Regime Jurídico Aplicável às Restingas - Ecossistema Associado à Mata Atlântica. Peculiaridades


Porvinicius.pj- Postado em 25 outubro 2011

Autores: 
FUENTE, Rodolfo Ribeiro de La

1-      Introdução

A restinga é um ecossistema de importância incomensurável na manutenção do equilíbrio ecológico, caracterizada pela singularidade de sua fauna e flora. Trata-se de uma acumulação arenosa litorânea, paralela à linha da costa, produzida por sedimentos transportados pelo mar, na qual é possível encontrar associações vegetais mistas.

Uma de suas características principais é apresentar vegetação baixa, o que viabiliza uma certa variação climática e acaba por proporcionar-lhe uma acentuada diversidade ambiental e biológica. A vegetação de restinga envolve comunidades vegetais reptantes e arbóreas, selecionadas de acordo com as suas tolerâncias fisiológicas, morfológicas e reprodutivas. São plantas extremamente adaptadas às condições de salinidade, insolação, umidade e abrasão pelos grãos de areias trazidos pelo vento.

Quando esta vegetação é destruída, o solo é alvo de sensível erosão por parte do vento, o que determina o surgimento de dunas móveis, fragilizando o meio ambiente costeiro. Destaca-se, portanto, a relevância da vegetação de restinga no equilíbrio da região costeira. Sendo seu solo bastante poroso, ele faz as vezes de um controlador da linha de praia, retendo a areia que é conduzida pela ação eólica ou das marés. Além disso, mitiga a erosão pluvial e o escoamento das águas superficiais e do lençol freático, favorecendo o equilíbrio do meio ambiente.

2-      Desenvolvimento

A Resolução CONAMA nº 303/2002, em seu art. 2º, inciso VII, traz a definição legal da restinga. In verbis:

Art. 2ºPara os efeitos desta Resolução, são adotadas as seguintes definições:

VIII - restinga: depósito arenoso paralelo à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, também consideradas comunidades edáficas por dependerem mais da natureza do substrato do que do clima. A cobertura vegetal nas restingas ocorre em mosaico, e encontra-se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivo e arbóreo, este último mais interiorizado;

A Lei Federal 7.661/98, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, não descurou das restingas, estabelecendo a prioridade de sua conservação.

 Art. 3º. O PNGC deverá prever o zoneamento de usos e atividades na Zona Costeira e dar prioridade à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens:

I - recursos naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parcéis e bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e lagunares, baías e enseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas, manguezais e pradarias submersas;

A Constituição Federal de 1988 tratou, de forma minudenciada, da questão afeta ao meio ambiente. Demais disso, erigiu a Mata Atlântica, diante da inconteste relevância deste ecossistema, à categoria de Patrimônio Nacional. Cumpre trazer a baila o teor do seguinte dispositivo:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

(...)

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

(...)

VII - proteger a fauna ea flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

(...)

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

A Lei Federal nº 11.428/2006 (que dispõe acerca da utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, e dá outras providências) foi editada em atenção ao suso transcrito art. 225, §1º, III, e §4º, da Constituição Federal. Nela, foi disciplinado o regime especial protetivo aplicável à Mata Atlântica, regulamentando o seu corte, supressão, exploração, medidas compensatórias, entre outros. Na mesma linha, definiu expressamente quais as formações florestais nativas, ecossistemas associados e tipos de vegetações considerados integrantes do Bioma Mata Atlântica. A saber:

Art. 2o  Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste. 

De acordo com a citada Lei Federal 11.428/06, a definição dos estágios de regeneração do Bioma Mata Atlântica é de iniciativa do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Este diploma esclarece, ainda, que qualquer intervenção em vegetação primária ou secundária nos estágios médio e avançado de regeneração só poderá ocorrer após dita definição.

Art. 4o  A definição de vegetação primária e de vegetação secundária nos estágios avançado, médio e inicial de regeneração do Bioma Mata Atlântica, nas hipóteses de vegetação nativa localizada, será de iniciativa do Conselho Nacional do Meio Ambiente. 

§ 1o  O Conselho Nacional do Meio Ambiente terá prazo de 180 (cento e oitenta) dias para estabelecer o que dispõe o caput deste artigo, sendo que qualquer intervenção na vegetação primária ou secundária nos estágios avançado e médio de regeneração somente poderá ocorrer após atendido o disposto neste artigo.

Com efeito, o legislador disse o óbvio ao preconizar a proibição de intervenção na vegetação primária ou secundária antes do advento da definição normativa dos estágios sucessionais da restinga. Isto porque o regime jurídico concernente à proteção, corte, supressão e exploração da vegetação de Mata Atlântica varia substancialmente conforme o referido estágio sucessional do bioma. Não seria possível identificar e adimplir os requisitos necessários para promover, por exemplo, a supressão de uma determinada vegetação, sem que antes se pudesse individualizar com precisão sua tipologia.

Para caracterização dos estágios de regeneração natural das formações florestais no território do Estado da Bahia, foi elaborada e publicada a Resolução CONAMA nº 05/94. No entanto, esta caracterização não se aplica aos manguezais e restingas, conforme disposto nos arts. 4º e 5º da citada resolução. Seu art. 4º, parágrafo único, deixa claro que as restingas serão objeto de regulamentação específica.

