CONTROVÉRSIAS JURÍDICAS SOBRE O USO DA VIDEOCONFERÊNCIA


Porwilliammoura- Postado em 14 dezembro 2011

Autores: 
COSTA, André Marques de Oliveira

 

CONTROVÉRSIAS JURÍDICAS SOBRE O USO DA VIDEOCONFERÊNCIA

 

André Marques de Oliveira Costa

 

advogado em Goiás e Doutorando em Direito pela UNLZ.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; A VISÃO DA DOUTRINA; DIVERGÊNCIAS QUANTO À LEGALIDADE DO INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA;CONCLUSÃO


 

A utilização de sistemas de informática e outros recursos audiovisuais no processo penal se tornou realidade com o advento da Lei nº 11.900, de 08.01.09, que entrou em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União, em 9 de janeiro de 2009. Referida Lei alterou o Código de Processo Penal (arts. 185 e 222) para admitir expressamente o interrogatório do réu preso por videoconferência, bem como a oitiva de testemunha em tempo real, inclusive durante a audiência de instrução e julgamento, expedindo-se cartas rogatórias somente se demonstrada previamente a sua imprescindibilidade e, nesses casos, os custos de envio serão arcados pelo requerente.

As principais justificativas para o advento legislativo residem na preservação da segurança pública e em evitar-se a fuga de presos no deslocamento do presídio até o fórum.

A nova redação dada ao art. 185 do Código de Processo Penal pontua que o interrogatório do réu preso se realizará no estabelecimento prisional onde estiver cumprindo pena, em sala própria, garantida a publicidade, a presença de defensor, a segurança do juiz, do promotor de justiça e dos servidores.

Em casos excepcionais o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, em decisão fundamentada – partindo do pressuposto de que as partes deverão ser intimadas com 10 (dez) dias de antecedência no caso de réu preso –, autorizará o interrogatório por videoconferência, desde que necessário para atender às seguintes finalidades: (i) quando existir fundada suspeita de que o preso integra organização criminosa ou que poderá empreender fuga durante o deslocamento; (ii) viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para o seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; (iii) impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 do CPP; (iv) responder a gravíssima questão de ordem pública.

A mudança legislativa estabelece a utilização de sala específica sob fiscalização do juiz do processo, de corregedores, do Ministério Público e da OAB e, ainda, que o ato deverá realizar-se na presença de dois advogados, um que acompanhará o réu e outro que permanecerá no local da audiência, sendo-lhes garantida a comunicação por meios telefônicos, inclusive do preso com o defensor que não está presente.

A Lei nº 11.900/09 também autoriza a realização, pelo sistema de teleconferência, de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que se encontre presa, como acareação, o reconhecimento de pessoas e coisas e a inquirição de testemunha ou a tomada de declarações do ofendido, desde que respeitadas as garantias elencadas acima.

A VISÃO DA DOUTRINA

O grande doutrinador FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, na obra Processo Penal, 20. ed., v. 3, p. 266, escreveu: É pelo interrogatório que o juiz mantém contato com a pessoa contra quem se pede a aplicação da norma sancionadora. E tal contato é necessário porque propicia ao julgador o conhecimento da personalidade do acusado e lhe permite, também, ouvindo-o, cientificar-se dos motivos e circunstâncias do crime, elementos valiosos para a dosagem da pena. É, destarte, a oportunidade para que o juiz conheça sua personalidade, saiba em que circunstâncias ocorreu a infração – porque ninguém melhor que o acusado para sabê-lo – e quais os seus motivos determinantes. Por isso é fundamental este contato entre julgador e imputado, quando aquele ouvirá, de viva voz, a resposta do réu à acusação que se lhe faz. (Grifei.)

HÉLIO TORNAGHI, na obra Compêndio de Processo Penal. Rio de Janeiro: José Konfino, tomo III, 1967, p. 812, manifestou a mesma linha de raciocínio: O interrogatório é a grande oportunidade que tem o juiz para, num contato direto com o acusado, formar juízo a respeito de sua personalidade, da sinceridade de suas desculpas ou de sua confissão, do estado d´alma em que se encontra, da malícia ou da negligência com que agiu, da sua frieza e perversidade ou de sua elevação e nobreza; é o ensejo para estudar-lhe as reações, para ver, numa primeira observação, se ele entende o caráter criminoso do fato e para verificar tudo mais que lhe está ligado ao psiquismo e à formação moral.

O Professor RENÉ ARIEL DOTTI, em artigo intitulado O Interrogatório a Distância, publicado na edição nº 29 da Revista Jurídica Consulex, p. 23, pontuou: Nem o cérebro pelo computador e, muito menos, o pensamento pela digitação. É necessário usar a reflexão como contraponto da massificação. É preciso ler nos lábios as palavras que estão sendo ditas; ver a alma do acusado através de seus olhos; descobrir a face humana que se escondera por trás da máscara do delinquente. É preciso, enfim, a aproximação física entre o Senhor da Justiça e o homem do crime, num gesto de alegoria que imita o toque dos dedos, o afresco pintado pelo gênio de Michelangelo na Capela Sistina e representativo da criação de Adão.

Como operador do direito, ressalto o caráter defensivo do interrogatório; nada obstante, entendo como Hélio Tornaghi que se trata também, a depender do depoimento prestado, de fonte e meio de prova. Afigura-se ainda fundamental como meio de defesa, devendo todas as cautelas serem tomadas no momento de sua efetivação, o que não é possível no sistema de videoconferência.

