Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente aplicado ao direito de família


PorThais Silveira- Postado em 18 abril 2012

Autores: 
JANE DE SOUZA

Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente aplicado ao direito de família

 

 

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo breve reflexão a cerca do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, entendendo estes como sujeitos de direitos inseridos na Sociedade; que, por sua vez, esta em constante processo de transformações.

Refletir acerca da família e seu papel social, em especial na formação das crianças, e as consequências de rupturas dos vínculos familiares, sempre à luz do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

Para que a criança e o adolescente fossem entendidos como protagonistas sociais, detentora de direitos fundamentais, à luz do direito material, percorreu-se longo caminho; onde eventos sócio-político-financeiros tiveram grande influência para tais transformações.

O Estudo delimita-se na pesquisa bibliográfica de pesquisadores juristas e não juristas, nos Tratados Internacionais, na norma positivada brasileira, matéria do Superior Tribunal de Justiça, resenhas, estudo de caso e julgado do Superior Tribunal Federal.

Palavras-chave: Princípio doMelhor Interesse da Criança e do Adolescente. Transformação Social. Vínculos Familiares. Estudo de Caso. Julgado.

ABSTRACT

This study aims to raise discussion about the principle of best interests of children and adolescents, considering these as subjects of rights enshrined in society that, in turn, is in constant process of change.

Thinking about the family and its social role, particularly in the training of children, and the consequences of broken family ties, always under the principle of best interests of children and adolescents.

For children and adolescents were seen as social actors, holders of fundamental rights in light of the right stuff, come up along the way, where socio-political and financial events had great influence on such changes.
The study is delimited in the literature of lawyers and no lawyers researchers , in the International Treaty, the standard Brazilian positivism matter of the Superior Court, reviews, case study and dismissed by the Superior Court.
Keywords: Principle of the Best Interests of Children and Adolescents. Social Transformation. Family ties. Case Study. Judged.


INTRODUÇÃO

Refletir a respeito do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é, também, refletir sobre o processo de transformação pelo qual a Sociedade vem passando nos últimos séculos. É refletir a criança inserida, em diferentes contextos históricos, principalmente, nas relações familiares, constituindo conditiosine qua non para o entendimento da posição que passam a ocupar; de propriedade a protagonistas, sujeitos detentores de direitos nas diversas esferas sociais e jurídicas.

Os diversos eventos históricos de cunho político-econômico, pelo qual passou a sociedade, trouxeram mudanças significativas nas organizações grupais, principalmente no grupo familiar; antes patriarcal, com relação hierarquizada, sendo o pai o detentor do poder e da posse familiar. As crianças, adolescentes e suas mães eram propriedades do senhor.

A Revolução Liberal trouxe, em seu bojo, anseios de mudanças sociais; a Revolução Industrial tira a mulher do lugar comum doméstico para colocá-la no da produção; sendo agora colaboradora do provimento do lar. Tendo, portanto, atuado de forma definitiva para as profundas modificações ocorridas no grupo familiar, consequentemente na própria estrutura da Sociedade.

As grandes guerras mundiais, em especial a 2ª incute no ser humano o desejo de paz; sendo promulgada, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens, firmando-se o princípio da dignidade da pessoa humana como norteador do ordenamento sócio-jurídico mundial.

A criança e o adolescente passam a, também, produtores de riquezas; onde sua mão de obra era explorada de forma intensa e desigual como era desigual a forma de remuneração; urgia a regulamentação para o cuidado efetivo dessas crianças e adolescentes; pois não mais se podia permitir tal descuido em pleno Estado Democrático de Direito.

Na contemporaneidade, do constitucionalismo principiológico, já há de se falar em Estado Democrático Social de Direito, onde os princípios fundamentais têm força de norma, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente perpassa por todas as situações que digam respeito ao bem estar desses, tanto no campo financeiro como e, principalmente, como no campo afetivo.

