A relativização atípica da res judicata com fundamento em inconstitucionalidade por vulneração ao princípio da moralidade
Autores:
Daniel Ferreira de Lira
Arthur Maciel Chaves
A RELATIVIZAÇÃO ATÍPICA DA RES JUDICATA COM FUNDAMENTO EM
INCONSTITUCIONALIDADE POR VULNERAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
MORALIDADE
Daniel Ferreira de Lira
Arthur Maciel Chaves
RESUMO
Dentro do espectro de análise da relativização atípica da coisa julgada, propõe-se neste
ensaio uma provocação sobre a coisa julgada e a moralidade administrativa, as relações
de tensão jurídica que, eventualmente, podem surgir entre o princípio constitucional da
moralidade administrativa e a coisa julgada, enquanto pilar da segurança jurídica no
Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Inconstitucionalidade. Moralidade. Coisa Julgada.
ABSTRACT
In der Spektralanalyse von atypischen Relativierung der Rechtskraft, wird es in diesem
Papier eine Provokation auf die Rechtskraft und administrativen Moral, die
Rechtsverhältnisse der Spannung, die schließlich zwischen dem verfassungsrechtlichen
Grundsatz der Rechtskraft und administrativen Moral entstehen können, während
vorgeschlagen Säule der gesetzlichen demokratischen Staates.
Stichwort: Verfassungswidrigkeit. Moral. Rechtskraft.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 INCONSTITUCIONALIDADE DA RES
JUDICATA E MORALIDADE PÚBLICA; CONSIDERAÇÕES FINAIS;
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
O atributo da coisa julgada material é, com evidência, indispensável ao Estado
Democrático de Direito e à efetividade do que se denomina de acesso ao Poder
Judiciário. Sendo assim, a Coisa Julgada Material, uma vez comungada para com as
inclinações magnas do ordenamento jurídico, estaria a corresponder a função da WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
jurisdição no Estado. Vale dizer, restaria o apreço pelos valores os quais convém
batizarmos por Direito e Equidade.
Nesse sentido, fazem-se exitosas as lições de Rosenberg, Schwab e Gottwald
(1993, p.915), quando aduzem: “A coisa julgada material é uma consequência
necessária do direito à proteção legal dos Tribunais. Sua ancoragem constitucional é
encontrada no princípio do Estado de Direito”.
Sendo assim, nada adiantaria falarmos em direito de acesso à Justiça sem
concedermos ao cidadão o direito de ver o seu litígio solucionado em caráter imutável,
desde que, para tanto, houvesse uma simetria entre os preceitos concebidos pelo Estado
Democrático e a decisão prolatada em detrimento dos serem em litigância.
O sistema jurídico positivo fornece os elementos essenciais à compreensão do
exame do controle das atividades que envolvem o exercício das funções típicas do
Estado: Legislativa, Executiva e Judicial, cujos atos deles emanados devem guardar
absoluta fidelidade ao Texto Magno, sob pena de invalidade. Essa submissão ao
denominado Princípio da Constitucionalidade é o traço revelador do Estado de Direito,
formando um plexo de poderes limitados e controlados pela própria ordem
constitucional.
1 INCONSTITUCIONALIDADE DA RES JUDICATA E MORALIDADE
PÚBLICA
A Constituição da República, disciplinadora da estrutura política do Estado,
contempla valores fundamentais que permeiam a convivência social. Jorge Miranda
(1999, p.123), a esse respeito, esclarece que:
Na Constituição se plasma um determinado sistema de valores da vida
pública dos quais é depois indissociável. Um conjunto de princípios
filosófico-jurídicos e filosófico-políticos, vêm-na justificar e vêm-na criar.
Tais valores e princípios balizam e orientam a sociedade e a atuação do
Estado de satisfação das necessidades públicas.
Decerto, o Poder Judiciário há de se moldar-se ao figurino do Estado de Direito,
de sorte que esse regime só pode ser a admissibilidade de controle das referidas decisões WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
com fundamento em inconstitucionalidade e a sua inerente modificabilidade, sobretudo,
em face de princípios constitucionais, de que é exemplo o princípio da moralidade.
Gize-se, ainda, que numa sociedade rígida quanto a formalidades e inovadora no
pertinente aos costumes, como a brasileira, e, por assim dizer, também em preceitos
fundamentais da Dignidade Humana, não há como ser simples afirmamos que o
Judiciário, encarregado de zelar pela ordem a partir da Constituição Federal, não pode
emitir posicionamentos contrários à justiça, à primazia dos fatos e da lei, conquanto tal
fato ocorra com certa ordinariedade, pois ainda não são poucos os escândalos morais em
que volta e meia se veem alguns órgãos judicantes.
O próprio sistema faz com que o magistrado não decida desse modo. Razão
porque, como citamos ad priori, existe, em lei, já algum tempo, a legitimidade para se
propor uma ação rescisória.
