INDIVÍDUO, INTERSUBJETIVIDADE E DIREITO: UM DIÁLOGO ENTRE A PSICANÁLISE FREUDIANA E O PENSAMENTO POLÍTICO-FILOSÓFICO DE HOBBES


PorThais Silveira- Postado em 20 abril 2012

Autores: 
Rodrigo Vitorino Souza Alves
Léia Souza Alves de Araújo

 

INDIVÍDUO, INTERSUBJETIVIDADE E DIREITO: UM DIÁLOGO ENTRE A 
PSICANÁLISE FREUDIANA E O PENSAMENTO POLÍTICO-FILOSÓFICO 
DE HOBBES 
Rodrigo Vitorino Souza Alves
1
Léia Souza Alves de Araújo
2
RESUMO 
O presente artigo tem como escopo apresentar a concepção psicanalítica de Sigmund 
Freud acerca do indivíduo, da intersubjetividade, do processo civilizatório e do Direito, 
comparando-a com a concepção político-filosófica de Thomas Hobbes, mediante a 
utilização de pesquisa bibliográfica. Inicialmente, foram feitas sucintas considerações 
concernentes à origem, ao conceito e ao método da Psicanálise, destacando-se a 
importância do texto “O mal-estar da civilização” para o exame. Em continuidade, 
passou-se ao estudo do indivíduo sob a ótica psicanalítica, apresentando o aparelho 
psíquico humano como um complexo formado pelo id,  ego e superego, bem como o 
papel destes elementos em relação aos instintos. Estudou-se também a 
intersubjetividade em Freud, que, semelhantemente a Hobbes, concebe as relações 
humanas como sendo marcadas pela mútua agressividade, uma verdadeira “guerra de 
todos contra todos”. Diante disso, verificou-se que a lei é vista por Freud como um 
sistema regulador da vida social, que objetiva a proteção dos indivíduos e ao mesmo 
tempo controla a satisfação de seus instintos. De mais a mais, foram relacionadas três 
confluências entre o pensamento de Freud e as teorias de Hobbes, para ao final concluir 
que as reflexões trazidas pelos referidos pensadores apresentam a origem dos problemas 
sociais, bem como legitimam e orientam a atuação do Direito. 
PALAVRAS-CHAVE:  psicanálise; teoria política; indivíduo; intersubjetividade; 
Direito. 
                                                          
1
 Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia, Especialista em Ciências 
Criminais pela Universidade Gama Filho, Graduado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia, 
Professor Universitário. 
2
 Mestre em Educação, Especialista em Clínica Psicanalítica e Graduada em Psicologia pela Universidade 
Federal de Uberlândia, Especialista em Psicoterapia de Grupo Triádico pela Sociedade Brasileira de 
Psicoterapia, Dinâmica de Grupo e Psicodrama, Psicóloga, Psicoterapeuta, Professora Universitária. Artigo publicado na Revista CEPPG – Nº 24 – 1/2011 – ISSN 1517-8471 – Páginas 158 à 170 
Revista CEPPG - CESUC - Centro de Ensino Superior de Catalão, Ano XIV, Nº 24 - 1º Semestre/2011
1. A Psicanálise 
Pouco mencionada nos estudos acerca da origem do Direito, a Psicanálise 
trouxe significativas contribuições para o entendimento da vida humana e das relações 
sociais. 
A Psicanálise tem como fundador o neurologista judeu-austríaco 
Sigmund Freud (1856-1939), autor de extensa e importante produção teórica, apresenta 
em seu conhecido texto “O mal-estar na civilização”, publicado em 1930, os 
fundamentos e a necessidade do Direito para a vida social. 
A Psicanálise surgiu em 1890 e se constitui em um corpo teórico, técnico 
e metodológico que estuda e trata a vida psíquica, evidenciando-se, principalmente, os 
processos inconscientes que permeiam as palavras, as ações e as produções imaginárias 
dos indivíduos, como os sonhos, as fantasias e os delírios (LAPLANCHE, 1992, p. 384, 
385). Para Freud, os problemas neuróticos e histéricos de seus pacientes surgiam da 
repressão de seus desejos inconscientes e de suas fantasias. 
