O papel socioeconômico dos jurados e sua influência nas decisões do Tribunal do Júri


PorPedro Duarte- Postado em 26 junho 2012

Autores: 
Amarildo Alcino de Miranda

A instituição do Tribunal do Júri sempre repassou a idéia central de que o julgamento seria sempre pelos pares do réu, entretanto o cuidado em todas as épocas foi muito mais com a composição do que as decisões que geralmente são proferidas.

A instituição do Tribunal do Júri sempre repassou a idéia central de que o julgamento seria sempre pelos pares do réu, entretanto o cuidado em todas as épocas foi muito mais com a composição do que as decisões que geralmente são proferidas. Daí, ao longo dos tempos, desde as civilizações antigas, verificando os textos constitucionais, e o Código de Processo Penal Brasileiro em vigor, todos tiveram e têm a preocupação de que a composição do corpo de jurados fosse ora preenchida por notáveis, ora por possuidores de bens (ditos cidadãos gregos), com a intenção de privilegiar aqueles que compactuam com o poder dominante e, certamente, com sua ideologia.

Os detentores de poder e prestígio econômico eram escolhidos para os conselhos de julgamento, como forma de demonstrar a sua superioridade em relação ao abastardo, o esclarecido, com a intenção de promover a justiça, pois acreditavam que a justiça só poderia ser promovida pelas mãos dos sábios e esclarecidos. Logo, os termos encontrados nos textos e doutrina que relatam tal história são: “Os bons”, “íntegros”, “sábios”, “cidadãos”, “honrados”, “idôneos”, “probos”, etc.

A lei prescreve normas, com cautela, para garantir a imparcialidade dos jurados do Tribunal do Júri. Assim sendo, exige que o corpo de jurados seja escolhido mediante sorteio, a partir de uma lista apresentada ao juiz, que geralmente, na Comarca da Capital de Santa Catarina, na sua maioria, é composta por funcionários públicos. Neste caso, são os órgãos públicos que indicam estas listas de jurados para sorteio, sem um mecanismo muito sofisticado e efetivo de verificação da idoneidade dos indicados. Como se percebe no tocante à idoneidade nada se analisa, e o que pode falar então do perfil ideológico destes jurados escolhidos? Não se sabe nada sobre suas convicções, suas origens, tendências, opiniões, costumes, afinidades, etc. Entretanto, o exercício efetivo da função de jurado é considerado serviço público relevante, e, como tal, dá uma presunção de idoneidade moral, com estabelecimento de regalias em crime comum a ponto de ter o seu autor prisão especial até o julgamento, e, nas concorrências públicas, no caso de empate, terá a preferência, conforme fundamentos do art. 437 do CPP, a saber:

Art. 437. O exercício efetivo da função de jurado constituirá no serviço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo, bem como, preferência em igualdade de condições, nas concorrências públicas.

Nas capitais brasileiras, incluindo Florianópolis, a maioria são funcionários públicos, em decorrência do instituto da estabilidade funcional, e por ser atividade de jurado não remunerada. Nota-se que se torna mais fácil pegar listas prontas das repartições públicas, ao invés de publicarem editais, convocando os abnegados cidadãos do povo a prestarem este serviço relevante, e mesmo porque os profissionais liberais teriam prejuízo pelos dias destinados à sessão do Júri.

Considerando-se a remuneração dos servidores públicos em geral, face à política devastadora das instituições e serviços públicos aplicada ao longo dos anos, pode-se afirmar não pelo aspecto econômico, mas pelo conhecimento, que os funcionários públicos estão colocados na pirâmide social tradicional, classe social média, pois tem concepções ideológicas com certeza burguesas, pelo menos em relação a suas aspirações do ponto de vista socioeconômico.

Se for trazido para o campo prático da sessão do Tribunal do Júri, percebe-se que o corpo de jurados elimina da sua composição os excluídos socialmente, aquelas camadas de onde a maioria dos réus são provenientes, e nesta perspectiva cai por terra o princípio do julgamento pelos seus pares. Sabe-se que pares é sinônimo de igualdade, e por conseqüência há a idéia falsa de igualdade social, pois a sociedade não é homogênea, existem diferenças sociais implícitas e explícitas. A sociedade é heterogênea, e, mesmo na composição social, os pertencentes às mesmas camadas possuem diferenças marcantes. Nesta óptica, opta-se pela sociedade que excluiu o réu, para a função, também, de decidir pela punição, demonstrando a duplicidade da sanção, exclusão e a penalização social.

Tal constatação não tem a idéia de propagar que o criminoso tenha que ser julgado pelos pobres e excluídos socialmente, mas a intenção de realizar uma reflexão sobre a realidade das sessões, do método utilizado para a seleção de pessoas para comporem os conselhos de sentença. É preciso que as pessoas escolhidas possam reconhecer suas limitações e perspectivas acerca da realidade do réu, e que suas decisões na verdade seja o resultado de uma elaboração preestabelecida deste fato ocorrido. É uma tarefa extremamente difícil fazer auto-análise das suas decisões proferidas, bem como a realização do fenômeno que chamamos de projeção, ou seja, a capacidade de se colocar do outro lado, sentir as emoções, sentimentos, necessidades do outro, realizar abstrações da idéia preconcebida, enfim compreender a outra verdade posta, e ter a capacidade de contrastá-la com a real e, quem sabe chegar à verdade substancial dos fatos.