Justiça Restaurativa como efetivação dos Direitos Fundamentais


Porwilliammoura- Postado em 08 dezembro 2011

Autores: 
RESENDE, Camila Beatriz Silva

A justiça restaurativa ressurgiu nos anos 70, pela necessidade da busca de métodos alternativos para resolução de conflitos, porém essa prática já era utilizada anteriormente, tendo sido afastada ante a adoção dos sistemas repressores da justiça penal retributiva onde somente são aceitas as decisões do Estado, afastando toda a comunidade dos procedimentos judiciais.
A Justiça Restaurativa é opção ao sistema penal utilizado hodiernamente, não visa eliminá-lo, mas sim, afastar o efeito marginalizador, chamando a atenção para a dignidade humana e aos direitos inerentes à ela; procura afastar o sistema vertical da aplicação da justiça, e infundir o sistema horizontal, favorecendo o diálogo e a relação entre os envolvidos na infração penal.
Tony Marshall (1999, apud AGUIAR, p. 109) defina a Justiça Restaurativa como “um processo através do qual todas as partes interessadas em um crime específico se reúnem para solucionar coletivamente como lidar com o resultado do crime e suas implicações para o futuro”.
Carla Zamith Boin Aguiar (2009, p. 109-10), a entende como uma nova forma de olhar sobre a situação delituosa, um modo de justiça participativa que contará com a humanização do processo, com as partes atuando no procedimento decisório, em busca da cura e transformação, e da resolução do problema.
Corroborando com a explanação de Carla Zamith, Renato Sócrates G. Pinto (2005, p. 21), acrescenta que essa democracia participativa se dará porque “o processo atravessa a superficialidade e mergulha fundo no conflito, enfatizando as subjetividades envolvidas, superando o modelo retributivo, em que o Estado, figura, com seu monopólio penal exclusivo, como a encarnação de uma divindade vingativa sempre pronta a retribuir o mal com outro mal”.
Howard Zehr (p. 170-171), um dos pioneiros no estudo sobre o tema, em sua análise, explanou que:
Justiça retributiva. O crime é uma violação contra o Estado, definida pela desobediência à lei e pela culpa. A justiça determina a culpa e inflige dor no contexto de uma disputa entre o ofensor e Estado, regida por regras sistemáticas.
Justiça restaurativa. O crime é uma violação de pessoas e relacionamentos. Ele cria a obrigação de corrigir os erros. A justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade na busca de soluções que promovam reparação, reconciliação e segurança.

É importante explicar os motivos da importância desse procedimento, o que o envolve.
O crime, além de violar as leis penais, atinge também, as relações entre o infrator, a vítima e a comunidade. No modelo atual (retributivo), tem-se a condenação do indivíduo que delinqüiu pelo ato praticado, contudo, como já demonstrado, esse procedimento não se mostra tão eficiente. A Justiça deve identificar as necessidades e obrigações oriundas dessa relação que foi atingida pelo crime, vislumbrando o trauma causado e as formas de recuperação deste, oportunizando às partes o diálogo; desta forma, ela será avaliada “segundo sua capacidade de fazer com que as responsabilidades sejam assumidas, as necessidades oriundas da ofensa sejam satisfatoriamente atendidas e a cura, ou seja, um resultado individual e socialmente terapêutico, seja alcançado” (ZEHR, apud PINTO, 2005, p. 21).
Na preciosa lição de Pedro Scuro Neto (2000, apud GOMES PINTO, 2005, p. 21),
Fazer justiça, do ponto de vista restaurativo, significa dar resposta sistemática às infrações e as suas consequências, enfatizando a cura das feridas sofridas pela sensibilidade, pela dignidade ou reputação, destacando a dor, a mágoa, o dano, a ofensa, o agravo causados pelo malfeito, contando para isso com a participação de todos os envolvidos (vítima, infrator, comunidade) na resolução dos problemas (conflitos) criados por determinados incidentes. Práticas de justiça com objetivos restaurativos identificam os males infligidos e influem na sua reparação, envolvendo as pessoas e transformando suas atitudes e perspectivas em relação convencional com sistema de Justiça [...] trabalhar para restaurar, reconstituir, reconstruir [...] todos os envolvidos e afetados por um crime ou infração devem ter, se quiserem, a oportunidade de participar do processo restaurativo.