Na obra “Esboço de Psicanálise”, de 1940, Freud afirma que “os 
ensinamentos da Psicanálise baseiam-se em um número incalculável de observações e 
experiências” (FREUD, 1978, p. 197), as quais o conduziram a um entendimento acerca 
da constituição humana e da vida psíquica, aspectos que serão apresentados 
sinteticamente a seguir. 
2 O indivíduo 
Segundo Freud, o aparelho psíquico humano é formado pelo  id,  ego e 
superego. O id contém tudo o que é herdado, sendo onde se expressam psiquicamente 
os instintos, originados da organização somática. Sob a influência do mundo externo, o 
id se desenvolve de modo especial, surgindo o ego, que atua como região intermediária 
entre o id e o mundo externo. O ego tem sob seu comando o movimento voluntário e se 
caracteriza pela tarefa de autopreservação (armazena experiências, evita estímulos 
excessivamente intensos, lida com estímulos moderados e aprende a produzir 
modificações convenientes no mundo externo). Finalmente, o superego é uma formação 
presente no ego em razão do desenvolvimento infantil, sob a dependência e influência Artigo publicado na Revista CEPPG – Nº 24 – 1/2011 – ISSN 1517-8471 – Páginas 158 à 170 
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paterna (FREUD, 1978, p. 199,200). O superego assume para o sujeito “o valor de 
modelo e função de juiz” (LAPLANCHE, 1992, p. 498).
Observa-se que, para a Psicanálise, os instintos desempenham um papel 
primordial na vida psíquica humana. Eles manifestam-se primeiramente no id, o qual se 
desenvolve em  ego e  superego, respectivamente como dominador e juiz daqueles, 
elegendo quais devem se manifestar. “O poder do id expressa o verdadeiro propósito da 
vida do organismo do indivíduo” (FREUD, 1978, p. 201). 
Presume o autor (presumir é o termo por ele utilizado) que os instintos
3
são as forças que existem por trás das tensões causadas pelas necessidades do  id, os 
quais representam as exigências somáticas que são feitas à mente. A partir de estudos, 
descobriu-se que os instintos podem ter seus objetivos deslocados, que a energia de um 
instinto pode ser transferida para outro (necessidade de satisfação) e que existem dois 
instintos básicos, o Eros, instinto de vida, e o instinto destrutivo, os quais são referidos 
também como pulsão de vida e pulsão de morte. O primeiro tem como objetivo 
estabelecer unidades cada vez maiores (exemplo: incorporação do alimento ao corpo), e 
assim preservá-las, ao passo que o segundo tem como objetivo final levar o que é vivo a 
um estado inorgânico (exemplo: para se alimentar, é preciso destruir, matar), daí ser 
chamado de instinto de morte. Segundo ele, nas funções biológicas os dois instintos 
básicos operam um contra o outro ou combinam-se mutuamente (FREUD, 1978, p. 
201,202). 
As teorias de Freud a respeito do aparelho psíquico humano e dos 
instintos prestam-se como fundamento para todo seu pensamento. Quanto a este, ver-se-
á adiante ainda dois temas relevantes para o presente exame, a saber, a 
intersubjetividade e o Direito, apresentando ao final algumas semelhanças entre a 
Psicanálise e o pensamento hobbesiano. 
3 A intersubjetividade 
Além dos textos teóricos e clínicos, Freud também se interessou pelos 
temas sociais e pela inter-relação do indivíduo com a civilização. Em “O mal-estar na 
                                                          
3
 A tradução do termo Trieb (por Instinto ou Pulsão) é uma das mais polêmicas, devido à extensa gama de
significados e conotações do termo em alemão, bem como devido a peculiaridades no emprego freudiano 
do termo (Hanns, 1996). Artigo publicado na Revista CEPPG – Nº 24 – 1/2011 – ISSN 1517-8471 – Páginas 158 à 170 
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civilização”, o autor faz referência à expressão “Homo homini lúpus” (FREUD, 1978, p. 