Diante da inevitável possibilidade de comportamentos indesejados, é admitida a
desconsideração do caso julgado, na perspectiva de se prezar pela âncora do Estado
Democrático, quais sejam: os princípios.
O tema da relativização da Coisa Julgada Material fora das hipóteses elencadas
no Código de Processo Civil de 1973 e recepcionadas pela Constituição de 1988 vem
ganhando proporções densas em nosso meio.
De certo que a ação rescisória se presta a desconsiderar o todo, em homenagem a
formalidades de lei tidas como indispensáveis do ato, sob pena de se infringirem valores
indisponíveis (a exemplo da oportunidade de defesa nos autos do processo); o que
pensarmos da possibilidade de extinguirmos um caso soberanamente julgado em virtude
de este haver possuído como esteio lei ou ato normativo declarado, ad posteriori,
inconstitucional pelo Excelso Pretório, ou, doutra maneira, ainda que seja
constitucional, mas em sobreposição a valores de nível constitucional, como o é a
moralidade administrativa (art. 37, caput, CRFB/88)?
A idéia de que a declaração de inconstitucionalidade de lei nulifica a decisão,
origina algo que, permissa venia, podemos nomenclaturar de “controle da
constitucionalidade da sentença transitada em julgado”. Nessa construção
desconsideradora, a retroatividade da sentença faria com que se apanhasse a res
judicata.WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
Num plano prático, isso implica em dizer que uma decisão fundada em lei
posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo (STF), com também em
interpretações da lei ou ato normativo contrárias ao texto constitucional, ainda que
proferida em processo no qual fossem observadas, pelo aplicador do direito, as
formalidades e preceitos de ordem material e processual; pode ser nulificada, em
respeito a estimas de proporções constitucionais inobservados quando da votação,
sanção, promulgação e publicação de lei ou efetivação do ato normativo rescindido.
O mesmo se diga com relação ao trânsito em julgado do que na atualidade se
denomina de inconstitucionalidade da decisão injusta, a qual existe, por vezes, por quem
deve, na integralidade das suas funções judicantes, honrar e respeitar às instituições
democráticas e os preceitos valorativos da Constituição Republicana, portanto, mácula
ao Princípio da Moralidade (art. 37, caput, CRFB/1988) quando da prolação sentencial.
Outro fator devemos apresentar: partindo do pressuposto de aplicação da tese de
relativização do caso julgado, qual efeito esta decisão irá surtir? No direito brasileiro,
entende-se, sem controvérsias, que a decisão de inconstitucionalidade de lei produz
efeitos ex tunc, e assim retroage até o momento da edição da lei.
Alega-se, nesse diapasão, que a decisão da corte não possuirá caráter
desconstitutivo, e por isso não ocasionará apenas a revogação da lei. A sua natureza é
declaratória, em virtude de reconhecer a nulidade da lei, cumpre firmar, um estado já
existente.
Ocorre que o Supremo, algumas vezes, como ressalta Luiz Guilherme Marinoni
e Sérgio Cruz Arenhart (2007, p. 669), salienta a carência de se temperar a tese de
retroatividade da declaração de inconstitucionalidade de lei. Preconiza:
O Supremo Tribunal Federal, em voto proferido pelo Ministro Leitão de
Abreu (RTJ 97/1.369), frisou a necessidade de se temperar a tese da
retroatividade da decretação de inconstitucionalidade para se deixar imunes
as situações jurídicas fundadas em ato praticado de boa fé. Aliás, mesmo nos
Estados Unidos, país em que a expressão “lei inconstitucional”, chegou a ser
considerada uma contradição e, termos diante da expressiva afirmação de que
the inconstitutional statute is not Law at all, existem sinais de abrandamento
da força da teoria da teoria da eficácia ex tunc.
No Direito Português, a Constituição deixa notória a intenção em se admitir a
eficácia ex tunc da decretação de inconstitucionalidade de lei (art. 282º, n.1 e ss.),
devendo, contudo, o Tribunal Constitucional limitar os efeitos da declaração. Em WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
veracidade, o sistema português é cogente no sentido de que os efeitos da decisão de
inconstitucionalidade de lei não atingem a coisa julgada, o que somente pode ocorrer em
situações excepcionais, quando a própria decisão assim tornar público.
O professor Canotilho (2002, p.1004), obtempera que:
[...] quando a Constituição Portuguesa (art. 282.º, 3), estabelece a ressalva
dos casos julgados, isso significa a imperturbabilidade das sentenças
proferidas com fundamento na lei inconstitucional. Deste modo, pode dizerse que elas não são nulas nem reversíveis em consequência da declaração de
inconstitucionalidade de lei com força obrigatória geral. Mais: a declaração
de inconstitucionalidade não impede sequer, por via de princípio, que as
sentenças adquiram força de caso julgado. Daqui se pode concluir também
que a declaração de inconstitucionalidade de lei não impede, sequer, por via
de princípio, que as sentenças adquiram força de caso julgado. Daqui se pode
concluir também que a declaração de inconstitucionalidade não tem efeito
constitutivo da intangibilidade do caso julgado é ele próprio um princípio
densificador dos princípios da garantia da confiança e da segurança inerentes
ao Estado de Direito.
