Nova lei de Drogas


Porwilliammoura- Postado em 18 abril 2012

Autores: 
MACENA, Aldinei Rodrigues

Nova lei de Drogas

Introdução

Abordaremos no presente trabalho o problema do tráfico de entorpecentes e drogas afins no Brasil, com uma rápida passagem pelo histórico mundial de combate ao narcotráfico, neste ponto abordaremos os problemas sociais que dificultam o combate à produção de entorpecentes o mundo.

O Brasil tentou através de diversas legislações enfrentar o problema das drogas, porém novas drogas surgiam, até que o legislador conseguiu encontrar um conceito genérico para essas substancias proibidas e assim tipificar adequadamente a conduta com o advento da  lei 6.368/1976.

Porém a sociedade evolui e com ela seus problemas, de forma que os  traficantes passaram a agir de forma a obter lucro, sem no entanto ter contato direto com o produto do crime, surgindo outros atores importantes na prática do ilícito, como por exemplo, o financiador do tráfico, de forma que mais uma vez o legislador teve que agir para poder tipificar essa importante prática delitiva, evitando assim a impunidade desses criminosos, através da lei 11.343/2006.

A lei 11.343/2006 trouxe muitas novidades, dentre as quais destacamos o surgimento de novos verbos nucleares do tipo, de forma que a lei classifica como crime de tráfico 18 condutas.

Além disso, dispõe a lei 11.343/2006 sobre a adoção de uma nova política nacional sobre drogas, passado a humanizar o tratamento legal dispensado aos usuários de drogas, através do abrandamento e adequação das penas cominadas a conduta de uso, de forma a impor sanção que vise reeducar e ressocializar o usuário.

Tal abrandamento tem sido alvo de críticas por parte da doutrina e da sociedade, pois alguns consideram que houve a descriminalização do uso de drogas, porém a conduta não deixou de ser tipificada, antes as penas foram abrandadas e adequadas tendo em vista não ter qualquer utilidade para a sociedade encarcerar os usuários.

Para melhor entender o problema das drogas será necessário conhecer alguns aspectos relativos a relação estreita entre as drogas e a práticas de outros ilícitos, conhecer também algumas particularidades sobre a política nacional sobre drogas contida a lei 11.343/2006.

Além disso, as mudanças introduzidas pela lei 11.343/2006 trouxeram o agravamento das penas para a condutas tipificadas como tráfico ilícito de entorpecentes, sendo necessária o confronto desta com a legislação anterior para entender melhor as mudanças.

Outrossim, tem destaque no presente trabalho o crime organizado, de forma que devido a aspectos inerentes a logística internacional, os criminosos tem se organizado para melhor explorar o trafico de drogas, que hoje é considerado um crime transnacional, como parte do fenômeno de globalização mundial dos crimes.

Destarte, analisar a equiparação do tráfico de drogas à categoria de crimes hediondos, que significa agravamento na situação de agentes que forem condenados por essa prática ilícita, como a maior dificuldade para alcançar a progressão de regime prisional, por exemplo.

Enfim, para melhor abordagem do tema será necessário conceituar diversos elementos que estão ligados ao tema, como as drogas, o tráfico, o crime organizado, os crimes hediondo, etc.

O presente trabalho tem o escopo de mensurar genericamente as inovações introduzidas no ordenamento pátrio, principalmente as novas condutas tipificadas como tráfico de entorpecentes e drogas afins.

Capitulo I

1.1.        Evolução Histórica no Brasil e no Mundo

As substancias conhecidas como droga nem sempre foram de uso proibido no mundo, aliás em alguns países seu uso ainda é comum e lícito, até o fim do século XIX a coca ainda era muito utilizada, tanto no dia a dia das pessoas, como pela medicina, conforme o excerto:

Na década de 1880, a folha de coca, matéria-prima da cocaína, já era consumida, em forma de chá, por toda a Europa e América do Norte. O chá era conhecido como "melhorador do humor" e sua comercialização era livre. Naquela época, a cocaína passou a ser processada pela indústria farmacêutica para uso como anestésico, estimulante mental e do apetite, afrodisíaco, tratamento da asma e de problemas digestivos. Também foi descoberta sua potência quando injetada e assim o seu uso se popularizou (SOUZA, 2008).

O mesmo ocorreu com a maconha, conhecida como cânhamo e largamente utilizada na fabricação de têxteis até o início do século XX, além disso, era consumida livremente e até receitada pelos médicos, sendo comprada nas farmácias com o nome de cigarros da Índia, indicada inclusive para aumentar o apetite sexual, nesse sentido:

Já a maconha teve seu cultivo incentivado durante décadas pela indústria que utilizava seus talos para fazer fibras de cordas e têxteis, por causa de sua incrível força e resistência. Também fez, durante séculos, em vários países, parte do arsenal da medicina popular e no final do século 19 foi usada em vários medicamentos produzidos por laboratórios farmacêuticos dos Estados Unidos, sendo indicada como antiespasmódico, analgésico e dilatador de brônquios. No início do século 20, com o aparecimento da morfina, que oferecia melhores resultados, os médicos perderam o interesse pela maconha. No Brasil, ela foi usada como remédio de 1900 a 1930 e era e receitada pelos médicos para insônia, úlcera gástrica, asma e até ronco (GRECO FILHO, 2008: p.2).

Assim, parte do incentivo à proibição estatal para o cultivo e uso destas substâncias vem do fato de não serem mais tão interessantes à indústria, portanto, a principal finalidade econômica a que se destinavam, não mais existe; por outro lado, descobertas sobre a potencialidade dessas substâncias quando utilizadas de forma inadequada levaram ao aumento do consumo indiscriminado, fazendo com que se tornasse uma preocupação dos Estados inerentes á saúde pública, portanto, foram o desinteresse comercial da indústria e o aumento do consumo que levaram os Estados a proibir o uso, o cultivo, a produção e a comercialização dessas substâncias.

