Alterações no procedimento do júri


Porwilliammoura- Postado em 14 dezembro 2011

Autores: 
MACENA, Aldinei Rodrigues

INTRODUÇÃO

O processo penal deve obedecer a determinadas solenidades, para as quais também, a lei reserva formalidades, com a finalidade de se garantir a realização plena do devido processo legal, havendo inobservância a estas formalidades, pode o processo ficar eivado de vícios ou defeitos jurídicos, podendo tornar inválido ou destituído de valor um ato ou todo o processo, a essa ocorrência, chamamos nulidades.

 No entanto, o Código de Processo Penal, data de 1941 por isso, carece de alterações para não contrariar os princípios contidos na Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988; para colaborar com o sincronismo do ordenamento jurídico brasileiro em 11 de agosto de 2008, entrou em vigor a Lei nº 11.690, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal Brasileiro, modificando alguns pontos no que tange à matéria probatória. O Código de Processo Penal classifica as nulidades nos Artigos 563 a 573 como absolutas ou relativas, sendo que as normas que disciplinam o processo penal são de Direito Público.

No entanto, a Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988, trouxe diversas inovações, fazendo com que parte das normas recepcionadas se tornasse divergente com os princípios constitucionais, no caso das nulidades, algumas delas que, pelo Código são relativas, em confronto com a Constituição deveriam ser nulidades absolutas, e por vez, assim são reconhecidas.

A doutrina classifica as nulidades em quatro espécies distintas, a saber: a nulidade absoluta, também denominada substancial; nulidade expressa, também intitulada legal; a nulidade relativa, também chamada de acidental; e a nulidade virtual, conhecida também por tácita. A nulidade absoluta ocorre quando for apurada omissão de elemento ou requisito essencial à formação do ato, no tocante à sua forma ou matéria. Pode ser oposta por qualquer interessado, sendo que seus atos são "ex nunc", isto é, inexistem desde o momento em que foram praticados. Já a nulidade expressa é a que está declarada no texto legal, ou seja, prevista em lei; como cominação pelo não cumprimento ao legalmente disposto. Em suma, as nulidades estão sempre atreladas a inobservância dos princípios processuais penais.

I – DIREITO PROCESSUAL PENAL

O direito processual penal é o conjunto de normas que visa disciplinar os processos que tratem de ação penal, seu principal diploma é o Código de Processo Penal, no entanto, ainda existem normas materiais em legislações extravagantes como é o caso da Lei nº 9.099/95, que prevê o procedimento dos processos dos Juizados Especiais Criminais, a Lei nº 11.343/06 que também prevê ritos especiais para crimes relacionados ao tráfico de drogas, a Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) que institui as varas especializadas em crimes relacionados à violência domestica, entre outras.

1.1.  Princípios Gerais do Processo Penal

O processo penal obedece a normas que lhe determinam os procedimentos aos quais o processo se submeterá para seu bom andamento, além disso, os processos devem também obediência a normas muito superiores chamadas princípios, sobre o conceito de princípios, vale a lição de Miguel Reale, segundo a qual princípios são:

(...) verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis[1].

Os princípios alicerçam as normas de direito, para que essas possam obedecer a uma lógica sistemática, tendo em vista que nenhuma norma pode coexistir isoladamente, antes as normas fazem parte de um todo, ao conhecemos de ordenamento jurídico, de forma que os princípios são enunciados lógicos que irão nortear as demais normas, neste sentido pontifica Roque Antônio Carraza:

(...) princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam[2].

Destarte, os princípios servirem de norte para as demais normas, lhe traz a importante função servir como parâmetro para o hermeneuta, além disso, serve também para integrar o ordenamento jurídico, ou seja, lhe preencher as lacunas que porventura existam, neste sentido leciona Celso Bastos:

Exercem, ainda, uma ação tanto no plano integrativo e construtivo como no essencialmente prospectivo... Finalmente, uma função importante dos princípios é a de servir de critério de interpretação para as normas. Se houver uma pluralidade de significações possíveis para a norma, deve-se escolher aquela que a coloca em consonância com o princípio, porque, embora este perca em determinação, em concreção, ganha em abrangência[3].

Dessa feita, o Processo Penal respeitará a diversos princípios, expressos em normas superiores ou não, ou seja, os princípios que fundamentam e norteiam o processo penal podem ser explícitos ou implícitos. De forma que, podem estar previstos na Constituição, constituindo-se em direitos ou garantias fundamentais; ou consagrados internacionalmente, conhecidos como direitos humanos; ou ainda simplesmente contidos no Diploma Processual, sendo princípios gerais.

1.1.1.   Princípio da Verdade Real

Por esse princípio, os magistrados se obrigam a buscar de todas as formas admitidas na lei a verdade dos fatos, de forma que tudo deve ser provado, e sua decisão motivada, conforme Artigos 155, 156 e 158 do Código de Processo Penal:

Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas

Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.

Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Art. 158.  Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Note-se que o Artigo 155 dispõe que o juiz não pode fundamentar sua decisão exclusivamente em provas colhidas na investigação (inquérito), na realidade, nenhuma prova do inquérito poderia ter valor na instrução criminal, pois este não obedece ao contraditório e a ampla defesa, serve apenas para indicar indícios de autoria e a materialidade delitiva.

Apesar de se saber que essa verdade corresponde a uma verdade processual ou judicial, que se equipara a verdade real desde que exista a certeza da materialidade delito, e de que o acusado é realmente o autor, a punição proporcional ao crime, e a pena culminada na exata extensão da culpa ou participação do agente. Para tanto, nenhuma prova tem valor absoluto, nem mesmo a confissão. Conforme leitura dos Artigos 197 e 200:

Art. 197.  O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.

Art. 200.  A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto.

1.1.2.   Princípio da Oralidade

Pelo princípio da oralidade, busca-se alcançar uma celeridade maior dos trâmites processuais, de forma que, através deste princípio pode ser possível a concentração de todos ou quase todos os atos processuais em uma só audiência, conforme dispõe o Artigo 400 do Código de Processo Penal:

Art. 400.  Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

§ 1o  As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.

§ 2o  Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento das partes.

1.1.3.   Princípio da Indisponibilidade

O inquérito policial e o processo penal são indisponíveis, de forma que a autoridade policial não pode arquivar o inquérito policial e o Ministério Público também não o pode de ofício, de forma que opinando o "parquet" pelo arquivamento, o juiz pode discordar e remeter o inquérito ao Procurador Geral de Justiça.

Da mesma sorte, este princípio impede que o Ministério Público desista de recursos, bem como impede que o processo seja arquivado definitivamente sem uma sentença definitiva que absolva ou condene.

1.1.4.      Princípio da Iniciativa das Partes

O juiz é inerte, não pode agir de ofício para iniciar um processo penal, de forma que depende de ser provocado pelas partes para agir, no sentido de dar início a uma ação penal; portanto só age se provocado pelo Ministério Público, nos casos de ação pública ou condicionada à representação; ou ainda provocado pelo ofendido quando se tratar de ação privada ou subsidiária da pública.

1.1.5.   Princípio da Oficialidade

Este princípio determina que o Estado deve assegurar a persecução penal através de seus órgãos oficiais, como forma de garantir a segurança pública, de fato, este princípio impede a possibilidade de auto tutela, pois o "jus puniendi" é de titularidade estatal. Mesmo os casos de ação penal privada ou de subsidiária da pública, o Estado estará presente na persecução penal.

1.1.6.   Princípio da Obrigatoriedade da Ação Penal

O princípio da obrigatoriedade da ação penal implica na obrigação do Ministério Público em atuar processualmente sempre que ocorrer um fato típico, ou seja, este princípio determina que o Ministério Público tem o dever  oferecer a denúncia; de forma que, este não tem a discricionariedade de arquivar inquéritos policiais.

1.1.7.   Princípio do Impulso Oficial

Iniciada a ação penal, o juiz deixa de ser inerte, pois presidirá o processo, passando a ser responsável também pelo seu bom andamento, agindo através de despachos, intimando as partes a se manifestarem, determinando diligências e provas (conforme Artigo 156 do CPP), interrogatórios de testemunhas e do réu, por mais de uma vez, se achar necessário, etc.

1.1.8.   Princípio da Economia Processual

Por este princípio o juiz deve optar pelos atos que sejam menos onerosas às partes e ao Estado, desde que isso não importe em prejuízos para a defesa do acusado, como exemplo, temos os casos em que, apesar de decretada a nulidade processual, a possiblidade da manutenção dos atos que não tinham caráter decisório (despachos).

1.1.9.   Princípio do Non Bis In Idem

Este princípio é garantidor da coisa julgada, ou seja, ninguém poderá ser julgado duas vezes pelo mesmo delito, quando exista sentença transitada em julgado que o tenha absolvido, da mesma sorte que, não deve ser punido duas vezes quando houver sido condenado, assim, este princípio alcança inclusive a dosimetria da pena a ser imposta ao condenado.

1.1.10.Princípio do Favor Rei

Este princípio é corolário da presunção de inocência, segundo ele, a dúvida opera em favor do réu, é também conhecido como "in dubio pro reu" ou "favor libertatis". Implica na obrigação de absolver o acusado sempre que não houver a certeza de ser o autor da conduta típica, da mesma forma que a denúncia deve ser rejeitada sempre que não houver indícios de autoria suficiente para que se inicie a acusação.

 Além disso, o princípio em comento não tem incidência no caso de dúvida na fase de pronúncia nos processos cuja competência seja do Tribunal do Júri, neste caso, impera o princípio "in dubio pro societas", ou seja, a dúvida irá operar em favor da sociedade.

