Linhas gerais da Filosofia do Direito


PorGisele Leite- Postado em 18 maio 2013

Autores: 
Gisele Leite
Denise Heuseler

 

A Filosofia do Direito é parte da Filosofia. Trata-se de filosofia aplicada à ciência do Direito. Essa afirmação é repleta de gravidade, parece não intimidar os doutrinadores que se dedicam ao seu estudo.

 

Devemos compreender a Filosofia do Direito como desdobramento dos saberes filosóficos já estabelecidos, cabendo observar as maiores conquistas, as mesmas técnicas e até os mesmos métodos e seguir cautelosamente os mesmos passos daquela à qual se vincula como matriz inclusive por ser anterior e mais genérica.

 

Para tanto, muito contribuiu a própria história do pensamento, pois até o advento de Hegel, toda a história das ideias sobre o Direito encontrava-se mesclada aos sistemas e pensamentos de filósofos (desde os sofistas até Immanuel Kant[1]).

 

Kant concluiu a reviravolta fundamental do pensamento ocidental aberto por Descartes (...). Projetou duas linhas de descendência: uma que resulta na diminuição ideal de Direito, caracterizando uma vertente axiológica cuja ideia central é a de liberdade, que no direito assume a forma da justiça; outra, que arremata o traço positivista do direito, cujo conceito basilar é a segurança. Joaquim Carlos Salgado. “Prefácio”. In: Gomes, Alexandre Travessoni. O fundamento da validade do direito. Kant e Kelsen. BH: Mandamentos, 2000. p.9

 

Então, esses eram a um só tempo, pensadores dos problemas éticos, sociais, políticos, metafísicos, estéticos, lógicos e, também  jurídicos.

 

Todavia, a Filosofia do Direito desgarrou-se de sua matriz produzindo sua própria autonomia. De fato, a partir de Hegel reconhece-se crescente movimento de investigação exclusivamente jurídica o que acentuou a especificidade do pensamento do Direito.

 

Pensar o Direito em razão de sua própria complexidade, dos direitos positivos o que demanda da teoria a compreensão específica das injunções, das práticas e das técnicas jurídicas.

 

Desta forma, formou-se toda uma corrente de especialistas na Filosofia do Direito que sem serem filósofos de formação acadêmica, se dedicaram a estudar seu próprio objeto de atuação prático (como é o caso de Savigny, Puchta, Ihering, Windscheid, Stammler, Hans Kelsen, etc.).

 

Reconhece-se plenamente que a Filosofia lance luzes sobre a Filosofia do Direito, e vice-versa, mas não se pode afirmar que esta esteja atrelada, perdendo sua autonomia à Filosofia.

 

O que ocorre é a especialização, pois a Filosofia do Direito tornou-se historicamente, um conjunto de saberes acumulados sobre o Direito (objeto específico) distanciando-se da Filosofia tanto quanto a Semiótica se distanciou da Lógica.

 

Ressalto que o fato de o saber filosófico continuar ativamente a histórica das ideias jusfilosóficas como, por exemplo, as filosofias do agir comunicativo Jürgen Habermas[2] e da arqueologia das práticas humanas de Michel Foucault[3] têm sido motivo de largo impacto intelectual (Vigiar e Punir) e reflexão entre os juristas.

 

Salientando que, por vezes, as metodologias jusfilosóficas (Stammler[4] que é neokantiano) aperfeiçoam-se na medida dos aperfeiçoamentos dos métodos independentemente das contribuições filosóficas.

 

É o caso, por exemplo, de Chaim Perelman[5] com sua nova retórica, o exemplo de uma metodologia que, não obstante a matriz aristotélica mostrou-se numa projeção inversa, partindo do jurídico para o filosófico.

 

Pode-se mesmo dizer que é do convívio e do diálogo constantes que se obterão melhores e mais salutares produtos nessa área do saber humano.

 

A filosofia é, a princípio, o saber racional, sistemático, metódico, casual e lógico. A Filosofia é a ciência das coisas por suas causas supremas.

 

A Filosofia do Direito deve ocupar-se do justo e do injusto, e é esse seu objeto. Será, portanto, como contemplação valorativa do direito, a teoria do direito justo (Stammler).

