Competência para julgar ações de acidente de trabalho


PorEneas de Olivei...- Postado em 09 setembro 2012

Autores: 
Eneas de Oliveira Matos

 

Competência para julgar ações de acidente de trabalho:

entendimento do STF pela definição da competência da Justiça do Trabalho e

entendimento do STJ sobre o momento de aplicação dessa competência

 

Eneas de Oliveira Matos

Bacharel em Direito, Universidade de São Paulo. Master in Law and Economics, Universität Hamburg, Alemanha. Doutor em Direito Civil, Universidade de São Paulo. Advogado em São Paulo. Professor e Coordenador Adjunto do Curso de Graduação e dos Programas de Mestrado e Doutorado da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP.

 

Com efeito, a celeuma instaurada com a Emenda Constitucional n. 45 de 2004, sobre a competência para julgamento de ações de acidente de trabalho, parece que teve seu fim, tendo em vista o entendimento que ficou consolidado nas mais altas Cortes.

Nesse sentido, sucintamente, os entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça podem ser assim esboçados:

(i) embora entendimento anterior pela competência da Justiça Comum (no Recurso Extraordinário 438.639-9-MG, por maioria de votos, em julgamento do Pleno do Supremo Tribunal Federal, de 09 de março de 2005), mudou-se o entendimento para fixar a competência para o julgamento das ações de acidente de trabalho contra o empregador para a Justiça do Trabalho, entendimento do STF firmado no Conflito de Competência n. 7204-MG, relator Ministro Carlos Britto, em julgamento de 29 de junho de 2005, do Pleno, por unanimidade, nos seguintes termos, de onde se pode ler em seu voto:

“Por todo o exposto, e forte no art. 114 da Lei Maior (redações anterior e posterior à EC 45/04), concluo que não se pode excluir da competência da Justiça Laboral as ações de reparação de danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho, propostas pelo empregado contra o empregador. Menos ainda para incluí-las na competência da Justiça comum estadual, com base no art. 109, inciso I, da Carta de Outubro.”

(ii) e no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o marco processual para a fixação da competência deve ser a sentença, pelo que em processos propostos na Justiça Comum, e ainda não sentenciados, esses devem ser remetidos para a Justiça do Trabalho para instrução e julgamento, sendo que os processos que já foram sentenciados na Justiça Comum, esses devem permanecer na Justiça Comum para apreciação pelos Tribunais de Justiça dos recursos de apelação; esse é o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, inclusive com amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre modificação de competência, firmado no Conflito de Competência 51.712-SP, rel. Ministro Barros Monteiro, julgamento de 10 de agosto de 2005, onde se pode ler em ementa:

“COMPETÊNCIA. AÇÃO REPARATÓRIA DE DANOS PATRIMONIAIS E MORAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/2004. APLICAÇÃO IMEDIATA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA, NA LINHA DO ASSENTADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. APLICAÇÃO IMEDIATA DO TEXTO CONSTITUCIONAL AOS PROCESSOS EM QUE AINDA NÃO PROFERIDA A SENTENÇA. - A partir da Emenda Constitucional n. 45/2004, a competência para processar e julgar as ações reparatórias de danos patrimoniais e morais decorrentes de acidente do trabalho é da Justiça do Trabalho (Conflito de Competência n. 7.204-1/MG-STF, relator Ministro Carlos Britto). - A norma constitucional tem aplicação imediata. Porém, “a alteração superveniente da competência,ainda que ditada por norma constitucional, não afeta a validade da sentença anteriormente proferida. Válida a sentença anterior à eliminação da competênciado juiz que a prolatou, subsiste a competênciarecursal do tribunal respectivo” (Conflito de Competência n. 6.967-7/RJ-STF, relator Ministro Sepúlveda Pertence). Conflito conhecido, declarado competente o suscitante.”