1.2.  Princípios Constitucionais do Processo Penal

O direito penal e o direito processual penal são norteados por diversos princípios, alguns desses previstos constitucionalmente, nestes casos eles se constituem em direitos e garantias fundamentais, aqueles que têm reconhecimento em tratados internacionais  tem status dos chamados direitos humanos, conforme lição de SARLET:

Assim, como base no exposto, cumpre traçar uma distinção, ainda que de cunho predominantemente didático, entre as expressões "direito do homem" (no sentido de direitos naturais não, ou ainda não positivados), "direitos humanos" (positivados na esfera do direito internacional) e direitos fundamentais (direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado).[4]

Em nossos dias não se concebe a figura do Estado que não esteja limitado  às leis de direito, aliás, a própria idéia de Estado pressupõe a existência de uma Lei Maior que o organize, dando-lhe as  diretrizes e limites de atuação, essa lei é uma Constituição, nela estão contidos os princípios que norteiam todo  o ordenamento jurídico do Estado, conforme magistério de José Joaquim Gomes Canotilho a  Constituição corresponde a:

... uma lei, configurando a forma típica de qualquer lei, compartilhando com as leis em geral um certo número de características (forma escrita, redação articulada, publicação oficial etc). Mas também, é uma lei diferente das outras: é uma lei específica, já que o poder que a gera e o processo que a veicula são tidos como constituintes, assim como o poder e os processos que a reformam são tidos como constituídos, por ela mesma; é uma lei necessária, no sentido de que não pode ser dispensada ou revogada, mas apenas modificada; é uma lei hierarquicamente superior – a lei fundamental, a lei básica – que se encontra no vértice da ordem jurídica, à qual todas as leis têm de submeter-se; é uma lei constitucional, pois, em princípio, ela detém o monopólio das normas constitucionais[5].

Ato contínuo, os princípios contidos na Constituição são considerados como fundamentais ao direito, justamente por servirem como alicerce para todas as normas infraconstitucionais, de forma que, são esses princípios que guardam os valores que fundamentam toda a ordem jurídica do Estado, esse sentido, pontifica Celso Bastos:

Poderíamos mesmo dizer que cada área do direito não é senão a concretização de certo número de princípios, que constituem o seu núcleo central. Eles possuem uma força que permeia todo o campo sob seu alcance. Daí por que todas as normas que compõem o direito constitucional devem ser estudadas, interpretadas, compreendidas à luz desses princípios. Quanto os princípios consagrados constitucionalmente, servem, a um só tempo, como objeto da interpretação constitucional e como diretriz para a atividade interpretativa, como guias a nortear a opção de interpretação[6].

Os princípios que fundamentam toda a Constituição da República  Federativa do Brasil de 1988 estão elencados em seu Artigo 1º, são eles a democracia, o Estado de Direito, a soberania, a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; o pluralismo político.

Em se tratando de direitos e garantias fundamentais, principalmente no processo penal, o fundamento maior de toda a norma está contido no princípio da dignidade da pessoa humana, assim todas as leis de direito devem obediência a este princípio, uma vez que as leis são produtos humanos, não sendo lógico que o homem edite normas que desrespeitem a sua própria dignidade, neste sentido SARLET ensina que:

A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2006; p. 60)[7].

Percebe-se então que direitos fundamentais derivam da Dignidade Humana.

1.2.1.   Princípio da humanidade

Os Princípios da Humanidade e da Dignidade da Pessoa Humana são consagrados internacionalmente, tendo seu maior reconhecimento, em termos de positivação, sido alcançado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, na qual consta em seu preâmbulo:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (...) Considerando que as Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana (....)

É com base no princípio da humanidade que a Declaração supracitada vetou a prática da tortura e a impôs a humanização das penas, conforme dispôs em seu Artigo 5º: "Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante".Esse princípio tem previsão na Constituição Federal de 1988, no inciso III do Artigo 5º; e repudia a prática de tortura  no inciso do mesmo artigo; além disso, a humanização das penas  pode ser comtemplada em dois incisos do festejado Artigo 5º,  a saber, no inciso XLVI a XLIX, conforme segue:

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

Para melhor compreensão do princípio da humanidade no processo penal, vale a Lição de BETTIOL:

O juiz vive e opera num determinado clima político-constitucional em que a pessoa humana representa o valor supremo; e é a posição desta que o Juiz é chamado a escolher entre duas interpretações antitéticas de uma norma legal[8].

1.2.2. Princípio da legalidade

O princípio da legalidade está previsto expressamente no rol do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988, mais precisamente no inciso II do citado artigo segundo o qual "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Outrossim, é possível também vislumbrá-lo no inciso XXXIX, que dispõe que "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal", esta é sem dúvidas, a maior  manifestação do princípio da legalidade. Sobre o princípio da legalidade:

O princípio da legalidade, segundo o qual nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes desse mesmo fato tenham sido instituídos por lei o tipo delitivo e a pena respectiva, constitui uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais. (TOLEDO, 1994: p. 21)

Além disso, a reserva legal dada à União para legislar em Direito Penal e Processual Penal, determinada no Artigo 22, inciso I da Constituição também é uma manifestação do princípio da legalidade.

