Os impedimentos matrimoniais e a psicanálise


PorFernanda dos Passos- Postado em 16 novembro 2011

Autores: 
BRETAS, Hugo Rios

Sumário: 1. Introdução;  2. Impedimentos matrimoniais; 3. Problematizações psicanalíticas acerca do incesto; 4. Conclusão; 5. Referências

Resumo: Este artigo tem como escopo sopesar acerca da psicanálise na construção dogmática dos impedimentos matrimoniais, enfocando a proibição ao incesto. Influência que é flagrante e que norteia sim a razão legislativa inerente aos invocados impedimentos.

1. INTRODUÇÃO

Inicialmente é pertinente identificar que os impedimentos matrimonias se reportam a uma ordem de pertencimento inigualável em relevância na sociedade, a família. A família que apresenta diversas conceituações axiológicas historicamente.

As citadas modificações e hermenêuticas concernentes à família estão se manifestando cotidianamente e assiduamente. Quando se observa este fenômeno se percebe o inelutável desígnio do direito de acompanhar as particularidades sociais, aliás este afã caracteriza o direito.

Nessa sociedade são instauradas outras formas de constituição familiar. Formas consideradas abomináveis por parte de alguns setores sociais, como a igreja.  A partir desta abominação, constata-se a dificuldade para a aceitação de novas formas de constituição familiar. Famílias que não necessariamente estão ligadas ao casamento.

A constatação do parágrafo pretérito é impactante  aos horizontes do direito. Entretanto, trata-se de uma realidade que deve sim ser enfrentada.

Nesse cenário pluralista, no qual uma multiplicidade familiar se apresenta, que as reflexões se farão ao longo do texto, tendo como foco precisamente os impedimentos matrimoniais, bem como a psicanálise.

Destacado nesse trabalho será o incesto, que surge com um sentido legislativo central, isto é, o legislador almeja combater o incesto. Diante disso, coerente é problematizar algumas questões. Tais como: Se o direito veda e super abomina o incesto na construção dos impedimentos matrimoniais, não estaria o direito protegendo uma expectativa de direitos( os filhos, pois assim se partiria do pressuposto de que o casamento necessariamente gera filhos), quando se estiver diante de justificativa biológica ( de problemas psíquicos dos filhos de relacionamento incestuosos)  de proibição do fenômeno do incesto?

O direito abomina o incesto. Seria o incesto uma vedação cultural, moral ou jurídica?

Proibir o incesto não seria uma intervenção estatal na autonomia da vontade?

 Casamento não é plurilateral, entre partes, e não é a vontade dos nubentes que deve prosperar?

Se o Estado proíbe o incesto não está contendo a autonomia da vontade( me casarei com quem eu quiser)?

2. OS IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS

Antes de ingressar propriamente no tema que se propõe neste capítulo, é devido identificar que esses impedimentos constituem proibições para a celebração do ato conjugal.

O citado impedimento é traduzido como invalidade. Invalidade que carrega o grave efeito da nulidade do casamento. Nulidade que deve ser interpretada com toda a cautela. Sob pena de serem instauradas insuportáveis atecnias.

A nulidade para parcela da clássica teoria do direito, enseja a inexistência do ato jurídico.  Todavia, será que o plano de existência efetivamente é o mais afetado?

A existência, interpreta-se, repercute como o fenômeno que se apresenta aos sentidos humanos. Vale afirmar, os atos nulos, existiram, se apresentaram aos sentidos humanos, só serão fulminados do mundo jurídico. Entretanto, o efeito da nulidade não é fulminar a existência do fato jurídico e sim fulminar o próprio fato jurídico, após preritamente ter existido.

De modo que, o efeito da fulminação se perfará de  forma plena ou parcial, pois só acontece o invocado efeito se possível for, conforme as circunstâncias de cada caso concreto.

Perceba-se que o efeito pleno da nulidade, tem de ser capaz de promover o regresso ao estado anterior, como se não houvesse existido o fato. O que é diferente da inexistência.