 Porém, países subdesenvolvidos da América do Sul, como a Colômbia e a Bolívia, tinham suas economias extremamente dependentes do cultivo e comércio dessas substâncias, de forma que os governos continuaram a incentivar tal prática, apesar dos principais  compradores não mais se interessarem pelo produto. Isso porque passou-se a vender essa produção para o mercado clandestino, surgindo assim, a figura dos narcotraficantes, nos Estados Unidos, o mercado ilegal da Droga também tinha contorno consideráveis em relação ao seu Produto Interno Bruto (PIB), na Colômbia e a Bolívia a coca representava praticamente todo PIB nacional:

Segundo, relatos históricos, a droga se tornou fonte de riqueza e de investimento. Já no final da década de 80, o comércio representava 75% do PIB da Bolívia, sendo destes, 50% oriundo do comércio clandestino; no Peru, o índice chegou a 90% e na Colômbia, 23% e nos EUA, em torno de 5%. Trata-se de um negócio empresarial. Nos EUA, a movimentação com as drogas chegou a atingir 10% do PIB, igual ás sete maiores empresas: GM, Exxon, Shell, Móbilb, Bridish, Petroleum, a Ford Motors e a IBM. (GIACOMOLLI, 2008, p. 188).

Dessa forma, a proibição das drogas contribuiu para que a sua exploração comercial no mercado negro se tornasse muito lucrativa. Por outro lado os traficantes se organizaram sobremaneira, de forma que conseguiram ganhar força no mundo, transformando o tráfico de drogas no primeiro crime transnacional.

Importante aqui é conceituar o que vem a ser droga, para melhor entender o fenômeno do tráfico de Drogas e o crime organizado, assim como droga se entende:

À luz das diversas declarações da Organização Mundial da Saúde, se pode entender por droga a substância, natural ou sintética, cujo consumo repetido, em doses diversas provoca nas pessoas: 1º) o forte desejo ou necessidade de continuar consumindo-a(dependência psíquica), 2º)a tendência a aumentar a dose(tolerância) e 3º) a dependência física ou orgânica dos efeitos da substância, que faz verdadeiramente necessário seu uso prolongado para evitar síndrome de abstinência. (SOUZA, 2007: p. 3)

Na visão de PERILLO droga é:

... droga é toda substância que, introduzida no organismo, provoca alterações de ordem física e/ou mental. Essas alterações podem conduzir em quem as usam sérios problemas fisiológicos e psicológicos, ou ambos...(PERILLO, 1997: p. 59).

Importante também entender os efeitos devastadores que as drogas causam aos usuários:

As drogas, capazes de gerar a toxicomania, devem atingir certo índice de periculosidade individual e social, avaliada à luz dos seguinte fatores: a) elevado teor de influencia sobre o sistema nervoso central, de modo que pequenas doses de droga, bastem para produzir profunda modificação no seu equilíbrio e levem a instaurar-se rapidamente a dependência de fundo orgânico ou simplesmente psicológico; b) importância das perturbações físicas ou psíquicas que se originam do seu reiterado consumo, assim lesando gravemente as pessoas que a utilizam e, por via de conseqüência, produzindo dano social.( João Bernardino Gonzaga (1963) apud Vicente Greco (1991, p. 3)).

A dependência de que algumas nações pobres tem da produção de drogas dificulta muito o combate do tráfico internacional de entorpecentes.

O Brasil passou a tratar o problema das drogas com uma visão mais apurada após ter assumido o compromisso de combater o trafico de cocaína em Haia no ano de 1911, até essa data a cocaína era tolerada, pois era comum que jovens da classe média fizessem uso desta em prostíbulos. Mas essa proibição se deu mais pelo fato dessa droga começar a se popularizar, espalhando o consumo para população das classes menos privilegiadas.

Foi a partir de 1921 que surgiram as primeiras leis que proibiram o uso da cocaína, morfina, heroína e ópio, já a maconha foi proibida apenas em 1930, mas as primeiras prisões pelo uso de drogas ocorreram somente em 1933.

A proibição do uso apenas lançou na clandestinidade aqueles que queriam fazer uso dessas substâncias proibidas. O consumo apenas aumentava, o combate à venda ainda era muito deficiente. No entanto o tráfico dessas substancias, no brasil principalmente cocaína e maconha, começa a ganhar força. Assim é importante aqui tecer as primeiras considerações sobre o que vem a ser tráfico de entorpecentes e drogas afins:

... trata-se de um fenômeno transnacional, que põe em crise os Estados Nacionais, golpeia as economias dos países produtores, limitando a política exterior e colocando em cheque os sistemas judiciais. É um fenômeno multifuncional e multidimensional (DÍAZ-MULLER apud FERREIRA, 2008, p. 59).

Durante a ditadura militar que se instalou no Brasil a partir da década de 60, muitos presos políticos e guerrilheiros foram colocados em prisões comuns, dividindo o mesmo espaço que os demais criminosos, de forma que ao tentarem vender a idéia de revolução, acabaram por ensinar os presos comuns a se  organizar e a cometer crimes como sequestros, roubos a banco e outros crimes que pelo empreendimento que representavam, exigiam mais organização e raciocínio  dos criminosos. Dessa forma nasce a primeira facção criminosa no Brasil, a saber, a Falange  Vermelha, atualmente conhecida como Comando Vermelho e atuante principalmente Rio de Janeiro, dentro e fora dos presídios. Conforme :

Nos anos 60 e 70, no presídio de segurança máxima de Ilha Grande, presos comuns e guerrilheiros urbanos dividiram os mesmos espaços e trocaram "experiências". Em 1975, anistiados, os guerrilheiros deixaram o presídio mas os presos comuns continuaram lá e passaram a usar, no dia-a-dia, as táticas de organização aprendidas com os companheiros da guerrilha. Com elas, sobreviveram e dominaram outros grupos do complexo penitenciário. Organizaram um grupo de auto-defesa, chamado Falange Vermelha, que em pouco tempo mudaria o nome para Comando Vermelho e se transformaria num dos maiores grupos do crime organizado no Brasil e no mundo

 No final da década de 70 o consumo de cocaína aumentou significantemente na Europa e nos Estados Unidos, fazendo com que a produção de coca aumentasse nos países andinos e que surgissem as primeiras empresas narcotraficantes, nesse contexto destacava-se o narcotraficante Pablo Escobar. Na década de 80 o Brasil passou a fazer parte da rota do tráfico internacional de entorpecentes, nessa época o Comando Vermelho já estava plenamente instalado no Rio e já havia nomeado os primeiros ‘donos de morro', passado a ter pleno domínio sobre o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Sobre o crime organizado:

Crime organizado é qualquer grupo tendo algum tipo de estrutura formalizada cujo objetivo primário é a obtenção de dinheiro através de atividades ilegais. Tais grupos mantém suas posições através do uso e violência, corrupção, fraude ou extorsões, e geralmente têm significativo impacto sobre os locais e regiões do país onde atuam. (MENDRONI 2002, P. 5)

No Brasil o crime organizado mais comum ocorre na forma de organizações criminosas ou facções, que são:

As organizações criminosas, como regra, possuem uma organização empresarial, com hierarquia estrutural, divisões de funções e sempre direcionadas ao lucro. Elas possuem algo mais do que um programa delinqüencial. Consubstanciam-se em um planejamento empresarial (custos das atividades e de pagamento de pessoal, recrutamento de pessoas etc) com firmas constituídas formalmente ou não. Quanto mais rica e firmemente estruturada a organização, menores os riscos nas suas atuações. (Wilson Lavorenti 2000, p. 19).