1.2.3. Princípio da igualdade judicial

Segundo o Artigo 5º, inciso I da Constituição Federal de 1988, estabelece a igualdade direitos e obrigações, além disso, quando no inciso LV do mesmo Artigo o direito ao contraditório nos processos judiciais e administrativos, estabelece que as partes terão iguais chances para defender seus interesses.

No entanto, essa igualdade tem aspecto isonômico, fazendo com que no caso concreto seja necessário tratar com desigualdade, para que assim se alcance a justiça, é o caso da assistência judiciária e da gratuidade processual para os hipossuficientes. Sobre este assunto, pontifica MORAES:

A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado[9].

A exceção a este princípio está materializada no foro privilegiado por prerrogativa de função, por exemplo.

1.2.4. Princípio do Juiz Natural

Conforme dispõe a Constituição Federal de 1988 em seu Artigo 5°, inciso LIII "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". Dessa previsão constitucional se infere o Princípio do Juiz Natural, que deve agir de forma imparcial no processo, zelado pela técnica jurídica na resolução dos conflitos.

A não observância a este princípio torna nula a sentença, pois qualquer sentença somente tem valor se prolatada por juiz ou Tribunal competente, assim, sendo incompetente o juiz a sentença é nula de pleno direito, tenha sido no sentido de absolver ou condenar o réu.

Deste princípio, decorre a vedação à existência de tribunal de exceção, limitando o poder punitivo do Estado, fazendo com que seja um dos princípios mais importantes para o direito penal.

1.2.5. Princípio do devido processo legal

Desde o advento da Magna Carta, ainda na Idade Média, os homens buscam garantir seu direito a liberdade e a possuir bens, sem que lhe seja tomado de forma arbitrária e vil. Porém, o princípio do devido processo legal ganhou relevância a partir da Revolução Francesa de 1789, que culminou na Declaração Universal de Direitos do Homem e do Cidadão, na qual está expressamente previsto que "Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescrita. Os que solicitam, expedem executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos (...)".

A Constituição Federal, também faz previsão a este princípio no rol do Artigo 5°, mais precisamente no inciso LIV, no qual está previsto que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". De forma que, a todos está assegurado um processo segundo a lei, não podendo ninguém ser privado de sua liberdade e dos seus bens, senão forem cumpridas a tramitações legais.

1.2.6. Princípio do estado de inocência

Faz parte do brocardo popular a máxima ‘inocente até que se prove o contrário', nisso se baseia o princípio do estado de inocência, pois, nos termos da Constituição Federal de 1988, ninguém será considerado culpado, senão após trânsito em julgado de sentença condenatória. Deste princípio, deriva também o princípio do favor rei, segundo o qual a dúvida no processo opera em favor do réu, sobre o princípio do estado de inocência, ou, melhor, da presunção de inocência vale a leitura da seguinte emente de acordão do nosso Excelso Tribunal:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE DO CRIME. FUNDAMENTO INIDÔNEO. ADITAMENTO DA DECISÃO QUE INDEFERIU A LIBERDADE PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 44 DA LEI N. 11.343/06. INCONSTITUCIONALIDADE: NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DESSE PRECEITO AOS ARTIGOS 1º, INCISO III, E 5º, INCISOS LIV E LVII DA CONSTITUIÇAÕ DO BRASIL. EXCEÇÃO À SÚMULA N. 691-STF. 1. A jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de que a gravidade do crime não justifica, por si só, a necessidade da prisão preventiva. Precedentes. 2. Não é dado às instâncias subseqüentes aditar, retificar ou suprir decisões judiciais, mormente quando a falta ou a insuficiência de sua fundamentação for causa de nulidade. Precedentes. 3. Liberdade provisória indeferida com fundamento na vedação contida no art. 44 da Lei n. 11.343/06, sem indicação de situação fática vinculada a qualquer das hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal. 4. Entendimento respaldado na inafiançabilidade do crime de tráfico de entorpecentes, estabelecida no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. Afronta escancarada aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana. 5. Inexistência de antinomias na Constituição. Necessidade de adequação, a esses princípios, da norma infraconstitucional e da veiculada no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. A regra estabelecida na Constituição, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção a essa regra, de modo que, a admitir-se que o artigo 5º, inciso XLIII estabelece, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre normas estaria instalado. 6. A inafiançabilidade não pode e não deve --- considerados os princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal --- constituir causa impeditiva da liberdade provisória. 7. Não se nega a acentuada nocividade da conduta do traficante de entorpecentes. Nocividade aferível pelos malefícios provocados no que concerne à saúde pública, exposta a sociedade a danos concretos e a riscos iminentes. Não obstante, a regra consagrada no ordenamento jurídico brasileiro é a liberdade; a prisão, a exceção. A regra cede a ela em situações marcadas pela demonstração cabal da necessidade da segregação ante tempus. Impõe-se porém ao Juiz o dever de explicitar as razões pelas quais alguém deva ser preso ou mantido preso cautelarmente. Ordem concedida a fim de que o paciente seja posto em liberdade, se por al não estiver preso.