 

No entanto, para outros, o justo e o injusto estão foram do alcance do jurista, e correspondem ao objeto de estudo da Ética (Hans Kelsen que aplica ao tema da justiça à teoria dos valores, a mesma metodologia usada ao construir a teoria pura do Direito – registrando a cientificidade como não-valoração).

 

Ainda no entendimento de outros pensadores, a Filosofia do Direito deve ser estudo combativo sendo inata a sua missão de lutar contra a tirania. Há propostas que reafirmam a tarefa filosófica da escavação conceitual do Direito.

 

A Filosofia do Direito abrange, portanto, diversas investigações (a lógica, a fenomenologia e a deontologia). Enfim, representa a exposição crítico-valorativa da experiência jurídica, na universalidade de seus aspectos mediante a indagação dos primeiros princípios que informam os institutos jurídicos, os direitos e os sistemas.

 

A Filosofia do Direito é saber crítico a respeito das construções jurídicas erigidas pela Ciência do Direito e pela própria práxis do Direito, buscando os fundamentos do Direito, seja para cientificar-se de sua natureza, seja para criticar a base de suas estruturas e do raciocínio jurídico, provocando as vezes, fissuras no construído que por sobre as mesmas se ergue.

 

Não se esgota a reflexão do Direito e se mantem acesa e atenta às modificações cotidianas do Direito principalmente regulando o tratamento jurídico que se dá a pessoa humana.

 

Portanto, é sempre atual, de vanguarda e reserva para si o direito-dever de estar empregada da preocupação em investigar as realizações jurídicas práticas e teóricas.

 

A diferença entre a Filosofia do Direito e a Ciência do Direito reside, no modo pelo qual cada uma delas considera o Direito: a primeira, no seu aspecto universal e, a segunda, em seu aspecto particular (Del Vecchio).

 

Resumindo, a Filosofia Jurídica procura estudar sobre a conceituação do Direito em si, explicando causas determinantes de sua transformação no espaço e tempo, em relação aos demais elementos sociais.

 

Sua finalidade é examinar o Direito, em pleno desenvolvimento, através de leis gerais do movimento. Sua finalidade é o próprio exercício do pensamento visando a interpretação da interpretação sendo tal exercício desprovido de pretensões finalistas.

 

O caminho da investigação do Direito constitui enfim a ratio essendi da filosofia: E tais metas e tarefas que são:

a)   Proceder à crítica das práticas, das atividades e atitudes dos operadores de Direto[6];

b)   Avaliar e questionar a atividade legisferante bem como oferecer suporte reflexivo do legislativo;

c)   Proceder à avaliação do papel desempenhado pela ciência jurídica e o próprio comportamento do jurista ante ela;

d)   Investigar as causas de desestruturação, enfraquecimento do sistema jurídico;

e)   Depurar a linguagem jurídica, os conceitos filosóficos e científicos do Direito;

f)    Investigar a eficácia dos institutos jurídicos, sua atuação social e seu compromisso com as questões sociais, seja o que se refere aos indivíduos, seja quanto aos grupos, a coletividade, seja no que tange as preocupações humanas universais;

g)   Esclarecer e definir a teleologia do Direito, seu aspecto valorativo e suas relações com a sociedade e os anseios culturais;

h)   Resgatar as origens e valores fundantes dos processos e institutos jurídicos;

i)     Por meio da crítica conceitual institucional, valorativa, política, procedimental auxiliar o juiz no processo decisório.

 

A filosofia socrática traduz uma ética teleológica e sua contribuição consiste em identificar na felicidade o fim da ação. Essa ética tem como fito a preparação do homem para conhecer-se, uma vez que o conhecimento é a base do agir ético, só erra quem desconhece, de maneira que a ignorância é o maior dos males.

 

Conhecer, porém, não é fiar-se nas aparências e nos enganos e desenganos humanos e, sim, fiar-se no que há de verdadeiro e certo.

 

Deve-se erradicar a ignorância por meio da educação (paideia[7]) que é a tarefa do filósofo. E nessa certeza, o filósofo abdica até mesmo da própria vida para reafirmar sua lição e compromisso com a divindade. A lição da ética socrática já uma lição de justiça.

 

Portanto, um misterioso conjunto de elementos básicos éticos, sociais e religiosos permearam os ensinamentos socráticos, que permaneceram apesar de não terem sido escritos (o que lhe garantiram a eternidade), mas que permitiram principalmente ao pensamento platônico e produziu efeitos nas demais escolas que se firmaram como doutrina socrática.