167), ou seja, “O homem é o lobo do homem”. 
A referida expressão é encontrada primeiramente no poeta e dramaturgo 
latino Plauto (250-184 a.C.), depois retomada por Thomas Hobbes
4
, para quem o estado 
natural é marcado pela insegurança e pela “bellum omnium contra omnes”, isto é,  onde 
é ausente o Estado, o homem procura a sujeição de outrem para sua própria proteção. 
Com efeito, a teoria política de Hobbes é melhor entendida quando 
tomada a partir de sua concepção da natureza humana. Em Hobbes, a natureza do 
homem não é uma natureza de caráter metafísico, como se encontra nos aristotélicotomistas. Antes, refere-se o autor à natureza do homem empírico, a ser descoberta a 
partir da observação (WELZEL, 1957, p. 141). 
Segundo Hobbes, movido pelo instinto de autopreservação, o indivíduo 
busca dominar os outros, conduta esta que dá ensejo à “guerra de todos contra todos”. 
Nesse sentido, defende a insociabilidade natural dos homens e a acidentalidade da vida 
social, de modo que  o homem não é um ser sócio-político por natureza. 
Assim como em Hobbes, a referida expressão latina transmite a idéia 
central de Freud ao observar a vida social, apontando para o fato de que o homem em 
situações desfavoráveis revela-se como uma besta selvagem, a quem a consideração 
para com sua própria espécie é algo estranho. “A inclinação para a agressão constitui, 
no homem, uma disposição instintiva original e autosubsistente” (FREUD, 1978, p. 
175). 
Freud afirma acerca dos homens que eles não são criaturas gentis, que 
desejam ser amadas, que se defendem apenas quando atacadas, mas são criaturas 
dotadas de uma poderosa agressividade. Para eles, o próximo não é naturalmente um 
objeto de seu amor, mas sim alguém que os tenta a satisfazer sobre ele sua 
agressividade, por exemplo, ao explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, 
                                                          
4
 Thomas Hobbes (1588-1679) viveu durante o período mais crucial da história moderna da Inglaterra: a 
Guerra Civil Inglesa (1642-1648). Este período pode ser descrito como uma colisão entre os monarquistas 
e os parlamentaristas, respectivamente representados pelo rei Charles I e por Oliver Cromwell. Os 
primeiros defendiam o “direito divino dos reis” – obediência ao rei deriva da obediência a Deus – ao 
passo que os últimos demandavam maior poder para o  Parlamento – instituição quase democrática. 
Hobbes representa um compromisso entre as duas facções, pois rejeita o direito divino dos reis sem, 
contudo, aceitar a visão democrático-parlamentarista, em que o poder governamental é compartilhado 
entre rei e Parlamento. Em suma, entende o filósofo inglês que a autoridade do rei é fundada no medo e
na insegurança social, e não em um direito inato que o diferencie dos demais, pois todos são iguais 
(FRIEND, 2006, p. 3). Artigo publicado na Revista CEPPG – Nº 24 – 1/2011 – ISSN 1517-8471 – Páginas 158 à 170 
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ao utilizar dele sexualmente sem consentimento, ao apoderar de suas posses, ao causarlhe sofrimento e matá-lo. Daí a frase “Homo homini lúpus”. Diz Freud: “Quem, em face 
de toda sua experiência de vida e da história, terá a coragem de discutir essa asserção?” 
(FREUD, 1990, p. 123). 
Analisa Freud o mandamento de “amar ao próximo como a si mesmo” 
como uma exigência que contraria a natureza do homem. A idéia de que os homens 
vivem socialmente por amor mútuo é uma ilusão. Por isso mesmo, é um mandamento, e 
não algo naturalmente desenvolvido pelos homens. Nesse sentido, observa-se que 
socialmente há não uma relação mútua de amor, mas de interesses. Cada um quer ver 
seus desejos satisfeitos. 
