Registro indevido de consumidor


Porjulianapr- Postado em 18 abril 2012

Autores: 
Leonardo Roscoe Bessa

 

            Quem é civilmente responsável pelo registro indevido de consumidor nos bancos de dados de proteção ao crédito? Quem deve figurar no pólo passivo de ação indenizatória baseada neste registro? A entidade que mantém o serviço de proteção ao crédito ou a empresa que solicitou o registro do consumidor?

            A resposta à primeira pergunta coincide com a da segunda. Ambas pressupõem análise da natureza das atividades exercidas pelas entidades arquivistas de proteção ao crédito. Serão elas meros repositórios de dados fornecidos por terceiros, sem qualquer responsabilidade pelo conteúdo das informações? Ou, ao contrário, devem zelar pela correção das informações?

            De um lado, entende-se que, antes do registro, deveria haver uma verificação, ainda que sumária, da correção da informação. Constatada a inexatidão, o registro solicitado deveria ser recusado pela entidade arquivista.

            Em sentido oposto, defende-se que os bancos de dados ‘‘constituem meros repositórios de informações sobre consumidores, na qualidade de devedores, que são fornecidos por instituições comerciais, industriais e bancárias. Como simples arquivistas, não são destinatários das informações armazenadas, mas, sim, terceiros, sendo meros veículos para a circulação dessas informações’’ (‘‘Responsabilidade dos Bancos de Dados’’, artigo de autoria de Adverci Rates Mendes de Abreu, ‘‘Folha da Capital’’, maio/junho de 1998).

            A resposta adequada, decorrente de interpretação lógico-sistemática da Lei 8.078/90, está em posição intermediária.

            O parágrafo primeiro do art. 43 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) determina que as informações constantes em bancos de dados de proteção ao crédito devem ser objetivas, claras, verdadeiras e em linguagem de fácil compreensão.

            Este é o primeiro ponto. O registro não é indevido tão-somente quando a informação é incorreta. A ilegalidade do registro ocorre, também, quando não são observados os demais atributos da informação, explicitados pelo dispositivo mencionado. Todavia, o procedimento de verificação da responsabilidade no que concerne ao atributo da veracidade é diferenciado.

            Quanto aos requisitos de objetividade, clareza e precisão lingüística, deve haver uma igual preocupação com sua observância por parte do lojista e do banco de dados. Nenhum registro deve ser solicitado, v.g., por códigos, de forma intrincada ou com mera apreciação subjetiva do consumidor do tipo ‘‘cliente criador de caso’’.

            Pedidos de registro que não atentem para tais requisitos devem ser indeferidos. Caso contrário, tanto o lojista (solicitante do registro) quanto a entidade que mantém o serviço de proteção ao crédito serão civilmente responsáveis por eventuais danos materiais e/ou morais causados ao consumidor.

            Igualmente ilegal e gerador de responsabilidade civil é o registro baseado em informação inverídica. Entretanto, nesse caso, a identificação do responsável enseja outros questionamentos.

            Em princípio, presumem-se verdadeiras as informações fornecidas aos bancos de dados pelos lojistas. Não há necessidade de prévia investigação da veracidade da informação por parte do serviço de proteção ao crédito. Conclusão diversa deve ser afastada porque inviabilizaria a atividade dos registros que, atende, também, a interesse do consumidor — maior celeridade na concessão de crédito.Imagine-se a entidade arquivista, antes de efetuar o registro, exigindo documentos, prova que a dívida não foi paga e, ainda, manifestação do consumidor para que este pudesse alegar algum fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do credor. Anote-se que num único dia são efetuadas centenas de solicitações de registros. Nenhuma interpretação jurídica deve levar ao absurdo nem obstar a atividade que se pretendeu disciplinar.

            No entanto, a atitude passiva do banco de dados deve se afastar a partir de eventual questionamento da exatidão dos dados por parte do consumidor, na forma do p. 3º, do art. 43, da Lei 8.078/90. Isto porque diante do exercício do direito de retificação de dados, o serviço de proteção ao crédito deverá decidir pela manutenção ou não do registro, rejeitando ou aceitando as ponderações do impugnante. Em outros termos, deverá averiguar o mérito da pretensão de correção das informações, estando, neste momento, sujeito, também, a responsabilidade penal decorrente do crime definido no art. 73 da Lei 8.078/90: ‘‘Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata’’.

            A lei norte-americana (National Consumer Act), que inspirou diretamente a disciplina da matéria no Código de Defesa do Consumidor, impõe expressamente o dever imediato de investigação, em virtude de contestação à veracidade de informações armazenadas.

            Assim, quanto ao atributo da veracidade da informação, é insustentável defender a absoluta ausência de responsabilidade dos bancos de dados. O interesse da entidade arquivista pela veracidade das informações nasce com o questionamento por parte do consumidor. O propósito legal de se exigir a verificação da exatidão dos dados evidencia-se com a tipificação penal de conduta consistente em omitir-se na correção imediata de dados que sabe ou deverão saber serem inexatos.

            Em síntese, a veracidade da informação não deve ser analisada a priori, pelo serviço de proteção ao crédito, mas somente após eventual exercício do direito de correção por parte do interessado. Após impugnação da correção, a responsabilidade civil passa a ser tanto do banco de dados quanto do solicitante. De outro lado, os demais requisitos indicados pelo parágrafo 1º do art. 43 do Código de Defesa do Consumidor (clareza, objetividade, linguagem de fácil compreensão) devem ser analisados por ocasião da solicitação do registro. Os bancos de dados de proteção ao crédito têm o dever de impedir o ingresso de informações que não observem tais requisitos, sob pena de imediata caracterização de sua responsabilidade.