Existem fatos que em meio a um arcabouço de institutos jurídicos que merecem guarida, obstam o regresso pleno ao estado anterior. Assim, o regresso ao estado anterior mesmo com o afã legislativo de positivação do efeito da nulidade, só se dará se possível for, conforme o caso concreto.

 Imagine-se uma criança de cinco anos que vindica um chocolate ao empresário pelo importe de vinte centavos. Certamente se está diante de um contrato de compra e venda, tipificado pelo Código Civil. Trata-se de um negócio jurídico plurilateral que tem como objeto uma obrigação de dar coisa, uma obrigação positiva pessoal, que se aperfeiçoa, por se tratar de um bem móvel com a tradição.

Ocorre que o citado negócio jurídico, bilateral, oneroso e comutativo vilipendia o artigo 104 do vigente Código Civil. Segundo o qual, é inválido o negócio jurídico que não traga consigo a presença de agentes capazes. Segundo  este artigo:

“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei.” (BRASIL, 2002)

A criança em comento é absolutamente incapaz, que gera a configuração da nulidade do negócio jurídico. Entretanto, há que se observar que a possibilidade de a criança já ter degustado o chocolate é no mínimo substancial. Razão pela qual, árduo será o regresso ao estado anterior. Ademais, dificilmente as partes vindicarão a nulidade do contrato de compra e venda.

Identifica-se que o negócio supra narrado, em verdade existiu, em razão da provável degustação por parte do comprador. Nesse ponto, o fato existiu? Sim existiu, isso é inconteste.

O mesmo simplório exemplo da criança é importante para a compreensão dos impedimentos. Ora, se ocorrer alguma circunstância de invalidade, a nulidade sempre será instaurada, todavia, o seu efeito precípuo de regresso ao estado anterior só acontecerá se as circunstâncias permitirem.

Em verdade, o ato nulo não pode ser tratado como ato inexistente posto que aquele é afeto ao plano de validade, e este é afeto ao plano de existência.

Em consonância ao cotejo realizado entre inexistência e nulidade está Francisco Amaral. Segundo o qual o  ato inexistente tem com a ausência de  elementos, dados como essenciais à formação do negócio jurídico. O que compromete a própria existência do fato.  Existência essa, que se reporta à existência legal, e não material.

Ainda que se pense na concepção de existência legal, há que se ponderar no exemplo da criança, que o ato existiu materialmente e legalmente. A percepção deste fenômeno se deve a possibilidade de, exemplificadamente, o representante da criança vindicar a reparação dos eventuais vícios concernentes à coisa, sob a égide civil ou mesmo consumeirista. Nesse exato ponto, o fato jurídico tanto existiu que está produzindo efeitos na órbita jurídica, em razão das conseqüências produzidas pelo negócio jurídico de compra e venda e venda nulo. O negócio jurídico, portanto, não foi ignorado, não foi reputado como inexistente.  Em verdade, interpreta-se, o ato nulo pode ter existência legal no primeiro momento, além de conseqüências. Existência que pode ser por conseguinte reputada a sua nulidade. Mas, afirmar que desde o primeiro momento não há quaisquer possibilidades de existência jurídica do negócio jurídico tido como nulo pela dogmática civil, não seria deveras preciso.

Acrescenta, em consonância ao pensamento supracitado, Francisco Amaral que o ato inexistente, segundo a  dogmática de países como França e Portugal, é um puro fato, sem existência legal. Acontece que o Código Civil brasileiro não corrobora com esta visão. O código civil pátrio, reputa que o ato inexistente não produzirá efeitos. Diferentemente dos nulos, que poderão eventualmente produzi-los.  

Como é importante a comparação entre inexistência e nulidade para o entendimento dos impedimentos matrimoniais. E será a visão anteriormente decantada que será aplicada aos impedimentos matrimoniais.

A invalidade pode ser compreendida como gênero, que se fraciona em duas espécies. Quais sejam, impedimentos matrimoniais  e enfermidade mental. Ambas codificadas no artigo 1.548 do Código Civil. Suporte esse, que tem a subseqüente dicção:

Da Invalidade do Casamento

Art. 1.548. É nulo o casamento contraído:

I - pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

I - por infringência de impedimento”. (BRASIL, 2002)

Uma das hipóteses de invalidade é de ordem psíquica, que remete o estudioso do direito, a teoria das incapacidades. Ordem essa, codificada no inciso I. Aliás, esse preceito tem uma redação muito similar àquela do artigo 3º do Código Civil, que qualifica como absolutamente incapaz aquele os que: “II- por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos.”