 

A filosofia socrática primou pela submissão uma vez que a ética do coletivo está acima da ética do individual e a convicção no acerto da renúncia em prol da Cidade-Estado (polis). Onde está a virtude, está a felicidade e é inerente ao julgamento humano a respeito.

 

A condenação de Sócrates além de questionar com a sua vida a justiça da polis, trouxe sérios efeitos e deixou profunda marca na história. E, Platão como bom discípulo incorporando esse dilema, haverá de legá-lo com toda sua força para a posteridade.

 

Platão

 

Boa parte das premissas socráticas desemboca diretamente no pensamento platônico. Foi Platão por meio dos seus diálogos “Fedro” e “A República” (livros IV e X) que especificamente abordam a questão, desenvolveu os pressupostos do pensamento socráticos: a virtude é conhecimento e o vício existe em função da ignorância.

 

Ao raciocínio socrático somam-se as influências pitagóricas e órfica, que acabam por torna-lo em pensamento peculiar. De qualquer forma, em sua exposição do problema ético ressalta-se, sobretudo, o entrelaçamento das preocupações gnoseológicas, psicológicas e éticas propriamente ditas.

 

Todo o sistema filosófico platônico é decorrência de pressupostos transcendentes, quais sejam: a alma, a preexistência da alma, a reminiscência das ideias, a subsistência da alma.

 

Aliás, a relação entre a psicologia e a ética é bem exposta em dois diálogos: no livro IV da “A República” e no Mito do Cocheiro[8], no “Fedro”[9]. O corpo humano é a carruagem, o homem que a conduz, os pensamentos correspondem às rédeas, e os sentimentos são os cavalos.

 

Platão diferentemente de Sócrates se distanciou da política e das atividades prático-políticas. Se Sócrates ensinava nas ruas da cidade, pelo método peripatético. Platão por sua vez decepcionado com o golpe desferido pela cidade contra a filosofia, ensinava em lugar apartado e recôndito onde o pensamento pode vagar com tranquilidade, e onde se pode desenvolver um modo de vida ao mesmo tempo em que estava preocupado com a cidade, suas corrupções, torpezas e problemas era a Academia.

 

É um paradoxo da Academia um lugar para a reflexão, porém um lugar destacado e distante. Para facilitar e purificar a observação.

 

Sócrates via na prudência (phrónesis) a virtude de caráter fundamental para o alcance da harmonia social. A prudência estava incorporada a seu método de ensinar e ditar ideias, com vistas à realização de uma educação (paideia) cidadã.

 

Quando a condenação de Sócrates firmou a hostilidade da cidade ao filósofo, à qual era inerente a política do convívio, iniciou-se um processo acadêmico de distanciamento da cidadania participativa; esta era a derrocada do ideal de perfeição democrática.

 

A prudência socrática converteu-se em vida teórica (bios theoreticos) que é declarada como a melhor das formas de vida, entre as possíveis formas de vida humana (filósofo, cavalheiro, artesão) e passou a servir de modelo de felicidade humana.

 

Tudo isso com base na tripartição da alma: alma logística corresponde à parte superior à parte superior do corpo humano (cabeça), à qual se liga a figura do filósofo; a alma irascível, correspondendo à parte meridiana do corpo humano (peito) caracterizada pela coragem como virtude cavalheiresca; alma apetitiva, correspondendo à parte inferior do corpo humano (baixo ventre), à qual se liga aos artesãos, aos comerciantes e ao povo.

 

Às potências da alma (psychê) humana vinculam-se, portanto, aos modos de vida, de forma que: a) parte logística da alma passa a representar o que diferencia o ser humano dos demais seres; b) parte logística da alma passa a representar a imortalidade do ser. c) a parte logística da alma representa a excelência humana o que faz o homem assemelhar-se aos deuses; d) a alma logística (logistikón) é hegemônica em face das demais partes da alma humana; e) a alma logística é capaz de reflexão (dianoia), de opinião (doxa) e, de imaginação (phantasia); e) a alma logística é capaz de razão (nous) e que permite ao homem acessar, por meio de contemplação as ideias que somente aos deuses são acessíveis.