A ampla defesa prevista no art. 5º, LV, da Constituição Cidadã pontua a defesa técnica, que ficará a cargo de advogado devidamente apto (CPP, art. 261, par. ún.), somada de defesa pessoal ou autodefesa, esta na incumbência do próprio réu, a exemplo de quando presta depoimento livre e pessoal em interrogatório. Para o Professor e Procurador de Justiça do Estado da Bahia, RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA, no artigo A Nova Lei do Interrogatório por Videoconferência, de sua autoria: O defensor exerce a chamada defesa técnica, específica, profissional ou processual, que exige a capacidade postulatória e o conhecimento técnico. O acusado, por sua vez, exercita ao longo do processo (quando, por exemplo, é interrogado) a denominada autodefesa ou defesa material ou genérica. Ambas, juntas, compõem a ampla defesa.

DIVERGÊNCIAS QUANTO À LEGALIDADE DO INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA

No acórdão proferido nos autos do HC nº 86.634-SP, Rel. Min.Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 23.02.07, impetrado pelo conhecido Fernandinho Beira-Mar (Luiz Fernando da Costa), está consignado que (...) o acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório. São irrelevantes, para esse efeito, as alegações do Poder Público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à remoção de acusados presos a outros pontos do Estado ou do País, visto que razões de mera conveniência administrativa não têm – nem podem ter – precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição. Doutrina. Jurisprudência. O direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu, de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do due process of law e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situa¬do este em local diverso daquele em que esteja custodiado o réu. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos/ONU (Artigo 14, nº 3, d) e Convenção Americana de Direitos Humanos/OEA (Artigo 8, § 2º, d e f).”

Tal interpretação, data venia, trouxe impedimentos de difícil contorno ao combate à criminalidade organizada e à cooperação jurídica internacional. O referido aresto não pacificou a tese no seio do Supremo Tribunal Federal; decisões proferidas pelo Ministro Gilmar Mendes (HC nº 90.900-SP) e pela Ministra Ellen Gracie (HC nº 91.859-SP) divergiram, em sede de liminar, daquele posicionamento.

O Superior Tribunal de Justiça (HC nº 76.046-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 28.05.07, p. 380), por sua vez, reafirmou a tese de legalidade e constitucionalidade do sistema eletrônico da videoconferência como meio de prova: “A estipulação do sistema de videoconferência para interrogatório do réu não ofende as garantias constitucionais do réu, o qual, na hipótese, conta com o auxílio de dois defensores, um na sala de audiência e outro no presídio.” Nessa mesma linha: RHC nº 15.558-SP, DJ 11.10.04; HC nº 34.020-SP, DJ 03.10.05; RHC nº 6.272-SP, DJ 05.05.97; RHC nº 15.558, DJ de 11.10.04. Contudo, em decorrência de omissão legislativa, a Sexta Turma da Corte Superior de Justiça, nos autos do HC nº 98.422-SP, DJ 29.09.08, da relatoria da Desembargadora convocada Jane Silva, anulou interrogatório realizado por meio de videoconferência, permitindo ao paciente responder solto à sua renovação. Veja ementa:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. NULIDADE. INTERROGATÓRIO REALIZADO POR MEIO DE VIDEOCONFERÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. LESÃO PARCIAL AO DIREITO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA. ORDEM CONCEDIDA PARA ANULAR O PROCESSO DESDE O INTERROGATÓRIO, INCLUSIVE, PERMITINDO AO PACIENTE RESPONDER SOLTO À SUA RENOVAÇÃO.
1. O interrogatório é a peça mais importante do processo penal, pois constitui oportunidade em que o réu pode expor de viva voz, autodefendendo a sua versão dos fatos. Daí, não se poder afastar o homem acusado dos Tribunais.
2. O interrogatório realizado por videoconferência é um limite à garantia constitucional da ampla defesa.
3. O nosso ordenamento jurídico não contempla a modalidade do interrogatório por meio de videoconferência.
4. Ordem concedida para anular o processo desde o interrogatório, inclusive, permitindo ao paciente responder solto à sua renovação.

CONCLUSÃO

Sem dúvida, a permissão para a utilização de recursos tecnológicos no processo penal constitui notável avanço no ordenamento jurídico pátrio, visto que contribui para a desoneração do Estado e do contribuinte, e, principalmente, para o aumento da segurança dos profissionais da área jurídica e a redução do risco de fugas. No entanto, há que se investir, com urgência, em formas eficientes de segurança pública, garantindo os direitos fundamentais dos presos de forma isonômica.

No meu entender, o sistema de videoconferência viola princípios constitucionais como o devido processo legal e o contraditório e a ampla defesa, por impedir o acesso físico do investigado, réu ou condenado ao seu advogado e ao juiz.

Invoca-se, nesta oportunidade, o Pacto de San José de Costa Rica (Convenção Americana dos Direitos Humanos) e o Pacto Internacinoal dos Direitos Civis e Políticos, dos quais o Brasil é signatário, para fundamentar o direito do réu preso de ser conduzido pessoalmente à presença de um juiz de direito. Todavia, o cenário atual faz crer que o debate sobre a matéria está propenso a inúmeros argumentos, no que tange à ordem material, por aqueles contrários à videoconferência.

É verdade que a Lei nº 11.900/09 foi sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas é bom lembrar a existência de diversas ações em trâmite no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, nas quais se argui efetiva ofensa incidental à Carta Cidadã.