ASPECTOS ÉTICOS DO ABORTO: aborto eugênico, no caso de fetos com má-formação


Porbarbara_montibeller- Postado em 07 março 2012

Autores: 
SOUSA, Danilo Noleto de

Introdução:

 

Atualmente, com a revolução tecnológica principalmente na área médica, o homem chegou a patamares antes cogitados apenas em teoria nos dando uma vida mais saudável e possibilitando tratamentos e soluções para futuros problemas e anomalias, através da manipulação e seleção genética. Mas, quando se trata de aborto eugênico, muitas pessoas e até mesmo os próprios cientistas, levantam um questionamento polêmico: é certo tirar a “vida” de um feto com má-formação? Isso fere o princípio da vida? Ou da um caráter de legalidade à portadora do feto mal formado? É este tema e seus questionamentos que aqui serão abordados e discutidos.

 

ORIGEM: o aborto ao longo do tempo

 

“Eugenia é o conjunto de técnicas cuja aplicação leva à melhora genética da espécie humana. Esse objetivo caracteriza a eugenia denominada positiva, enquanto a eugenia negativa tem por fim evitar o nascimento de seres afetados por malformações congênitas graves.” (BARSA, 2000, pg131)

 

A eugenia, apesar de ser um termo que só passou a ser usado a partir do fim do século XIX, sempre fora discutida tanto no âmbito filosófico como científico no passado.

Na antiga Grécia, por exemplo, Platão no seu livro “A República” explana que o aperfeiçoamento da própria sociedade se baseia em processos seletivos, mas, para que se possa entender melhor como era feita essa seleção, tomemos como exemplo a cidade-estado de Esparta. A seleção se fazia quando após o nascimento do bebê, que era examinado diante de um grupo de anciões; se a criança nascesse com má-formação, com doença física ou mental, ou não fosse muito robusta, ela era eliminada de imediato. Essa seleção era muito rigorosa e muito aplicada principalmente em Esparta, pois os seus cidadãos eram direcionados para a arte da guerra, e para sempre obedecer e defender o estado, sendo os espartanos também chamados de “cidadãos-guerreiros”, e por tal fato, não poderiam ser portadores de nenhuma anomalia.

Após a exposição da teoria evolucionista de Darwin no século XIX, o cientista inglês Francis Galton criou o termo eugenia, “para expressar a possibilidade de aprimoramento da raça humana por meio de cruzamentos genéticos premeditados” (BARSA, 2000, pg503), e após ter feito uma experiência baseada na mesma, concluiu que a inteligência de uma família é transmitida através de sua hereditariedade e assim fez com que surgissem vários adeptos da eugenia. Porém, se via no movimento eugenista uma clara posição racista de muito de seus adeptos, o que desencadeou diversos atos de atrocidade à diversos grupos étnicos atingindo seu ápice durante a II Guerra Mundial onde havia se propagado a idéia da raça perfeita, a raça ariana, e todos os que não faziam parte dela eram entraves para a evolução da mesma e eram eliminados, sendo os judeus os mais perseguidos durante a guerra.

Durante muito tempo se relacionou a idéia de eugenia com os horrores da II Guerra Mundial, até o advento da revolução tecnológica na área médica, com o mapeamento do DNA humano, a manipulação genética e seleção de genes, dando ao indivíduo um histórico sobre quais doenças poderão desenvolver a probabilidade de passá-las aos seus descendentes e podendo fazer uma seleção de genes que não poderão transmitir nenhuma doença aos mesmos.

 

VIDA: os seus diversos significados

 

A vida é um bem universal e inerente ao homem. Muitas religiões e doutrinas divergem em vários sentidos, ao se tratar do princípio da vida. A vida é inviolável, irrenunciável, imprescritível, inalienável, universal, efetivo, interdependente e complementar( direitos humanos)

Vida é o estado ou condição dos organismos capazes de desempenhar transformações complexas de moléculas orgânicas (essenciais a atividades funcionais como metabolismo, crescimento e reprodução). Esses seres evoluem por seleção natural e produzem cópias mais ou menos idênticas de si mesmos, transmitindo às gerações seguintes as instruções necessárias para que elas próprias se repliquem ou reproduzam.

Como é que sabemos se uma dada entidade é ou não um ser vivo? Seria relativamente simples avançar um conjunto prático de critérios se nos limitássemos à vida na Terra tal como a conhecemos (ver biosfera), mas mal abordamos questões como a origem da vida na Terra, ou a possibilidade de vida extraterrestre, ou o conceito de vida artificial, torna-se claro que a questão é fundamentalmente difícil e comparável em muitos aspectos ao problema da definição de inteligência.