 

Em resumo, a alma se divide em logística (cabeça) que se relaciona com o filósofo; coragem (peito) que se relaciona com o guerreiro e cavalheiro, e apetitiva (baixo ventre) que se relaciona com artesãos e comerciantes[10].

 

Aí não há movimento, não há discurso, não há o pensamento: a ideia encontra-se absorvida em sua plenitude de inteligibilidade. Dessa forma, o nous intui o logístico pensa e fala sobre einai te kai ousian através do nous assemelhando-se àquilo do que fala e pensa (ser e substância). Das sombras sensíveis ao imutável do inteligível, todo tipo de recurso simbólico humano é eliminado, para que se vislumbre em sua pureza a forma (morphé) sem qualquer interferência de elementos da razão mundana.

 

A ciência só é possível do que é certo, eterno e imutável, somente as ideias, são para Platão, certas, eternas e imutáveis, tendo-se em vista que tudo o mais que se conhece é incerto, perecível e mutável.

 

Do que disse anteriormente, somente a alma logística é capaz de ciência, e esta ciência (episteme) à qual se se refere Platão, deriva da contemplação das ideias perfeitas e imutáveis pelo filósofo.

 

 

Virtude e vício: ordem e desordem

 

Cada parte da alma humana exerce uma função e estas funções delimitadas, sincronizadas e direcionadas para seus fins são a causa da ordem e da coordenação das atividades humanas.

 

As diversas faculdades humanas estão dotadas de aptidão para a virtude (arete) uma vez que a virtude é uma excelência, ou seja uma aperfeiçoamento de uma capacidade ou faculdade humana suscetível de ser desenvolvida e aprimorada.

 

A opinião não é ciência, é algo entre o ser e o não ser. Assim como se opõem, também, os sujeitos-artificies da doxa e da episteme, ou seja, os philodoxos e os philosophos, na perspectiva de que o primeiro lança suas observações com base no conhecimento empiricamente captado, enquanto que o segundo constrói o saber sobre a experiência contemplativa, que se baseia no conhecimento daquilo que não é contingente.

 

O virtuosismo platônico refere-se ao domínio das tendências irascíveis e concupiscíveis humanas, tudo com vistas na supremacia da alma racional.

 

Então, a virtude significa controle, ordem equilíbrio, proporcionalidade, sendo que as almas irascíveis e concupiscentes submetem-se aos comandos da alma racional, esta sim positivamente soberana. Desse modo, boa será a conduta que se sintonizar com os ditames da razão.

 

A harmonia surge como consequência natural permitindo à alma fruir da bem-aventurança dos prazeres espirituais e intelectuais.

 

A ética que deflui da alma racional é exatamente a de estabelecer este controle e equilíbrio entre as partes da alma, de modo que o modo que o todo se administre por força racional e não epitimética ou irascível.

 

O vício, ao contrário da virtude reina no caos existente entre as partes da alma. O vício implanta o reino do desgoverno, onde os mandamentos são incontroláveis (ódio, rancor, inveja, ganância), ora se refere a paixão baixo ventre ( sexualidade, gula, e, etc.).

 

Buscar a virtude é buscar a excelência do homem que se inspira nas faculdades dos deuses. A alma mundana acaba por destruir a corporalidade e possui o peso das carnes humanas e não a leva tão característica dos deuses.

 

Sacrificar-se pela causa da verdade significa abandonar os desejos do corpo e fazer da alma o fulcro de condução em si e por si. Para que se fortaleça a ética, deve-se aprimorar a alma principalmente na parte que mais aproxima o homem dos deuses: a razão.

 

A mecânica da justiça está a apontar algo para além da vida e da morte. A ética platônica destina-se a elucidar que a técnica não se esgota na simples localização da ação virtuosa e de seu discernimento com relação à ação virtuosa.

 

A alma deve se orientar e ter sua conduta ditada pela noção de bem. Se a natureza da alma humana é metafísica também é metafísica a natureza verdadeira e definitiva da justiça.

 

De qualquer forma, a educação é paideia da alma tem por fim destinar a alma ao pedagogo universal, ao bem absoluto.

 

A tarefa de educar as almas para Platão deve ser cumprida pelo Estado que monopoliza a vida do cidadão. A educação deve ser pública, com vistas no melhor aproveitamento do cidadão pelo Estado e do Estado pelo cidadão.