(HC 97346, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 25/05/2010, DJe-116 DIVULG 24-06-2010 PUBLIC 25-06-2010 EMENT VOL-02407-02 PP-00369 LEXSTF v. 32, n. 379, 2010, p. 280-286)

O instituto da tutela cautelar penal, que não veicula qualquer idéia de sanção, revela-se compatível com o princípio da não culpabilidade.

1.2.7. Garantia contra a auto-incriminação

O Artigo 5º, inciso LXII traz a previsão do princípio da não auto incriminação, tendo em vista que fere a dignidade humana, exigir que o homem, produza provas contra si mesmo, de forma que, por esse princípio, foi proibida a prática da tortura e dos interrogatórios sugestivos, práticas monstruosas que levavam à cadeia apenas inocentes, pois ao criminoso que resistisse aos tormentos seria um prêmio sair impune, ao passo que o inocente não hesita em assumir um crime tão somente para se ver livre dos tormentos que lhe afligem. Segundo a leitura do inciso supracitado:

"LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado" (grifo nosso).

Apesar do inciso em comento trazer o vocábulo ‘ao preso', não significa dizer que este princípio alcança apenas aqueles cuja liberdade de locomoção foi cerceada, isso porque, tratando-se de direitos e garantias fundamentais a interpretação extensiva se impõe.

Do contrário, os estrangeiros que visitam o Brasil, a turismo ou negócios, não teriam garantia à vida e integridade física, tendo em vista que o Artigo 5º da Constituição não os menciona em seu "caput".

No entanto, como a interpretação é extensiva, eles também gozam da garantia de vida.

Dessa forma, apesar do texto da norma prever apenas que  o direito é dado aos presos, pela interpretação extensiva este princípio do estado ou presunção de inocência se estende a todos. Neste sentido, pontifica José Joaquim Gomes Canotilho:

Este princípio, também designado por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efetiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas (THOMA) é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)[10]

1.2.8. Princípio do contraditório

Os processos e acusações secretas são vedados, pois não coadunam com o princípio do Estado de Direito. A lógica utilizada nos julgamentos utiliza basicamente o método descrito por Hegel, pois através da denúncia é apresenta a tese a resposta do réu é a antítese, o juiz confronta-as excluindo as informações irrelevantes, reatando uma síntese que é a sentença. Essa lógica na apreciação do somente é possível graças ao contraditório.

O contraditório corresponde ao direito das partes em se manifestarem no processo, principalmente em relação a fatos e provas, de forma que, deve ser dado conhecimento da ação e de todos os atos do processo às partes, bem como a possibilidade de responderem, de produzirem provas próprias e adequadas à demonstração do direito que alegam ter; vale a leitura das seguinte ementa:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. ARTS. 133 E 5º, INCISO LV, DA CB/88. TRÂNSITO EM JULGADO DE DECISÃO QUE NÃO ADMITIU AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO ESPECIAL. FALECIMENTO DO ÚNICO ADVOGADO CONSTITUÍDO, RESULTANDO IMPOSSIBILITADA A INTIMAÇÃO DO ACÓRDÃO. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. DESCONSTITUIÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO E DEVOLUÇÃO DO PRAZO RECURSAL. RESTITUIÇÃO DA LIBERDADE DO PACIENTE, QUE RESPONDEU SOLTO À AÇÃO PENAL. A CB/88 determina que "o advogado é indispensável à administração da justiça" [art. 133]. É por intermédio dele que se exerce "o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" [art. 5º, LV]. O falecimento do patrono do réu cinco dias antes da publicação do acórdão, do STJ, que não admitiu o agravo de instrumento consubstancia situação relevante. Isso porque, havendo apenas um advogado constituído nos autos, a intimação do acórdão tornou-se impossível após a sua morte. Em consequência, o paciente ficou sem defesa técnica. Há, no caso, nítida violação do contraditório e da ampla defesa, a ensejar a desconstituição do trânsito em julgado do acórdão e a devolução do prazo recursal, bem assim a restituição da liberdade do paciente, que respondeu à ação penal solto. Ordem concedida.

(HC 99330, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 16/03/2010, DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC 23-04-2010 EMENT VOL-02398-03 PP-00490 RT v. 99, n. 897, 2010, p. 542-546)

No mesmo sentido:

EMENTA: RECURSO CRIMINAL. Apelação. Prova nova apresentada pelo Ministério Público em contra-razões, sem vista à defesa. Consideração pelo acórdão. Inadmissibilidade. Ofensa ao princípio do contraditório (art. 5º, LV, da CF). Ordem concedida. É nula a decisão que se remete, expressamente, a provas admitidas sem contraditório em contra-razões de recurso.