A similitude redacional entre o artigo 3º, inciso II e o artigo 1.548, em seu inciso II, é flagrante. Tamanha que, não seria estranha a indagação seguinte: invalidado para o casamento é absolutamente incapaz sob a égide psíquica, excluindo os relativamente incapazes sob a mesma égide?

O mérito deste trabalho consiste na reflexão acerca do inciso I do artigo 1.548 do Código Civil, este sim que está preocupado com os impedimentos matrimoniais. Esses que estão positivados no artigo 1.521. Suporte fático composto por sete incisos e que têm essa redação:

Art. 1.521. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; 

II - os afins em linha reta;

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.” (BRASIL, 2002)

A partir da redação desse artigo, é inelutável a constatação de que são hipóteses graves. Sobre as quais um efeito danoso se opera. Efeito que pode  ser apreendido até por meio da expressão “não podem casar”.

Os impedimentos matrimoniais são considerados impedimentos dirimentes. Sobre os quais, repita-se, incide o efeito da nulidade, e sobre os quais se atribui gravidade.

Na concepção de César Fiúza são impedimentos dirimentes precisamente por se saber que caso o casamento ocorra nas hipóteses arroladas no artigo 1.521 do Código Civil, nulo será considerado o casamento. Impedimentos que também, ante o seu impacto, são considerados impedimentos dirimentes públicos.

Com uma leitura do artigo 1.521 do Código Civil, segundo César Fiúza, algumas razões legislativas podem ser extraídas, entre as quais, o combate ao adultério, à bigamia, ao incesto, ao rapto, à coação. Segundo o autor:

“Impedimentos matrimoniais são causas que tornam o casamento impossível para ambos ou um só dos noivos. Há impedimentos de duas categorias. A primeira categoria congrega os chamados impedimentos dirimentes. Por que dirimentes? Porque impedem a realização do casamento e, se por acaso ele ocorrer, torna-o inválido, pondo-lhe fim. Os impedimentos dirimentes podem ser públicos ou privados.” (FIUZA, p.935, 2005)

Os impedimentos dirimentes públicos, objetivam proibir a constituição de um casamento, caso se viole impactantes institutos.  Gravidades que foram a base para a construção do artigo 1.521 e que demonstram uma preocupação destacada, qual seja, proibir o incesto.

O incesto, acredita-se, foi o elemento mais basilar para a codificação do artigo 1521 do Código Civil. Todavia, o incesto se junta outros tantos, alguns já propagados. Nas palavras exatas de César Fiúza, são os subseqüentes:

“Homicídio- Ninguém poderá casar-se com quem quer que lhe tenha matado (ou tentado matar) o cônjuge. Por exemplo: João e Maria são casados. Se José mata João, Maria e José não podem se casar. Para que valha o impedimento, o autor do homicídio ou tentativa deverá ter sido por tal condenado criminalmente”. ( FIUZA, p. 935, 2005)

O artigo 1521 apresenta sete incisos, cinco dos quais têm como razão legislativa direta ou indireta a proibição do incesto. As ressalvas são os incisos VI e VII, que têm como propósito respectivamente a proibição da bigamia e macular o homicídio.

Perceba-se o impacto do incesto, perceba-se o desígnio de se fulminar o incesto. Ora, no preceito primário que traz medidas mais gravosas acerca do casamento, o incesto entre as mais graves hipóteses foi o mais basilar.

Nessa seara, compreender as razões pelas quais o legislador objetivou tão sobejamente enfatizar o seu afã de abominar o incesto, pode ter explicações psicanalísticas. Razões pelas quais, emerge a pertinência temática no que tangencia a interface entre a psicanálise e os impedimentos matrimoniais.

