A nova redação do art.213 do CP constitui crime único ou pluralidade de crimes?


PorThais Silveira- Postado em 03 maio 2012

Autores: 
Flávia Regina Oliveira da Silva

A nova redação do art.213 do CP constitui crime único ou pluralidade de crimes?

Flávia Regina Oliveira da Silva

O Código Penal necessitava de uma reforma urgente, já que se encontrava defasada por esta em vigor desde  1940, onde definia o homem como pessoa ativa e a mulher como pessoa passiva. As mudanças principais trazidas pela  Lei 12.015/2009 foram : a  alteração do Titulo VI  Dos crimes contra o costume para Crimes contra a dignidade sexual, que significa a  tutela da liberdade e do desenvolvimento sexual de cada pessoa; também houve a supressão do termo “mulher” no tipo penal podendo qualquer pessoa ser vitima do delito, e a incorporação do atentado violento ao pudor ao crime de estupro.[1]

Anterior a Lei 12.015/2009 o estupro e o atentado violento ao puder eram considerados pela doutrina majoritária espécies de crimes diferente (autônomos), de forma que na pratica de ambos os crimes haveria concurso material, que nada mais é que as soma das penas. (HC 86238 STF).  Com a  reforma  passou-se a unificar numa só figura o estupro e o atentado violento ao pudor (mera novatio legis), fazendo desaparecer o último da forma autônoma, sendo inserido no contexto do estupro, isto é, não ocorreu a revogação do tipo penal (abolitio criminis). Contudo se discute se o crime é único ou continua a aplicação do concurso material. [2]

No seu livro Celso Delmanto defende que de acordo com as circunstâncias poderá ser um crime único ou concurso de crime. Quando uma conduta absolver a outra, ou seja, a primeira fase (ato libidinoso) constitui execução para a seguinte (estupro) teremos crime único.  Porém quando não for possível ver nas ações simultaneidade no nexo causal, teremos delitos autônomos, ou seja, a conjunção carnal e outros atos libidinosos autônomos. O ultimo argumento respeita o espirito da lei, à dignidade da pessoa humana e a proporcionalidade na aplicação da pena.[3]

De acordo com Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches,[4]  Guilherme de Souza Nucci [5] e Damásio de Jesus [6] defendem a tese de que o crime previsto no art. 213 do Código Penal, possui diversas condutas de conteúdo variado, ou seja, se agente realizar uma das condutas ou todas, desde que contra a mesma vitima, dentro do mesmo contexto fático, constituirá um só crime, devendo o juiz analisar tais circunstâncias na fixação da pena.

Que é um crime único, a maior parte da doutrina e alguns Tribunais de Justiça, bem como algumas Turmas do Supremo Tribunal Federal já sentenciaram dessa forma. Porém se questiona se o tipo misto é cumulativo ou alternativo, no primeiro há a previsão de mais de um delito distinto, ocasionando para cada violação a aplicação de uma pena, dando causa ao concurso de crimes, enquanto o segundo a violação de uma ou várias condutas implica no cometimento de um único delito.[7]

 Há quem sustenta que o art.213 do Código Penal é um tipo misto cumulativo, onde prevê no mesmo tipo penal figuras delitivas distintas. Nesse caso se o agente desenvolver duas condutas, contra a mesma vitima, no mesmo contexto fático, responderá por dois delitos, observando a regra do concurso material. Como foi sustentado na decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos Habeas Corpus 104.724/MS e 78667/SP.[8]

Conforme Guilherme de Souza Nucci [9] aduz em seu livro, é um posicionamento injusto:

“... privilegiando a tese da cumulatividade ou dos tipos penais conjuntos, constituindo cada conduta um delito distinto, o agente que praticar num estupro sete atos libidinosos responderá em concurso material totalizando, no mínimo, de 42 anos de reclusão, cuidando-se de delitos hediondos.”

