A ilegalidade da retenção do diploma escolar por atraso no pagamento da mensalidade


PorJeison- Postado em 19 novembro 2012

Autores: 
LEITE, Arypson Silva.

 

Resumo: No âmbito do Direito Civil e do Código de Defesa do Consumidor não há espaço para instituições escolares particulares reterem o diploma de alunos com mensalidades em atraso, posto que o meio cabível para tal cobrança é o ingresso com ação no Judiciário. Portanto, qualquer retenção ilegal de diploma como meio de forçar o pagamento da mensalidade escolar em atraso é ilegal, gerando, inclusive, a reparação pelos danos morais em favor do aluno prejudicado, além de eventuais danos materiais.

Palavra-chave: Retenção ilegal de diploma; transferência; danos morais e materiais.

Sumário: 1. Introdução; 2. Retenção ilegal de diploma escolar por instituição particular de ensino; 3. Conclusão.


1 - Introdução:

Não raras vezes instituições de ensino privado, principalmente fundamental e médio, condicionam a entrega do diploma escolar para a transferência do aluno para outra instituição ao pagamento das mensalidades em atraso, uma verdadeira coerção ilegal, vedada pelo ordenamento civil e combatida energicamente pelo nosso Código de Defesa do Consumidor.

Nos tempos modernos tal conduta vem diminuindo consideravelmente, graças à maior conscientização da população acerca de seus direitos. Contudo, em algumas cidades, principalmente aquelas que não dispõem de uma política de inclusão social mais efetiva, como a presença de uma Defensoria Pública ou um Juizado Especial, tal prática ainda é corriqueira, muito embora os diretores de tais instituições saibam da ilegalidade que cometem.

Nesse sentido, o presente artigo buscará demonstrar a ilegalidade da retenção do diploma escolar por instituição particular de ensino, quando da transferência do aluno para outra rede escolar, como forma de coagir o mesmo ao pagamento das mensalidades em atraso.

2 – Retenção ilegal de diploma escolar por instituição particular de ensino:

O nosso Código de Defesa do Consumidor regula a relação entre as instituições de ensino particular e os alunos. Como não poderia deixar de ser, existe a vulnerabilidade dos alunos em relação às instituições de ensino, o que impõe consequentemente a aplicação das garantias do Código de Defesa do Consumidor sobre o contrato escolar em questão.

Já a Lei 9.870/99 possui disposição expressa regulando a matéria, mais precisamente em seu artigo 6º, caput, que assim dispõe:

 Art. 6o - São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.

Conforme previsto acima, essa prática abusiva e ilegal ainda realizada por algumas instituições de ensino é vedada por disposição expressa de lei, sujeitando tais instituições descumpridoras da normatização às punições previstas no nosso Código Consumerista, bem como no Código Civil.

Como é cediço, o contrato escolar é um contrato de adesão, contrato este que encontra conceituação no artigo 54 do CDC a seguir transcrito:

Art. 54  - Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

Ora, sendo contrato de adesão, deve-se prestar especial atenção às eventuais cláusulas abusivas, como a que porventura preveja a retenção de diploma em caso de não pagamento das mensalidades. Contudo, muitas vezes não há sequer tal cláusula e mesmo assim as instituições de ensino se valem de tal prática abusiva.

Ocorre que, em todos os caos, com cláusula ou sem, a retenção do diploma como meio de coerção ao pagamento das mensalidades em atraso é ilegal, encontrando óbice inclusive por disposição expressa do artigo 51, inciso IV do CDC, conforme a seguinte transcrição:

Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...);

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

Como já mencionado por ocasião da introdução, mesmo existindo dispositivos legais vedando tal prática abusiva de retenção de diploma como meio de coerção ao pagamento das mensalidades em atraso, várias instituições de ensino particular continuam a desrespeitar a lei e cometer tal prática repugnante, principalmente em cidades menores, onde as políticas públicas ainda estão engatinhando.

Privar o aluno de prosseguir com seus estudos por questões meramente pecuniárias é uma afronta à nossa carta constitucional, já que a educação é um dos nossos pilares republicanos e democráticos.

Evidentemente, como não poderia deixar de ser, tal retenção ilegal é passível de punição, devendo a parte lesada ingressar no Judiciário pedindo a decretação da ilegalidade do ato, com a consequente obtenção do diploma, bem como ainda a reparação em danos morais e materiais porventura existentes.

Vejamos a jurisprudência a respeito:

Ilegalidade e Dano Moral por retenção de diploma

Nos termos do art. 6º da Lei nº 9.870/1999, é vedado à instituição de ensino reter documentos escolares por motivo de inadimplemento. Outrossim, o art. 42 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor veda a prática de atos constrangedores e de ameaça, de modo a compelir o consumidor a adimplir com o débito. Dano moral configurado, porque a privação do autor do seu diploma de graduação por mais de três anos acarreta, presumidamente, abalo sensível no elemento anímico do indivíduo. Na mensuração do dano, não havendo no sistema brasileiro critérios fixos e objetivos para tanto, é mister que o Juiz considere aspectos subjetivos dos envolvidos. Assim, características como a condição social, a cultural, a condição financeira, bem como o abalo psíquico suportado, hão de ser ponderadas para a adequada e justa quantificação da cifra reparatório-pedagógica. Indenização minorada. Proveram em parte o Apelo (TJRS - 5ª Câm. Cível; ACi nº 70024909178-Porto Alegre - RS; Rel. Des. Paulo Sergio Scarparo; j. 22/8/2008; v.u.).

Como visto no julgado acima transcrito, o Judiciário tem reconhecido tal ilegalidade e tem reparado os abusos cometidos por tais instituições de ensino, inclusive com a condenação em danos morais, sem, evidentemente, desconsiderar eventual condenação em danos materiais.

3 - Conclusão:

Por todo o exposto, tem-se que a retenção de diploma escolar por instituições de ensino particular, além de ferir o princípio da dignidade da pessoa humana, é vedada expressamente por diversos dispositivos legais, sendo, portanto, prática abusiva passível de correção pelo Poder Judiciário.

Infelizmente, não são raras as vezes que tais instituições de ensino cometem o ilícito, como forma de coagir os alunos ao pagamento de mensalidades em atraso, ocasionando um verdadeiro constrangimento ilegal.

Porém, como visto, o Judiciário tem seguidamente coibido tal prática que priva o cidadão da faculdade de requerer seu diploma para quaisquer fins, principalmente para transferência para outra instituição de ensino.

4 - Referências:

ALVIM, Arruda, ALVIM, Tereza, ALVIM, Eduardo Arruda, SOUZA, James J. Marvins. Código de Defesa do Consumidor: anotado. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, São Paulo, Editora Saraiva, 2005. 
PEREIRA , Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, Rio de Janeiro, Forense, 2005. volume III, 12ª edição. 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: direito das obrigações: parte especial, volume 6, tomo I contratos, Série Sinopses Jurídicas, 7ª. Edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2004. 

TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Série Concursos Públicos, volume três. Editora Método, São Paulo, 2006. 

SOARES, Paulo Brasil Dill. Código do Consumidor Comentado. 6ª. edição, Rio de Janeiro, Editora Destaque, 2000.

 

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