Nos morros cariocas o tráfico ganha força devido a ausência do Estado, assim o traficante passa a ocupar a lacuna deixada pela ausência do governo e dominando o povo do morro, através do assistencialismo e por outro lado instalando sua autoridade, de forma que  a população passa a ser conivente com os bandidos, vistos como pessoas boas pelos moradores do morro.

Quando o Estado procurou combater o crime organizado, se deparou com enormes dificuldades, pois o tráfico no Rio já tinha proporções enormes e a guerra ao tráfico começa a ficar cara, o Rio passa a vender droga inclusive para outros estados brasileiros, assim o comando vermelho ficou ainda mais fortalecido, pois trocava drogas por armas, parte do dinheiro que se arrecadava com o tráfico de drogas servia principalmente para compra de armamento pesado e sofisticado. Existe claramente uma dificuldade da legislação acompanhar o desenvolvimento das Organizações Criminosas, conforme:

Elas podem alternar as suas atividades criminosas, buscando aquela atividade que se torne mais lucrativa, para tentar escapar da persecução criminal ou para acompanhar a evolução mundial tecnológica e com tal rapidez, que quando o legislador pretender alterar a lei para amoldá-la à realidade aos anseios da sociedade, já estará alguns anos em atraso e assim ocorrerá sucessivamente. (MENDRONI 2002, P. 7)

A América Latina o tráfico ganha o reforço da mais antiga guerrilha das Américas, a saber, as FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – que passa a interagir com organizações criminosas brasileiras como o Comando Vermelho e o PCC – Primeiro Comado da Capital. O Brasil passa a ser o principal ponto para a lavagem de dinheiro do narcotráfico, conforme segue:

Os "empresários" da cocaína no Brasil "legalizam" o dinheiro conseguido com o tráfico de drogas, com a compra de hotéis, bingos, redes de farmácia, postos de gasolina, bares, lojas de automóveis, fazendas e gado. Outra forma utilizada por eles e descoberta pelo governo brasileiro foi a compra de bilhetes premiados da loteria. Um esquema montado com donos de lotéricas e funcionários de órgãos públicos funcionava da seguinte forma: os bilhetes ou jogos premiados eram "comprados" dos ganhadores, assim o traficante ou político justificava o dinheiro que tinha dizendo que ganhou na loteria.

Na tentativa de controlar o tráfico de drogas o Brasil promulga em 1976 a lei 6.368/76, que por ter sido concebida em uma época de repressão política, não tinha a preocupação com a questão social, pois não distinguia de forma contundente o traficante do usuário, essa distinção era e sempre foi necessária, por questões humanitárias principalmente, pois o usuário é vítima do tráfico de drogas, pois para sustentar seu vício passa a cometer outros delitos como furto, roubo e até chegam a ser usados pelos traficantes como "mulas" para transportar a droga ou como "aviões" para realizar a venda para outros usuários.

Houve uma tentativa de adequar a legislação sobre drogas ao contexto social brasileiro, com a edição da lei 10.409/2002 que buscava revogar a lei 6.368/1976, no entanto, essa tentativa foi frustrada pois o texto da lei sofreu tantos vetos que alei acabou ficando contraditória e cheia de lacunas, não sendo completamente revogada a lei anterior. Por fim, foi aprovada a lei 11.343/2006 que trouxe à luz uma nova política criminal antidrogas, que humanizou a penalização para os usuários, abrandando-a e adequando-a a necessidade social, pois a finalidade maior das penas deve ser a recuperação e reinserção social, não sendo aceito que as penas devem ter apenas um caráter retributivo, pagando  o mal com o mal, pois isso não traz benefícios para a  sociedade, de acordo com o pensamento:

... a concepção da pena como retribuição do mal pelo mal, justo castigo que deve ser imposto ao delinqüente para afligi-lo e fazê-lo expiar o seu crime, já era, não expressa em teorias, mas manifestada nos hábitos penais, a dos tempos primários, rudes e exigentes na vingança, e ainda a das velhas civilizações do Oriente. Nas práticas punitivas, essa concepção tem atravessado toda a História e, embora atenuada, ainda não se apagou nos tempos modernos (BRUNO, 2007, p.15).

Colabora com esse pensamento:

 ... a imposição da perda ou diminuição de um bem jurídico, prevista em lei e aplicada pelo órgão judiciário, a quem praticou ilícito penal. Ela tem finalidade retributiva, preventiva e ressocializadora. Retributiva, pois, impõe um mal (privação de bem jurídico) ao violador da norma penal. Preventiva, porque visa evitar a prática de crimes, seja intimidando a todos, em geral, com o exemplo de sua aplicação, seja em especial, privando da liberdade o autor do crime e obstando que ele volte a delinqüir. E ressocializadora, porque objetiva a sua readaptação social. (DELMANTO, 1998: p.63).

Assim o abrandamento das penas cominadas ao usuário se mostra uma decisão acertada do legislador, pois:

... o princípio da moderação das penas estabelece, para cada caso, a medida necessária do castigo, de modo a dar eficácia ao sistema punitivo... (Roberto Porto, 2007: p. 12).