Freud critica os comunistas quando afirmam que o homem é inteiramente 
bom e bem disposto para com seu próximo, algo que foi corrompido pela instituição da 
propriedade privada. Para ele, a propriedade privada é uma das formas da agressão, é 
um de seus instrumentos, não o mais forte. A abolição da propriedade privada não retira 
dos homens a agressividade, que se encontrava na época primitiva, e que se apresenta 
hoje já nos quartos das crianças. Com a eliminação dos direitos pessoais sobre a riqueza 
material, diz o autor, ainda permanece a hostilidade nos outros campos (FREUD, 1990, 
p. 124). 
Nota-se, entretanto, que a “oposição não é necessariamente inimizade; 
simplesmente, ela é mal empregada e tornada uma ocasião para a inimizade” (FREUD, 
1978, p. 168). Para ele, o instinto de oposição, domado e mitigado, enfim, inibido em 
sua finalidade, quando dirigidos para objetos, proporciona ao sujeito a satisfação de 
suas necessidades vitais e o controle sobre a natureza (FREUD, 1978, p. 175). 
Entretanto, caso seja dirigido de modo incontrolado a outros homens, é causa de 
contendas, e assim, da impossibilidade da vida social. 
Em razão do mal emprego do instinto de agressividade, Freud defende 
que ele ”é o maior impedimento à civilização” (FREUD, 1978, p. 175). Nesse contexto, 
Freud faz diversas considerações acerca da regulação da vida humana comunitária, das 
quais abordaremos algumas. 
4 O direito Artigo publicado na Revista CEPPG – Nº 24 – 1/2011 – ISSN 1517-8471 – Páginas 158 à 170 
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Na obra “O Mal-Estar na Civilização” Freud apresenta como idéia 
central a discussão da repressão que é imposta pela civilização, e a conseqüente 
ausência de felicidade plena nesse meio social repressivo. Diante disso, Freud passa a 
comentar a respeito da lei, que certamente desempenha um papel primordial na 
repressão de condutas sociais. De sua exposição, podem ser destacadas duas 
apreciações, a saber, seu posicionamento quanto à inclinação do homem para a agressão 
e o papel do Direito no processo civilizatório. 
Como visto anteriormente, Freud afirmou que o instinto agressivo é 
causa da impossibilidade da vida humana comunitária, desde que não domado e 
moderado. É impossível se pensar uma vida social em que o instinto de destruição de 
um homem é destinado aos demais membros da comunidade. 
Uma vez reconhecida a oposição natural entre os indivíduos, a 
civilização utiliza esforços supremos para estabelecer limites para seus instintos 
agressivos e manter suas manifestações sob controle (FREUD, 1978, p. 167). No 
entanto, afirma o autor que a sociedade impõe sacrifícios muito grandes à agressividade 
humana, razão pela qual “podemos compreender melhor porque lhe é difícil ser feliz 
nessa civilização” (FREUD, 1990, p. 126), pois para ele, “a satisfação do instinto 
equivale para nós à felicidade” (FREUD, 1978, p. 143). 
Freud critica o modelo de civilização de sua época. Para ele, existem três 
fontes de sofrimento: o poder superior da natureza, a fragilidade de nossos próprios 
corpos e a inadequação das regras que se destinam a ajustar os relacionamentos mútuos 
do ser humano. Quanto às duas primeiras fontes, entende ele que é inevitável a 
submissão aos sofrimentos delas decorrentes. Porém, quanto à terceira, defende que os 
homens não aceitam desgraça originada em regulamentos elaborados por eles mesmos, 
os quais não proporcionam benefícios e proteção para cada um (FREUD, 1978, p. 148). 
Desse modo, a civilização é fonte de consternações.
Por isso, entende Freud que a civilização contemporânea precisa ser 
combatida nas raízes de sua imperfeição, para que sejam promovidas alterações tais que 
satisfaçam melhor as necessidades dos homens (FREUD, 1990, p. 126). 