 

Assim, a justiça, ética e política movimentam-se no sistema platônico num só ritmo sob a harmonia única da ideia primordial do bem. Tamanho idealismo gerou condições favoráveis para uma corrente profundamente empírica o aristotelismo.

 

 

Aristóteles - A justiça como virtude

 

 

Aristóteles fora discípulo de Platão e desenvolveu sobre o tema da justiça. O fundador do Liceu[11] teve sua sede no campo ético, sendo ciência definida como ciência prática.

 

A síntese aristotélica permitiu que se congregassem vários elementos doutrinários reunidos ao longo dos séculos, que se disseminaram por diversos campos (justiça da cidade, justiça doméstica, justiça senhorial).

 

Os principais conceitos estão na obra Ethica Nicomachea[12] (Ética ao Nicômaco) em particular do Livro V[13] dedicado à ética.

 

Cogitar de justiça é comprometer-se com outras questões afins, quais sejam, as questões sociais, políticas, culturais e retóricas. Há inclusive um diálogo de autenticidade duvidoso intitulado “Acerca da Justiça”.

 

A obra de Aristóteles é vasta e abriga vários domínios do saber e engloba três trabalhos sobre a Ética (Ethica Nicomachea, Magna Moralia e Ethica eudemia).

 

O fato é que o mestre do Liceu tratou a justiça entendendo-a como uma virtude assemelhada a todas as demais tratadas como a coragem, a temperança e a benevolência...

E como virtude, a justiça é focada no comportamento humano, à ciência prática, intitulada ética, cumpre investigar o que é justo e o injusto, o que é temerário e o que é ser corajoso.

 

Na Antiguidade pode-se dizer que a legislação enquanto trabalho do legislador, não pode ser confundida com o direito enquanto resultado de uma ação. Havia concreta diferença entre lex e jus na proporção da diferença entre trabalho e ação.

 

 Desse modo, o que condicionava o jus era a lex, mas o que conferia estabilidade ao jus era algo imanente à ação: a virtude do justo é a justiça.

 

Dentro da filosofia aristotélica é que se encontra referência à tripartição das ciências em práticas poéticas, ou produtivas ou teoréticas.

 

E, de acordo com essa divisão, dos conhecimentos científicos, a investigação ética não se destina à especulação ou à produção, mas à prática.

 

O conhecimento ético é uma primeira premissa para que a ação se converta em uma ação justa ou conforme a Justiça. A excelência do estudo ético busca a perquirição em torno do fim da ação humana, pois este também objeto de investigação política, a mais importante das ciências práticas, criando as normas necessárias para orientar a polis e dos sujeitos que a compõem para a realização do bem comum.

 

É a observação do homem em sua natural instância do convívio, a sociedade que consente a formulação de juízos éticos.

Conclui-se que os princípios éticos não se aplicam a todos a forma única (a coragem não é a mesma para todos) assim como a justiça não é a mesma para todos. Estamos condicionados ao exame do caso particular, de maneira personalizada e singularizada para que se aplique o justo meio (mesótes).

 

O conceito de justo meio ou mesótes não comporta compreensão genérica e indiferente às qualidades específicas dos indivíduos, é ao revés, sensível à dimensão individual.

 

A justiça, em meio as demais virtudes, que se opõem a dois extremos (um por carência: temeroso; outro por excesso: o destemido) se opõe um único vício, que é a injustiça (injusto: por carência da justiça; injusto: por excesso de injusto). Assim, o injusto ou a injustiça ocupa dois polos diversos.

 

Frise-se que a ideia de virtude, assim como o vício, adquire-se pelo hábito reiteração das ações em determinado sentido, com o conhecimento de causa e com o acréscimo da vontade deliberada.

 

A própria terminologia das virtudes[14] chamadas éticas, deve-se ao termo hábito (ethos). A primeira noção de justiça pela filosofia aristotélica consiste na virtude da observância da lei, no respeito àquilo que é legítimo e que vige para o bem da comunidade.

 

O papel relevante para o conceito aristotélico de justiça desempenhado pelo legislador. E, nesse sentido, a função do legislador é diretiva da comunidade política e sua atividade comparável à do artesão.

