A extensão do impacto como critério definidor da competência licenciatória ambiental


Porvinicius.pj- Postado em 25 outubro 2011

Autores: 
BARRETO, Caroline Menezes

Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento: 2.1O potencial dano X A titularidade do bem. 2.2 A extensão do impacto como critério definidor da competência licenciatória. 3. Conclusão. 


1. Introdução

A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, nos termos do art. 2°, caput, da Lei 6.938/81.

O licenciamento ambiental é um importante instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente[1] sendo exigido para as atividades de construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, conforme caput do art. 10 da Lei n° 6.938/81[2].

Este mesmo dispositivo legal ainda prevê que a competência para tal licenciamento é do órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.

No entanto, o §4° da referida Lei n°6.938/81 trouxe a competência licenciatória do IBAMA para os casos de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional.

Já a Resolução Conama n° 237/97[3] dispõe sobre as atividades e empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental a nível federal, estadual e municipal, trazendo em seus artigos 4°, 5° e 6°, respectivamente, as competências para o licenciamento a cargo do IBAMA, do órgão ambiental estadual ou distrital e do órgão ambiental municipal.

2. Desenvolvimento

2.1. Opotencial dano X  A titularidade do bem

A Resolução Conama n° 237/97, que dispõe sobre a revisão e complementação dos procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental, trouxe outra hipótese de fixação de competência que se vincula à dominialidade da área ou titularidade do bem, trazendo a idéia de que se o bem for da União, o potencial dano do empreendimento seria nacional ou regional.

Assim, vejamos a transcrição do art. 4°, I :

Art. 4º - Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:

I - localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União.

Talden Farias[4], em tópico que analisa a titularidade do bem e competência licenciatória, atento a essa questão, destaca a existência de duas correntes doutrinárias que divergem quanto ao critério definidor para fixação da competência licenciatória:

“Daniel Roberto Fink e André Camargo Horta de Macedo destacam que existem duas correntes doutrinárias predominantes no que diz respeito à atrelação da titularidade do bem à competência para fazer o licenciamento ambiental. Enquanto para a primeira corrente existe uma relação direta entre a competência licenciatória e a titularidade do bem, para a segunda é o âmbito de influência dos impactos ambientais que definem isso.

Ao utilizar simultaneamente o critério geográfico da extensão dos impactos ambientais diretos e o critério da titularidade dos bens para a delimitação da competência em relação ao licenciamento ambiental, a Resolução n° 237/97 do CONAMA contribui fortemente para essa polêmica.”

E essa divergência também migrou para o campo jurisprudencial. Nesse sentido vale a transcrição de excerto do voto da Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida do TRF 1ª Região, no julgamento da APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.43.00.002955-1/TO, ocorrido em 14/11/2007, senão vejamos:

“A construção da UHE Peixe/Angical ocorre no rio Tocantins, que banha os Estados do Tocantins, Maranhão e Pará. Daí se depreende a competência do IBAMA para o licenciamento da usina de Peixe/Angical, porquanto a obra situa-se em bem de inegável domínio da União, segundo o critério constitucional.”

No mesmo sentido do julgado anterior, vale a transcrição da ementa abaixo:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMESSA EX OFFICIO. CONSTRUÇÃO DE USINA HIDRELÉTRICA EM RIO DE DOMÍNIO DA UNIÃO E QUE ATRAVESSA ÁREAS DE TERRAS INDÍGENAS. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL. LICENCIAMENTO AMBIENTAL: COMPETÊNCIA DO IBAMA. APROVEITAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS EM TERRAS INDÍGENAS: NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL.

(...)

2. Também, é imprescindível a intervenção do IBAMA nos licenciamentos e estudos prévios relativos a empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional, que afetarem terras indígenas ou bem de domínio da União (artigo 10, caput,e § 4º, da Lei nº 6.938/81, c/c artigo 4º, I, da Resolução nº 237/97, do CONAMA).

