Kelsen estava errado


Porvinicius.pj- Postado em 09 novembro 2011

Autores: 
SILVA, Diego Sabóia e

SUMÁRIO: Introdução. A negação do jusnaturalismo na doutrina de Kelsen. Conclusão.

Resumo: O presente artigo objetiva realizar uma análise aprofundada na doutrina de Hans Kelsen, mais especificamente em seu ponto fundamental: a negativa, pelo mestre da existência do direito natural, bem como suas conseqüências na Ciência do Direito.

Palavras-chave:Jusnaturalismo. Direito positivo.


      I – Introdução

O estudo realizado para elaboração deste artigo tem como finalidade exercer uma visão crítica da doutrina marcadamente positivista de Hans Kelsen, em total detrimento do direito natural, mostrando as suas conseqüências no desenvolver da Ciência do Direito. Objetiva refutar os argumentos do grande Kelsen, ao negar a existência do jusnaturalismo, sem todavia esquecer de ressaltar a contribuição do ilustre doutrinador para o crescimento, autonomia e maturidade do Direito enquanto ciência.

     II - A negação do jusnaturalismo na doutrina de Kelsen

O mestre vienense, em sua doutrina de mais de seis décadas, nega a vertente social do Direito, assumindo que este não é uma criação oriunda das relações sociais. Segundo Kelsen, o mundo jurídico não seria uma criação social. Desta forma, o mesmo acaba por afirmar que antes de existir o Direito positivo não havia relações entre os indivíduos com o fim de pacificação e regulamentação social, negando o Direito natural.

Kelsen nega em sua “Teoria Pura do Direito” a valoração do Direito positivo, como se este não fosse uma Ciência Humana, tudo isto em nome da neutralidade objetiva que sempre buscou. Contudo, o mesmo, rendendo-se à verdade, acaba por afirmar que sua Norma Hipotética Fundamental era uma norma fictícia, o que acaba por destruir o pilar de sustentação daquilo que defendeu por mais de sessenta anos.

Consoante Arnaldo Vasconcelos:

“Todavia, afirmar meramente tratar-se de uma teoria do Direito positivo constitui, para Kelsen, um pleonasmo, porquanto para ele, ‘o Direito é sempre positivo.’ Ou, como sublinhara já no prefácio da 2ª edição dos ‘Problemas Fundamentais’: ‘Il fatto che la dottrina del diritto possa essere solo uma teoria de diritto positivo viene in generale presupposto come ovvio.’ Ficava descartado, de maneira decisiva, o chamado Direito natural. Estava firmada a opção, que Kelsen jamais renegaria: sua visão de mundo jurídico seria decisivamente positivista.

Para ele, positivista e realista. Entende Kelsen que um conceito implica o outro. Ficou isso claro ao declarar que sua teoria se limita à análise do Direito positivo como sendo a realidade jurídica. Mas,outra vez aqui, do Direito positivo segundo a visão positivista. Como se lê adiante, na mesma obra: ‘Nesse sentido, é uma teoria do Direito radicalmente realista, isto é, uma teoria do positivismo jurídico.’ Ser positivista é, pois, ser realista. A partir daí, torna-se difícil entender como se pretende realista uma Ciência que, a fim de preservar sua pureza, ‘deve ser distinguida (...) da Sociologia, ou cognição da realidade social.’ Um realismo fora da realidade social.

Já se vê que a realidade, a que se refere Kelsen, não é a realidade existencial ou social, por sua condição natural de despurificadora do Direito. Trata-se, antes, da realidade de conhecimento ou teórica.

Kelsen afirma ser a teoria pura ‘radicalmente realista’, isto é, uma teoria do positivismo jurídico. Acrescenta: ‘Recusa-se a valorar o Direito positivo.’ E nega-se a fazê-lo em nome da neutralidade objetiva. Não via Kelsen que, assim agindo, estava apenas valorando o oposto do que desejava desvalorar, a saber, a neutralidade científica. No mundo dos valores, entidades bipolares, tudo passa justamente desse modo: a negação de um valor importa a afirmação do valor contrário.

O preço desta neutralidade científica foi o aparecimento de mais uma antinomia interna na sua construção teórica. Acabamos de ver como Kelsen adotou o conceito neokantiano da realidade-pensada ou ideal, fundada no princípio que o mundo é criação do pensamento. É de indagar-se, então: como criar o mundo de improviso, como fazê-lo com ausência de critérios, como construí-lo sem valoração? Nietzsche, bem próximo a Kelsen, com antecedência já desvendara o processo: ‘nada que possua valor neste mundo o possui por si mesmo, segundo sua natureza – a nós que os demos, nós, os atribuidores! Nós criamos o mundo que interessa ao homem!’

Mais importante do que tudo isso, porém, foi o fato de Kelsen, ao afirmar de modo surpreendente, que sua norma fundamental era uma norma fictícia, ter destruído o ponto axial de sustentação de sua teoria, e, com ele, o próprio conceito de validade, que constituía, sem dúvida, sua essência ou seiva vital. A ausência dessa norma deixa o sistema desmobilizado e desfigurado a tal ponto, que já não se poderia mais fazer a distinção entre a ordem legal de um agente público e o grito de um assaltante que, de arma em punho, exige a carteira de alguém.

Depois de haver condenado o uso da ficção em ciência, por representar ‘uma mentira e um ultraje à vida’, Kelsen a utiliza para a definição problemática norma básica, ponto axial e fecho de seu sistema. Esta, subscreve, ‘não é norma positiva, (...) senão uma norma pressuposta no pensamento do cristão, quer dizer, uma norma fictícia.’”(Arnaldo VASCONCELOS, Teoria Pura do Direito: Repasse Crítico de seus Principais Fundamentos, pp. 4-5, 7,9)

Contudo, ridícula veleidade seria a de quem pensasse em amesquinhar a autoridade de Hans Kelsen, vulto descomunal da Ciência Jurídica, que dedicou toda uma vida a uma causa intelectual honorável, a saber, a criação de uma Ciência do Direito autônoma. Mas esta situação excepcional, a despeito de toda a sua superioridade, não o eleva acima da crítica.

      III - Conclusão

À luz do exposto, concluímos que a Teoria Pura do Direito, não obstante haver assinalado época, e beneficiado a História como um vigoroso estímulo a grandes trabalhos no tocante à autonomia e independência da Ciência do Direito, mormente acerca da natureza da norma jurídica, confere a Kelsen o mérito de haver fixado as premissas lógico-formais do tema, mas o fato de negar o caráter criador de Direito das relações sociais, por meio de sua abstração chamada Norma Hipotética Fundamental, e a esta conferindo o caráter positivo e postulado fundamental de toda a sua teoria e após mais de sessenta anos de defesa disto, a negar como norma positiva, sendo vencido o mestre – a vida toda antijusnaturalista – pela entrada de um mínimo de metafísica e de Direito natural em sua teoria, através da revisão da doutrina da NHF. Isto evidencia a rendição do mestre ao caráter social do Direito, o qual é um corolário lógico das relações humanas, do qual o ordenamento jurídico é a sua mais fiel fonte de expressão.

Conforme Platão:

“É forçoso que haja tantas espécies de caracteres de homens como forma de conduta. Ou julgas que elas nasceram do carvalho e da rocha, então dos costumes civis, que arrastam tudo para o lado que pendem?”(PLATÃO, A República, p. 240)

Ainda Homero:

“Mas diz-me qual a tua raça, de onde ela vem, pois não deriva do lendário carvalho, nem da rocha.”(HOMERO, Odisséia, pp. 162-163)

- Referências bibliográficas

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