Punir com severidade as pessoas que fazem uso de drogas, parece ilógico, pois o Brasil a mais grave das penas é a reclusão ou detenção, não há espaço físico para tantas pessoas serem lançadas no cárcere, essa não é uma realidade apenas brasileira, pois o número de usuários de drogas no mundo é equivalente a todos habitantes do Brasil, consoante leciona ARBEX:

Cerca de 185 milhões de pessoas, equivalentes a 3% da população mundial (ou 5% da população entre 15 e 64 anos de idade), usam regularmente alguma droga ilícita (isto é, não contando tabaco, álcool e outras drogas livremente comercializadas) em todo o mundo, segundo dados divulgados em junho de 204 pelo escritório da ONU para drogas e crime (EONUDC). É como se o conjunto da população brasileira utilizasse drogas. Cerca de 150 milhões consomem maconha; 30 milhões, anfetaminas e estimulantes; 15 milhões, ópio e derivados (incluindo 9 milhões que usam heroína); 13 milhões, cocaína; e 8 milhões, ecstasy. Para comparar, 2 bilhões consomem álcool e 1,1 bilhão, tabaco. (ARBEX JÚNIOR, 2005: p. 23).

As penas mais severas devem ser reservadas aos grandes traficantes, pois o narcotráfico é hoje o crime mais rentável, movimenta valores que superam o PIB de muitos países, nesse mesmo sentido pontifica ARBEX:

O narcotráfico movimenta em torno de US$ 400 bilhões anualmente o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, segundo estudos feitos pela ONU e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). É a segunda mais importante atividade comercial do mundo, só perdendo para as armas. Ganha até mesmo do petróleo ou dos gastos mundiais anuais com roupas, moradia, alimentação. E é o principal motor das atividades do crime organizado (que inclui outros tipos de tráfico – armas, seres humanos, material biológico e nuclear, contrabando, exploração da prostituição, jogo clandestino etc.), que fatura anualmente algo em torno de US$ 1 trilhão. (ARBEX JÚNIOR, 2005: p. 24).

O narcotráfico é um crime de proporções globais, ou seja, faz parte do processo de globalização da economia, conforme as letras de ARBEX:

Embora o consumo e a disseminação de todos os tipos de drogas tenham sido facilitados pela globalização da economia, eles também variam bastante. Isso se explica pela facilidade de acesso, preço do produto, grau de organização dos grupos responsáveis por sua exploração e também, obviamente, pela conjuntura policial e geopolítica. Ainda de acordo com os dados fornecidos pela ONU, embora os números sejam alarmantes, foi relativamente contido, nos anos 1990, o crescimento epidêmico do uso de drogas ilícitas verificado ao longo da segunda metade do século XX. Isso não significa que o consumo tenha diminuído em termos absolutos, mas sim que o seu crescimento se tornou mais lento, embora seu impacto continue sendo particularmente sentido entre os setores mais jovens da população. (ARBEX JÚNIOR, 2005: p. 24).

Por isso, governos do mundo inteiro têm buscado soluções conjuntas para combater essa prática hedionda que explora a fragilidade de viciados e dependentes, bem como a fragilidade de economias pouco desenvolvidas.

1.2.        Ordenações (Filipinas)

Na época do descobrimento e colonização do Brasil (de 1532 a 1829) vigorava no Brasil colonial as Ordenações Filipinas, que foram realmente aplicadas em território colonial, já que, no período das capitanias hereditárias, vigorava o arbítrio dos donatários, fundado nas Cartas de Doação.

Assim, a primeira tentativa legal realizada o Brasil, no sentido de coibir o uso e o comércio de substâncias proibidas como o ópio e o rosalgar, foi a Ordenação Filipinas, que previa a punição de perda de bens (era prevista a perca da fazenda) e banimento (seria enviado à África) para quem tivesse em casa ou comercializasse essas substâncias. Assim previa o título LXXXIX da respectiva codificação:

Nenhuma pessoa tenha em sua caza para vender, rosalgar branco, nem vermelho, nem amarello, nem solimão, nem água delle, nem escamoneá, nem ópio, salvo se for Boticário examinado, e que tenha licença para ter Botica, e usar do Officio.

E qualquer outra pessoa que tiver em sua caza alguma das ditas cousas para vender, perca toda sua fazenda, ametade para nossa Câmera, e a outra para quem o accusar, e seja degradado para África até nossa mercê.

E a mesma pena terá quem as ditas cousas trouxer de fora, e as vender a pessoas, que não forem Boticários.

1. E os Boticários as não vendão, nem despendão, se não com os Officiaes, que por razão de seus Officios as hão mister, sendo porem Officiaes conhecidos per elles, e taes, de que se presuma que as não darão á outras pessoas.

E os ditos Officiaes as não darão, nem venderão a outrem, porque dando-as, e seguindo-se disso algum dano, haverão a pena que de Direito seja, segundo o dano for.

2. E os Boticários poderão metter em sua mezinhas os ditos materiaes, segundo pelos Médicos, Cirurgiões, e Escriptores for mandada.

E fazendo o contrario, ou vendendo-os a outras pessoas, que não forem Officiaes conhecidos, pola primeira vez paguem cincoenta cruzados, metade para quem accusar, e descobrir.

E pola segunda haverão mais qualquer pena, que houvermos por bem. A infração penal em análise é exemplo do rigor característico das disposições presentes nas Ordenações Filipinas. Considerando crime certos desvios meramente morais, cominando penas corporais, infamantes e cruéis, e até mesmo a pena de morte para diversas condutas, tal codificação representa bem a ideologia vigente a seu tempo.

Essa ordenação vigorou por todo o período em que o Brasil tinha a condição de Colônia e de Reino Unido a Portugal, portanto,  vigorou até a edição do Código Imperial em 1830.

1.3.        Código de 1830

Em 1823 Dom Pedro I proclamou a Independência  do Brasil, promulgando em 1824 a Constituição Imperial, de forma que por ser um Estado independente o Brasil precisava ter sua próprias leis, sendo então  promulgado em 1830 o Codigo Penal Imperial.

O código em comento substituiu as Ordenações Filipinas no Brasil, tinha um caráter iluminista, pois aboliu a aplicação de penas cruéis, previa a anterioridade da lei penal e o princípio da igualdade. Apesar dos avanços, esse diploma imperial não tratava do assunto relativo ao tráfico de drogas, mas em 1851 foi editado um regulamento que abordava a regulação de venda de medicamentos e substancias correlatas, criando uma política sanitária (GRECO FILHO, 2009: p. 61).

1.4.        Código Penal de 1890

A Lei Áurea modificou substancialmente a legislação imperial, inclusive o Código Criminnal do Império, principalmente em relação à escravidão.

Essas mudanças apontavam para um novo norte, a saber, a proclamação da República em 1889, que trouxe em seu bojo a necessidade de se renovar o Código Criminal, assim em 1890, esse diploma foi duramente criticado pelos muitos erros que continha.