(...)” (REO 1999.01.00.109279-2/RR, TRF 1ª Região, Sexta Turma, DJ de 29/01/2007, p.9)

2.2. A extensão do impactocomo critério definidor da competência licenciatória

Em que pese a discussão trazida pela Resolução Conama n° 237/97 quanto ao critério a ser observado na fixação da competência licenciatória, tão-somente a extensão do impacto pode ser utilizado nessa definição.

O consagrado Edis Milaré[5], em tópico que analisa o critério para definição do órgão licenciador, explicita que o critério para a identificação do órgão preponderantemente habilitado para o licenciamento é determinado pela área de influência diretado impacto ambiental, senão vejamos:

“Na esteira do já preconizado pela Lei 6.938/81, depreende-se da Resolução CONAMA 237/97 que o critério para a identificação do órgão preponderantemente habilitado para o licenciamento é determinado pela área de influência direta do impacto ambiental. Sim, apenas os impactos diretos, pois os indiretos podem alcançar proporções inimagináveis, de modo a despertar o interesse da própria aldeia global.

Anote-se, com Hamilton Alonso Jr., que o ‘raio de influência ambiental é que indicará o interesse gerador da fixação da atribuição, traçando-se uma identificação da competência licenciadora com a competência jurisdicional (art. 2° da Lei Federal 7.347/85 – local do dano ambiental)’. Assim, pouco importa a titularidade da área onde será implementada a obra ou atividade.”

Talden Farias[6], ao sustentar o potencial dano como definidor da competência licenciatória, argumenta que o interesse ambiental é difuso e não se confunde com o interesse patrimonial.

“Ao classificar o meio ambiente como um bem de uso comum do povo o caput do art. 225 da Constituição Federal criou um novo conceito de bem, que não é público nem privado. Com isso não resta dúvida de que a preocupação com o meio ambiente transcende a dominialidade do bem, pois o interesse ambiental é difuso e não se confunde com o interesse patrimonial.

No entendimento de Vicente Gomes da Silva, a competência dos órgãos ambientais para fazer o licenciamento ambiental é vinculada à extensão dos impactos e não à titularidade do bem em questão, já que os conceitos de domínio, administração e utilização dos bens públicos não devem ser confundidos com o ato administrativo praticado pelos órgãos administrativos de meio ambiente no exercício de suas competências licenciatórias.”

O Parecer nº 312/MMA/2004[7], da Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente, ao enfrentar exatamente esse tema, destacou que o ato de licenciar uma atividade nada tem a ver com a titularidade do bem e que admitir o atrelamento do licenciamento ambiental à titularidade do bem resultaria numa gama de empreendimentos e atividades de diminuto impacto ambiental sujeitos ao licenciamento obrigatório pelo IBAMA, senão vejamos:

“Como explicitado na Lei Federal nº 6.938/81, incumbe ao IBAMA o licenciamento ambiental de atividades e obras com grande impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional, sem nenhuma derivação para outros aspectos tais como a titularidade do bem, característica ou natureza da atividade. Portanto, nos parece que se utilizar do critério - bens da União instituído no art. 20 da Constituição - para efeito de identificar e distinguir as competências de licenciamento ambiental nos três níveis da Federação por via de interpretação em desapreço ao que dispõe a lei em sentido formal e material é um equívoco13.

Admitido o atrelamento do licenciamento ambiental à titularidade do bem afetado, teríamos uma gama de empreendimentos e atividades de diminuto impacto ambiental sujeitos ao licenciamento obrigatório pelo IBAMA. Caberia ao IBAMA, por exemplo, licenciar toda e qualquer atividade de mineração, qualquer construção em situado na orla marinha (terreno de marinha), qualquer atividade que capte água ou lance efluentes em rios que banhem mais de um estado, ou que se estendam a território estrangeiro (rios de domínio da União).