 

O justo total é a observância do que é regra social de caráter vinculativo. O hábito humano de conformar as suas ações ao conteúdo da lei é a própria realização da justiça e nesta acepção é a justiça total. É fato que justiça e legalidade são uma única coisa, nesta acepção aristotélica do termo.

 

O homem é justo ao agir na legalidade diz-se que o homem é, virtuoso, quando por disposição do caráter, orienta-se segundo estes mesmos vetores, mesmo sem a necessária presença da lei ou conhecimento da mesma.

 

A justiça distributiva é igualdade de caráter proporcional, pois é estabelecida e fixada de acordo com o critério de estimação dos sujeitos analisados.

 

Este critério é o mérito de cada qual se diferencia, tornando-os mais ou menos merecedores dos benefícios ou ônus sociais (desigualdades naturais e sociais).

 

Assim, a liberdade é para o governo democrático o ponto fundamental de organização do poder (todos acedem ao poder e aos cargos públicos, indistintamente), da mesma forma que para oligarquia é a riqueza, e, para a aristocracia é a virtude (somente os virtuosos galgam o poder e os cargos públicos).

 

A igualdade proposta por Aristóteles é do tipo geométrico observando-se a proporcionalidade da participação de cada qual no critério eleito pela constituição (politeia). A igualdade na distribuição visa manter o equilíbrio, pois aos iguais é devida a mesma quantidade de benefícios ou encargos, assim como aos desiguais são devidas partes diferentes à medida que são desiguais e que se desigualam.

 

Conclui-se que a teoria aristotélica procurar delinear os principais traços que comporiam uma noção do que é justo (por força da lei, por força da natureza, na distribuição, na correção na troca, na punição) e do que é injusto (por força da lei, da natureza, na distribuição, na correção, na troca e na punição).

 

As contribuições de Aristóteles são inúmeras e entendia que a justiça como virtude, trata-se de aptidão ética humana que apela para a razão prática, ou seja, para a capacidade humana de eleger comportamentos para realização de fins.

 

Fica claro que a justiça ocorre inter homines, ou seja, trata-se de uma prática humana e social bem delimitada e vinculada ao medium terminus (mesótes).

 

Parte Aristóteles de reflexão que enfoca o homem como ser gregário, e isto por natureza. O homem além de gregário para a subsistência é também político e de natureza racional (então exerce sua racionalidade no convívio político).

 

Não de outra forma a racionalidade humana se exerce, senão em sociedade, na polis, e assim por meio do discurso (logos). Tende a comunidade organizada, ao bem, à realização da felicidade (eudamonia) que corresponde a um benefício para todos, sobretudo, acessível a todos.

 

A polis é sim a culminância das formas de organização da vida humana (família, aldeia, tribo, polis). A polis é a teia social com estrutura política, é o locus de realização da racionalidade e da felicidade humana.

 

Para esta comunidade, assim organizada todo homem está por natureza destinado, pois fora desta, somente haverá um deus ou uma besta.

 

Justiça não se realiza sem a plena aderência da vontade do praticante do ato justo a sua conduta. Aquele que pratica atos justos não necessariamente é um homem justo, pode ser um bom cidadão, porém não será jamais um homem justo per si.

 

A justiça total destaca-se sendo virtude de observância da lei. E, é complementada pela justiça particular, a corretiva presidida pela noção de igualdade aritmética ou distributiva, presidida pela noção de igualdade geométrica.

 

A justiça também será exercida nas relações domésticas (para com a mulher, os filhos, para os escravos) ou políticas (legal ou natural).

 

Cumpre o julgador debruçar-se na equanimização de diferenças surgidas das desigualdades; é este quem personifica e representa a justiça. Para além da lei, porém, da justiça e de tudo está a noção de amizade e onde há a amizade, em sua pureza conceitual, não é necessária a justiça.

 

Numa profunda ordenação cósmico-natural se pode encontrar o fundamento de toda ética e de todo conceito de justiça na teoria de Cícero. São leis naturais responsáveis pela ordenação do todo, de acordo com estas se funda a reta razão, de modo que o direito natural passa a representar a única razão de ordenação da conduta na República.

 

A base da ética de Cícero é stoa e, não repouso apenas no estoicismo, mas apela pelo sincretismo filosófico que remonta ao socratismo, ao platonismo, ao aristotelismo e ao estoicismo.

