007; e AgRg no Ag 668.909/SP, QUARTA TURMA, DJ 20/11/2006; (...)” [destaque nosso] (RECURSO ESPECIAL Nº 1.107.219 – SP, Rel. Ministro   LUIZ FUX, julgado em 2/9/2010)

3. Conclusão

A responsabilidade civil pela reparação do dano ambiental submete-se a um regime jurídico próprio em que o princípio da reparação integral assume papel de grande relevância.

 

Desse modo, em consonância com o princípio da reparação integral e de acordo com entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça de que os pedidos se extraem a partir da interpretação lógico-sistemática das questões apresentadas ao longo da petição e devem ser interpretados, como manifestações de vontade, de maneira a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide, tem-se quenão haverá julgamento extra ouultra petita quando a área objeto da agressão ao meio ambiente tiver alcance maior do que a referida na exordial ou quando se impuser a adoção dedeterminada medida à recuperação do meio ambiente, mesmo sem que se tenha sido provocado a tanto.

Notas:

[1]              TJMG, Apelação Cível nº 1.0433.04.117917-0/001, 7ª Câmara Cível nº 1.0433.04.117917-0/001, 7ª Câmara Cível, Rel. Des. Alvim Soares, DJ 29.03.2007

[2]              MIRRA, Álvaro Luiz Valery, Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004, pg.315.

[3]              MACHADO, Jeanne da Silva, A Solidariedade na Responsabilidade Ambiental, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, pg. 108.

[4]              MIRRA, Álvaro Luiz Valery, Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004, pg.317.

[5]              REsp 1.107.219-SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 2/9/2010.