Entretanto, ao mesmo tempo em que se refere à cultura contemporânea 
como origem de sofrimentos, Freud reconhece também que a vida social é assim por 
natureza. Quanto ao sofrimento, “tendemos a encará-lo como uma espécie de acréscimo Artigo publicado na Revista CEPPG – Nº 24 – 1/2011 – ISSN 1517-8471 – Páginas 158 à 170 
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gratuito, embora ele não possa ser menos fatidicamente inevitável do que o sofrimento 
oriundo de outras fontes” (FREUD, 1978, p. 141). Assim como são inevitáveis os 
sofrimentos advindos da natureza e da degradação do próprio corpo, o sofrimento 
originado da vida social é igualmente imperativo. 
Com isso em vista, Freud entende que por mais que a civilização opere 
como forte limitadora da liberdade instintiva, ela impõe sacrifícios menores à liberdade 
do que o modo de organização dos povos primitivos. Nestes, minorias (os chefes tribais) 
desfrutavam extremamente das vantagens da civilização, ao passo que maiorias viviam 
em opressão servil (FREUD, 1978, p. 170). Na civilização, substitui-se o poder do 
indivíduo pelo poder de uma comunidade, sendo aquele condenado como “força bruta” 
e o poder desta como “Direito” (FREUD, 1978, p. 155). 
Sem a regulação dos relacionamentos sociais, sem o  Direito, a vida 
humana comum é impossível. Somente quando se reúne uma maioria mais forte do que 
qualquer indivíduo isolado, a qual permanece unida contra todos os indivíduos isolados 
é que a comunidade é possível (FREUD, 1978, p. 155), e assim, todos os seus 
benefícios são desfrutados. 
Veja-se que, embora não seja a lei capaz de refrear plenamente “as 
manifestações mais cautelosas e refinadas da agressividade humana” (FREUD, 1990, p. 
124), ela desempenha um importante papel na vida humana comunitária. Ao tratar das 
fontes das normas éticas, Freud dirá que uma parte das prescrições éticas justifica-se de 
maneira puramente racional, pela necessidade de delimitar “os direitos da comunidade 
contra o indivíduo, os do indivíduo contra a comunidade e os dos indivíduos entre si”, 
em vista dos perigos dos instintos agressivos (HISGAIL, 1989, p. 50). 
Semelhantemente, ao refletir a respeito do conceito de Direito, o jurista 
italiano Francesco Carnelutti reconhece que o Direito surge em razão dos conflitos 
existentes entre os homens em sociedade. Defende ele que “enquanto os homens não 
saibam amar temos que obrigá-los” (CARNELUTTI, 2001, p. 20). O Direito é, pois, 
uma força imperiosa na sociedade, mas não a força original. O Direito só existe onde 
não há o amor, onde o homem é um lobo e não um cordeiro (CARNELUTTI, 2001, p. 
21). 
Ainda que Freud compreenda serem necessárias alterações na civilização, 
e assim, no sistema normativo-valorativo das sociedades, ele não faz crítica ao Direito Artigo publicado na Revista CEPPG – Nº 24 – 1/2011 – ISSN 1517-8471 – Páginas 158 à 170 
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em si. Mesmo sendo imperiosas as alterações, o Direito não deixa de ser necessário. 
Com efeito, é impossível a convivência social fundada na agressividade e inimizade 
entre os indivíduos – são necessários limites. 
Quanto ao tema, Freud ressalta que “a primeira exigência da civilização, 
portanto, é a da justiça, ou seja, a garantia de que uma lei, uma vez criada, não será 
violada em favor de um indivíduo” (FREUD, 1978, p. 155). O resultado dessa exigência 
consiste em que: 
[A lei] seria um estatuto legal para o qual todos – exceto os incapazes de 
ingressar numa comunidade – contribuiriam com um sacrifício de seus 
instintos, e que não deixa ninguém – novamente com a mesma exceção – à 
mercê da força bruta (FREUD, 1978, p. 155). 