3. PROBLEMATIZAÇÕES PSICANALÍTICAS ACERCA DO INCESTO

Conforme já se exteriorizou, é perceptível que a razão legislativa que abalizou a construção do artigo 1.521, consiste pelo combate ao incesto.

Incesto que merece ser conceituado para se entender com precisão o objeto de estudos que se propõe. Nessa busca conceitual, César Fiúza reputa que o incesto é a união verificada entre alguns parentes e que é abominada pelo legislador.

Nem todas as uniões entre parentes são abominadas. Segundo o Código Civil, os parentes que têm vocação hereditária são aqueles cujo parentesco não esteja além do quinto grau em linha colateral.  E a definição acerca das vocações hereditárias foi um ponto destacável no assunto que se argumenta. Todavia, o parentesco é determinado pela ancestralidade sob a égide civil, consangüínea ou por afinidade e não existe tão somente até o quarto grau. Ocorre que para fins sucessórios a vocação se restringirá ao quarto grau.

Para Fiúza, o incesto se caracteriza na relação entre parentes em linha reta, como os pais com seus respectivos filhos. Assim como é incestuosa o casamento entre irmãos, exemplificadamente e outras. Segundo o autor:

“Incesto é união entre certos parentes. Para o Direito, é considerada incestuosa a união dos parentes em linha reta, ou seja, pais, avós, bisavós, filhos, netos, bisnetos etc. Estes parentes não podem se casar entre si, ainda que o parentesco seja por adoção, uma vez que os filhos adotivos se equiparam aos filhos consangüíneos. A mesma proibição se estende ao casamento entre o adotado e o ex-cônjuge do adotante e ao casamento entre o adotante e o ex-cônjuge do adotado. Tampouco podem casar-se os parentes em linha reta por afinidade como, por exemplo, o sogro com a nora, a sogra com o genro, ainda que sejam viúvos ou divorciados. Também se considera incestuoso o casamento entre irmãos, mesmo que um deles ou ambos tenham sido adotados. Por fim, os parentes em linha colateral até o terceiro grau, inclusive, isto é, tios e sobrinhos, não podem contrair núpcias.” (FIÚZA, 2005, p. 935)

A par do incesto, uma conclusão que se pode extrair é que são circunstâncias de cunho objetivo, que afastam qualquer possibilidade de casamento em tais circunstâncias.

Mais especificamente em relação à psicanálise é fundamental sopesar que o incesto tem especial concatenação na construção do artigo 1.521 do Código Civil.

Mirreile Cifali citando Freud, firma o seguinte pensamento:

“`O incesto é um fato anti-social que a civilização, para existir, teve aos poucos de renunciar´. Quer dizer, o humano se desenvolve a partir de um `sacrifício´ fundador, o do poder absoluto e o do gozo absoluto.” (CIFALI, 1999, p. 22)

Rodrigo da Cunha Pereira pondera acerca do “totem”, que se concebe como especial para o entendimento da proibição ao incesto. Segundo o autor “totem”, pode ser considerado um animal, um vegetal, ou algum fenômeno da natureza, que merece reverência por parte de um grupo de pessoas, além de transmitir um conotação ancestral.

“Totem” comumente para algumas comunidades pode repercutir como um axioma, uma verdade incontestável. Sobre a qual se esvaem quaisquer pretensões argumentativas mais profundas.

Diante disso, para a inelutável discussão acerca da conotação moral ou dogmática da proibição do incesto, tem-se o “totem” como pertinente para o debate. Posto que o incesto poderia ser concebido como um axioma para dadas comunidades. E que, portanto, constrói uma blindagem sobre qualquer pretensão legitimadora acerca do incesto. Uma vez que cada “totem” pode exercer dada vedação concernente ao relacionamento sexual.

Certamente o incesto é abominado na órbita civil, por uma questão moral também.

Interessante é constatar antropologicamente e psicanaliticamente, ainda segundo Pereira, que de fato se instaura um horror ao incesto, um repúdio substancial ao incesto, o que denota sim um caráter proibitivo de cunho moral. Segundo o autor “apud” Sigmund Freud, a religião, a moral, convergirão para o complexo de Édipo, que será explicado por conseguinte.  

