Hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos


PorThais Silveira- Postado em 29 maio 2012

Autores: 
Moisés Leite Tavares

 

O conflito gira em torno da hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos, “in casu”, o Pacto de São José da Costa Rica ou Convenção Americana de Direitos Humanos,  de 22 de novembro de 1969, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto 678, de 06 de novembro de 1992,  dispondo em seu artigo 7°, item 7, que “ninguém deve ser detido por dívida, exceto no caso de inadimplemento de obrigação alimentar”; e, na Constituição Federal brasileira estatui no artigo 5°, inciso LXVII,  que “ não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. 

Diante dessa aparente divergência no tocante a prisão do depositário infiel, o qual é preso em razão de dívida existente em contrato comercial, aderido voluntariamente, nasceram cinco correntes defendendo a hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos, conforme segue abaixo: 

A primeira teoria foi a Monista defendia  que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos incorporados ao ordenamento jurídico nacional tem força de norma constitucional face o seu conteúdo ter compatibilidade material com os direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição Federal, com supedâneo  no artigo 5°, §§ 1° e 2°, da Constituição.  Defensores: Doutora Flávia Piovesan e Antonio Augusto Cançado Trindade. 

Tivemos a segunda teoria  designada  Dualista sustentava  que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos tinham hierarquia de Lei Ordinária, visto ser da competência do Supremo Tribunal  Federal, no jaez de guardião da Constituição, em julgamento de Recurso Extraordinário, “declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”, seu fundamento repousa no artigo 102, inciso III, alínea “b”, da Lei Maior. Defensor: Supremo Tribunal  Federal. 

Até  antes da edição da  Emenda Constitucional 45, de 31 de dezembro 2004, esses eram  os entendimentos referentes a hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos, logicamente prevalecendo o do Pretório Excelso.  Com essa Emenda inseriu o § 3° ao artigo 5° da Constituição, considerando os Tratados  e  Convenções  Internacionais sobre Direitos Humanos equivalentes às Emendas Constitucionais, desde que, sejam aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros.  Adiante seguem  as teorias  que surgiram após Emenda  45/2004.

Numa visão mais imparcial, tivemos a terceira teoria denominada Dualista Moderada, fundamentando-se no entendimento do Supremo Tribunal Federal, de que os Tratados de Direitos Humanos  anteriores  à Emenda Constitucional  45/2004 possuíam hierarquia de Lei Ordinária e os posteriores à  Emenda  45/2004 tinham hierarquia de norma constitucional, caso  fossem  aprovados por  três quintos de seus membros em dois turnos de votação em cada  Casa do Congresso Nacional e, os que não fossem submetidos a esse procedimento teriam  hierarquia de Lei Ordinária, conforme entendimento  extraído do artigo 102, inciso III, alínea “b” combinado com o artigo 5°, § 3°, da Constituição Federal.  Defensor:  Doutor Júlio Fabrinni Mirabete.

Objetivando solucionar a divergência de interpretação e de aplicação  dos Tratados de Direitos Humanos, surgiu a quarta teoria designada  Constitucionalista,  – defendida  pelo Ministro do Supremo Tribunal  Federal  Celso de Mello – com o desiderato de solucionar o impasse decorrente da previsão de prisão para o depositário infiel existente na Constituição Federal  em face  da proibição existente na Convenção Americana de Direitos Humanos.  O dilema levado ao crivo  do Supremo Tribunal  Federal  foi pacificado com fundamento no artigo 5°, §§ 1° e 2°, da Constituição,  sob o argumento de que os Tratados de Direitos Humanos anteriores a  Emenda Constitucional  45/2004 teriam hierarquia de norma constitucional e os que foram internalizados  após a referida emenda, por exigência constitucional  deveriam obedecer o procedimento de votação previsto no § 3° do artigo 5° da Constituição  para poderem receber o  status de norma constitucional.  Devido o julgamento apreciado pela Corte Suprema  ter ocorrido em 2006, doravante, deveriam solucionar a discussão  referente aos  tratados que foram  incorporados ao ordenamento jurídico entre os anos, de 2004 e 2006, isto é, após a Emenda 45/2004. A conclusão inevitável, se deu no sentido de que  os Tratados de Direitos Humanos  incorporados ao ordenamento jurídico anteriormente a Emenda  45/2004 teriam força normativa constitucional e os tratados incorporados entre os anos de 2004 a 2006 somente  seriam equivalentes às Emendas Constitucionais  se  fossem aprovados em dois turnos em cada Casa Legislativa do Congresso Nacional por três quintos de votos.  Caso contrário, deveriam receber  tratamento de Lei Ordinária com suporte no artigo 5°, §§ 1°, 2° e 3°, da Constituição.

A  quinta  teoria é a  atual  Teoria da Supralegalidade dos Tratados de Direitos Humanos – tese defendida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal  Gilmar Mendes – sustenta  que os Tratados de Direitos Humanos anteriores e posteriores à Emenda Constitucional  45/2004 que não forem  aprovados em dois turnos em cada Casa Legislativa do Congresso  Nacional pelo quórum qualificado de três quintos de votos de seus respectivos membros,  deveriam receber tratamento de Norma Supralegal, em decorrência de seu conteúdo ter compatibilidade material com os direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição Federal. Já,  os tratados  aprovados,  devem ter  hierarquia  de norma constitucional com lastro no artigo 5°, §§ 1°, 2° e 3°, da Constituição Brasileira.   

Conclusão: os Tratados de Direitos Humanos,  especificamente a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, com fundamento na Constituição da República Federativa do Brasil, não tem  hierarquia de norma constitucional, mas sim de Norma Supralegal, ficando  abaixo da Constituição e acima das Normas Infraconstitucionais. No caso o inciso LXVII do artigo 5° da Constituição (“não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”) seria uma norma constitucional de eficácia limitada de efeitos indiretos, cuja norma que  regulamentava  a  efetivação da  prisão do depositário infiel,  Lei 8.866/1994, teve sua incidência revogada  pela Convenção,  que neste caso, adquiriu força normativa regulamentadora  daquele dispositivo constitucional na parte correspondente ao depositário infiel.  Necessário esclarecer  que,  mesmo com a adoção da Teoria da Supralegalidade,  o depositário infiel poderia  vir a ser preso  e, para adequar a norma constitucional à Convenção Americana de Direitos Humanos foi criada pelo Supremo Tribunal Federal a Súmula Vinculante n° 25, dispondo “ser ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.  Finalmente  entendemos que, mesmo com a edição dessa súmula, tecnicamente,  o dilema ainda  não foi resolvido, em razão do não emprego  da expressão “inconstitucional”,   utilizando-se equivocadamente   o vocábulo  “ilícita”, dando margem para entendimentos  de  que a questão é passível de ser regulamentada por Lei Ordinária  e eventualmente  poderá vir a ser considerada lícita a prisão do depositário infiel.

 


Referências

Direitos Humanos – autor: Sérgio Ricardo Silva – 1ª edição - Editora: FMB;

Direitos Humanos - autor: Nestor Sampaio Penteado Filho – 1ª edição - Editora: Coleção OAB Nacional;

Direitos Humanos e o Direito Internacional – autora: Flávia Piovesan – 4ª edição – Editora MA. Limonad

Jurisprudência do supremo tribunal federal