Desse modo, “o homem civilizado trocou uma parcela  de suas 
possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança” (FREUD, 1978, p. 170). Em 
função das diversas possibilidades de sofrimento, os homens se acostumaram a moderar 
suas reivindicações de felicidade. “Não admira que (...) a tarefa de evitar o sofrimento 
coloque a de obter prazer em segundo plano” (FREUD, 1978, p. 141). 
Nesse ponto, necessário se faz compreender o papel da sublimação dos 
instintos. Uma vez que a felicidade é equivalente à realização dos desejos, o ser humano 
sente a necessidade de satisfazer seus instintos, inclusive o de agressividade. Portanto, 
como conciliar a vida social com a liberdade instintiva? Não é a vida social “fonte de 
sofrimentos”? 
Freud ressalta a importância da sublimação dos instintos, que ocorre na 
medida em que os impulsos sexuais são dirigidos para um novo objetivo, ou seja, para 
atividades socialmente aceitas (LAPLANCHE, 1992, p. 494/497). Como dito 
anteriormente, o redirecionamento dos impulsos instintivos, a objetos e não a pessoas, 
conduz à satisfação das necessidades do sujeito. Assim, o domínio sobre os instintos 
viabiliza ao mesmo tempo a vida social e a felicidade, ainda que parcial. 
Nesse contexto, a sublimação desempenha um papel fundamental, pois é 
uma das técnicas que o homem pode adotar para afastar o sofrimento. Através dela, o 
sujeito redireciona, reorienta os objetivos instintivos, de maneira que evitem as 
frustrações do mundo externo (FREUD, 1978, p. 143).Artigo publicado na Revista CEPPG – Nº 24 – 1/2011 – ISSN 1517-8471 – Páginas 158 à 170 
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Ademais, afirma ele a sublimação como um aspecto que evidencia o 
desenvolvimento cultural e que torna possível as atividades psíquicas superiores, 
científicas, artísticas ou ideológicas e que cumprem um importante papel na civilização 
(FREUD, 1978, p. 157). Essas atividades são algumas das possíveis novas metas para os 
instintos, as quais são socialmente aceitas. 
Contudo, para Freud, apesar da sublimação ser uma via possível para se 
esquivar do sofrimento, sempre haverá lutas na civilização, pois o homem sempre 
defenderá sua reivindicação à liberdade individual contra a vontade do grupo. Por isso: 
Grande parte das lutas da humanidade centraliza-se em torno da tarefa única 
de encontrar uma acomodação conveniente – isto é, uma acomodação que 
traga felicidade – entre essa reivindicação do indivíduo e as reivindicações 
culturais do grupo, e um dos problemas que incide sobre o destino da 
humanidade é o de saber se tal acomodação pode ser alcançada por meio de 
alguma forma específica de civilização ou se esse conflito é irreconciliável 
(FREUD, 1978, p. 156). 
Finalmente, salienta-se que, de um lado, o indivíduo é caracterizado por 
seus ímpetos agressivos e sexuais, sendo necessário o Direito para a proteção do 
mesmo, dos outros e da comunidade. Por outro lado, ele é um ser singular, sujeito de 
juízos de fato e de valor, de apreciação e interpretação das circunstâncias; é um ser que 
interage com o meio em que está inserido. 
Assim como em razão da existência comunitária faz-se necessário um 
Direito protetor da vida social (que a possibilita), a existência singular requer uma “ética 
da tolerância” (CROMBERG, 2001, p. 167), um Direito garantidor da liberdade e da 
existência individual e singular. 
Portanto, a lei, como sistema regulador da vida social, encontra em Freud 
uma finalidade dialética: proteger os indivíduos da força bruta proporcionando-lhes 
também a satisfação dos instintos, a felicidade, ainda que de modo parcial. 
5 Freud e Hobbes 
O último ponto a ser destacado do pensamento freudiano refere-se à sua 
semelhança com as teorias de Hobbes. Foi visto anteriormente que Freud e Hobbes se 
assemelham quanto à visão acerca da natureza humana, especialmente ao afirmarem que Artigo publicado na Revista CEPPG – Nº 24 – 1/2011 – ISSN 1517-8471 – Páginas 158 à 170 
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“o homem é o lobo do homem”. Como desdobramento disso, as duas teorias se 
aproximam em ao menos três outros pontos, os quais serão abordados sucintamente. 
