Foro por prerrogativa de função diante da constituição brasileira de 1.988


Porwilliammoura- Postado em 23 novembro 2011

Autores: 
CARMO, Gilmar Moreira do

Foro por prerrogativa de função diante da constituição brasileira de 1.988

Tema-problema:

O Foro por Prerrogativa de Função: uma garantia constitucional ou um privilégio?

Objetivos gerais:

Fazer crítica da manutenção do foro por prerrogativa de função assegurada por uma constituição democrática.

Objetivos específicos:

O objetivo é analisar de maneira crítica a incoerência observada na Constituição de 1.988 em assegurar que alguns cidadãos ocupantes de determinados cargos públicos tenham um tratamento diferenciado em relação aos demais no que diz respeito ao processamento e julgamento de crime comum.

Justificativa:

A escolha deste tema se pauta na resignação, inquietude e incompreensão de que como uma norma possa pretender constituir um Estado Democrático de Direito fulcrado na dignidade da pessoa humana, no acesso à justiça, no tratamento igualitário e isonômico sem se desvencilhar das amarras de tendências liberais remotas de tratamento privilegiado às elites. Essa "garantia" é mais uma alavanca para ascender ainda mais o índice da impunidade e o descrédito no poder judiciário percebidos atualmente no cenário brasileiro.

Metodologia:

Para a realização desta modesta análise, buscou-se apoiar em debates ocorridos em sala de aula, em livros de doutrina referentes ao tema, noticiário jornalístico inerente ao assunto de maneira direta ou indireta, ao acesso de trabalhos sobre o tema dispostos na rede mundial de computadores.

 

A Constituição brasileira de 1.988, também chamada de "Constituição Cidadã", é considerada uma das "evoluídas" do mundo democrático e que traz um rol extenso de direitos e garantias. É uma norma extremamente voltada para assegurar a dignidade da pessoa humana, direitos, garantias e liberdades individuais como pilares básicos de um Estado Democrático de Direito como está expresso no seu preâmbulo:

"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL".

Como demonstração da sua relevância, o legislador dispôs no Capítulo I do Título II os Direitos e Garantias Fundamentais, incluindo-se aí os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. Para atender ao objetivo que se tem com esta modesta análise, toma-se apenas o caput do artigo 5º do referido Capítulo:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes":

Esta Constituição visionária representa uma série de avanços a começar pela redemocratização do Brasil, embora, no contexto fático, carece de efetivação de muitos de seus mandamentos. Porém essa questão não tem relevância no memento. Não bastasse isso, esta norma parece conter pontos controversos, ou no mínimo polêmicos. Neste sentido, pretende-se analisar a coexistência do Foro por Prerrogativa de Função com a garantia de tratamento de igualdade aos cidadãos brasileiros estabelecida no supramencionado artigo. O Foro por Prerrogativa de Função surgiu, segundo estudiosos do assunto, com a Constituição de 1.891 em seu artigo 59, inciso I. Entretanto, apesar do discurso de tratamento igualitário, a Constituição de 1.988 o preservou.

Em primeiro momento, ocupa-se a explicitar o conceito de Foro por Prerrogativa de Função. Para tanto, busca-se cumpri-lo segundo as palavras de Júlio Fabbrini Mirabete:

"Fala-se em competência ratione personae (em razão da pessoa), quando o código deixa bem claro que a competência é ditada pela função que a pessoa exerce. É usual também o nome 'foro privilegiado', agora mais aceitável já que a Constituição de 1988 não mencionou proibição ao foro privilegiado, mas tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII)". Deve-se observar que esta análise se restringe apenas ao que diz respeito aos crimes comuns que são aqueles que podem ser praticados por qualquer pessoa penalmente responsável.

O Foro por Prerrogativa de Função é um grande contra-senso diante dos preceitos que a CR/88 vem estabelecer. Não faz o menor sentido que se continue dando tratamento distinto às pessoas quando, por outro lado, diz-se pretender constituir uma sociedade livre da desigualdade e preconceito seculares, extirpar a concessão de privilégio às classes mais abastadas, tornar o Direito ao alcance de todos, inclusive usando do próprio Direito como uma das ferramentas básicas. Entretanto, há quem entenda que não se trata de privilégio, mas sim de questão de ordem pública para garantir a dignidade dos cargos e funções públicas. Toma-se novamente as palavras de Mirabete:

"Na realidade não pode haver "privilégio" às pessoas, pois a lei não pode ter preferências, mas é necessário que leve em conta a dignidade dos cargos e funções públicas. Há pessoas que exercem cargos e funções que de especial relevância para o Estado e em atenção a eles é necessário que sejam processados por órgãos superiores, de instância mais elevada. O foro por prerrogativa de função está fundado na utilidade pública, no princípio da ordem e da subordinação e na maior independência dos tribunais superiores"

Ainda que esta prerrogativa seja, em especial, para aquelas pessoas que ocupam determinados cargos públicos, o Foro por Prerrogativa de Função não tem qualquer relação com a função em si, visto que se verifica para os casos de crimes comuns. Não é justificável por afirmar que se da em função da nobreza da atividade desempenhada. Também não o é por afirmar que é direito de não ser processado e julgado pelos órgãos inferiores do poder jurisdicional, e sim pelos seus órgãos mais elevados, em atenção à majestade do cargo ou função. Sustentar essas justificativas é demonstrar tamanha descrença na capacidade, na qualidade e no preparo das instâncias inferiores.

Ora, num país que se ostenta "Democrático de Direito", no que concerne a investigação e condenação criminal, garantia é: ter assegurado um julgamento justo e imparcial; ser julgado com observância do devido processo legal; ter assegurado o direito de se defender; ter reservado o direito de expor sua versão sobre os fatos; ter direito de revisão da decisão judicial; ter os conflitos dirimidos por órgão desapegado das práticas coronelistas e preparado para tal entre várias outras. Se um determinado brasileiro que, única e simplesmente pelo fato de ocupar um cargo público tem o direito de ser julgado por um órgão diferente daquele pelo qual seria julgado um "cidadão comum", não é possível afirmar que se trate de uma garantia, mas sim, de um privilégio, uma vantagem. Ademais que diferença há entre um homicídio a tiros, por exemplo, perpetrado por uma "pessoa comum" e um homicídio a tiros perpetrado pela pessoa que ocupa o cargo de presidente da república? Obviamente que nenhuma diferença. Observa-se que o ato não tem qualquer relação com a função exercida, mas sim, com a pessoa que o praticou. No caso do presidente da república, em especial, é ainda mais incoerente, pois ao Supremo Tribunal Federal (STF) compete julgar e processar, nos crimes comuns, o presidente da república dentre outros (art. 102, I, b, CR/88), lembrando-se de que os membros do STF são nomeados pelo presidente da república. É muita ingenuidade acreditar que, numa hipótese desta, haja um julgamento justo e imparcial, sabendo-se da tradição corrupta e do "jeitinho brasileiro" que permeiam várias relações e interesses. A efetivação deste Estado Democrático de Direito de que tanto se diz e nem tanto se faz, concretizar-se-á com o abandono dos discursos hipócritas e de manutenção desvelada de práticas coronelistas e de privilégios das elites.

 

Referências Bibliográficas:

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, 14 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.186.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

 

Decreto-Lei Nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941

 

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891.

 

Site: http:bdjur.stj.gov.br/.../Foro_Prerrogativa_Função_Letícia Ferreira da Cunha.pdf? acesso no dia 17/04/2011, 13:45

 

http:pt.shvoong.com › Direito E Política › Lei Geral, acesso em 02/05/2011, 08:20