O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE:

Contextualizando a história: criança e adolescente de mero objeto de posse a detentor de direitos.  

Na história da civilização humana a criança e o adolescente não ocupavam papel de relevância no espaço sócio-familiar; sendo, por séculos, objeto de posse do poder patriarcal. Segundo Trindade (2007) “até o século XIX, no caso de dissolução do casamento, a guarda era outorgada ao pai, que se presumia estar em melhores condições econômicas para sustentar os filhos, que, junto com a mãe, eram propriedade sua.” (ACKERMANN, citado por ARCE e FARINA, 2000 apud TRINDADE, 2007, p. 180).

Gama (2008), por sua vez, leciona sobre o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente o entendendo como sendo um importante modificador das relações intrafamiliar; expõe que:

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente representa importante mudança de eixo nas relações paterno-materno-filiais, em que o filho deixa de ser considerado objeto para ser alçado a sujeito de direito, ou seja, a pessoa humana merecedora de tutela do ordenamento jurídico, mas com absoluta prioridade comparativamente aos demais integrantes da família de que ele participa. Cuida-se, assim, de reparar um grave equivoco na história da civilização humana em que o menor era relegado a plano inferior, ao não titularizar ou exercer qualquer função na família e na sociedade, ao menos para o direito. (GAMA, 2008, p. 80)

O advento da Revolução Liberal trouxe, em seu bojo, mudanças significativas no todo social, onde a mulher, de forma, inicialmente discreta e posteriormente, com a Revolução Industrial, de forma mais decisiva, passa a exercer papel de destaque quanto ao cuidado e mesmo sustento da prole. Sai dos cuidados do lar para exercer atividade laborativa remunerada, contribuindo, decisivamente, para a solidificação das mudanças ocorridas no espaço familiar; Pereira (2009, p. 133) assevera que “[...] com a subversão desses papéis, causada pelo feminismo e pelo ingresso da mulher no mercado de trabalho, houve uma redefinição dos deveres secularmente definidos.”

O século XX traz anseios de paz em decorrência das duas grandes guerras mundiais, principalmente a 2ª grande guerra que redefine os contornos sócio-político-econômico das, então, potências; atingindo, cada Estado, de forma mais ou menos direta. O desejo de paz se materializa no ano de 1948, com a Declaração Universal dos Direitos dos Homens, que traz no seu XXV, inciso 2º “A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social”, solidificando o Estado Democrático de Direito e inaugurando os Direitos Humanos, que derrama novo olhar para a problemática da exclusão vivenciada por crianças e adolescentes de todo o mundo.

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, alçado a princípio fundamental na Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente de 1989, tem sua origem, conforme ensinamento de Pereira (2008),no instituto do parens patriae que, na Inglaterra do século XIV, já se aplicava para proteção dos indivíduos, que eram tidos como incapazes e, também, de suas propriedades se as tivessem. Inicialmente era de responsabilidade da Coroa, mas, posteriormente, foi delegada ao Chanceler.

O instituto do parens patriae se define, conforme Griffith, como “a autoridade herdada pelo Estado para atuar como guardião de um indivíduo com uma limitação jurídica.” (GRIFFITH, 1991 apud PEREIRA, 2008, p. 2); portanto, o Estado inglês, através do seu representante legalmente instituído, “Guardião Supremo”, assume o dever de “proteger todas as crianças, assim como os loucos e débeis, ou seja, todas as pessoas que não tivessem discernimento suficiente para administrar os próprios interesses.” (PEREIRA, 2008. P. 2)

No séc. XVIII ocorre, por parte das Cortes de Chancelaria inglesas, a distinção das atribuições do instituto do parens patriae de proteção à infância das de proteção aos loucos e débeis.  Griffith (1991, apud Pereira, 2008) apresenta dois julgados de 1763, do Direito consuetudinário inglês, como os precursores do entendimento da primazia do interesse da criança; portanto, aplicando o mais adequado para essa; mas só no séc. XIX, em 1836, o princípio da  primazia do interesse da criança se efetiva no Direito inglês, como leciona Griffith (1991):

