A POLÍTICA CRIMINAL NOS DIAS DE HOJE


PorThais Silveira- Postado em 22 maio 2012

Autores: 
Iuri Teixeira Brito

 

A POLÍTICA CRIMINAL NOS DIAS DE HOJE

 Levando-se em consideração que as condições econômicas possibilitam diferentes formas de proteção contra a criminalidade, elas não são suficientes e nem superiores a força protetora do Estado. Embora as formas de proteção, diante da criminalidade, variem de acordo com as condições sócio-econômicas, existe um fato comum: todas as camadas da sociedade imploram uma enérgica intervenção estatal objetivando combater a escalada da violência e o estabelecimento de uma aceitável segurança social.

Por isso, sempre que são cometidos crimes que chocam a coletividade ou a quantidade de crimes supera o limite do suportável, as autoridades são chamadas a prestar esclarecimentos sobre as atitudes tomadas pelos órgãos públicos no intuito de conter e punir os infratores da lei.

Nesse ponto, surge a Política Criminal que através de decisão política desenvolve meios e técnicas para diminuir e controlar a atividade criminosa na sociedade. Nesse sentido, para Zaffaroni e  Pierangelli “A Política Criminal é a ciência ou a arte de selecionar os bens jurídicos que devem ser tutelados penalmente e os caminhos para tal tutela, o que implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos”.[1]

Em sua obra, Nilo Batista, conceitua a Política Criminal como:

Do incessante processo de mudança social, dos resultados que apresentem novas ou antigas propostas do direito penal, das revelações empíricas propiciadas pelo desempenho das instituições que integram o sistema penal, dos avanços e descobertas da criminologia, surgem princípios e recomendações para a reforma ou transformação da legislação criminal e dos órgãos encarregados de sua aplicação. A esse conjunto de princípios e recomendações denomina-se política criminal.[2]


Assim, do mesmo modo Rocha assevera:

 (...) a política criminal determina a missão, os conteúdos e o alcance dos institutos jurídicos-penais, bem como a aplicação prática do direito penal aos casos concretos. São as opções da política criminal que decidem sobre a incriminação ou não de determinadas condutas, considerando-se a vantagem social da qualificação, bem como quem deve ser responsabilizado.[3]

 Não obstante, com bastante propriedade, Salo de Carvalho, traz em sua obra os prolegómenos da política criminal:

  Segundo Franz Von Liszt, a política criminal nasce na segunda metade do século XVIII na Itália, fundamentalmente com o advento da publicação da obra de Beccaria e sua preocupação com as formas eficazes de prevenção do delito e o conteúdo legislativo efetivo para alcançar tal finalidade.

 O questionamento de Beccaria projeta a teoria do direito penal da estrutura meramente descritiva e submissa às funções declarativas da lei penal (perspectiva de lege lata) à busca de soluções para o problema da criminalidade (perspectiva lege ferenda).[4]

 

Seguindo o entendimento dominante, a política criminal seria o conjunto de princípios e recomendações para reagir contra o fenômeno delitivo através do sistema penal (instituição policial, instituição judiciária e a instituição penitenciária), utilizando os meios mais adequados para o controle da criminalidade. 

Principais movimentos da política criminal


Para compreensão da Política Criminal, se faz necessário um exame sobre suas principais correntes de pensamento. Neste caso, destacam-se três correntes: A Novíssima Defesa Social ou Nova Defesa Social (NDS), Movimentos de Lei e Ordem (MDLO) e a Política Criminal Alternativa ou Nova Criminologia.


A Novíssima defesa social

A Defesa Social, posteriormente transformada em Nova Defesa Social, foi um movimento criado por Filippo Gramatica que fundou o Centro Internacional de Defesa Social. Em 1954, com a publicação do livro La Défense Sociale Nouvelle de Marc Ancel, Gramatica perdeu seu lugar  em decorrência do novo pensamento defendido por Marc que buscou a transformação e humanização do direito penal ao invés da sua eliminação, contrariando Gramatica. Daí, a denominação de Nova Defesa Social, movimento que seria uma conjugação de aspirações humanistas e democráticas, em matéria penal.