Percebamos, ademais, que o respeitado jurista faz críticas acirradas ao fenômeno
da desconsideração do caso julgado, haja o fato de, em sua óptica, a própria solução ao
conflito de interesses exteriorizar um princípio densificador da garantia da confiança e
segurança aos cidadãos do Estado.
Em nosso ordenamento, o artigo 27 da Lei nº 9.868/1.999 (que dispõe sobre o
processo e julgamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade perante e
Supremo Tribunal Federal e dá outras providências), estabelece que ao ser declarada a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, tendo em vista circunstâncias de
segurança jurídica ou de interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por
maioria de dois terços dos senhores ministros, restringir os efeitos daquela decisão ou
concedê-lo efeito ex nunc ou de outro momento o qual venha a ser fixado.
A mens legislatoris do artigo declinado vem a dizer que é impossível que se
conceda efeito ex tunc a decisão de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.
Por outro lado, existem precedentes, do próprio Supremo inclusive, no qual se
inclui o valor justiça, ainda que, para tanto, conceda-se efeito retroativo, em detrimento
da segurança jurídica. Nesse segmento, a ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha (RTJ
09/1.937), diz que “Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres,
a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem justiça não há liberdade”.WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
Acrescentamos, por bom senso, que boa parte dos estudiosos do assunto
afirmam que a sentença, uma vez compreendida como exercício típico da judicatura, é
um ato administrativo do Poder Judiciário, ou seja, hum ato de um dos Poderes
Públicos.
A esse respeito, o professor Augusto do Amaral Dergint (2004, p.131), em obra
intitulada: Responsabilidade do Estado por Atos Judiciais acrescenta:
[...] a soberania é um atributo da pessoa jurídica do Estado, de forma una,
indivisível e inalienável. Soberano é o Estado como um todo, e não o
Legislativo, o Executivo ou o Judiciário (independente ou conjuntamente).
Estes, aliás, são mais propriamente funções e não poderes do Estado. A cada
qual compete unicamente o exercício da soberania estatal, dentro dos limites
constitucionalmente traçados.
Assim, pensarmos que a sentença, guarnecida pela irreversibilidade, fazer-se ato
jurisdicional intocável é relegar a regra segundo a qual todos os atos estatais estão
passíveis de desconstituição. Isso em decorrência de inexistir hierarquia entre os atos
estatais, ou seja, aqueles emanados pelos Poderes da República, uma vez que, todos
eles, são decorrentes do exercício das funções desenvolvidas pelos agentes políticos
como um tipo de manifestação da vontade do Estado.
Todos os atos representativos de um dos Poderes da República (Legislativo,
Executivo e Judiciário), têm o mesmo peso, em face do Princípio Constitucional de que
os poderes são “independentes e harmônicos entre si”.
A Coisa Julgada, no cenário republicano é intocável, tanto quanto os atos
executivos e legislativos, se, em sua essência, não desbordar do vínculo que deve se
estabelecer entre ela e o texto constitucional, numa relação de compatibilidade para que
possa revestir-se de eficácia e, assim, existir sem que contra a mesma se oponha
qualquer forma de nulidade. Ademais, essa conformação de constitucionalidade tem
pertinência, na medida em que não se pode descartar o controle do ato jurisdicional, sob
pena de se cometerem injustiças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, partindo do pressuposto de que o Poder Judiciário não detém a
soberania, não se pode justificar o mito da intangibilidade da função jurisdicional, WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
enquanto manifestação do exercício da atividade estatal. Isso se dá ao fato de que é uma
decorrência do poder político, tendo no povo a sua legitimação, que não se divide senão
em face do Poder Constituinte que torna efetiva a distribuição de diferentes funções a se
compor na estrutura que dá corpo à organização estatal.
A problemática da relativização da Coisa Julgada Inconstitucional é
particularizada por argumentações robustas, cada uma na sua linha defensiva, mas
parecer inegável que, uma vez, debruçando-se sobre sua aplicação no direito brasileiro o
princípio da moralidade possa ser considerado também um parâmetro constitucional
para este relativização, quando agredida, inclusive, pelo próprio órgão judicante, na
condução do processo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.
6ª Ed. Coimbra: Almedina, 2002.
DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por Atos Judiciais. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004.
MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento.
6ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora,
2000, vol. 2.
ROSENBERG; SCHWAB; GOTTWALD. Zivilproβrecht. 15ª Ed. München: Vergal
C.H. Beck, 1993.
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