Uma definição convencional

Em biologia, considera-se tradicionalmente que uma entidade é um ser vivo se exibe todos os seguintes fenómenos pelo menos uma vez durante a sua existência:

1. Crescimento.

2. Metabolismo, consumo, transformação e armazenamento de energia e massa; crescimento por absorção e reorganização de massa; excreção de desperdício.

3. Movimento, quer movimento próprio ou movimento interno.

4. Reprodução, a capacidade de gerar entidades semelhantes a si própria.

5. Resposta a estímulos, a capacidade de avaliar as propriedades do ambiente que a rodeia e de agir em resposta a determinadas condições.

Estes critérios têm a sua utilidade, mas a sua natureza díspar torna-os insatisfatórios sob mais que uma perspectiva; de facto, não é difícil encontrar contra-exemplos, bem como exemplos que requerem maior elaboração. Por exemplo, de acordo com os critérios citados, poder-se-ia dizer que:

• O fogo tem vida (facilmente remediado pela adição do requisito de limitação espacial, ou seja, a presença de alguma estrutura que delimite a extensão espacial do ser vivo, como por exemplo a membrana celular, levantando, no entanto, novos problemas na definição de indivíduo em organismos como a maioria dos fungos e certas plantas herbáceas).

• As estrelas também poderiam ser consideradas seres vivos, por motivos semelhantes aos do fogo.

• Mulas e outros híbridos do tipo não são seres vivos, porque são estéreis e não se podem reproduzir, o mesmo se aplicando a humanos estéreis ou impotentes.

• Vírus e afins não são seres vivos porque não crescem e não se conseguem reproduzir fora da célula hospedeira, mas muitos parasitas externos levantam problemas semelhantes.

Se nos limitarmos aos organismos terrestres, podem-se considerar alguns critérios adicionais:

1. Presença de componentes moleculares como hidratos de carbono, lípidios, proteínas e ácidos nucleicos.

2. Requisito de energia e matéria para manter o estado de vida.

3. Composição por uma ou mais células.

4. Manutenção de homeostase.

5. Capacidade de evoluir como espécie.

 

Outras definições

A definição de vida de Francisco Varela e Humberto Maturana (amplamente usada por Lynn Margulis) é a de um sistema autopoiético (que se gera a si próprio) de base aquosa, limites lipoproteicos, metabolismo de carbono, replicação mediante ácidos nucleicos e regulação proteica, um sistema de retornos negativos inferiores subordinados a um retorno positivo superior J. theor. Biol. 2001

A definição de Tom Kinch é a de um sistema de auto-canibalismo altamente organizado naturalmente emergente de condições comuns em corpos planetários consistindo numa população de replicadores passíveis de mutação em redor dos quais evoluiu um organismo de metabolismo homeostático que protege os replicadores e os auxilia na sua reprodução.

Stuart Kauffman define-a como um agente ou sistema de agentes autónomos capazes de se reproduzir e de completar pelo menos um ciclo de trabalho termodinâmico.

A definição de Robert Pirsig pode ser encontrada no seu livro Lila: An Inquiry into Morals, como tudo o que maximiza o seu leque de possibilidades futuras, ou seja, tudo o que tome decisões que resultem num maior número de futuros possíveis, ou que mantenha o maior número de opções em aberto.

Um sistema que reduz localmente a entropia mediante um fluxo de energia.

Origem da vida

Não existe ainda nenhum modelo consensual para a origem da vida, mas a maioria dos modelos atualmente aceites baseiam-se duma forma ou doutrina nas seguintes descobertas:

1. Condições pré-bióticas plausíveis resultam na criação das moléculas orgânicas mais simples, como demonstrado pela experiência de Urey-Miller.

2. Fosfolípidos formam espontaneamente duplas camadas lipídicas, a estrutura básica da membrana celular.

3. Processos para a produção aleatória de moléculas de RNA podem produzir ribozimas capazes de se replicarem sob determinadas condições.

Existem muitas hipóteses diferentes no que respeita ao caminho percorrido das moléculas orgânicas simples às protocélulas e ao metabolismo. A maioria das possibilidades tendem quer para a primazia dos genes quer para a primazia do metabolismo; uma tendência recente avança modelos híbridos que combinam aspectos de ambas as abordagens.

