Observando o funcionamento da justiça brasileira: o que pode fazer o e-gov para revolucionar o Judiciário?


PorAnônimo- Postado em 03 maio 2009

Hoje, qualquer brasileiro pode conhecer o estado primitivo de gestão da justiça no Brasil. Quem se der ao trabalho de analisar os relatórios de inspeções realizadas pelo Conselho Nacional de Justiça nos diferentes estados brasileiros vai encontrar farto material para compreender por que as melhores práticas de e-gov e tecnologia da informação podem revolucionar o funcionamento do Poder Judiciário.

De outro lado, é de impressionar a qualidade desses relatórios: são precisos, compreensíveis, detalhados, objetivos e abordam todo o tipo de problemas.

Eu elaborei uma síntese de três desses relatórios do CNJ, com a finalidade de observação crítica. O primeiro é um resumo da inspeção em CINCO VARAS DOS JUIZADOS FEDERAIS DE BELO HORIZONTE, em 31 de março de 2009. O segundo é uma INSPEÇÃO PREVENTIVA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARÁ, na capital e no interior do Estado, entre 17 a 20 de dezembro de 2008 e o terceiro é uma simplificação do relatório da INSPEÇÃO PREVENTIVA NA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL DO MARANHÃO, na capital e no interior, entre 22 a 25 de outubro de 2008.

VARAS DOS JUIZADOS FEDERAIS DE BELO HORIZONTE. São mais de 20.000 processos em andamento. Cada vara tem, aproximadamente, 2.000 processos. Além disso, são 21.000 recursos aguardando julgamento por 9 juízes. A cada mês as turmas recursais recebem cerca de 1200 recursos e despacham cerca de 800. Foram constatados milhares de processos eletrônicos parados há mais de 100 dias. Registraram péssima navegação dos processos virtuais.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARÁ. A Justiça paraense não cumpre adequadamente as normativas do CNJ. Constata-se também uma alta rotatividade de juízes no interior do Estado, com graves prejuízos para o andamento dos processos. Não há substituição automática de juízes em caso de afastamento para férias, nem planejamento de férias. O pagamento de diárias para deslocamento de juízes e desembargadores é irregular. Paga-se à mais do que previsto em lei, os desembargadores não prestam contas de suas despesas, nem justificam a necessidade de seus deslocamentos. Não há servidores suficientes e os serviços judiciários são prestados com ajuda de funcionários das prefeituras do interior. O Tribunal contrata servidores temporários sem qualquer justificativa. Além disso, os contratos celebrados com servidores temporários pagam salários superiores ao autorizado por lei. Além disso, constatou-se um grande número de processos que não são remetidos para a conclusão: permanecem nas prateleiras aguardando reclamação das partes. Além disso, os processos ficam com advogados além do prazo. Quanto à informatização, constata-se elevada incompatibilidade entre os números de processos que estão lançados nos sistemas e a quantidade real de processos em prateleiras. Nem o sistema de localização de processos está adequadamente informatizado. Assim, a Justiça Paraense não elabora relatórios adequados, não tem localizador informatizado de processos, não têm sistema informatizado de emissão de mandados e ofícios, não tem remessa para publicação informatizada, não usa etiquetamento eletrônico nem código de barras, não controla os feitos vencidos. Nem o rol de culpados está informatizado, a busca de antecedentes criminais é feita em livro. Além disso, as informações disponíveis na internet foram consideradas insuficientes e imprecisas. O problema chega ao ponto de processos que correm em segredo de justiça poderem ser conhecidos pela internet.

JUSTIÇA COMUM ESTADUAL DO MARANHÃO. Constatou-se total irracionalidade na gestão de recebimento e envio de cartas precatórias (aproximadamente 140 caixas com 40 cartas cada) enviadas de todo o país para o Maranhão. Não há registro e controle de devolução de autos retirados por advogados e Ministério Público. No interior do Estado, os serviços forenses dependem da infraestrutura e de pessoal das prefeituras. Os gabinetes dos desembargadores são formados por 18 assistentes, todos comissionados, isto é, funcionários sem concurso, que trabalham em turnos distintos, porque não há espaço para todos ao mesmo tempo e que recebem até R$11.000,00 por mês. Cada gabinete de desembargador tem, em média, apenas 33 processos por mês. Os desembargadores solicitaram 144 militares para prestar serviço de segurança em suas residências pessoais, mas há inúmeros fóruns por todo o Estado sem qualquer segurança. Constatou-se a perda de 9.731 processos por causa de invasão e incêndio. Os processos não se movimentam por impulso oficial e há milhares de processos paralisados há anos, aguardando despachos, decisões e sentenças. Movem-se apenas quando há reclamação das partes. Os cartórios não seguem qualquer padrão de gestão das informações e de autos. Não há livro, nem registro de sentenças, nem controle de horário de magistrados. Há irregularidade no pagamento de diárias de deslocamento para magistrados. O sistema de folha de pagamentos não está integrado com o da Diretoria de Recursos Humanos. Há várias irregularidade em licitações para edificações e pagamentos de encargos trabalhistas de pessoal contratado para as obras. Há muitas deficiências no controle e gestão do sistema prisional. Não há noticia de qualquer medida eficiente de gestão informatizada de processos, nem de transparência de dados.

Conclusão: a tecnologia da informação já nos torna acessíveis essas mazelas da administração judiciária brasileira. Vê-se que os mais graves problemas nesses três casos estudados são a carência de pessoal, o excesso de processos, o caótico sistema de controle de dados e documentos, o caótico sistema de controle de contas, o absurdo modelo de administração de despesas e contratações, geração de relatórios e informações para usuários. Esses, no entanto, são os campos mais obviamente alinhados com as soluções de e-gov e de sistemas inteligentes de gestão.

Todos esses temas estão na agenda do planejamento estratégico do Poder Judiciário que inicia este ano. Temas como eficiência operacional, acesso ao sistema de Justiça, responsabilidade social, alinhamento e integração entre os tribunais, além de atuação institucional, gestão de pessoas, infra-estrutura, tecnologias apropriadas e orçamento para a execução da estratégia, a ser implementada ao longo dos próximos cinco anos. Já é tempo de Universidades serem chamadas para ajudar a desenvolver estudos e soluções tecnologicamente avançadas para ser aplicadas no dia-a-dia desses tribunais.