O que se constata, na mesma linha teórica, é que algumas tribos vedavam o relacionamento entre pais e filhos, outras tantas, entre genros e sogras, e outras tantas variações. Variabilidades que, compiladas, foram auxiliares na construção do suporte fático em comento.

Nessa seara, uma outra constatação de Rodrigo da Cunha é que a lei é a contraposição ou a mitigação ou o exercício de freios sobre desejos, inclusive de ordem sexual.

Esse afã legislativo, inerente ao artigo 1.521, transmite nitidamente um anseio legislativo de conter eventuais desejos sexuais incestuosos. Ora, o que o legislador codificou? Codificou que se alguém tiver desejos incestuosos de ordem subconsciente, impossível será o direito atingi-lo. Mas, se tais desejos forem exteriorizados, o legislador não permitirá que se chegue na ordem de pertencimento casamento. Isto é, o legislador não permitirá que se atinja o elemento central da sociedade, família.

Mas, será que é justificada a proibição “erga omnes” do incesto? Como a psicanálise concebe o incesto?

Propedeuticamente já se depurou que se tem um horror ao incesto. Mas, com ponderações, tendo em vista distintos “totens”.

Para se atingir tal explicação emerge identificar o complexo de Édipo, feito em investigação antropológica por Freud, segundo Pereira. Nesse patamar, a primeira lei sobre a qual o indivíduo se submete, consiste na lei paterna, que já deve se portar no sentido de afastar completamente o filho de qualquer desejo sexual em relação seus irmãos, pais, avós, etc.

Se a citada lei paterna não se impuser em face do filho, tempestivamente, o risco de desejos incestuosos podem ser fortificados. O pai deve se portar de tal forma, que elida qualquer aproximação mais intensa dos filhos para com os pais. Há que se solidificar o horror ao incesto. O que permite a constatação de que não é impossível, psicanaliticamente, o desejo incestuoso. Razão pela qual, há que se conter este desejo.

Há que se ter cautelas e adotar medidas racionais para conter o incesto. Pois, conforme já se apurou, de modo algum a psicanálise firma o entendimento de que é impossível o desejo incestuoso. O que acontece é que o homem traz consigo desejos sexuais intensos que não podem ser manifestos a todo instante. Motivo pelo qual se faz necessário que haja a transmissão desses desejos sexuais em outros meios sociais, sob pena de danos psíquicos.

Nas palavras Mireille Cifali:

“A pulsão sexual, montagem de pulsões parciais, não poderia ser compreendida como o inimigo radical da civilização: ela `põe à disposição do trabalho cultural uma extraordinário  quantidade de forças, sem dúvida em conseqüência de  sua propriedade particularmente pronunciada de deslocar sua meta sem perder em termos essenciais sua intensidade. Denomina-se capacidade de sublimação essa capacidade de trocar a meta, que é sexual na sua origem, por uma outra que já não é sexual mas que parentesco psíquico com a primeira’. Mas o texto esclarece que `esse processo de deslocamento´ tem seus limites, que certa dose de satisfação sexual direta é indispensável, podendo sua carência levar ao surgimento da doença.” (CIFALI, 1999, p. 25)

Pereira “apud” Levi Strauss, pondera que controles sociais sobre relações sexuais sempre existiram e persistirão. O que constrói o entendimento sobre a proibição ao incesto é basilar em relação às demais leis. Trata-se da lei paradigma, a lei referencial, por intermédio da qual boa parte das leis individuais são sedimentadas. Motivo pelo qual, o exercício desta castração, obstando qualquer desejo, na formação individual, é condição essencial para a eficácia das demais imposições.

Freud, segundo Pereira, chega a reputar que será o entendimento sobre o complexo de Édipo, que permitirá a construção saudável das leis da sociedade.  Complexo esse, que é compreendido como o desejo incestuoso pela figura da mãe, e em contrapartida, a deflagração da disputa com o pai.