 

 

ABORTO: aborto eugênico

“Abortamento ou interrupção da gravidez é, como o próprio nome indica, a interrupção (espontânea ou provocada) de uma gravidez antes do final do seu desenvolvimento normal, sendo que muitas pessoas o definem como a morte do embrião ou feto. O processo é também chamado aborto, embora em termos científicos esta palavra designe apenas o resultado da acção, isto é: o embrião ou feto expulso do ventre materno. A palavra provém do latim ab-ortus, ou seja, "privação do nascimento"”.(Wikipedia)

 

Existem dois tipos de aborto em geral: Aborto voluntário ou interrupção voluntária da gravidez, onde há o intento por parte da gestante de interromper a gravidez por motivos diversos (caso de estupro, má formação do feto, etc) e o Aborto involuntário, espontâneo ou casual, que pode ser causado por anomalias cromossômicas, infecções, usa de entorpecentes, etc, ou seja, fatores independentes à vontade da gestante de interromper a gravidez (involuntário).

O Aborto na Antigüidade era legal e apoiado em diversos povos como na Grécia, tanto como método para controle de natalidade (superpopulação), como um processo seletivo como já fora mencionado anteriormente. Com a ascensão do cristianismo o choque do aborto com os ensinamentos cristãos foi tão grande que no Império Romano, já influenciado pelo cristianismo, o aborto fora condenado como um crime análogo ao homicídio, como realmente é considerado o aborto pela doutrina cristã. Ainda hoje sua influência é notada em muitas leis e decisões judiciais, com relação ao aborto, em várias partes do mundo.

Com o passar do tempo houve uma amenização com relação ao aborto, sendo permitido alguns casos de aborto como, por exemplo, naqueles previstos no art.128, do Código Penal brasileiro, onde é lícita a aplicação do aborto quando a vida da gestante estiver em perigo ou quando esta foi vítima de estupro e vaio a engravidar devido ao mesmo. Em um se leva em conta o princípio à vida sobrepondo o direito de nascituro e no segundo se leva em conta à dignidade da mulher, também sobrepondo o direito de nascituro. A prática do aborto é legalizada em alguns países como Cuba, Áustria, Reino Unido, Suíça, Alemanha, França e Rússia e proibida em países como Brasil, Chile, Polônia, Nicarágua, Polônia.

Os casos de aborto eugênico estão enquadrados no aborto do tipo voluntário, e sua premissa é a de interromper a gravidez em casos de anomalia ou má-formação do feto, que em certos casos vêm a falecer dentro da mãe antes de completar o ciclo de gestação, ameaçando a vida da gestante. Dentre as anomalias do feto podemos citar como exemplo os fetos anencéfalos, microcéfalos entre outras anomalias que impossibilitem uma vida extra-uterina ou de pouca duração. Em alguns países, uma vez detectado uma anomalia desse gênero no feto ou até mesmo na fase inicial da multiplicação das células do zigoto, é dado à gestante a escolha de interromper ou não a gravidez. Porém como há uma abrangência com relação ao que se pode ser classificado como anomalia grave, que impeça uma vida extra-uterina, e também pelo aborto em si não ser legalizado em certas nações, muitos vêem o aborto eugênico como um ato criminoso.

 

Aborto eugênico X Princípio da vida

 

A discussão ao redor do aborto eugênico sempre foi polêmica, mas ganhou maior tensão nestes últimos anos devido à evolução na área da medicina, que possibilitou a criação de métodos de interrupção da gravidez mais eficientes e seguros, mas o que há na realidade é um choque de princípios, somados com questões de moralidade e religiosidade.

Começando pelos contras, diversas facções são contra o aborto eugênico baseando-se principalmente no princípio da vida. A vida é considerada por todos como um bem universal inerente ao homem desde sua nascença, e a prática do aborto, na visão desses grupos, é uma conduta que lesa o princípio da vida, princípio este os quais os mesmos afirmam que todos os demais princípios se baseiam na hora de sua aplicação na sociedade, e assim sendo, o aborto eugênico se torna um ato criminoso diante não só do princípio da vida como dos demais “regidos” por ela.

Outro fator de relevância é a afirmação do direito de nascituro. A partir dessa premissa, se afirma que a mulher é dona de seu corpo, mas o feto que ela carrega é algo que não pertence ao corpo dela, e assim sendo não lhe é permitido fazer o que bem entender com a criança em seu ventre. Uma vez começada a gestação, o feto já passa a ser protegido pelo Estado, porém muitos doutrinadores divergem com relação a qual momento o Estado intervém em nome do cidadão que a de vir; uns afirmam que uma vez formado o zigoto o Estado já fica responsável pelo seu desenvolvimento, e outros afirmam que o Estado só intervém quando o zigoto se instala na parede uterina da gestante.