(HC 87114, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 04/12/2009, DJe-027 DIVULG 11-02-2010 PUBLIC 12-02-2010 EMENT VOL-02389-01 PP-00088 LEXSTF v. 32, n. 374, 2010, p. 284-290)

1.2.9. Princípio da ampla defesa

A ampla defesa corresponde ao direito dos litigantes em ter acesso à defesa própria, defesa técnica e todos os demais meios necessários para produzir elementos que comprovem o alegado, como o escopo de influenciar o livre convencimento do juiz. Sobre o assunto, leciona GRECO FILHO:

consideram-se meios inerentes à ampla defesa: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contra-prova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial à Administração da Justiça; e e) poder recorrer da decisão desfavorável[11].

a ampla defesa e o contraditório se completam, razão pela qual tem a previsão constitucional no mesmo inciso do extenso rol de direitos fundamentais do Artigo 5º. Sobre a ampla defesa, o Ministro Celso de Mello assim decidiu com maestria:

O direito de defesa é imprescindível para a segurança individual. É um dos meios essenciais para que cada um possa fazer valer sua inocência quando injustamente acusado. (...) A ampla defesa contida na Constituição de 1988 assegura ao réu as condições que lhe possibilitem trazer ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário. (STF – 1.ª T. – HC n.° 68.929/SP – Rel. Min. Celso de Mello).

1.2.10. Princípio do duplo grau de jurisdição

O Duplo Grau de Jurisdição é a garantia constitucional que tem a parte vencida o processo em ter revista sua pretensão, através do reexame das decisões proferidas pelo Poder Judiciário, é um princípio quase tão antigo quanto o próprio direito dos povos; pois estava presente nos ordenamento babilônico, no hebraico, no egípcio, no islâmico, no grego, no romano, entre outros.

  Visa assegurar ao vencido o direito de submeter a decisão a nova apreciação o ato decisório do juiz, como meio de evitar ou emendar os erros e falhas que são inerentes aos julgamentos humanos; e, também, como atenção ao sentimento de inconformismo contra julgamento único, que é natural em todo ser humano.

O princípio do duplo grau de jurisdição visa assegurar ao litigante vencido, total ou parcialmente, o direito de submeter a matéria decidida a uma nova apreciação jurisdicional, no mesmo processo, desde que atendidos determinados pressupostos específicos especificados na lei.

 

II – NULIDADES

A nulidade no Processo Penal corresponde a um defeito jurídico que torna inválido ou destituído de valor de um ato ou o processo, total ou parcialmente, em outras palavras vícios no decorrer do processo penal ou no inquérito policial. Segundo pontifica GUIMARÃES (2004, pag. 410) a nulidade é "defeito, vício que torna o ato nulo, ineficácia total ou parcial do ato jurídico, a que falta formalidade ou solenidade que lhe é essencial".

Isso porque o processo obedece solenidades e formalidades com o objetivo de garantir a efetividade plena e irrestrita do devido processo legal, por isso as norma processuais são normas de direito público. Conforme leciona GIUSTI:

(...) os atos praticados no processo estão sujeitos à observância de certos requisitos que a lei impõe, de maneira que o encadeamento entre eles permita o regular processamento do feito com o objetivo de viabilizar uma decisão de mérito. Assim, se um ou mais atos praticados dentro do procedimento apresentem vícios ou defeitos, cuja imperfeição prejudique a regularidade processual, ensejarão como conseqüência a perda dos efeitos esperados pela sua pratica atingindo o ato isoladamente ou, o próprio processo. A essa conseqüência, ou seja, a perda do efeito do ato ou do processo face à imperfeição que ostenta, denomina-se nulidade[12].

Sobre o conceito de nulidade, consideramos o magistério de TOURINHO FILHO:

é a sanção decretada pelo órgão Jurisdicional, em relação a ato praticado com a inobservância das prescrições legais. É a decretação da ineficácia do ato atípico, imperfeito, defeituoso[13].

Em relação ao processo penal, as hipóteses de nulidades estão previstas nos Artigos 563 a 573 do Código de Processo Penal. Deve-se, porém, observar que o ordenamento jurídico deve obedecer à Constituição Federal que também traz normas que desrespeitadas, geram nulidades no processo. Segundo NUCCI:

(...) nulidade é o vício que contamina determinado ato processual, praticado sem a observância da forma prevista em lei, podendo levar a sua inutilidade e conseqüente renovação[14].

Assim o ato processual será nulo ou anulável de pleno direito sempre que apresentar algum tipo de defeito, vício ou erro, porém com uma ressalva, desde que esta imperfeição venha prejudicar o andamento processual em todos os seus aspectos ou de maneira mais singela, cujo impacto seja importante suficiente para gerar dúvidas quanto à aplicação da lei.

