Critérios legais para definição do ente federativo com atribuição para promover o licenciamento ambiental: dominialidade do bem ou extensão do impacto?


Porvinicius.pj- Postado em 25 outubro 2011

Autores: 
AMADO, Marco Aurelio Nascimento

1- Introdução

O presente ensaio tem por escopo analisar os critérios utilizados para estabelecer qual dos entes federativos possui atribuição para promover o licenciamento ambiental em determinadas áreas. Para tanto, será feito um passeio em derredor dos diplomas legais que prevêem dispositivos concernentes a esta problemática, bem como serão analisados os argumentos que serviram de suporte para a cristalização do entendimento doutrinário e jurisprudencial prevalecente.

2- Desenvolvimento

No ordenamento jurídico brasileiro, o arcabouço legal responsável pela distribuição de atribuições relacionadas com o Licenciamento Ambiental é composto pelas normas adiante transcritas.

Lei 6.938/81

Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.

        § 1º - Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no jornal oficial do Estado, bem como em um periódico regional ou local de grande circulação.

        § 2º Nos casos e prazos previstos em resolução do CONAMA, o licenciamento de que trata este artigo dependerá de homologação do IBAMA.

        § 3º O órgão estadual do meio ambiente e o IBAMA, esta em caráter supletivo, poderão, se necessário e sem prejuízo das penalidades pecuniárias cabíveis, determinar a redução das atividades geradoras de poluição, para manter as emissões gasosas, os efluentes líquidos e os resíduos sólidos dentro das condições e limites estipulados no licenciamento concedido.

        § 4º Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional.

O CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), órgão consultivo e deliberativo do qual participam representantes das três esferas de governo, editou a Resolução nº 237/97, que veio a regulamentar a atuação dos membros do SISNAMA na execução da Política Nacional do Meio Ambiente, disciplinando critérios para o exercício da competência para o licenciamento a que se refere o art. 10 da Lei 6.938/81.

A repartição destas atribuições, por sua vez, restou fundada no critério da “predominância do interesses”, com base nos impactos ambientais da atividade ou empreendimento.

Na mesma linha, cumpre destacar que um dos princípios basilares do Direito Ambiental é o da subsidiariedade. Com supedâneo neste, as decisões afetas ao meio ambiente devem ser tomadas no nível político mais baixo possível, isto é, por aqueles que estão o mais próximo possível das decisões a serem definidas, efetuadas e executadas (Paulo José Leite Farias – Meio Ambiente, Propriedade e Repartição Constitucional de Competências. Dissertação de Mestrado UNB, 1999).

Nessa senda, a Resolução 237 do CONAMA atribui competência ao IBAMA para o licenciamento dos seguintes empreendimentos e atividades:

Art. 4º - Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:

I - localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União.

II - localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados;

III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados;

IV - destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN;

V- bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislação específica.

§ 1º - O IBAMA fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Estados e Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento.

§ 2º - O IBAMA, ressalvada sua competência supletiva, poderá delegar aos Estados o licenciamento de atividade com significativo impacto ambiental de âmbito regional, uniformizando, quando possível, as exigências.

O art. 5º da mesma Resolução, por sua vez, esmiuçou as hipóteses de licenciamento a serem conduzidos pelo órgão estadual do meio ambiente, a saber:

Art. 5º - Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades:

I - localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou em unidades de conservação de domínio estadual ou do Distrito Federal;

II - localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente relacionadas no artigo 2º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e em todas as que assim forem consideradas por normas federais, estaduais ou municipais;

III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios;

IV – delegados pela União aos Estados ou ao Distrito Federal, por instrumento legal ou convênio.

Parágrafo único. O órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento.

Na mesma toada, o art. 6º da Resolução CONAMA 237 estabeleceu a área de atuação do ente municipal no que concerne à problemática dos licenciamentos ambientais. Vejamos:

Art. 6º - Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio.

Art. 7º - Os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência, conforme estabelecido nos artigos anteriores.

Art. 16 - O não cumprimento dos prazos estipulados nos artigos 14 e 15, respectivamente, sujeitará o licenciamento à ação do órgão que detenha competência para atuar supletivamente e o empreendedor ao arquivamento de seu pedido de licença.