O critério da titularidade do bem para aferição do membro do SISNAMA competente para realizar o licenciamento ambiental, além de contrariar, frontalmente, o disposto na Lei nº 6.938/81, traria, per si, inúmeros conflitos entre os entes federados. Utilizando-se tal critério, ter-se-á casos em que teremos União, Estado e Município(s) com bens afetados diretamente por um empreendimento, conseqüentemente, com o dever de licenciar a atividade. Como no seguinte caso: licenciamento de uma atividade de mineração de pequeno impacto ambiental, localizada em rio estadual, dentro de uma unidade de conservação de uso sustentável criada pelo Município.

Conforme manifestado anteriormente por esta Consultoria Jurídica14, o ato de licenciar uma atividade nada tem a ver com a titularidade do bem, posto que são institutos totalmente distintos e assim tratados pela legislação. Evidentemente, que na hipótese de uso de um bem da União, pelo particular, somente ela - União - pode autorizar por via de outorga e sob o manto e a proteção da legislação própria. Em outra vertente, e admitindo-se a hipótese de competência privativa da União para este efeito, estaríamos aqui propondo a descaracterização do sistema nacional de licenciamento, instituído pela lei, ou no mínimo, negando a sua eficácia jurídica no atual ordenamento vigente.”

A Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA aprovou a Orientação Jurídica Normativa de n° 15/2010, referente a competência em matéria de licenciamento ambiental,  em que se assevera que a titularidade do bem não dispensa a caracterização do interesse regional ou nacional, assim vejamos:

“A fixação da competência para o licenciamento ambiental é orientada pelos critérios (a) da grandeza dos impactos, ou seja, em função da extensão e intensidade das conseqüências do empreendimento. Se capaz de ocasionar “significativo impacto ambiental” de “âmbito nacional ou regional” (sempre sujeitos a EIA/RIMA, conforme prevê o art. 225, §1°, IV, da CF) 1, caberá à autarquia federal a condução do procedimento; (b) da supletividade, devendo a autarquia licenciar quando o órgão ambiental competente - estadual ou municipal - não atue com o devido zelo (inépcia) ou mantenha-se omisso, inerte

 (...)

Embora o CONAMA tenha disciplinado a competência do IBAMA com base na natureza/titularidade do bem envolvido, é necessário que se faça uma interpretação conforme a Constituição, de modo a concluir que a titularidade não dispensa a caracterização do interesse regional ou nacional. Não obstante a localização da atividade já requerer de plano uma maior atenção e rigor na definição da competência, a amplitude do impacto deverá ser sempre sopesada.

O critério da titularidade não pode ser aplicado per si sob pena de virem à tona inúmeros conflitos. Imagine-se a situação em que uma atividade de impacto ambiental local (competência municipal) é realizada em um rio estadual (competência do estado-membro), dentro de uma unidade de conservação de domínio da União (competência do IBAMA).

A adoção desse critério inviabilizaria as atividades da autarquia federal, que teria que licenciar todos os empreendimentos, em toda a zona costeira, mesmo que de impactos meramente locais.”

Cumpre registrar que as Orientações Jurídicas Normativas da Procuradoria Federal Especializada junto ao IBAMA representam o entendimento consolidado de uma determinada tese jurídica, sendo que a sua adoção é de natureza obrigatória, podendo, no entanto, o Procurador ressalvar seu entendimento pessoal.

Os nossos Tribunais tem se mostrado favorável à definição da competência de acordo com o âmbito de abrangência do impacto[8].

Nesse contexto, vale destacar o voto vencedor da Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues[9] para quem a propriedade do bem não é o que define a competência para licenciamento ambiental, o que se justifica em face da inviabilidade de um órgão central licenciar todos os empreendimentos, mesmo de pequeno porte, em toda a zona costeira, de tamanho continental, independentemente da extensão do dano ambiental, senão vejamos:

“Senhor Presidente, é certo que a área em questão é de propriedade da União, dada sua condição de terreno de marinha. A propriedade do bem não é, todavia, no meu entendimento, o que define a competência para licenciamento ambiental, assim como também não é o que define, por exemplo, a competência para editar posturas municipais, como, por exemplo, o número de andares de edificações na orla marítima.