[...], referindo-se às origens históricas do referido instituto, reporta-se ao caso Finlay v. Finlay, julgado pelo Juiz CARDOZO, em que ficou ressalvado que, ao exercitar o parens patriae, a preocupação não deveria ser a controvérsia entre as partes adversas e nem mesmo tentar compor a diferença entre elas. ‘ O bem estar da criança deveria se sobrepor aos direitos de cada um dos pais’. [...]. Somente em 1836, porém, este princípio tornou-se efetivo na Inglaterra. (GRIFFITH, 1991 apud PEREIRA, 2008, p. 2)

Nos Estados Unidos, o princípio da primazia do interesse da criança, o “best interest of children” foi efetivado no séc. XIX, em 1813, no julgado do caso Commonwealth v. Addicks, ocorrido na Corte da Pensilvânia, onde tratou, segundo Pereira (2008), da “guarda de uma criança quando do divórcio de seus pais”; havia a disputa pela guarda da criança; sendo que “o cônjuge mulher havia cometido adultério. A Corte considerou que a conduta da mulher em relação ao marido não estabelecia ligação com os cuidados que ela dispensava à criança.” (PEREIRA, 2008, p. 2)

No Direito americano, de cunho misto, o papel de “Guardião” era conferido a um cidadão, que por sua vez, passa a “Oficial da Corte”; sendo que, cada Estado tem sua Corte e esta é responsável em supervisionar e fiscalizar o Guardião para que este não ultrapasse as limites da autoridade que lhe foi conferida; portanto, a Corte é a Guardiã Suprema e, desta maneira, detém a jurisdição sobre a guarda do menor.

O entendimento, por parte da Corte americana, de que a mãe era a pessoa ideal para os cuidados das crianças fortalece a tender years doctrine, quese fundamenta no juízo de que “em razão da pouca idade, a criança precisava dos cuidados da mãe, de seu carinho e atenção e que ela seria a pessoa ideal para dispensar tais cuidados e assistência." (PEREIRA, 2008, p. 3); contudo, essa percepção se modifica a partir do séc. XX, onde prevalece a orientação do tie breaker, “[...] – teoria segundo a qual todos os fatores são igualmente considerados e que, portanto, deve prevalecer uma aplicação neutra do melhor interesse da criança.” (PEREIRA, 2008, p. 3)

No Brasil, não foi diferente esse processo pelo qual passou a questão que envolve a criança. A proteção infanto-juvenil, no contexto histórico brasileiro, perpassa por três diferentes momentos; primeiramente o de mero caráter penal, regido pelos Códigos Penais de 1830 e 1890, onde se aplicava a Teoria da Ação que criminalizava o menor e punia a delinquência infantil. Delfino (2009) informa que:

O Código de 1830 adotava a Teoria da Ação com Discernimento imputando a responsabilidade ao menor, assim considerado aqueles até 21 anos de idade incompletos, em função do grau do seu entendimento quanto à prática de um ato criminoso, colocando-o na classe dos menores criminosos. Os menores eram rotulados como objeto do interesse dos adultos, mas, embora incapazes do exercício de diversas ações já podiam ser responsabilizados pela conduta criminosa, de forma a ficarem claramente identificados e reconhecidos por sua condição de inferioridade perante os adultos. (DELFINO, 2009, p. 3)

Por total falta de critérios e cuidados, por parte do Estado, as crianças e adolescentes vivenciavam, nas Casas de Correção, ou, na falta dessas, carceragem comum, juntamente com os adultos, terrível e lamentável promiscuidade; o que ocasionou pressões internacionais para que o Brasil se adequasse às novas demandas, próprias do Estado de Direito, e em 1927, em parceria com o Chile, Uruguai e Equador elabora o primeiro Código de Menores da América Latina, Decreto nº 17.943 – A; também chamado Código Mello Mattos, em homenagem ao seu elaborador e primeiro juiz de menores do Brasil. De cunho assistencialista, mas trazendo inovações na atenção ao menor. A segunda fase de intervenção do Estado para o cuidado com o menor se dá com a implantação do Código de Menores de 1979, Lei nº 6.697/79; segue a linha assistencialista e funda-se na Doutrina jurídica da situação irregular, trazidas no art. 2º da referida lei.