A primeira semelhança que encontramos nas teorias hobbesiana e 
psicanalítica consiste na figura do “ser desejante”. 
Hobbes entende que a vida humana é caracterizada pelas paixões. Estas 
consistem num elemento essencial à vida, que “não passa de movimento”. O homem é, 
portanto, visto como um “ser desejante”, e na satisfação de seus desejos é que ele 
encontra sua felicidade. 
O sucesso contínuo na obtenção daquelas coisas que de tempos a tempos os 
homens desejam, quer dizer, o prosperar constante, é aquilo a que os homens 
chamam felicidade; refiro-me à felicidade nesta vida. Pois não existe uma 
perpétua tranqüilidade de espírito, enquanto aqui vivemos, porque a própria 
vida não passa de movimento, e jamais pode deixar de haver desejo, ou 
medo, tal como não pode deixar de haver sensação (HOBBES, 1979, apud
RÊGO, 1995, p.5). 
A natureza de “desejante” é inerente ao homem de tal maneira que 
“jamais pode deixar de haver desejo”. Entende o filósofo que a felicidade não reside na 
satisfação plena das paixões, que é impossível de se alcançar “nesta vida”. Em razão 
disso, a felicidade é um “contínuo progresso do desejo”, pois ao se alcançar um objeto, 
desloca-se a paixão para outro. 
E ao homem é impossível viver quando seus desejos chegam ao fim, tal como 
quando seus sentidos e imaginação ficam paralisados. A felicidade é um 
contínuo progresso do desejo, de um objeto para outro, não sendo a obtenção 
do primeiro outra coisa senão o caminho para conseguir o segundo (...) 
Assinalo assim, em primeiro lugar, como tendência geral de todos os homens, 
um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com 
a morte (HOBBES, 1979, apud RÊGO, 1995, p. 6). 
Analogamente, na Psicanálise, a busca pela felicidade, ou melhor, a 
busca pelo objeto de desejo é algo que nunca será atingido. A Ética da Psicanálise não 
promete um soberano bem que poderia ser alcançado. Não há que se falar em satisfação 
final, mas sim em impossibilidade. Assim como o mandamento "ama o próximo como a 
ti mesmo" é irrealizável plenamente, a pacificação final dos desejos é impossível. Caso 
ocorresse, implicaria no desaparecimento do sujeito enquanto ser desejante. Por isso 
pode-se dizer que não “desejamos algo”, mas sim que simplesmente “desejamos” 
(VIEIRA, 2007, p. 6). Artigo publicado na Revista CEPPG – Nº 24 – 1/2011 – ISSN 1517-8471 – Páginas 158 à 170 
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Salta aos olhos a proximidade das idéias de Hobbes (século XVII) e de 
Freud (século XX) no tocante ao desejo. Se em Hobbes a felicidade é alcançada na 
medida em que o homem satisfaz suas paixões, em Freud “a satisfação do instinto 
equivale para nós à felicidade” (FREUD, 1978, p. 143). Ainda que separados por um 
abismo temporal, e utilizando-se de bases filosóficas distintas, “não é difícil perceber 
que ambos os autores estão se referindo (...) a um mesmo fenômeno” (RÊGO, 1995, p. 
8). 
Como conseqüência desponta a segunda semelhança, que se refere aos 
problemas da vida social. 
Hobbes entende que, sendo dotado de paixões (insaciáveis) e visando 
garantir a própria sobrevivência, o homem direciona suas paixões especialmente ao 
poder. Com efeito, a busca do poder é razão de uma  insegurança tal que conduz os 
indivíduos ao abandono do estado natural. 