Art. 4o. A caracterização dos estágios de regeneração da vegetação definidos no artigo 3º desta Resolução não é aplicável para manguezais e restingas.

Parágrafo Único. As restingas serão objeto de regulamentação específica.

A Resolução CONAMA nº 417 de 2009 dispôs sobre os parâmetros básicos para análise e definição da vegetação primária e dos distintos estágios sucessionais secundários de regeneração das fitofisionomias de Restinga. Sua edição teve por escopo estabelecer critérios a fim de orientar o licenciamento e outros procedimentos administrativos relativos à autorização de atividades nessas áreas.

A título de exemplo, calha transcrever os parâmetros básicos para caracterização da “Vegetação Arbustiva de Restinga” em estágio primário:

Art. 3º A vegetação primária e secundária nos distintos estágios de regeneração das fitofisionomias de Restinga a que se refere o artigo 4o da Lei no 11.428, de 22 de dezembro de 2006, são assim definidos:

(...)

II - Vegetação arbustiva de Restinga:

a) Estágio Primário;

1. Fisionomia arbustiva com predominância de arbustos de ramos retorcidos, podendo formar moitas intercaladas com espaços desnudos ou aglomerados contínuos;

2. Estrato arbustivo predominante;

3. Altura das plantas: cerca de até 3 (três) metros, podendo ocorrer indivíduos emergentes com até 5 (cinco) metros, diâmetro da base do caule das espécies lenhosas em torno de 3 (três) centímetros;

4. Poucas epífitas, representadas por liquens e pteridófitas;

5. Ocorrência de espécies de trepadeiras;

6. Presença de serapilheira com espessura moderada;

7. Sub-bosque ausente;

8. Estrato herbáceo presente e nas áreas abertas e secas geralmente limitado a associações de liquens terrestres e briófitas; e

9. Espécies vegetais indicadoras.

Insta salientar que a publicação dessa Resolução CONAMA nº 417/09 não supriu a necessidade de edição de uma Resolução específica para cada Estado do país, para fins de definição dos estágios sucessionais da Restinga. A citada Resolução 417/09, como dito, tão somente possui o condão de balizar a elaboração das Resoluções estaduais, fixar parâmetros básicos de análise e definição.

Ao lado da normatização federal pertinente, as restingas foram objeto de proteção, também, por parte de alguns Estados da federação brasileira. As Constituições Estaduais da Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Paraíba, Rio de Janeiro e Sergipe, por exemplo, alçaram as restingas à categoria de Área de Preservação Permanente (APP). Essa proteção pode ser conferida igualmente pelos Municípios. Foi o que ocorreu em Florianópolis (SC), que, por intermédio de lei municipal, considerou as restingas como zona de preservação permanente, em conformidade com o seu Plano Diretor.

No Estado da Bahia, verbia gratia, não obstante todo o regime altamente protetivo aplicável às Restingas, a Constituição Estadual (art. 215, IV) e a Lei Estadual nº 10.431/2006 (art. 89) as consideram como Área de Preservação Permanente. Confira-se:

Art. 215 - São áreas de preservação permanente, como definidas em lei:

I - os manguezais;

II - as áreas estuarinas;

III - os recifes de corais;

IV - as dunas e restingas;

Art. 89 - Sem prejuízo do disposto na legislação federal pertinente, são considerados de preservação permanente, na forma do disposto no artigo 215 da Constituição do Estado da Bahia , os seguintes bens e espaços:

I - os manguezais;

II - as áreas estuarinas, em faixa tecnicamente determinada através de estudos específicos, respeitados a linha de preamar máxima e os limites do manguezal;

III - os recifes de corais, neles sendo permitidas as atividades científicas, esportivas ou contemplativas;

IV - as dunas e restingas, sendo que a sua ocupação parcial depende de estudos específicos a serem aprovados por órgão competente;

Nestas unidades da federação em que as Constituições Estaduais e a Legislação Estadual consideraram as restingas como APP, a ocupação destas áreas especialmente protegidas fica condicionada ao cumprimento das exigências dispostas no art. 4º, da Lei 4.771/65, quais sejam:

Art. 4o  A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.

        § 1o  A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2o deste artigo.

        § 2o  A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.

        § 3o  O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente.

§ 4o  O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor.

3-      Conclusão

Por tudo quanto exposto, é possível concluir que a exploração e supressão da restinga demandam, previamente e de forma impostergável, a definição de seus estágios sucessionais, via edição da competente Resolução CONAMA em cada Estado. Esta exigência não restou suprida pelo advento da genérica Resolução CONAMA 417/09, que serve tão somente para balizar a elaboração das Resoluções de cada unidade da federação. No caso específico da Bahia, por expressa disposição, a Resolução CONAMA 05/94 não se aplica às restingas, razão pela qual permanece vedada sua remoção, até a edição do competente diploma, definindo referidos estágios sucessionais.

Neste diapasão, naqueles Estados ou Municípios em que as Constituições Estaduais ou leis municipais conferirem status de Área de Preservação Permanente às Restingas, a exploração destas estará subordinada, concomitantemente, à observância do art. 4º, da Lei 4.771/65 e da Lei 11.428/06.