                                   Da análise dos dispositivos acima transcritos, uma conclusão é incontrastável: o critério utilizado pelo legislador para distribuir as atribuições licenciatórias é a extensão do impacto ambiental. Em se tratando de impacto de âmbito nacional ou regional, a atribuição será do IBAMA. No que concerne às atividades de impacto ambiental regional, havendo delegação por parte do IBAMA, a atribuição licenciatória competirá ao órgão ambiental estadual ou distrital. Já no que tange às atividades e empreendimentos de impacto ambiental local, o licenciamento ambiental incumbirá ao órgão ambiental municipal.

                                   Mister se faz destacar a diferença entre competência comum ambiental e competência para licenciamento ambiental. O art. 23, VI, da Constituição Federal, preconiza ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas. Esta competência comum para a proteção do meio ambiente, prevista pelo legislador constituinte, visou consagrar o princípio da máxima proteção.

                                   Não há confundir-se, porém, esta competência comum para proteção do meio ambiente com a competência para promover o licenciamento ambiental. Esta, como visto, não é comum. Pelo contrário. A lei 6.938/81 e a Resolução CONAMA 237/97 trataram de estabelecer os casos em que a atribuição para licenciar competirá a cada ente federativo. Para tanto, foi utilizado o critério da preponderância de interesse, consubstanciado na extensão nacional, regional ou local do impacto ambiental da atividade ou empreendimento.

                                   Parcela minoritária da doutrina passou a defender que a mera localização de empreendimento em ecossistema ou bioma considerado patrimônio nacional ou em bem federal atrairia a competência do IBAMA para a realização do licenciamento ambiental. É justamente esta tese que se pretende rechaçar no presente trabalho.

                                   É totalmente descabida a alegação de que a qualificação de uma área como Patrimônio Nacional ou sua caracterização como bem da União engendraria a necessidade de realização do licenciamento ambiental pelo órgão federal do SISNAMA (IBAMA). Não existe na legislação ambiental qualquer norma que fundamente este frágil entendimento. Repita-se: em nenhum momento o ordenamento jurídico pátrio atrelou a competência para a realização do licenciamento ambiental à dominialidade do bem afetado ou à sua qualificação como Patrimônio Nacional.

                                   Ora, pode se observar claramente que o legislador (constitucional e/ou ordinário) não atrelou o regime de competência ao de dominialidade. Se assim não procedeu, como poderia o intérprete desvirtuar o alcance dos precedentes normativos que regem a matéria? Deve-se, pois, seguir a máxima de que “quando o legislador não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo”, sob pena de haver uma verdadeira sobreposição do interesse daquele que tem a atribuição de elaborar os atos normativos e representar a vontade popular.

Vê-se, pois, o parâmetro que, nitidamente, serviu de norte para o legislador: extensão do dano.

Outro argumento robustece o posicionamento adotado pela doutrina e jurisprudência prevalecente:considerar necessária a atuação do órgão Federal em qualquer questão relacionada ao controle ambiental nessas áreas implica, na prática, restringir a autonomia conferida constitucionalmente a todos os Estados aí incluídos.

                                   Dessa forma, o atrelamento do licenciamento à dominialidade do bem ou à qualificação como Mata Atlântica (considerada Patrimônio Nacional) fere a Constituição Federal, a Lei 6.938/81 e a Resolução 237 do CONAMA. Além disso, esta situação culminaria na obrigação do IBAMA em licenciar casos de diminutos impactos ambientais, desviando-o de seu papel, enquanto órgão central do SISNAMA, de delimitador de diretrizes gerais.

                                   É indubitável, portanto, que, de acordo com a legislação pertinente, a competência dos integrantes do SISNAMA para realizar o licenciamento ambiental é ditada pela extensão do impacto ambiental do empreendimento ou atividade. Fatores como a dominialidade do bem, sua localização ou qualificação com Patrimônio Nacional, para este mister, são totalmente irrelevantes.

