Direitos Humanos no Parto


Porwilliammoura- Postado em 08 dezembro 2011

Autores: 
CAMARGOS, Leilane Paula

Até que enfim terminei minha monografia. Meu tema, não poderia ser melhor. Influenciada por minha irmã que fez um projeto arquitetônico de uma maternidade de parto humanizado descobri então que todos os direitos humanos inerentes à mulher são desconsiderados no parto.

De antemão, minha monografia fala apenas de partos “normais”. Assim como a maioria das pessoas, não tinha noção dos direitos da mulher, e olha que tive três partos.

Comecei então a estudar os direitos humanos da mulher no parto, e descobri que há uma luta para a humanização do parto que começou na década de 70. A partir de diversos estudos a OMS trouxe várias recomendações de práticas que devem ou não ser encorajadas e algumas que devem ser abolidas. No ano de 2000 o Ministério da Saúde publicou as Recomendações da OMS sob o título “Assistência ao Parto Normal – Um guia prático”, e enviou a todos os obstetras e enfermeiras obstetrizes do país.

Humanizar o parto significa considerar a mulher como o centro do parto, um ser capaz de escolher o tipo de parto e de poder parir sem interferência ou com interferências mínimas necessárias. É considerar e respeitar seus hormônios e sentimentos num momento que será único.

Nos partos normais convencionais que ocorrem nos hospitais, a mulher é recebida por uma atendente que, enquanto não faz a ficha dela completa não passa ela para dentro do hospital. Geralmente, nessa hora ela já entra sozinha e o acompanhante é barrado (apesar de existir a lei do acompanhante). Depois ela passa por uma sala de recepção, onde o médico ou enfermeira faz os primeiros exames. Logo depois ela é encaminhada para outra sala, onde veste a camisola do hospital (com a bunda de fora), é feito uma lavagem intestinal e a raspagem de pêlos. É então privada de alimentos e de líquidos, e é transportada para a sala de pré-parto, onde é colocado um soro com ocitocina, e é imobilizada, pois tem que ficar quietinha numa cama alta, agüentando dores incontroláveis, (por causa da ocitocina), e a posição é a pior possível: de barriga para cima enquanto as contrações apertam. Logo depois ela vai para a mesa de parto no centro cirúrgico, onde ela é colocada com as pernas abertas e é mandado que ela faça força. Depois de muito sofrimento, quando o médico vê que o neném vai nascer, ele faz um corte (episiotomia) na vulva da mulher e tira o neném. Ele é tirado, corta-se o cordão umbilical imediatamente, passa rapidamente pela mãe e é entregue aos pediatras e enfermeiras que irão lavar, pesar, medir, colocar um colírio nos olhos. Depois a mãe vai para uma sala ou um corredor no próprio centro cirúrgico e depois desce para sala de puerpério. Depois de um tempo o neném desce também.

É assim que acontece a maioria dos partos nos hospitais hoje em dia. Quais são os direitos violados?

O parto faz parte dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher. Quando ela chega ao hospital com a bolsa estourada, escorrendo água e sangue por suas pernas, ela já entrou ou está prestes a entrar em trabalho de parto. Sendo assim, ela não pode mais ficar exposta a todas as pessoas que estão no atendimento que não tem nada a ver com vida daquela mulher. Sua intimidade deve ser respeitada.

Quando ela vai dar à luz, ela não está doente. É apenas uma mulher que vai parir. Se a mulher está sadia, não precisa colocar a camisola do hospital. Aquela camisola traz para a mulher a situação de inferioridade diante daquela situação. Só que, quem vai parir é ela. Ela não é submissa ao parto, mas este é um evento que faz parte dela.

Em minha monografia, está bem explicada a relação da patologia com o parto. Os homens, que eram os médicos da época, precisavam de corpo feminino para estudar, mas as mulheres, não procuravam médicos para parir, pois os partos eram feitos com as parteiras. Só em situações complicadas que as próprias parteiras procuravam os homens para fazer o parto. Dessa forma, para levar as mulheres aos hospitais, foi feito um estudo provando que o parto era um evento patológico, e isso foi colocado gradativamente na cabeça delas, fazendo com que elas absorvessem que como um ser inferior não tinham capacidade para parir.