Portanto, não basta estar presente alguma imperfeição no ato processual para ensejar a nulidade, é necessário que esse defeito cause prejuízo as partes ou ao próprio processo. Conforme dispõe o Artigo 563, do Código de Processo Penal que "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". Dessa forma, trata o presente artigo do Princípio da Instrumentalidade das Formas, conforme magistério de OLIVEIRA:

(...) pas de nullité sans grief, segundo o qual, para o reconhecimento e a declaração de nulidade de ato processual, haverá de ser aferida a sua capacidade para a produção de prejuízos aos interesses das partes e/ou ao regular exercício da jurisdição[15].

Destarte, pelo Princípio da Instrumentalidade das Formas, não existe nulidade sem prejuízo. De forma que, um ato será aproveitado, mesmo que careça de vício e desde que não implique em qualquer prejuízo, para contemplar a economia processual. Outrossim, os atos processuais tendem a ter continuidade um impulsionando o outro, como forma de celeridade, por isso, qualquer nulidade deve ser declarada pelo juízo ou  tribunal, conforme bem escreveu OLIVEIRA:

(...) em qualquer processo, toda a nulidade exige manifestação expressa do órgão judicante, independente do grau de sua irregularidade. Isto porque uma vez praticado o ato, a tendência do processo é seguir a sua marcha, conforme previsto na ritualística procedimental[16].

2.1.     Nulidades Absolutas

Sempre que o ato ferir um preceito constitucional, como um direito e garantia fundamental, por exemplo, acarretará nulidade absoluta, a ser proclamada de ofício pelo juiz ou a requerimento das partes.

Essa forma de nulidade independe de lapso temporal para ser arguida, sendo comum nos casos de sua incidência, quando arguida em sede recurso, o tribunal ‘ad quem' decretar a nulidade ‘ab initio', ou seja, anula todos os atos desde o início, como é o caso de condenação sem ter ocorrido qualquer forma de citação do réu, sendo condenado à revelia, o que comporta a nulidade absoluta.

2.2.     Nulidades Relativas

Sempre que houver uma inobservância a formalidade prevista em lei, as partes poderão, caso exista interesse, alegar a nulidade do ato defeituoso. No entanto, quedando inertes as partes, o ato poderá se consolidar pela inércia, portanto, as nulidades relativas sujeitam-se a um prazo determinado para serem arguidas sob pena de preclusão, nas letras de OLIVEIRA:

(...) as nulidades relativas, por dependerem de valoração das partes quanto à existência e à conseqüência do eventual prejuízo, estão sujeitas a prazo preclusivo, quando não alegadas a tempo e modo. Parte-se do pressuposto de que, não havendo alegação do interessado, a não-observância da forma prescrita em lei não teria resultado em qualquer prejuízo das partes. Assim, é de se prosseguir normalmente com o processo, sem o recuo à fase já ultrapassada[17].

Como regra, cabe à parte interessada arguir a nulidade, porém, nada impede que o magistrado o faça de ofício, conforme OLIVEIRA:

(...) embora reservada às partes a valoração dos efeitos decorrentes do vício do ato, não há como negar, ao menos em algumas hipóteses, será possível o reconhecimento ex officio de nulidades relativas[18].

Deste modo, devemos entender como Nulidade Relativa aquela que deve ser arguida pelas partes interessadas, podendo o magistrado, em algumas situações declarar de ofício.

2.3.     Atos Inexistentes e Irregulares

Existe a possibilidade de atos que são totalmente desformes e sem propósito ocorrerem no processo, como por exemplo, uma citação feita sem autorização do juiz, ou uma sentença, decisão interlocutória ou despacho feita por quem não é juiz, estas situações inusitadas nem chegam a ser consideradas como atos processuais; sequer se cogita a sua nulidade, pois se considera que são inexistentes, conforme NUCCI:

(...) existem atos processuais que, por violarem tão grotescamente a lei, são considerados inexistentes. Nem mesmo de nulidade se trata, uma vez que estão distantes do mínimo aceitável para o preenchimento das formalidades legais. Não podem ser convalidados, nem necessitam de decisão judicial para invalidá-los[19].

Por outro lado, existem atos que apesar de conterem vícios, são tão superficiais que sequer contaminam o processo, por exemplo, a ordem da numeração das folhas do processo estar errada, esses são atos meramente irregulares.

2.4. Princípios que Regem a Nulidade

O primeiro princípio que rege a nulidade diz respeito a existência de prejuízo ás partes ou a forma legal do processo, de forma que se conclui que não há nulidade sem prejuízo, sobre o tema, nas letras do Artigo 563 do Código de Processo Penal, "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa".

Esse princípio decorre dos Princípios da Economia e da Celeridade Processual, pois no desenvolver do processo, a alegação da nulidade significa a paralisação do andamento processual, sendo necessário iniciar todo o rito, o que implica em uma enorme perda de tempo, e gastos materiais para o judiciário e as partes.

Destarte, não coaduna com a legalidade e solenidade dos atos processuais a arguição de nulidade pela parte que deu causa a mesma, assim nos termos do Artigo 565 do Código de Processo Penal: "nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa ou tenha concorrido, ou referente à formalidade cuja observância só a parte contrária interesse". Se tal fosse admitido, estaria autorizada a lide temerária, a procrastinação e comprometida a igualdade processual das partes.