Em relação à saúde pública o código de 1890, tratava o artigo 159 da questão relativa às drogas com o seguinte texto:

Art. 159. Expor á venda, ou ministrar, substâncias venenosas, sem legitima autorização e sem as formalidades prescriptas nos regulamentos sanitários: Pena – de multa de 200$000 a 500$000.

Houve ainda mais uma tentativa de se combater de maneira eficaz a questão do tráfico e do uso de drogas no Brasil, quando, sob a inspiração da Convenção de Haia de 1912, editou-se o Decreto nº 4.294,  pelo qual era prevista uma pena de 1 a 4 anos para o usuário de drogas.( PIERANGELI, 2001: p. 352).

1.5.        O Código de 1932

O código de 1932 foi o primeiro diploma penal brasileiro a utilizar a expressão "substâncias tóxicas" para tratar da questão das drogas, como substâncias tóxicas correspondiam ao ópio, a cocaína e a maconha.

Devido às diversas modificações. Devido as muitas modificações da lei penal, surgiu no mesmo ano a consolidação das leis penais que mantinha a previsão anteriormente citada. Mas as modificações continuavam, pois sempre surgiam novas substâncias capazes de alterar comportamentos.

Em 1934 a morfina e a cocaína passaram a ser consideradas como substâcia tóxicas sujeitas a controle. Já em 1936 foi criada a Comissão Nacional de Fiscalização e Controle de Entorpecentes, que mais tarde trariam subsídios para a Lei de Fiscalização de Entorpecentes que previa as substâncias consideradas entorpecentes e estabelecia as exigências, medidas de fiscalização e controle para a extração, produção, transformação, preparação, posse, importação, exportação, transporte, venda e compra, que ficavam a cargo da Secção de Fiscalização do Exercício Profissional de Departamento Nacional de Saúde.

Outra importante inovação trazida pela lei em comento foi a possibilidade de internação e interdição civil dos toxicômanos ou intoxicados habituais, tratando-se a toxicomania como doença sujeita a internação obrigatória.

No quesito do tráfico de drogas diferenciava o uso da conduta de tráfico, a qual cominava uma pena privativa de liberdade de um a cinco anos, enquanto a conduta de ter consigo ou possuir tais substâncias em estabelecimento, manteve a pena de 1 a 4 anos de prisão.

No mesmo norte, o Decreto 891, de 1938, em seu artigo 27, alterando o Decreto 780, tratava o usuário de drogas como um doente, e no artigo 29 estabelecia a necessidade de tratamento, inclusive compulsório.

1.6.        Código de 1940

Com o advento da Constituição de 1937, foi elaborado um novo modelo de legislação que rompia com o modelo liberal de antes, assim foi elaborado em 1940, através de projeto do Ilustre Alcântara Machado e revisado por doutrinadores como Nelson Hungria, um novo Código Penal que passou a vigorar em 1942.

O tráfico de drogas era assunto tratado no artigo 281, sob a denominação de "Comércio clandestino ou facilitação de uso de entorpecente", no capítulo que tratava dos crimes contra a saúde pública, no qual tipificava as seguintes condutas:

Art. 281. Importar ou exportar, vender ou expor à venda, fornecer, ainda que a título gratuito, transportar, trazer consigo, ter em depósito, guardar, ministrar ou, de qualquer maneira, entregar a consumo substância entorpecente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de dois a dez contos de réis.

Havia previsão também de tipificar o cultivo, a extração de plantas entorpecentes e a purificação de seus princípios ativos, que foram inseridas no ordenamento jurídico pelo Decreto-Lei n.º 4.720, de setembro de 1942. O artigo 281 foi revogado pela lei nº. 6.368, em outubro de 1976.

1.7.        Lei 6.368/1976

A lei 6.368/1976 representou um grande avanço no sentido de tipificar várias condutas equiparadas ao tráfico de drogas, bem como acabou com o problema da regulamentação das substâncias a serem consideradas ilícitas, pois passou a defini-las através de um conceito mais genérico como "substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica", conforme texto literal do artigo 12 da referida lei:

Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

        Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

        § 1º Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente:

        I - importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada a preparação de     substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;

        II - semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substãncia que determine dependência física ou psíquica.

        § 2º Nas mesmas penas incorre, ainda, quem:

        I - induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica;

        II - utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente ou de substância que determine dependência fisica ou psíquica.

        III - contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o   tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.

Como se observa, a lei dava a possibilidade de haver punições mais severas que as anteriores, mas haviam ainda algumas questões que pareciam não ser acertadas, como a aplicação integral da pena (dentro dos patamares mínimo ou máximo) as pessoas que se envolveram com o tráfico de forma eventual, sem, contudo, integrarem a organizações criminosas, figura conhecida no meio jurídico como tráfico privilegiado; no senso comum chamadas de "mulas ou aviãozinho", etc.

Outro fator importante da lei em comento foi a equiparação ao crime de tráfico, de forma monos grave, as condutas que, apesar de não ter contato direto com as substâncias guerreadas pela lei, cooperavam com sua fabricação através da fabricação, comércio ou doação de equipamentos destinados a fabricação ou produção dessas substâncias: 

Art. 13. Fabricar, adquirir, vender, fornecer ainda que gratuitamente, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de substância entorpecente  ou que determine dependência fícisa ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

        Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a   360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

A lei em comento também tipificava a conduta do usuário de drogas:

Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

        Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a  50 (cinqüenta) dias-multa.

O disposto no artigo acima trouxe diversas implicações para a sociedade e para o Estado, pois com o aumento no consumo de drogas no Brasil e no mundo, não seria possível lançar tantos usuários na cadeia, principalmente por que, no Brasil essas estavam superlotadas e sucateadas, outrossim, já era cediço que a falência do sistema prisional pátrio impedia a recuperação dos detentos,  sendo, portanto desumano lançar usuários de drogas no cárcere com toda a sorte de bandidos, pois, no cárcere, estaria sujeito a toda sorte de males e matriculado na verdadeira universidade do crime, conforme pontifica MOURA:

O sistema penitenciário brasileiro está em crise. A ocorrência semanal de rebeliões e incidentes violentos indica que as prisões e delegacias não estão administradas de modo eficiente e que as autoridades não exercem controle total sobre essas instituições penais. Os condenados passam meses em condições de superlotação e falta de higiene nas carceragens das delegacias, sua transferência para penitenciárias adiada devido à falta de espaço, inércia da justiça ou corrupção. As condições de detenção existentes em numerosas prisões e delegacias brasileiras são pavorosas e equivalem a formas cruéis, desumanas e degradantes de tratamento e punição. Os internos correm o risco de contrair doenças potencialmente fatais, como a tuberculose e a AIDS, e os presos afetados não recebem tratamento adequado. Já ocorreram casos de morte sob custódia de presos paraplégicos devido à negligência médica. O pessoal é insuficiente e em muitos casos recorre-se a policias armados em lugar de profissionais treinados para a função (MOURA, 2000, p. 351).