Nogueira (1988) lecionando acerca do menor e sua inserção no contexto social, assevera que:

Situações de perigo que poderão levar o menor a uma marginalização mais ampla, pois o abandono material ou moral é um passo para a criminalidade. (...). A situação irregular do menor é, em regra, consequência da situação irregular da família, principalmente com a sua desagregação. (NOGUEIRA, 1988 apud PEREIRA, 2008, p. 3)

Conforme doutrinadores, citados, as decisões tomadas pelo juiz, quando do arbítrio das questões relacionadas ao menor, no campo da subjetividade, apresentavam-se de forma arbitraria, discriminatória e equivocada, dificultando a viabilidade da resolução dos conflitos apresentados. O Desembargador Amarale Silva (1998), quando indagado a respeito da teoria da Doutrina jurídica da situação irregular, quanto à sua real aplicabilidade, assim expõe:

O Juiz não julgava o menor, defendia a ‘situação irregular’ aplicando ‘medidas terapêuticas’. O Ministério Público, inclusive, quando pleiteava internação, como resposta pela prática de atos delinquenciais rotulados de desvio de conduta, de ato anti-social, etc. estava defendendo o menor.

A defesa e o superior interesse justificavam tudo. Serviam para tudo, inclusive para limitar e, até impedir a participação do advogado, figura praticamente desconhecida do Direito do Menor. (Des. SILVA, 1998 apud PEREIRA, 2008, p. 3)

Com o fortalecimento dos Direitos Humanos e a relevância tomada com a constitucionalização, de cunho principiológico, do Direito; a proteção à criança e ao adolescente passa de mero cuidado assistencial e excludente, para assumindo um novo olhar, ao final do sec. XX e início do XXI, a proteção integral.

A Doutrina da Proteção Integral tem sua base nos diversos documentos internacionais elaborados no decorrer da história; como a Declaração de Genebra de 1924; acolhida em 1948 pela Declaração Universal dos Direitos do Homem; posteriormente pela Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, de 1959 e pela Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989.

Os Tratados Internacionais e o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente no Direito brasileiro.

O séc. XX pós 2ª grande guerra mundial, traz consigo transformações sociais profundas, atingindo o espaço familiar. Solidifica-se o Estado Democrático de

Direito e os tratados internacionais de Direitos Humanos são recepcionados pelos Estados democráticos e, em especial, os constitucionalistas.

O Brasil acolhe os tratados internacionais de Direitos Humanos direcionados à criança e ao adolescente; redefinindo sua política sócio- jurídica voltada à essa demanda.

A Convenção sobre os Direitos da criança e do adolescente, de 1989 e vigente em 1990, firma o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, tornando-o princípio fundamental. Piovesan (2009) leciona que:

A convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1989 e vigente desde 1990, destaca-se como o tratado internacional de proteção de direitos humanos com o mais elevado número de ratificações, contando em 2008 com 193 Estados-partes.  [...].