As paixões que provocam de maneira mais decisiva as diferenças de talento 
são, principalmente, o maior ou menor desejo de poder, de riqueza, de saber e 
de honra. Todas as quais podem ser reduzidas à primeira, que é o desejo de 
poder. Porque a riqueza, o saber e a honra não são mais do que diferentes 
formas de poder (HOBBES, 1979, apud RÊGO, 1995, p. 6). 
De modo similar, para Freud a vida social é uma fonte de sofrimentos, 
acerca do qual “tendemos a encará-lo como uma espécie de acréscimo gratuito, embora 
ele não possa ser menos fatidicamente inevitável do que o sofrimento oriundo de outras 
fontes” (FREUD, 1978, p. 141). Assim como em Hobbes, Freud entende que a vida 
humana em sociedade é fonte de problemas, de sofrimento. 
Surge, pois, uma terceira semelhança entre a teoria hobbesiana e a 
psicanálise freudiana: a necessidade da regulação da vida social. 
Para Hobbes, o Estado aparece como um ser possuidor de um poder 
muitas vezes superior ao poder de qualquer indivíduo, e é por isso que ele se faz 
necessário. Afirma: 
O maior dos poderes humanos é aquele que é composto pelos poderes de 
vários homens, unidos por consentimento numa só pessoa, natural ou civil, 
que tem o uso de todos os poderes na dependência de sua vontade: é o caso 
do poder de um Estado (HOBBES, 1979, apud RÊGO, 1995, p. 6). Artigo publicado na Revista CEPPG – Nº 24 – 1/2011 – ISSN 1517-8471 – Páginas 158 à 170 
Revista CEPPG - CESUC - Centro de Ensino Superior de Catalão, Ano XIV, Nº 24 - 1º Semestre/2011
É no Estado que os indivíduos encontrarão maior segurança para viverem 
socialmente. Sem a figura do Estado, a vida social  é impossibilitada, porquanto os 
homens viverão a “guerra de todos contra todos”. 
De modo similar, Freud entende que a civilização impõe sacrifícios 
menores à liberdade do que o modo de organização primitivo. Por essa razão, ainda que 
atue como limitadora da liberdade instintiva, ela é menos prejudicial do que este, 
proporcionando a substituição do poder do indivíduo pelo poder de uma comunidade, 
retirando de cena a “força bruta” e dando lugar ao “Direito” (FREUD, 1978, p. 155). 
Considerações finais 
Diante do exposto, resta salientar que não há expressão que melhor 
defina o Direito sob os pontos de vista hobbesiano e freudiano do que esta: trata-se de 
um mal necessário. 
Como visto, segundo Freud, em situações desfavoráveis o ser humano 
age como uma besta selvagem, para quem a consideração pela própria espécie é algo 
estranho. Semelhantemente, em Hobbes o indivíduo é  caracterizado pelo instinto de 
autopreservação, sendo ele por natureza insociável. Em comum acordo declaram os 
pensadores: “o homem é o lobo do homem”. 
Tanto a Psicanálise de Freud quanto a Teoria Política de Hobbes 
fornecem ao Direito o fundamento de sua legitimação. Para que o homem tenha 
satisfação de seus desejos sem que isso destrua a existência comunitária, bem como 
viva sem maiores sacrifícios e sofrimentos, torna-se imperiosa a necessidade de 
regulação da vida em sociedade, das relações entre sujeitos, adequando os impulsos 
individualistas à vivência coletiva. 
Trata-se de uma operação dialética operada pelo Direito, porquanto 
busca, ao mesmo tempo, satisfazer os desejos individuais e limitar algumas formas de 
manifestação destes, tarefa muitas vezes, difícil e conflituosa, mas que se faz necessária 
em benefício da convivência social e preservação da humanidade. 
Inegável é a contribuição dada por Hobbes e Freud,  dois importantes 
pensadores, que mesmo separados pelo tempo, contribuíram para a compreensão da Artigo publicado na Revista CEPPG – Nº 24 – 1/2011 – ISSN 1517-8471 – Páginas 158 à 170 
Revista CEPPG - CESUC - Centro de Ensino Superior de Catalão, Ano XIV, Nº 24 - 1º S