No mesmo sentido, escreveu GOMES:

... não há nas prisões condições de vida adequadas para ninguém, especialmente para quem nunca foi criminoso ou para quem é dependente de droga, ou seja, o encarceramento provoca o pernicioso contato destes consumidores/e ou dependentes não criminosos com delinqüentes perigosos, ladrões, homicidas, estupradores, criminosos organizados, etc. (GOMES, p.110)

Além disso, o encarceramento de um viciado sistema prisional é abusivo, pois não há tratamento humanitário nas cadeias, seque pelos próprios agentes públicos que deveriam zelar pela integridade dos detentos, conforme lecionou ADORNO:

[...] Ademais, outras formas de abuso permanecem praticadas muitas vezes sem qualquer censura ou averiguação, apesar das denuncias; torturas em dependências especiais – celas chamadas ‘maracanã' ou de ‘direitos humanos' ; espancamentos, achaques, cobrança de  pedágios para assegurar privilégios ou acesso de visitas ou de advogados; exploração de mulheres e de jovens masculinos para fins sexuais. (Adorno, 1998: p. 16).

Houve uma tentativa de se mudar a lei 6.368/1976, a principal frustração ocorreu com a lei 10.409/02, pois todo o seu Capítulo III, que tratava dos crimes e das penas, foi vetado, portanto, permaneceu vigendo o texto penal da Lei 6.368/76.

1.8.        Lei 11.343/2006

A lei 11.343/2006 entrou em vigor, revogou as leis anteriores, quais sejam, a Lei 6.368/1976 e a 10.402/2002. Esta lei inaugurou uma nova política nacional sobre drogas, através da que se oferece um tratamento mais humanitário para os usuários de droga, tendo em vista que, apesar de ainda ser uma conduta típica, o uso de drogas não é mais punido com penas corporais, ou seja, não há mais prisão pelo uso de drogas. As penas cominadas tem previsão constitucional, inclusive.

Segundo o texto legal, a nova política nacional antidrogas consiste no conjunto de ações coordenadas e na cooperação de esforços entre União, estados, municípios, Distrito Federal e sociedade civil em combater o tráfico de drogas. Quanto ao abrandamento das peas cominadas para os usuários de drogas é importante observar o texto legal:

Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1o  Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2o  Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

§ 3o  As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.

§ 4o  Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

§ 5o  A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas

Observa-se que tal abrandamento não significa dizer que a conduta deixou de ser típica, na realidade houve uma adequação sobre a finalidade das pena, em relação ao usuário, a finalidade é recuperá-lo e rescocializá-lo, nesse sentido Michel Foucault:

Para ser útil, o castigo deve ter como objetivo as conseqüências do crime, entendidas como a série de desordem que este é capaz de abrir. [...] calcular uma pena em função do crime, mas de sua possível repetição. Visar não à ofensa passada, mas a desordem futura. Fazer de tal modo que o malfeitor não possa ter vontade de recomeçar, nem possibilidade de ter imitadores. (Foucault, 1987, p. 78).

Alguns autores entende que houve descriminalização da posse de drogas para uso pessoal, nesta corrente temos Mário Cezar Monteiro:

Ora, se legalmente (no Brasil) "crime" é a infração penal punida com reclusão ou detenção (quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa), não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova Lei) deixou de ser "crime" porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos - artigo 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás, justamente por isso, tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa). Em outras palavras: a nova lei de tóxicos, no art. 28, descriminalizou a conduta de posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de "infração penal" porque de modo algum permite a pena de prisão. E sem pena de prisão não se pode admitir a existência de infração "penal" no nosso país...

Nesse sentido, alguns autores defendem que ao não prever penas corporais, a conduta de uso de drogas deixou de ser crime, conforme leciona

Porém, deve-se observar que a dignidade da pessoa humana deve ser respeitada mesmo em se tratando de um criminoso, muito mais ainda, no caso dos usuários de drogas, pois, são, no final das contas, as maiores vítimas, nesse sentido:

 A previsão de assistência ao usuário e ao dependente de drogas que estejam submetidos ao sistema carcerário ou mesmo manicômio judiciário é extremamente necessária, mas embora já pudesse decorrer da própria idéia de dignidade humana (CRFB, art. 1º, III) e de figurar como direito à saúde (LEP, art. 41, VII), não vem sendo concebida regularmente e, a menos que haja uma verdadeira revolução oficial em relação à política carcerária vigente no país, não é crível que este dispositivo vá ser cumprido integralmente, dado ao descaso secular que norteia a política carcerária brasileira. (SOUZA, 2007: p. XX).

Colabora com este pensamento, a filosofia de FAULCAUT:

Essa necessidade de um castigo sem suplício é formulada primeiro como um grito do coração ou da natureza indignada: no pior dos assassinos, uma coisa pelo menos deve ser respeitada quando punimos: sua ‘humanidade'. Chegará o dia, no século XIX, em que esse ‘homem', descoberto no criminoso, se tornará o alvo da intervenção penal, o objeto que ela pretende corrigir e transformar, o domínio de uma série de ciências e práticas estranhas – ‘penitenciárias', ‘criminológicas'. Mas, nessa época das Luzes, não é como tema de um saber positivo que o homem é posto como objeção contra a barbárie dos suplícios, mas como limite de direito, como fronteira legítima do poder de punir. (Foucault, 1987, p. 63-64)

Quanto à constitucionalidade das penas impostas o artigo 25 da lei11.6343, é importante observar que o artigo 5°, inciso XLVI, da Constituição de 1988, assim dispõe:

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

É importante ressaltar que além dessas modalidades de penas listadas no inciso supra, ainda ficou em aberto a possibilidade de o legislador criar outras formas de pena, para assim poder o legislador acompanhar a evolução social sem o engessamento, criando a possibilidade da criação de sanções que alcancem a finalidade a que se destinem. 