E por último, deve se ressaltar a importância do cristianismo no assunto. O cristianismo, atualmente, é o maior responsável pela polêmica em torno do aborto eugênico, pois baseado nas leis divinas de Deus e nos ensinamentos de Jesus Cristo, os seguidores desta corrente afirmam que o feto independente de qual seja a sua fase na gestação, é dotado de alma e assim sendo dotado de vida, comparando o aborto eugênico com o homicídio. Vale ressaltar que apesar de muitos países ocidentais se considerarem laicos, não se pode negar que em suas leis e decisões há uma influência forte nítida do cristianismo.

Porém as razões acima expostas provém de idéias dogmáticas o que dificulta muitos a enxergar as vantagens do aborto eugênico. Primeiro o aborto eugênico, como já fora mencionado, tem por objetivo interromper a gravidez de fetos com má-formação, pois estes não poderão ter uma vida extra-uterina, se já não possuem vida alguma mesmo durante a gestação como é o caso dos fetos anencéfalos.

Mantendo um feto que não terá chance alguma de se desenvolver como ser humano por completo, contra a vontade da mãe, é uma lesão gritante ao princípio da dignidade humana e a própria liberdade da gestante, sem levar em conta que o feto pode vir a falecer dentro da mãe, podendo causar sérias conseqüências à vida da mesma, e mesmo que o feto venha a “nascer” a mãe pode ficar com traumas irreversíveis, ferindo o direito à saúde da gestante.

Não há o que negar com relação aos princípios e direitos inerentes ao feto, mas deve se levar em conta o seu estado durante a gestação, verificar se há realmente “vida” no mesmo, pois apesar de um feto estar em processo de desenvolvimento não quer dizer que o mesmo este “vivo” no seu sentido estrito, ou seja, capaz de futuramente se tornar uma pessoa por completo, como é o caso dos fetos anencéfalos e em certos casos com uma vida extra-uterina curta e sofrida pela própria criança, como no caso da microcefalia e dando um maior sofrimento aos pais por saberem que seu filho (a) não viverá por muito tempo, levará uma semi-vida, e o pior de tudo isso é o sentido de incapacidade que dos próprios pais, por eles não poderem fazer nada a não ser observar sua criança falecer, destruindo todas as expectativas e sonhos planejados pelos mesmos.

Deve-se ressaltar que o aborto eugênico é um tratamento usado em fetos com má-formação, que estejam impossibilitados de qualquer forma de vida extra-uterina. Assim sendo, fetos que estejam afetados pela Síndrome de Down, por exemplo, não são sujeitos ao aborto eugênico, pois diferente do que muitos pensam o aborto eugênico respeita o princípio da vida, só sendo usada nos casos de impossibilidade de vida extra-uterina.

 

“... é preciso dar liberdade de escolha, como tão bem diz o advogado paulista Maurício Ferreira Cunha, em artigo de sua autoria :” é preciso dar liberdade de escolha aquela que traz consigo um ser, que nem mesmo as mais avançadas técnicas da medicina conseguirão fazer sobreviver após os nove meses de gravidez”. (Revista dataveni@, Célia Tejo)

 

Outro ponto de grande relevância é a liberdade de escolha que é proporcionada à gestante. Ela não deve carregar um feto com má-formação contra sua vontade, mas também não esta obrigada de se desfazer dele. È possível que a gestante escolha por completar o ciclo da gestação e dar a “luz” ao seu bebê, e deixando a critério da mãe o que fazer com o mesmo, sendo que em muitas ocasiões é consentido pela mesma, que os órgãos do bebê sejam retirados e usados para transplantes. Assim demonstra não ter um caráter dogmático e o respeito à liberdade do indivíduo.

CONCLUSÃO:

Com os avanços da medicina, ficou mais fácil de termos a certeza de que tal feto possui uma anomalia, sendo assim, após seu parto o mesmo possa vir a sobreviver por alguns minutos como também poderá nascer já morto. Desta forma, a mãe não terá necessidade de carregar um “filho”, sabendo que ela não terá momentos para dar a atenção necessária e sim terá um agravamento psicológico, passando a depender de tratamento especializado e até mesmo de remédios controlados.

Assim sendo, os dogmáticos contra o aborto nesse caso, deveriam se lembrar da parte relativa à dignidade da pessoa humana e não em preceitos dogmáticos que em nada tem haver com o caso.

 

 

BIBLIOGRAFIA:

Enciclopédia Britânica Baixa, 2000, São Paulo.

QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Resumo de Direitos Humanos e da Cidadania. Carlos Alberto Marchi de Queiroz/ São Paulo:Paulistanajur Ltda. : 2004

SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Equilíbrio de um pêndulo: bioética e a lei: implicações médico-legais. Maria Celeste Cordeiro Leite Santos. – São Paulo: Ícone Editora, 1998.

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http://www.wikipedia.org