O procedimento da lavagem intestinal e da raspagem de pelos, já foi provado ser um procedimento intervencionista e desnecessário. Nas recomendações da OMS de 1980 esses procedimentos estão na lista das práticas que devem ser evitadas. No livro de Einkin, foi feita uma pesquisa que prova que esses procedimentos não são necessários podendo até ser perigosos para a saúde.

Não é necessário privar a mulher de alimentos. Como uma fêmea que vai parir ela tem a liberdade de ficar do jeito que precisar e fazer o que bem entender. Imobilizar a mulher então é um dos atos mais desumanos que pode existir.

A posição horizontal para o parto nasceu na mesma época em que nasceu o parto como patologia. Os estudos feitos naquela época consideraram a mulher como um ser frágil e sendo assim ela deveria parir deitada de costas. Acontece que essa posição é a pior posição para parir. Na posição vertical, além de ter um encaixe melhor do neném, a mulher não precisará fazer tanta força, pois, a força da gravidade irá agir a seu favor fazendo com que a episiotomia (pique) na maioria dos casos torne desnecessário.

Apesar de já haver vários movimentos para que a episiotomia não seja um procedimento corriqueiro nos hospitais, ele continua sendo feito como se fizesse parte do parto.

A episitomia é uma violação à integridade física da mulher, e é a única cirurgia feita sobre um corpo sadio sem o consentimento da pessoa. Alguns médicos justificam dizendo que é para a mulher não ficar com a vagina relaxada. Isso também foi objeto de estudo, e pelas pesquisas realizadas, não é o parto que relaxa a vagina e sim o peso do neném sobre o assoalho pélvico, e para a mulher ter sua vida sexual ativa não é o pique que vai ajudar, e sim, os exercícios de fortalecimento de musculatura pélvica.

Há alguns casos que depois que a mulher faz a episiotomia sua vida sexual demora a voltar ao normal. Há casos ainda, que o corte e a sutura são considerados mutilação genital. Em meu trabalho monográfico, citei alguns julgamentos em que quando o médico fez a episiotomia, atingiu o reto da mulher, fazendo-a evacuar pelo corte lateral ao ânus.

O modelo de hospitais e maternidades é o modelo tecnocrata que surgiu na Revolução Industrial. As indústrias queriam a produção em massa, por isso investiram em tecnologia, onde a esteira passava pelos departamentos do setor produtivo e cada pessoa fazia alguma coisa e no final tinha o produto. Os hospitais seguem esse modelo: a mulher é a máquina que vai passando de setor em setor, o médico é o técnico e o bebê é o produto final do parto. Dessa forma, tudo que acontecer com a mãe de desumano é justificável para que o produto – bebê - saia perfeito.

Esse modelo beneficia o hospital, os setores e os turnos, mas não beneficia a mulher. Como fêmea ela tem sua fisiologia que deve ser respeitada. Uma fêmea que vai parir não pode ser retirada do local onde começou a parir, caso isso aconteça ela terá problemas no parto. No modelo tecnocrata não importa o desejo da mulher nem seu instinto. Isso justifica tirá-la do “locus” e caminhar com ela por todo o hospital.

Além desses procedimentos tidos como “normais” nos hospitais, tem ainda as humilhações e maus tratos que a mulher passa, que segundo as pesquisas são muito maiores com as mães solteiras, negras e prostitutas. Sem falar na peregrinação em busca de leitos nos hospitais.