O argumento de que as penas culminadas para o usuário de drogas deveriam ser mais severas não deve subsistir, porém esse abrandamento das penas pode sim representar uma tenndenncia descriminalizadora, na medida em que a lei busca não impor apenas a sanção, mas antes educar o usuário tratando-o de foram a incentivá-lo a recuperar sua autoestima, sobre a descriminalização assim lecionou Saulo de Carvalho:

A descriminalização legislativa,forma mais adequada de retirada de determinadas condutas da esfera do controle social formal, comporta três processos distintos: (1) descriminalização legislativa em sentido estrito, na qual se opera a ab-rogação da lei ou do tipo penal que considerava o fato ilícito (abolitio criminis); (2) descriminalização parcial, substitutiva ou setorial, cujo processo é o de (2.1) transferência da infração penal para outro ramo do direito – v.g. direito administrativo sancionador -, mantendo-se sua ilicitude jurídica, porém não penal e/ou de (2.2) alteração dos critérios sancionatórios, como a modificação nos critérios da tipicidade, flexibilização das penas ou de sua execução, criação de regras diferenciadas de extinção de punibilidade entre outros (reformatio legis in mellius).

Portanto , ocorreu sim uma novatio legis in melius para o usuário, pois o artigo 28 da lei 11.343/2006 é mais benéfica que a anterior. Estando a lei em comento em perfeita harmonia com o disposto na Constituição Federal, segundo a qual, sempre que possível,  o juiz deverá substituir a pena privativa de liberdade por outra menos gravosa, como restritiva de direito, entre outras.

Capítulo II

2.1. Tráfico

A lei 11.343/2006 abrandou as penas culminadas para a conduta do usuário, mas por outro lado, agravou as penas culminadas contra os traficantes, sendo estas, inovações benéficas, conforme se observa no artigo 33 da lei 11.343/2006:

Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1o  Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

§ 2o  Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

§ 3o  Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

§ 4o  Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Como se viu, a conduta do tráfico conta com 18 núcleos do tipo, assim segundo SOUZA tráfico de drogas corresponde a:

... um tipo misto alternativo ou de ação múltipla, com verbos representativos de 18 ações (núcleo do tipo) caracterizadoras, cada uma dela, da violação do bem jurídico tutelado – saúde pública. (SOUZA, 2007: p. 42).

Outra importante observação é o disposto no parágrafo 3º do mesmo artigo que equipara como conduta de tráfico a conduta de ‘oferecer' drogas a alguém eventualmente e sem buscar lucro, de forma a criar a figura do traficante eventual, punido de forma bem mais branda que outras conduta previstas no caput e no parágrafo 1º. Já o tráfico privilegiado, comentado anteriormente, foi previsto no parágrafo 4º.

Outras condutas também se equiparam ao tráfico, conforme vemos:

Art. 34.  Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.

Art. 35.  Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

Parágrafo único.  Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

Uma das mais importantes inovações da lei 11.343/2006, diz respeito a figura do financiador do tráfico, que mereceu pena mais dura do que os que se envolvem diretamente com a substância nociva, conforme se percebe na previsão do artigo 36:

Art. 36.  Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.

2.2. Traficante (Lei 6368/1976 X 11.343/2006)

Entre as principais alterações da lei 11.343/2006, destacamos:

Em se tratando da repressão à produção não autorizada e o tráfico ilícito de drogas estão taxados em seis capítulos, ou seja, a maior porcentagem dos artigos positivados nesta lei é em combate ao tráfico ilícito de drogas. A lei prevê que as plantações que foram plantadas em desacordo com o diploma legal serão imediatamente incineradas no prazo máximo de 30 dias, sendo que a queima deverá ser precedida de autorização judicial. Um dos pontos relevantes neste capítulo é a distinção da penalização para aquele que trafica com objetivo de lucrou e aquele que trafica sem este objetivo, vejamos: Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar para fins de oferecer drogas, eventualmente sem objetivo de lucro (art.33 § 3º) para pessoa de seu relacionamento e junto consumirem terão pena de seis meses a um ano e pagamento de setecentos à mil e quinhentos reais dias-multa, deixando claro sem prejuízo das penas previstas no art. 28 deste diploma legal, ou seja, a nova lei fornece um tratamento diferenciado para aquele que induzir, instigar, auxiliar ou fornecer a droga gratuitamente para juntos consumirem, não é mais penalizado de forma severa, não recaem para essas condutas as mesmas penas para quem fornece a drogas com objetivo de lucro (art.33 caput ), para quem comete o crime de tráfico para fins lucrativos a lei assevera pena de reclusão de cinco a quinze anos e pagamento de quinhentos à mil e quinhentos dias multas, vale frisar que nesta nova lei há aumento da pena pecuniária e da pena mínima privativa de liberdade em relação as leis anteriores, ou seja na lei 6.368/76 quem cometia o crime de tráfico era penalizado com pena de mínima de três anos e a máxima de quinze anos sendo para pena pecuniária o pagamento de cinqüenta à trezentos e sessenta dias-multa, ou seja, a pena de multa aumentou, e muito, para as condutas previstas no art. 33 da nova legislação sendo a pena mínima fora acrescentada mais dois anos totalizando cinco anos de pena mínima.

Inclusive os próprios materiais que são utilizados para a preparação das drogas que estão em desacordo com determinação legal, é caracterizado como tráfico, bem como, os locais utilizados ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente dele se utilize, ainda que gratuitamente sem autorização em desacordo com determinação legal ou regulamentar para o tráfico ilícito de drogas, ou seja, todos aqueles que ajudem ou auxiliem mesmo que gratuitamente para que a droga seja produzida cometem crime de tráfico de drogas. (Lourido Júnior. Drogas: A Classe Média Frente à Lei 11.343/2006.disponível em:< http://jusvi.com/artigos/28116/2> acesso em 26. Out.2010).

Para melhor ilustrar as mudanças introduzidas pela lei 11.343, é necessário fazer uma comparação entre a conduta típica de tráfico na lei anterior e na atual:

LEI n.º 6.368/76

Lei n.º 11.343/06

Art. 12 Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, e 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Art. 33 Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer,ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar,  entregar a consumo ou fornecer drogas,ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 500 (quinhentos) a 1500 (mil e quinhentos) dias-multa.