A Nova Defesa Social foi a corrente de pensamento da política criminal de maior aquiescência pela sociedade cientifica do século XX, conforme apresentado por Salo Carvalho, em sua obra:

Apropriando-se deste legado e ciente de sua autonomia discursiva, Marc Ancel criará o movimento político-criminal de maior aceitação pela comunidade científica das ciências criminais do século XX: a Nova Defesa Social (NDS). A NDS unifica e formata os discursos político-criminais com a finalidade de criação de medidas de prevenção da reincidência em todos os níveis repressivos.(...) A política criminal atuaria como conselheira dos órgãos de segurança pública e “se limitaria a indicar ao legislador onde e quando criminalizar condutas.[5]

Nesse sentido, as idéias propugnadas pela Nova Defesa Social estão consolidadas na coerência do pensamento moderado sobre os pensamentos exagerados de Gramatica, que defendiam a eliminação do Direito Penal.

O movimento da Nova Defesa Social tem três características básicas: caráter multidisciplinar ao abrigar diversas posições; caráter universal por se encontrar acima das legislações nacionais e como traço peculiar a mutabilidade por variar no tempo se adequando ao avanço da sociedade.

Dentre os seus postulados, a Nova Defesa Social visa o exame crítico das instituições vigentes, a conexão com todos os ramos do conhecimento humano e um sistema político criminal de proteção dos direitos dos homens.


Não perdendo a crítica, Santoro Filho, com espeque no Estado Democrático de Direito, descarta a utilização dessa corrente no ordenamento jurídico:

A Nova Defesa Social, assim, que represente em relação ao movimento de lei e ordem muito maior proximidade com a perspectiva de elaboração de um direito penal democrático, fundado em bases cientificas e não passionais, não está isenta de sérias críticas a pontos essenciais de sua teoria, que trazem, inclusive, riscos aos direitos e garantias individuais, o que impede a sua admissão, entre nós, como idéia fundamental para uma nova política criminal.[6]

Compartilhando com o entendimento, Araújo Junior explica:

A Novíssima Defesa Social adotou um caminho moderado para promoção das reformas penais, preferindo não correr os riscos das mudanças bruscas, que podem conduzir, em caso de insucesso, à perda das grandes conquistas já obtidas ou à interrupção de sua evolução. Evidentemente, não se trata de um movimento revolucionário, mas, sim, de uma política criminal humanista, ancorada em profundas bases científicas, que dá ao Direito Penal caráter preventivo e protetor da dignidade humana.[7]

Portanto, o movimento da Nova Defesa Social, em decorrência da concepção universalista e da manutenção do princípio da legalidade como forma protetora atrelada ao processo legislativo, sofreu grande abalo a partir do surgimento das correntes críticas da criminologia nos anos 60 que constatarão o fracasso das penas privativas de liberdade.

Movimentos da lei e ordem


O Movimento da Lei e Ordem tem origem nos Estados Unidos da América onde ficou conhecido como “law and order”. Sua orientação de reação ao fenômeno criminal tem sentido, absolutamente oposto ao da Defesa Social. É um movimento integrado principalmente por políticos e sensacionalistas que defendem uma ideologia da repressão para conter um inimigo criado através do medo. Para isso, a mídia difunde a idéia de que a criminalidade e a violência encontram-se sem controle criando um verdadeiro estado de pânico e desespero entre as pessoas que reclamam, sem muita racionalidade, solução imediata para o angustiante problema da segurança pública.

Nesse sentido, vale ressaltar o entendimento de Araújo Jr. sobre a corrente:


Este movimento, integrado principalmente por políticos com inclinações contrárias às conquistas das organizações de defesa dos direitos humanos, e pela mídia voltada à população econômica e culturalmente menos favorecida, parte do pressuposto de que a criminalidade e a violência encontram-se em limites incontroláveis, e que este fenômeno é fruto de legislação muito branda e dos benefícios excessivos conferidos aos criminosos, pois não têm estes receio de sofrer a sanção.[8]

Portanto, na tentativa de defender seus interesses escusos, os integrantes dos Movimentos de Lei e Ordem pregam que a pena tenha caráter de castigo e retribuição, os crimes graves requerem longa privação de liberdade ou morte, a serem cumpridas em estabelecimentos penais de segurança máxima, em regime de rigorismo, tais como o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Além disso, proclamam que exista uma resposta imediata ao crime, com ampliação da prisão provisória e que a execução da pena deve ser realizada pela autoridade penitenciária, restringindo-se os demais controles, dentre ele o judicial.