(...)

Da mesma forma, penso que a questão da propriedade do bem não é o que define a competência para licenciamento ambiental. A Lei 6.938/81, § 4º, estabelece: “Compete ao Ibama o licenciamento previsto no caput deste artigo no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional”. Então, nos termos da lei, apenas o impacto ambiental nacional e regional acarretará a competência do Ibama para licenciamento ambiental. O motivo da regra me parece claro: a inviabilidade de um órgão central licenciar todos os empreendimentos, mesmo de pequeno porte, como barracas de praia, em toda a zona costeira de tamanho continental, independentemente da extensão do dano ambiental e a competência concorrente, em matéria de meio ambiente, de todos os entes da federação.”

No mesmo sentido, vale destacar ainda o julgado abaixo:

ADMINISTRATIVO. OBRA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. CONTRATAÇÃO COM DISPENSA DE LICITAÇÃO.

- A competência para licenciar projeto de obra ou atividade potencialmente danosa ao meio ambiente não se fixa pela titularidade dos bens nele contemplado, mas pelo alcance dos seus possíveis impactos ambientais.

(...) (Apelação cível n° 327.022-RN, TRF 5ª Região- 3ª Turma, data julgamento: 22/04/2004)

3. Conclusão

A Resolução Conama n° 237/97, trouxe simultaneamente hipóteses de fixação de competência licenciatória vinculadas à dominialidade da área ou titularidade do bem e à abrangência do impacto ambiental, diferentemente do quanto previsto na Lei 6.938/81, que só fazia menção a este último critério.

No entanto, em uma interpretação conforme a Constituição, observa-se que a titularidade e dominialidade do bem não dispensam a caracterização do interesse regional ou nacional para a fixação da competência do IBAMA, sendo a abrangência do impacto o único critério viável a ser aplicado na fixação da competência licenciatória.

Desse modo, a definição do órgão ambiental competente para realizar o licenciamento ambiental deverá levar em conta tão-somente o critério da extensão e abrangência dos impactos ambientais, pois não se deve confundir o interesse patrimonial com o interesse ambiental, eminentemente difuso.

Outrossim, não se pode admitir a fixação da competência licenciatória tomando-se como base a dominialidade do bem, o que se justifica em face da inviabilidade de um órgão central licenciar todos os empreendimentos, mesmo de pequeno porte, como barracas de praia, em toda a zona costeira de tamanho continental, independentemente da extensão do dano ambiental e a competência concorrente, em matéria de meio ambiente, de todos os entes da federação[10].

Notas:

[1] Conforme inciso IV do art. 9° da Lei 6.938/81.

[2] O Anexo VIII da Lei n° 6.938/81, incluído pela Lei n° 10.165/2000, traz o rol das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais.

[3] O seu anexo I traz o rol de atividades ou empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental.

[4] FARIAS, Talden, Licenciamento Ambiental: aspectos teóricos e práticos, Belo Horizonte: Fórum, 2007, pg.162.

[5] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 4ª ed. Ver. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, pg.544.

[6] FARIAS, Talden. Licenciamento Ambiental: aspectos teóricos e práticos, Belo Horizonte: Fórum, 2007, pgs.163 e 164.

[8] Nesse sentido:  AC 200272080031198 - TRF4, QUARTA TURMA, DJ 28/09/2005 PÁGINA: 889; AG 200804000022470 – TRF4, TERCEIRA TURMA, D.E. 19/08/2009. 

[9] AG 2007.01.00.000782-5 / BA  _ TRF 1a. REGIÃO - SEXTA TURMA – Julgado em 18/06/2007.

[10] Extraído do voto da Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues no julgamento do AG 2007.01.00.000782-5 / BA  no TRF 1ª Região.