Em meu trabalho eu citei a humanização em seu sentido mais amplo. Desde o ambiente, a arquitetura, as luzes, as cores, o acolhimento até a forma de parir. No parto humanizado, é feito um trabalho com as mães e acompanhantes. Elas não chegam “cruas” no hospital. A mulher que chega em trabalho de parto nos hospitais e nas casas de parto humanizados, conta com um quarto, com cama baixa, cadeira de parto, cadeira de balanço, bola de ginástica, banheira. Ela não é privada de nada, pode caminhar, deitar. A única interferência que se faz é se ela deitar de barriga para cima, pois essa posição prejudica o bebê. Cada mulher terá um jeito próprio de parir, cada uma terá um tempo. O marido geralmente acompanha e ajuda a mulher na hora do parto. A posição do parto geralmente é vertical. Sendo ela a “dona” do parto, ela escolhe o jeito que vai ficar e o que quer fazer. Se ela tiver vontade de gritar, chorar, cantar ou de tocar em seus genitais, todos seus desejos serão respeitados.

Quando o bebê nasce, o médico ou enfermeira apenas segura para ele não cair no chão. A mãe pega o nenê e começa a conversar palavras simples com ele. A máquina fotográfica da família certamente estará esquecida em algum canto, porque todos estarão maravilhados com o nascimento. O pai, provavelmente estará chorando ou abobalhado, e o mais interessante é que ele também participa do parto, fazendo com que os laços familiares se tornem mais concretos. Logo, a mãe põe o filho para mamar. O leite sairá naturalmente, pois todos os hormônios da mãe avisaram a ela que o nenê estava nascendo. Quando o médico vê que houve vínculo entre mãe e filho aí ele corta o cordão umbilical. Ai então é dado o banho no nenê, que pode ser pela própria mãe, e então pesa ele. A medida é aproximada, diferente do parto convencional onde a medida é exata. (para ter a medida exata puxa a perninha do bebê para ter o tamanho do produto do parto e isso pode dar um estiramento na coluna dele, causando –lhe dor que o fará chorar por muitos dias).

Todo o tempo da mulher é respeitado. Não há ocitocina para acelerar o parto, ela não passa de um local para outro – convivendo com pessoas estranhas e diferentes em cada um desses locais, não há interferências desnecessária, nem toques genitais a todo momento, nem fica em posições humilhantes. Os hormônios que agem na hora do parto são os mesmos que agem no orgasmo. Há vários relatos de mulheres que saíram de si na hora do parto, há ainda relatos de mulheres que pariram com prazer.

Se o ambiente não estiver perfeito, o parto não será perfeito. O sofrimento desnecessário passado pela mulher nos partos convencionais faz com que ela se sinta impotente e muitas vezes com raiva do próprio filho. Já no parto humanizado, como os hormônios da mulher e sua fisiologia são respeitados, são raros os casos de depressão pós parto.

São vários movimentos para humanização de partos no Brasil, dentre eles: a rede REHUNA – Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (1993), Premio Galba Araújo (1998) PHPN – Programa de Humanização no Pré Natal e Nascimento (2000), campanha para o fim da episiotomia denominada “xô episio” (2003), criação de diversas ONGs visando a humanização de partos e nascimentos. O ultimo passo dado pela humanização foi lançando pela presidente Dilma Rousseff em março de 2011 na cidade de Belo Horizonte com o projeto humanização de partos. O projeto cria a Rede Cegonha que dá apoio à mulher da gravidez até 2 anos após o parto, e começará nas regiões onde há um maior número de mortalidade infantil e materna. Integrará ainda Casas Gestante e do Bebê e Centros de Parto Normal. Hoje no Brasil existem 25 centros de parto normal. (Está sendo criado um em Uberlândia- MG).

O parto humanizado torna possível a integração mamãe x bebê, pois um reconhece o outro e torna o parto um evento digno, onde a mulher é respeitada como a agente ativa do parto.

Humanizar o parto é respeitar o direito à intimidade, à liberdade, direitos reprodutivos e sexuais, direito à integridade física e psíquica. Afinal de contas já dizia Michel Odent “para mudar o mundo é preciso mudar a forma de nascer.”

* Todos os relatos, pesquisas, julgamentos e experiências estão expostos no trabalho, citados com as fontes e referências.