2.3. Usuário (Lei 6.368/1976 X 11.434/2006)

Sobre o tratamento hoje dado na lei para os usuários de droga, João Evaldo  LOURIDO JÚNIOR, afirma que a intenção do legislador foi de descriminalizar a conduta, porém não o fez, conforme segue:

Com o advento da Nova Lei de Drogas (11.343/2006) ocorreram diversas polêmicas desde o projeto de lei, entre doutrinadores e operadores do direito como, por exemplo, se a conduta delituosa do usuário de drogas é crime ou não, teoricamente o uso de drogas não é uma conduta delituosa, ou seja, não é crime, percebe-se que o usuário de drogas não é mais considerado criminoso.... O art. 1º da LICP - Lei de Introdução do Código Penal define crime e contravenção como uma infração penal. Crime é a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção e contravenção à infração penal a que a lei comina, isoladamente pena de prisão simples ou de multa. Como se classifica ou conceitua a ação de um usuário de drogas...é crime? é contravenção? É infração penal... O Doutrinador Luiz Flávio Gomes conceitua a conduta do usuário com uma infração sui generis.

Por possuir um caráter mais terapêutico para as penas aplicadas para usuário, o legislador no momento da elaboração desta norma quis legalizar o uso de drogas, porém não o fez, todavia no momento em que o usuário de drogas injustificadamente recusar de cumprir as medidas educativas que estão positivadas nos incisos I, II, e III do art. 28 desta nova lei, o juiz poderá submeter a admoestação verbal, ou seja, dar um sermão, ou aplicar a pena de multa na qual nunca poderá ser inferior a quarenta e nem superior a cem vezes o maior salário-mínimo, dependendo sempre da condição econômica do infrator. (Lourido Júnior. Drogas: A Classe Média Frente à Lei 11.343/2006. disponível em:< http://jusvi.com/artigos/28116/2> acesso em 26. Out.2010).

Porém, outros entendimentos se pautam na finalidade da sanção penal de recuperar e educar o usuário, portanto as medidas devem sim ter caráter educativo, conforme ensina PORTO:

Não devemos ver nesta a forma ideal ou não de transformação do comportamento do indivíduo. A recuperação do condenado como objetivo principal da pena é princípio sagrado e depende, dentre outras atividades, do trabalho e da educação, entre elas a religiosa. (Roberto Porto, 2007, p. 23).

Neste sentido vale a lição de SOUZA:

Ao ser estruturado o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas deve se ter em conta a necessidade de  se concentra nele a atividade consistente no planejamento das ações voltadas para a educação, a prevenção e o combate ao uso e ao tráfico de drogas ilícitas, além de servir como órgão multiplicador das raras experiências positivas já desenvolvidas ou em desenvolvimento, por parte dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e a regulamentação dessas atividades deve ser feita através de um Decreto a ser editado pelo Poder Executivo Federal. (SOUZA, 2007: p. 13).

Para melhor ilustrar as mudanças na lei para a conduta do usuário é necessário que haja uma comparação com a lei anterior:

LEI n.º 6.368/76

Lei n.º 11.343/06

Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a  50 (cinqüenta) dias-multa.

Art. 28 Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1o  Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2o  Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

§ 3o  As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.

§ 4o  Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

§ 5o  A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

§ 6o  Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I - admoestação verbal;

II - multa.

§ 7o  O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.

2.1.        Financiador do Tráfico

Dispõe o artigo 36 da lei: "Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e parágrafo 1º, e 34 desta lei. Pena: reclusão, de oito anos a 20 anos, e pagamento de 1,5 mil a 4 mil dias-multa". Financiar significa proporcionar os meios, emprestar, fornecer dinheiro ou bens. Custear significa pagar as despesas.

A Lei 11.343/06, dessa forma, criou uma nova figura típica consistente em financiar ou custear a prática de qualquer das condutas tipificadas como tráfico, prevendo inclusive uma pena mais severa do que a prevista para o traficante propriamente dito, em comparação com a legislação anterior, percebesse que se trata de tipo penal novo, conforme segue:

Lei n.º 6.368/76

Lei n.º 11.343/06

Não há previsão de crime similar

Art. 36 Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta lei:

Pena – reclusão de 8 (oito) a 20 (vinte) anos e pagamento de 1500 (mil e quinhentos) a 4000 (quatro mil) dias-multa.

Sobre o novo tipo penal assim, leciona CAPEZ:

Questão interessante refere-se à exigência ou não de habitualidade para configuração do crime. Poderá surgir posição no sentido de que se trata de crime habitual, não se aperfeiçoando com a prática de um único e isolado ato de financiamento ou custeio. Tal entendimento poderia estar arrimado no artigo 35 da nova lei. Com efeito, o artigo 35, caput, ao tratar da associação criminosa para a prática do tráfico de drogas, de suas figuras equiparadas ou do tráfico de máquinas (artigos 33, caput e parágrafo 1º, e artigo 34) considerou haver associação criminosa ainda que a intenção do grupo for a prática de um único delito de tráfico, não exigindo que o fim seja a prática reiterada dessas ações ("associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de cometer, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e parágrafo 1º, e artigo 34 desta lei").

Ocorre que o parágrafo único desse mesmo artigo 35, ao tipificar a associação criminosa para o fim de financiamento ou custeio do tráfico, exigiu que finalidade fosse a prática habitual desse crime. Assim, o mencionado parágrafo único, ao fazer essa exigência, está indicando que o crime previsto no artigo 36 é habitual (artigo 35, parágrafo único: "nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no artigo 36 desta lei").

Se existe diversidade de tratamento para o crime de associação criminosa num caso e noutro, é porque na hipótese do parágrafo único a associação se destina à prática de ações (financiamento e custeio) cuja natureza exige habitualidade. Não é nosso entendimento. A Lei 11.346/06, em seu artigo 36, não exigiu habitualidade, nem empregou núcleos cuja natureza exija tal requisito. Custear é ação perfeitamente compatível com ação instantânea. O agente pode, perfeitamente, efetuar em um só instante o pagamento de todas as despesas ou parte delas, relacionadas ao tráfico.

O mesmo se diga de um empréstimo ou financiamento, o qual pode também se revestir de eventualidade, pois nada impede um neófito que reuniu suas economias para esse fim de efetuar em um único mom