Analisando o trecho acima demonstra claramente afrontar o princípio da legalidade e o princípio da proporcionalidade, isto porque coloca  a dignidade sexual acima do principio da dignidade da pessoa humana, “provocando um excesso punitivo não encontrado em outro cenário de tutela penal a bem jurídico igualmente relevante.”[10]

Porém Luís Flávio Gomes discorda do fundamento descrito anteriormente (tipo penal misto alternativo) já que o tipo misto cumulativo possui dois viés, podendo ser unitário, quando se trata do mesmo contexto fático, contra a mesma vitima, por ocorre maior desvalor do fato será punido mais severamente, porém continuará sendo um crime único; ou concursal, aqui praticasse varias condutas em momentos diversos, portanto terá a pluralidade de crimes que será cumprida a pena por meio do concurso material. Para o ilustre autor é crime único mas trás como argumento o tipo penal misto cumulativo unitário.[11]

Com o estudo aprofundado da matéria concluo que quando o agente praticar contra a mesma vitima, o estupro e o atentado violento ao pudor, no mesmo contexto fático, constitui crime único. Portanto o tipo penal é misto cumulativo unitário, independente de quantas condutas praticar contra a vitima, o agente só responderá pelo estupro, mas deverá o juiz observar na fixação da pena que o atentado violento ao pudor importa em maior desvalor do fato, logo proporcionará um aumento de pena, seguindo os princípios constitucionais vigentes. Tendo como fundamento Constitucional o princípio da dignidade humana que é uma norma supra legal, que possui supremacia perante as normais infraconstitucionais, não podendo  ser minimizada pela dignidade sexual. 

 

Referências Bibliográficas:
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus. Matéria Penal. Estupro e atentado violento ao pudor. Crime único. Habeas Corpus n 86110. Relator : Min. Celso Peluso. Brasília, DF, 2 de março de 2010.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça Quinta Turma. Habeas Corpus. Matéria Penal. Estupro e atentado violento ao pudor. Concurso Material. Habeas Corpus n 78.667. Relator: Min. Félix Fischer. Brasília, DF, 22 de junho de 2010.
BARRETO, Mayara. Nova lei contra os crimes sexuais gera polêmica. Disponível em : http://www.conjur.com.br/2010-jul-12/judiciario-nao-entende-aplicacao-lei-crime-sexuais. Acesso em : 20 agosto. 2010.
DEMALTO, Jr. Roberto. DELMANTO, Roberto. DELMANTO,Celso. Código Penal Comentado. 8ªed. São Paulo: Saraiva. 2010.
GOMES, Luiz Flávio. Crime contra a dignidade sexual e outras reformas penais. Disponível  em http://www.lfg.com.br – 14 setembro 2009.
GOMES, Luiz Flávio. Estupro e atentado violento ao pudor: crime único ou concurso de crimes ? Disponível em http://www.lfg.com.br – 01 julho de 2010.
JESUS, Damásio Evangelista de. Estupro e atentado violento ao pudor: crime único ou concurso material ?. São Paulo : Carta Forense. 2009.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10ª ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2010.
 
Notas:
[1]    BARRETO, Mayara. Nova lei contra os crimes sexuais gera polêmica. Disponível em : http://www.conjur.com.br/2010-jul-12/judiciario-nao-entende-aplicacao-lei-crime-sexuais. Acesso em : 20 agosto. 2010. 1-3-4 p.
[2]    NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10ª ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2010. 913 p.
[3]    DEMALTO, Jr. Roberto. DELMANTO, Roberto. DELMANTO,Celso. Código Penal Comentado. 8ªed. São Paulo: Saraiva. 2010. 693 p.
[4]    GOMES, Luiz Flávio. Estupro e atentado violento ao pudor: crime único ou concurso de crimes ? Disponível  em http://www.lfg.com.br – 01 julho de 2010. 3 p.
[5]    NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10ª ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2010. 901.p
[6]    JESUS, Damásio Evangelista de. Estupro e atentado violento ao pudor: crime único ou concurso material ?. São Paulo : Carta Forense. 2009. B8 p.
[7]    GOMES, Luiz Flávio. Crime contra a dignidade sexual e outras reformas penais. Disponível  em http://www.lfg.com.br – 14 setembro 2009. 2p.
[8]    BRASIL. Superior Tribunal de Justiça Quinta Turma. Habeas Corpus. Matéria Penal. Estupro e atentado violento ao pudor. Concurso Material. Habeas Corpus n 78.667. Relator: Min. Félix Fischer. Brasília, DF, 22 de junho de 2010.
[9]    NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10ª ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2010. 903 p.
[10]  NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10ª ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2010. 902 p.
[11]           GOMES, Luiz Flávio. Crime contra a dignidade sexual e outras reformas penais. Disponível  em http://www.lfg.com.br – 14 setembro 2009. 4 p.

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