As solenidades e formalidades processuais existem para o benefício pleno dos litigantes e magistrados, portanto, o processo se resume em uma sequência de atos, com uma finalidade especifica, afinal só existem em razão de um único meio e não o fim. Conforme entendimento de OLIVEIRA:

Fala-se em Instrumentalidade das Formas (Pas de Nullité Sans Grief) para realçar exatamente a função que se lhe atribui a legislação: a função de meio, de instrumento, e não do próprio direito. Por isso, se do ato nulo não tiver decorrido qualquer prejuízo para a atuação das partes ou da jurisdição, não haverá razão alguma para o reconhecimento e declaração da nulidade (...)[20]

Desta feita, conclui-se que o que deve ser preservado é o conteúdo, e não a forma processual.

Os atos que padecem de vício nem sempre irão intervir de forma a influenciar na apuração da verdade processual, de forma que não representarão interferência no livre convencimento do magistrado, razão pela qual, não há motivos para que acarretem nulidade, de forma que assim prevê o Artigo 566: "não será declarada nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa."

Portanto, não há nulidade de ato irrelevante para o deslinde da causa. Conforme observa NUCCI:

Baseado no princípio geral de que, sem prejuízo, não há que se falar em nulidade, é possível haver um ato processual praticado sem as formalidades legais, que, no, entanto, foi irrelevante para chegar-se à verdade real no caso julgado. Assim, preserva-se o praticado e mantém-se a regularidade do processo[21].

Interessa ao judiciário oferecer uma resposta rápida e satisfatória aos jurisdicionados, de forma que a demora causada pela nulidade um ato irrelevante para o processo e para o convencimento do magistrado, pode comprometer a qualidade do serviço prestado á população.

Assim, não se contempla apenas a economia processual, mas também a celeridade, como forma de buscar a satisfação dos jurisdicionados que almejam receber uma resposta ágil para suas pretensões.

 

CONCLUSÃO

O ordenamento jurídico é norteado e fundamentado na Constituição Federal de 1988, por isso, as normas devem respeito e observância aos princípios nela contido, quando se trata de matéria penal e processual penal, inspira-se estrita observância aos direitos e garantias fundamentais, sendo que muitas delas guardam em si a natureza de norma processual constitucional.

Todo processo é uma sequencia de atos que se sucedem até se chegar ao deslinde da lide, assim o ato anterior provoca o seguinte e assim vão se sucedendo em um rito solene e formal, desta feita é imperativo que os atos observem a normas, do contrário pode o ato ser anulável ou nulo de pleno direito.

Considera-se anulável o ato que esteja eivado de vício ou defeito, que possa trazer prejuízo às partes ou ao bom andamento do processo, devido à inobservância da norma que lhe define a forma, contudo, a anulação do ato depende de arguição das partes, que devem observar o lapso temporal, sob pena de preclusão, mas nada impede que o juiz o faça de oficio, como exemplo, temos o incidente de exceção de incompetência do juízo que se não arguida em tempo pode tornar o juízo como prevento, se o juiz não se declarar incompetente. Nestes casos a nulidade é considerada como relativa.

Por outro lado, os atos que estiverem eivados de vícios ou defeitos, por inobservância a preceitos constitucionais, são considerados nulos de pleno direito, devendo ser anulados de oficio pelo juiz a qualquer tempo, ou arguidos pelas partes.

É o caso de inobservância ao contraditório, configurada pela falta de intimação para a parte tomar ciência de prova acostada nos autos, ou falta de intimação para tomar ciência de decisão, obstando a ampla defesa e o duplo grau de jurisdição. Nestes casos a nulidade será absoluta.

Há outras hipóteses, no entanto, que o defeito ou vício não traz prejuízo para as partes, tampouco interfere no livre convencimento do magistrado, de forma que o ato não precisa ser anulado, por motivo de economia e celeridade processual. Esses são considerados atos irrelevantes.

Porém, existem situações em que é tão flagrante e absurdo o desrespeito ás normas é tão gritante que sequer pode se admitir a existência do ato, como é o caso de uma prisão ser decretada por alguém que não é juiz, por exemplo. Estes são atos inexistentes.

O código penal foi reformado e trouxe inovações, principalmente em relação à produção de provas e o valor das mesmas, de forma que o juiz não pode fundamentar sua decisão apenas em provas obtidas na fase inquisitiva, por outro lado, permitiu que o juiz determinasse de ofício diligencias para produzir provas, ainda que pareça um avanço esta mudança, no caso concreto pode acarretar a parcialidade do juiz.

Quanto ao valor das provas todas elas tem valor relativo, a ser auferido o caso concreto e de acordo com a cognição e percepção do juiz, não sendo estabelecido um valor que diferencie as provas umas das outras; assim até mesmo a confissão tem um valor relativo e é  passível de retratação.

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