Para Bruno Bettelheim o complexo de Édipo:

“Freud criou o termo “complexo de Édipo” para descrever a profusão de idéias, emoções e impulsos, todos em grande parte ou inteiramente inconscientes, que gravitam em torno das relações que uma criança forma com seus pais. É impossível compreender por que Freud escolheu esse termo – essa metáfora – se não estivermos familiarizados com importantes detalhes da história de Édipo. Lamentavelmente,  a maioria dos graduados de universidades americanas a quem tentei expor a psicanálise tinha apenas uma vaga noção do mito de Édipo ou da tragédia de Sófocles, Édipo Rei.” (BETTLHEIM, 2002, p. 34)

O parágrafo anterior permite a inferência de que uma sociedade que não concebe bem o complexo de Édipo, e que não contem o incesto é uma sociedade com flagrantes possibilidades de perversões e descontrole moral dos cidadãos. Motivo pelo qual, enxerga-se coerência do legislador civil, ao enfatizar seu  repúdio ao incesto.

Nessa questão, afirma-se que sem o entendimento acerca do horror ao incesto, comprometida estará a personalidade do indivíduo. Isto é, ter repúdio ao incesto é imprescindível para a construção da moral.

Os papéis exercidos, por exemplo, por irmãos em uma casa, transmitem sentimentos incontestes de amizades, sem qualquer conotação diversa. Nesse sentido, é abalizada a educação dos pais aos seus filhos, vale afirmar, educa-se com o absoluto desígnio de repelir qualquer indício de incesto.

A importância da castração é identificada nas palavras de Strauss, segundo o qual:

“A proibição do incesto não é nem puramente de origem cultural nem puramente de origem natural, e também não é uma dosagem de elementos variados tomados de empréstimos parcialmente à natureza e parcialmente à cultura. Constitui o passo fundamental graças ao qual, pelo qual, mas sobretudo no qual se realiza a passagem da natureza para a cultura.” (PEREIRA “apud” STRAUSS, 2003, p. 20)

O complexo de Édipo traz efeitos nefastos à família. E em consonância à sociologia, com o prejuízo à família, com a permissão ao incesto, a possibilidade de anuência à promiscuidade é razoável.  E uma sociedade promíscua, é uma sociedade fadada à anomia, que segundo Durkheim, se traduz a ausência de regras morais.

4. CONCLUSÃO

Assim, a psicanálise não ignora a possibilidade de incesto, entretanto, o papel fundamental dos pais é o exercício da castração, sob pena de o complexo de Édipo se aflorar. Por essas razões, o direito é contributivo e participativo no sentido de obstar afloramento do complexo de Édipo. Obstáculo que deve ser ofertado cotidianamente, pois a lei basilar é a vedação do incesto, prática essa intimamente ligada à promiscuidade.

Portanto, o direito assume vital participação no processo de construção da moral individual a partir da codificação do horror ao incesto. Isto é, o direito é fundamental na proibição da promiscuidade, tão abominável em um direito racional.

Em remate, se o direito legitimasse e não escalasse o incesto como um impedimento de ordem pública comprometida estaria toda a ordem racional do direito brasileiro. Nesse ínterim, o artigo 1.521 tem central relevância no ordenamento jurídico brasileiro, pois lá está o preceito por meio do qual se constrói a lei basilar do homem, uma lei de ordem psicanalítica, uma lei que objetiva a sedimentação do horror ao incesto.

 

Referências
BETTELHEIM, Bruno. Freud e a alma humana. 7.ed. São Paulo: Cultrix, 2002.
BRASIL, Código Civil, lei 10.406/2002. Organização dos textos, notas remissivas, índices e Adendo Especial do Código Civil de 1916 por Lívia Céspedes, 59a edição, São Paulo: Saraiva, 2008.
CIFALI, Mirreille; FRANCIS, Imbert. Freud e a Pedagogia. São Paulo: Loyola, 1999.
FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 9. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família: Uma abordagem psicanalítica. 3ª . Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de Graduação. Sistema de Bibliotecas. Padrão PUC Minas de normalização: normas da ABNT para apresentação de trabalhos científicos, teses, dissertações e monografias. Belo Horizonte, 2008. Disponível em: <http://www.pucminas.br/ biblioteca>. Acesso em: 22 de dezembro de 2010.
QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. 2. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2009.