Com bastante propriedade, Santoro Filho, desmascara essa política de medo implantada na sociedade:

O movimento de lei e ordem representa a perspectiva de um direito penal simbólico, uma onda propagandística dirigida especialmente às massas populares, por aqueles que, preocupados em desviar a atenção dos graves problemas sociais e econômicos, tentam encobrir que estes fenômenos desgastantes do tecido social são, evidentemente entre outros, os principais fatores que desencadeiam o aumento, não tão desenfreado e incontrolável quanto alarmeiam, da criminalidade.[9]

Essa Política Criminal defende a luta contra a criminalidade de forma irresponsável onde,  na maioria das vezes, os postulados da dignidade humana são desrespeitados e o Estado Democrático de Direito é ameaçado pela ideologia do Estado do Terror.

Geralmente, em decorrência dessa linha de pensamentos, surgem grupos de extermínio conhecidos como esquadrão da morte e grupos que cultivam a imagem da caveira sobreposta ao fardamento da polícia, o maior destes grupos foi a Scuderie Detetive Le Coq (SDLC), que surgiu para vingar a morte do famoso detetive Milton Le Coq, tendo por finalidade executar pessoas consideradas criminosas, muitas vezes utilizando métodos lombrosianos.

Nova criminologia

 Baseados, em sua maioria, nos discursos de descriminalização, as políticas criminais alternativas proporão novas formas de gestão do fenômeno delitivo. Na verdade, trata-se de um movimento que tem por expressão genérica outras tendências que conforme Araújo Junior são as seguintes: “Criminologia Crítica, Criminologia Radical, Criminologia da Reação Social, Economia Política do Delito”[10] e outras. Em verdade, a Nova Criminologia tem um cunho de inspiração marxista que ao longo do tempo vai se transformar numa criminologia dialética em oposição à criminologia sociológica.

Dentre os princípios fundamentais deste movimento alternativo tem-se a abolição da pena privativa de liberdade, pois é considerada inútil como meio de repressão do delito e como forma de ressocialização do delinqüente. Além deste princípio basilar o movimento prega uma Política Criminal voltada para duas classes, ou seja, a criminalidade deve ser considerada segundo a classe social de que provenha. Ainda, dentre os postulados básicos, com a finalidade de alcançar a abolição do sistema penal, a corrente defende um processo gradativo passando pela descriminalização, despenalização e desjudicialização.  Ao lado dessa ampla redução de atividade punitiva do Estado recomenda a criminalização dos comportamentos que causem dano ou ameacem os interesses essenciais da comunidade e, por fim, com o objetivo de difundir sua  ideologia  propõe uma  intensa propaganda, visando aumentar seus discípulos.


Nesse sentido, Araújo Júnior ao falar que a Nova Criminologia explora seu objeto de estudo demonstra que o seu princípio basilar tem um seu caráter dialético:


Ela parte da idéia de sociedade de classes, entendendo que o sistema punitivo está organizado ideologicamente, ou seja, com o objetivo de proteger os conceitos e interesses que são próprios da classe dominante. Os instrumentos de controle social, por isso, estão dispostos opressivamente, de modo a manter dóceis os prestadores de força de trabalho, em benefício daqueles que detém os meios de produção. O Direito Penal é, assim, elitista e seletivo, fazendo cair fragorosamente seu peso sobre as classes sociais mais débeis, evitando atuar sobre aquelas que detém o poder de fazer as leis. O sistema destina-se a conservar a estrutura vertical de dominação e poder, que existe na sociedade, a um tempo desigual e provocadora de desigualdade.[11]