E no voto do Relator Ministro Barros Monteiro a questão posta se pacifica:
“Não resta dúvida que, diante do pronunciamento proferido pelo intérprete máximo da Lei Maior, a partir da Emenda Constitucional supramencionada a competência para processar e julgar as ações reparatórias de danos patrimoniais e morais decorrentes de acidente do trabalho é da Justiça especializada.
“A questão que se põe aqui é saber qual o momento ou estágio processual que define a incidência do novo texto constitucional.
“Bem a propósito, a jurisprudência do Sumo Pretório indica o marco sobre o qual se determina a competência da Justiça do Trabalho, nesses casos. Ao apreciar o Conflito de Competência n. 6.967-7/RJ, relator Ministro Sepúlveda Pertence, o STF, em sessão plenária, assentou:
“Norma constitucional de competência: eficácia imediata mas, salvo disposição expressa, não retroativa.
1. A norma constitucional tem eficácia imediata e pode ter eficácia retroativa: esta última, porém, não se presume e reclama regra expressa.
2. A alteração superveniente de competência, ainda que ditada por norma constitucional, não afeta a validade da sentença anteriormente proferida.
3. Válida a sentença anterior à eliminação da competência do juiz que a prolatou, subsiste a competência recursal do tribunal respectivo.”
“Essa diretriz já era prevalecente na Corte Suprema, consoante se pode verificar dos julgados insertos na RTJ, vol. 60, págs. 885 e 863, ambos de relatoria do Ministro Luiz Gallotti.
“Nestes termos, o marco definidor da competência ou não da Justiça obreira é a sentença proferida na causa. Se já foi ela prolatada pelo Juiz de Direito por onde tramitava, a competência permanece na Justiça comum estadual, cabendo o eventual recurso à Corte de 2o. grau correspondente. Se ainda não foi preferida a decisão, o feito deve desde logo ser remetido à Justiça do Trabalho.
“No caso em exame, ainda não foi prolatada a sentença, motivo pelo qual se conclui pela competência da Justiça Trabalhista.”

É certo, portanto, que a competência para ações de acidentes de trabalho propostas pelo empregado contra o empregador por danos materiais e morais é de competência da Justiça do Trabalho, a contar da vigência da Emenda Constitucional 45 de 2004.

Por outro lado, como cediço, tantas mil ações já tinham sido propostas na Justiça Comum, muitas delas já estavam com sentença e aguardando distribuição nos Tribunais de Justiça por todo país. Para esses casos a regra é: (i) casos propostos na Justiça comum e sem sentença proferida: competência da Justiça do Trabalho, devendo-se proceder à remessa dos autos para essa Justiça especializada; (ii) casos propostos na Justiça comum e que já foi proferida sentença (feito ainda na Vara de Origem e a caminho do Tribunal de Justiça, ou feito que aguarda distribuição no Tribunal de Justiça, ou, ainda, feito que já foi distribuído e aguarda julgamento por Câmara de Tribunal de Justiça): sendo válida a sentença, porque proferida por juiz que à época era o competente para sua prolação (ou seja, sentença proferida antes da Emenda Constitucional 45 de 2004, que tem aplicação imediata), a competência permanece na Justiça Comum, sendo de direito o processamento e julgamento da apelação pelo respectivo Tribunal de Justiça.

Entretanto, alguns Tribunais ainda não consolidaram o seu entendimento com as instâncias superiores, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.

Assim, por exemplo, em caso que se julgariam recursos de apelação interpostos contra sentença proferida por Vara Cível em ação de acidente de trabalho proposta por empregado contra empregador, o Tribunal de Justiça estadual decide por declinar de sua competência e determina a remessa ao Tribunal Regional do Trabalho para apreciação das apelações (note-se que, conforme a orientação do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a competência permaneceria na Justiça Comum e o Tribunal de Justiça estadual deveria julgar as apelações).

Casos, como o exemplificado, só poderão ser enfrentados, diante do entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, através de embargos de declaração (que tem sido admitido em casos especiais com efeito infringente) ou de recursos especiais e extraordinários.

O recurso especial seria com fundamento no artigo 105, III, a) e c), da CF/88, para que o Superior Tribunal de Justiça se pronuncie sobre aresto de Tribunal com interpretação totalmente divergente da sua e sobre aplicação de normas de competência do CPC, principalmente artigos 111 e 113 do CPC, em confronto com a Constituição, artigo 114, VI, CF/88, com redação dada pela EC 45/04 (Nesse sentido, pelo entendimento de que “Recurso Especial possibilita a interpretação do direito federal em confronto com a Constituição Federal”, v. Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, 4a., ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 1471, em comentário ao artigo 105 da CF/88, citando julgado do STF a seu favor: STF, Pleno, Ag. 149.557-0/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 12.08.1993, p. 15.617). O entendimento-paradigma do Superior Tribunal de Justiça seria o acima referido: Conflito de Competência 51.712-SP, rel. Ministro Barros Monteiro, julgamento de 10 de agosto de 2005.

Já o extraordinário teria fundamento no artigo 102, III, a), da CF/88, para que o STF se pronuncie sobre a interpretação do alcance do artigo 114, inciso VI, da CF/88, com redação dada pela EC 45/2004, bem como, em interpretação de Tribunal estadual divergente de seu entendimento do citado dispositivo constitucional.

Tecidas essas considerações, a conclusão é no sentido de que se espera que os Tribunais de Justiça julguem conforme a orientação do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, para que, finalmente, as ações de acidente de trabalho tenham seguimento, vez que, após a Emenda Constitucional 45 de 2004, o que se assistiu por anos foi o jogo de autos para a Justiça do Trabalho e para a Justiça Comum.

DireitoNet, São Paulo, 2005.