O sistema atual aplicado ao crime visa tão somente a sua punição, tendo em vista que o sistema penal dos dias atuais não tem o condão ressocializador, ante a ineficiência dos meios até então aplicados, traduzindo-se no sentido de que quem cometeu o delito deve ser castigado. A Justiça Restaurativa propõe outra análise, como quem foi prejudicado; quais as necessidades dessa pessoa prejudicada; e como atender suas necessidades, fornecendo ao indivíduo que praticou o delito a possibilidade de restaurar o dano que cometeu, para reestabelecer as relações que foram atingidas pelo crime, possibilitando, assim, conforme expôs Mc Cold, Paul e Wacthel (2003, apud PINTO, 2005), a obtenção de uma sociedade civil saudável, bem como a sua manutenção.
No ano de 2002, a ONU, através da Resolução do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, promoveram a confecção de conceitos enunciados nos Princípios Básicos da Justiça Restaurativa (PINTO, 2005, p. 23):
1. Programa Restaurativo – se entende por qualquer programa que utilize processos restaurativos voltados para resultados restaurativos.
2. Processo Restaurativo – significa que a vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, participam coletiva e ativamente na resolução dos problemas causados pelo crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. O processo restaurativo abrange mediação, conciliação, audiências e círculos de sentença.
3. Resultado Restaurativo – significa um acordo alcançado devido a um processo restaurativo, incluindo responsabilidades e programas, tais como reparação, restituição, prestação de serviços comunitários, objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e logrando a reintegração da vítima e do infrator.

Não existe um consenso sobre seu conceito, mas, conforme demonstrado, ela baseia-se numa tentativa de afastar, nos casos em que possível, o sistema penal retributivo falho e aplicado nos dias atuais, para possibilitar o acesso dos envolvidos ao Judiciário, removendo a verticalidade e proporcionando a uma relação horizontal entre as partes, com a finalidade de buscar uma resposta melhor ao caso concreto,sendo, portanto, um método alternativo para resolução de certos conflitos, quando aceito pelas partes.
No preâmbulo da Constituição de 1988, os constituintes expressam o compromisso de :
[...] instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

Por sua vez, o art. 1º da Carta Magna de nosso país estabelece os fundamentos do Estado Democrático de Direito a cidadania e a dignidade da pessoa humana, e no art. 3º estão elencados como um dos objetivos fundamentais a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como da redução das desigualdades sociais e regionais.
Assim, é possível constatar que a Constituição Federal abre possibilidades para a aplicação e implementação da Justiça Restaurativa em nosso país, uma vez que ela, além de atender ao que prevê o preâmbulo, sobre a solução pacífica das controvérsias, ela serviria de meio para a efetivação dos fundamentos elencados nos arts. 2º e 4º.Não há como se pensar em Estado Democrático de Direito sem a promoção da paz, sem ter o compromisso com a paz, por isso as normas de mediação podem ser consideradas como fundamenais para a consecução da democracia, promoção da paz, e como assegurador da dignidade da pessoa humana.
Isto porque, a prisão e/ou condenação criminal não possuem o condão de recuperar o indivíduo, mas apenas puní-lo pela prática do delito, retirando-lhe da sociedade, da condição de ser humano, pela situação degradante dos presídios brasileiros - denunciada constantemente pela mídia em geral -, além de retirar-lhe a cidadania, haja vista a o fato de que o mesmo sequer poderá exercer o direito de voto.
A prática da justiça restaurativa consiste na demonstração mais efetiva o possível do exercício da cidadania e possibilita a realização da democracia, corroborando com essa realidade o importante parecer de Eduardo Mansano Bauman:
Se o processo espelha valores, é preciso aferir sua capacidade para refletir o mais alto de todos – o valor humano, que encontra seu ápice no conceito de liberdade. Aliás, a noção de dignidade o reflete – ter e reconhecer nos demais o direito de ser livre para escolher. Este conceito, no entanto, é fruto de uma longa evolução social, sendo hoje universalmente aceito, remanescendo, entretanto, a dificuldade de sua implantação. (2006, p. 36)

O ordenamento jurídico que se funde nos princípios indicados pela Constituição Federal é garantidor dos direitos fundamentais dos seres humanos, apresentando-se não como uma aceitação do positivismo moderno, mas como uma releitura de novos moldes, assim, a Carta Magna deve proteger os direitos humanos, e, em sua busca, reformular o sistema penal e sua correspondência, indicando os interesses ou bens a serem tutelados, minimamente, por esse sistema.
A superação do sistema penal construído na modernidade pe mais que obrigação, é um dever para legitimá-lo sob o manto dos direitos humanos. A seletividade do sistema é atentatória para ao princípio, e a punição como única retribuição penal ofende a dignidade da pessoa humana, sem necessidade de se aprofundar nas atrocidades causadas por sua imposição.
Os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana são princípios baziladores do sistema penal, e seu costumaz desrespeito eiva sua legitimidade, exigindo-se uma mudança de rumo do sistema retributivo para o reconhecimento da sua legitimidade diante um Estado Democrático de Direito.

Referência Bicliográficas:

AGUIAR, Carla Zamith Boin. Mediação e Justiça Restaurativa: A Humanização do Sistema Processual como forma de Realização dos Princípios Constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2009.

GOMES PINTO, Renato Sócrates. Justiça Restaurativa é possível no Brasil? In SLAKMON, C.; DE VITTO, R.; PINTO, R. Gomes (Org.) Justiça Restaurativa. Brasília – DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2005.

SALIBA, Marcelo Gonçalves. Justiça Restaurativa e Paradigma Punitivo. Curitiba: Juruá, 2009.

ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athenas, 2008.