                                   Outrossim, a simples localização do empreendimento em ecossistema ou bioma considerado Patrimônio Nacional não determinará a competência do IBAMA para o seu licenciamento. O mesmo pode ser dito na hipótese do empreendimento ou atividade incidir sobre bem da União. A circunstância que indicará o órgão competente para o licenciamento é, repita-se pela enésima vez, a extensão dos impactos do dano ambiental. Nenhuma incongruência ou contradição existe no fato de um bem de propriedade da União, por exemplo, ser objeto de licenciamento por parte do órgão estadual ou municipal do meio ambiente.

                                   Nesse sentido, vem se manifestando a jurisprudência nacional. Pedimos vênia para transcrever trechos de acórdãos que enfrentaram a questão ora debatida.

ADMINISTRATIVO. CONSTRUÇÃO DE BARRACAS DE PRAIA. ORLA MARÍTIMA. SALVADOR. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA.

1. A competência para a condução do licenciamento ambiental deve ser definida de acordo com o potencial dano do empreendimento e não segundo a propriedade da área em que serão realizadas as construções.

2. As obras de construção ou reforma de barracas na orla marítima de Salvador/BA, ainda que estejam localizadas em terreno de marinha, de propriedade da União, não atraem a competência exclusiva do IBAMA para conduzir o correspondente estudo de impacto ambiental, por não estar configurado impacto ambiental nacional ou regional.

3. Agravo de instrumento a que se dá provimento.

(TRF 1ª Região, AG 2007.01.00.000782-5 / BA Julgado em: 18/06/2007)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL PARA LICENCIAMENTO DE OBRA DE HIDRELÉTRICA. COMPETÊNCIA. ÓRGÃO ESTADUAL. IMPACTO LOCAL.

1. Estando em curso procedimento de licenciamento ambiental, no tocante ao empreendimento da Usina Hidrelétrica de Dardanelos, não fica caracterizado possível dano ao meio ambiente, tendo em vista que a obra não pode ser iniciada antes da conclusão do estudo e da expedição de licença.

2. Sendo o impacto da obra meramente local, conforme reconhecido pelo próprio IBAMA, é razoável que o órgão estadual do meio ambiente conduza o processo de licenciamento.

3. Agravo de instrumento ao qual se dá provimento.

(AG 2005.01.00.037865-9/MT, Rel. Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, Sexta Turma, DJ de 20/02/2006, p.113)

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRAS DE DRAGAGEM E BOTA-FORA DA FOZ DO RIO CAMBORIÚ. LICENCIAMENTO E FISCALIZAÇÃO.
- O fato de o bem afetado pertencer à União não implica a necessidade de licenciamento ou fiscalização ser realizado pelo órgão federal competente. O que interessa, segundo a lei, é a magnitude do dano (§ 4º, do artigo 10, da Lei nº 6.938/81).
- O licenciamento deferido pela FATMA, órgão estadual de controle ambiental, não exclui a possibilidade de que o IBAMA, no exercício da competência prevista no artigo 23, VI, da CF/88, impeça a realização da obra, uma vez constatada a degradação ao meio ambiente.
- Não se vislumbra inconstitucionalidade impingida na Resolução 237 do CONAMA, tendo-se em vista que foi expedida em harmonia com a Constituição da República e com a legislação federal, sendo, portanto, meio legislativo idôneo para esmiuçar e regulamentar o comando legal que, por sua natureza geral, não se ocupa de questões específicas e particulares.
(TRF4, AC 2002.72.08.003119-8, Quarta Turma, Relator Valdemar Capeletti, publicado em 28/09/2005).

3 - Conclusão

Por tudo quanto exposto ao longo deste trabalho, é possível afirmar que a definição do órgão ambiental competente para promover o licenciamento ambiental de determinada atividade ou empreendimento deverá levar em conta o critério da extensão dos impactos decorrentes do dano ambiental, consoante determinado pela Lei 6.938/81 e Resolução 237 do CONAMA. Será indiferente a dominialidade do bem ou sua caracterização com Patrimônio Nacional. Em se tratando de impacto de âmbito nacional ou regional, a atribuição será do IBAMA. No que concerne às atividades de impacto ambiental regional, havendo delegação por parte do IBAMA, a atribuição licenciatória competirá ao órgão ambiental estadual ou distrital. Já no que tange às atividades e empreendimentos de impacto ambiental local, o licenciamento ambiental incumbirá ao órgão ambiental municipal.