A Convenção acolhe a concepção do desenvolvimento integral da criança, reconhecendo-a como verdadeiro sujeito de direito, a exigir proteção especial e absoluta prioridade. (PIOVESAN, 2009, p. 282)

A Declaração de Genebra, de 1924, foi a precursora quanto à necessidade, internacionalmente, de se elaborar políticas e legislação especifica para os cuidados com o menor. Steiner e Alston (2000) informam, dizendo:

A primeira menção a ‘direitos da criança’ como tais em um texto reconhecido internacionalmente data de 1924, quando a Assembléia da Liga das Nações aprovou uma resolução endossando a Declaração dos Direitos da Criança, promulgada no ano anterior pelo Conselho da organização não governamental ‘Save the children International Union’. Em 1959, a Assembléia Geral das Nações Unidas promulgava a Declaração dos Direitos da Criança, cujo texto iria impulsionar a elaboração da Convenção. (STEINER e ALSTON, 2000 apud PIOVESAN, 2009, p. 282)

Portanto, não há de se negar que a Declaração de Genebra de 1924 foi decisiva para a ratificação universal dos direitos das crianças e dos adolescentes, tendo como princípio norteador a dignidade da pessoa humana e, assentado a esse, a primazia do melhor interesse. Coloca o menor no papel de protagonista, detentor de direitos; conforme Piovesan (2009, p. 283) “[...]. A não discriminação e o interesse superior das crianças devem ser princípios fundamentais em todas as atividades dirigidas à infância, levando na devida consideração a opinião dos próprios interessados.”.

O Sistema jurídico brasileiro acompanha as mudanças advindas do âmbito internacional, acolhendo, de forma efetiva, o tratar diferenciado. A Constituição Federal de 1988 introduz inúmeros dispositivos voltados ao tratamento da criança e do adolescente e, posteriormente, em conformidade com o acolhimento dado à Convenção de 1989, a qual ratifica e, através da Emenda Constitucional nº 65/2010, amplia os direitos da criança e do adolescente, dando redação ao art. 227 que determina:

 Art. 227 CF/88. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

Atendendo, dessa fora, ao princípio da isonomia; porém, entendido o Direito aplicado materialmente; ou seja, na visão aristotélica “tratar os iguais de forma igual e os desiguais desigualmente, na medidadesuas desigualdades”; trazendo para a linguagem contemporânea, atender as necessidades dos hipossuficientes de forma equânime.

O Brasil, “[...], consoante com as diretrizes internacionais de direitos humanos e com os padrões democráticos de organização do Estado e da sociedade.” (PIOVESAN, 2009, p. 285), em 1990, já como resultado de sua constituição de cunho principiológico, promulga o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº 8.069, de 13 de julho, que revoga o Código de Menores e adéqua as normas infraconstitucionais ao novo momento.

No campo do Direito Civil ocorrem mudanças significativas, inclusive no próprio entendimento de família e sua nova concepção. O Código Civil de 1916 tratava tal conceito de forma limitada, só conferindo o status familiae aos agrupamentos advindos do instituto do matrimônio; trazia nos seus artigos 337 e seguintes distinções de direitos entre os filhos havidos do casamento e àqueles adotados ou nascidos fora do casamento Os filhos só eram considerados legítimos quando nascidos da relação marital. Tal situação muda, pós Constituição Cidadã, com a promulgação do Código Civil de 2002 que atendendo a nova determinação constitucional, conceitua família não mais como simples relação de casamento, mas a entendendo como toda a forma de relacionamento que tenha afeto e mutua responsabilidade entre os pares. Não mais existindo espaço para discriminação de filhos nascidos da relação jurídica conjugal ou não. Gagliano e Pamplona Filho (2011) lecionam que:

Os filhos menores – crianças e adolescentes – gozam, no seio da família, por determinação constitucional (art. 227, CF), de plena proteção e prioridade absoluta em seu tratamento.

Isso significa que, em respeito à própria função social desempenhada pela família, todos os integrantes do núcleo familiar, especialmente os pais e mães, devem propiciar o acesso aos adequados meios de promoção moral, material e espiritual das crianças e dos adolescentes viventes em seu meio. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2011, p. 98)

A Lei nº 11.340/06, de 7 de agosto de 2006, traz uma inovação quanto ao conceito de família, quando, no seu art. 5º, inciso II, determina que: “no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”.  Dias (2004) pactua com tal entendimento quando assevera que:

Agora o que identifica a família não é nem a celebração do casamento, nem a diferença de sexo do par ou o envolvimento de caráter sexual. O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a identificação de um vínculo afetivo, a unir as pessoas, gerando comprometimento mútuo, solidariedade, identidade de projetos de vida e propósitos comuns. (DIAS, 2004, p. 2)

Muito se tem feito, no campo jurídico, para atender as novas exigências sociais trazidas pela Constituição Federal /88, principalmente no que tange à proteção integral da criança e do adolescente.

O Principio do melhor interesse da criança e do adolescente pós- Constituição/88

A Constituição Federal de 1988 garante, de forma efetiva, os direitos das crianças e dos adolescentes em todos os níveis de convivência; ou seja, tanto no espaço familiar como no social ai se aplicará o que é melhor para o menor. Este entendimento vem normatizado no art. 227 que estabelece prioridade precípua a criança e ao adolescente no ordenamento jurídico brasileiro.

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei – PL nº 2285/2007, também denominado “Estatuto das Famílias”, de propositura do Deputado Federal baiano, Sergio Carneiro, que reza sobre a nova organização familiar e ampliação de direitos no sentido da atenção integral, em especial as crianças e adolescentes inseridos nessa relação. Gagliano e Pamplona Filho (2011, p. 100) levantam considerações sobre o “Estatuto das Famílias” o considerando quanto à atenção dispensada ao menor, lecionam que “cuidou-se de, nessa mesma linha de pensamento, preservar o melhor interesse existencial dos filhos, [...].”

Segundo Pereira (2009) o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente deve ser entendido contextualizado num determinado espaço e tempo; valorá-lo e visualizá-lo culturalmente; pois que esses fatores são determinantes para a sua aplicabilidade que se dará no caso concreto. Ainda, conforme o autor, o melhor interesse tem cunho subjetivo. Asseverando, traz o entendimento de que:

[...]. Ficar sob a guarda paterna, materna, de terceiro, ser adotado ou ficar sob os cuidados da família biológica, conviver com certas pessoas ou não? Essas são algumas perguntas que nos fazem voltar ao questionamento inicial: existe um entendimento preconcebido do que seja o melhor para a criança ou para o adolescente? A relatividade e o ângulo pelo qual se pode verificar qual a decisão mais justa passa por uma subjetividade que veicula valores morais perigosos. Para a aplicação do princípio que atenda verdadeiramente ao interesse dos menores, é necessário em cada caso fazer uma distinção entre moral e ética. (PEREIRA, 2009, pp. 128-129)

O Superior Tribunal Federal tem julgado as demandas que envolvem crianças e adolescentes, de acordo com o princípio do melhor interesse, em conformidade com o art. 227 da Carta Magna.

Ocorreram, no seio da sociedade pós-moderna; mudanças significativas, em especial no seio da família. Novos paradigmas surgem na sua formação, não sendo mais possível afastar-se, ou mesmo, não dar a importância devida aos constantes acontecimentos imbrincados, no que tange a guarda, adoção e cuidados gerais das crianças e adolescentes.  Há de se afastar dos conceitos e pré-conceitos quando o tema é o melhor interesse do menor, que será avaliado, na sua aplicabilidade, “[...], pelo intérprete, através de uma escolha racional e valorativa, que deve averiguar, no caso concreto, a garantia do exercício dos direitos e garantias fundamentais pelo menor.” (PEREIRA, 2009, p. 140)

Há muito existe e coexiste, no seio da sociedade, ‘entidades familiares informais, que convivem com as famílias tradicionais’; porém, tirar as vendas que levam à cegueira e que deixava à margem social e jurídica para, a partir do fortalecimento do Estado Democrático de Direito, inaugurar a era do olhar atento, onde o direito esboça, paulatinamente, o acolhimento das novas demandas advindas das ‘novas famílias’. A Constituição brasileira efetiva tal cuidado quando positiva no seu art. 226 o cuidado amplo à família.

Nas decisões do Superior Tribunal de Justiça prevalece o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente nos julgados que os envolva. Bueno e Constanza (2010) informam que:

Quando se trata de disputas por guarda de menores, processos de adoção e até expulsão de estrangeiro que tem filho brasileiro, o que tem prevalecido nas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o melhor interesse da criança. Foi com base nesse princípio que a Quarta Turma proferiu, em abril passado, uma decisão inédita e histórica: permitiu a adoção de crianças por um casal homossexual.

Apesar de polêmico, o caso foi decidido por unanimidade. O relator, ministro Luís Felipe Salomão, ressaltou que a inexistência de previsão legal permitindo a inclusão, como adotante, de companheiro do mesmo sexo, nos registros do menor, não pode ser óbice à proteção, pelo Estado, dos direitos das crianças e adolescentes. O artigo 1º da Lei n. 12.010/2009 prevê a “garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes”, devendo o enfoque estar sempre voltado aos interesses do menor, que devem prevalecer sobre os demais. (BUENO e CONSTANZA, 2010, p. 1)

Por este entendimento prevalece não o debate acerca do núcleo familiar que busca a adoção, mas se esses estão aptos, em especial, afetivamente, em acolher uma criança e qual a contribuição para a formação integral desta.

CONCLUSÃO

A aplicação do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente efetivamente se dará, sempre, pautado em um caso concreto; onde, o operador do direito, hermeneuticamente e volitivamente, o aplicará atendendo a determinação da Carta Magna brasileira e os demais diplomas infraconstitucionais que protegem o menor em sua totalidade.


REFERÊNCIAS

BUENO e CONSTANZA ADVOGADOS. Princípio do melhor interesse da criança impera nas decisões do STJ. In. STJ. Consulta em          26/02/2011

http://buenoecostanze.adv.br/index.php?option=com_content&task=view&id=18044&Itemid=74

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. 1948. Consulta em 26/02/2011

http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm

DELFINO, Morgana. O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR: OS EFEITOS NEGATIVOS DA RUPTURA

DOS VÍNCULOS CONJUGAIS. Consulta em 26/02/2011  http://www.pucrs.br/direito/graduacao/tc/tccII/trabalhos20091/morgana_delfino.pdf

DIAS, Maria Berenice. Novos Tempos, novos termos: conversando sobre o direito das famílias. In. Artigos Jurídicos. Consulta em 02/03/2011 http://www.advogado.adv.br/artigos/2004/mariaberenicedias/novostempos.htm

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de Direito de Família: guarda compartilhada à luz da Lei 11.698/08, família, criança, adolescente e idoso.  1º ed. São Paulo: Atlas.  2008, p. 80.

GAGLIANO, Plabo Stolzer e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. NOVO CURSO DE DIREITO CIVIL: Direito de Família. As famílias em perspectiva constitucional. Vol. VI. 1ª ed. São Paulo: Saraiva. 2011, pp. 98 – 101.

Lei nº 8.069/90. Vade Mecum.  5ª ed. São Paulo: Saraiva. 2011, pp. 1971 – 1001.

LEI Nº 6.697/1979 – Código de Menores. Consulta em 26/02/2011 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1970-1979/L6697.htm

PEREIRA. Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais Norteadores do Direito de Família. 1ª ed. Minas Gerais: Editora e Livraria Del Rey. 2009, pp. 128 – 140.

PEREIRA, Tânia da Silva. O Princípio do “melhor interesse da criança”: da teoria à prática. Consulta em             26/02/2011 www.gontijo.familia.adv.br/2008/artigos_pdf/tania_da_silva_pereira/melhorinteresse.pdf

PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 3ª ed. São Paulo: Saraiva. 2009, pp. 281 – 296.

TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2007, p. 180.

UNICEF. Convenção sobre os Direitos da Criança. 1989. Consulta em 26/02/2011 http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10120.htm