 

As virtudes são estimuladas pela lei natural enquanto que os vícios são repreendidos por esta. É esta que, primeira, racional, pura, absoluta, imperativa...  Deve ser a escolta para os atos humanos, e não qualquer outro tipo frágil de convenção humana.

 

É a sociabilidade condição natural humana, de modo que a organização do Estado das leis, da justiça são condições para a realização da própria natureza humana.

 

Observando-se a natureza das coisas, a natureza humana deverá atingir um grau de afinidade e harmonia com as leis que regem o todo, de modo a que tudo se governe de acordo com um único princípio, que se resume à razão divina.

 

O que se tem é a ética do dever, com base na lei natural e cuja finalidade reside em guiar e governar o todo. Nessa ética há observância de preceitos morais e jurídicos a um só tempo, em face da fusão que se apresentam.

 

Isso porque a sociabilidade é um mister, donde a felicidade decorre da própria harmonia de todos entre todos. Enfim, é com a República que surge a felicidade humana.

 

 

O estoicismo[15] lança semente da filosofia cristã que dominará a cultura ocidental por séculos, se implantando e se desenvolvendo. A característica definitiva do estoicismo é seu cosmopolitismo: todas as pessoas seriam manifestações do espírito universal único e deveriam, de acordo com os estoicos, em amor fraternal, ajudarem-se uns aos outros de maneira eficaz. Defendiam os estoicos a clemência aos escravos.

 

 

Justiça Cristã

 

Imprescindível assinalar a influência que as Sagradas Escrituras produziram na cultura ocidental. A sublinha doutrina religiosa e moral, nascida na Palestina, se difundiu em poucos séculos em grande parte do mundo civilizado e provocou profunda transformação nas concepções do Direito e do Estado.

 

Originalmente, porém a doutrina cristã não tinha significado jurídico ou político, mas tão só moral. O princípio cristão do amor, fraternidade, não se propôs a obter reformas políticas e sociais, mas sim reformas de consciências.

 

Cogitar de justiça é abordar fenômeno multifacetado o que nos remete as abordagens diversificadas (faceta metafísica, faceta ética, faceta técnica e faceta religiosa).

 

Deve-se desvincular como condição epistemológica dessa pesquisa, a ideia de justiça cristã instituída no Império Romano após a adoção do Império por Constantino.

 

Refere-se da justiça praticada pelos senhores feudais como soberanos medievais que retiravam seus poderes de Deus... Ou da justiça praticada pela Inquisição (Santo Ofício) fundada no século XI, que exercia poderes de julgamento sobre a vida das pessoas classificadas como hereges (jus vitae ac mortis).

 

No bojo dos Evangelhos a doutrina sobre a justiça levando-se em conta:

a)   O julgamento de Jesus como um fato humano de grande significado, uma vez que provocou verdadeira expansão de sua curta pregação ( Cristo nunca escreveu nada nem mesmo o que pregou aos fiéis);

b)   Também, a doutrina de Justiça que incorpora, numa esperança, e num anseio do advento da Justiça Divina;

c)   A identificação da Boa Nova, a doutrina de Jesus, com ensinamentos nitidamente diversos dos contidos no Antigo Testamento.

Devem-se diferir os maus usos da doutrina cristã, que se fizeram na história ocidental por algumas ideologias, do que verdadeiramente esta encerra em si como doutrina, como ensinamento, como preocupação axiológica.

 

O cristianismo alcançou muitas representações e interpretações no tempo e no espaço, muitas das quais fidedignas aos mandamentos originários, outras contraditórias.

 

Trata-se aqui de buscar a Palavra dos Evangelhos por meio de resgate ou de uma imersão na única ideologia latente na pregação de Jesus: “fazei ao outro o que quereis que vos façam”. Sem maiores pretensões, eis aí o objeto desse procedimento de pesquisa.

 

A Justiça Cristã promove a ruptura com a lei mosaica que pregava olho por olho, dente por dente, de índole extremamente vingativa. Onde imperava a justiça como forma de desforra do mal causado. Cristo faz residir no perdão e no esquecimento das ofensas e dos males causados.

 

Ao primitivismo hebraico dominado e escravizado pelos egípcios havia um ensinamento rígido, dotado de moral espartana, um ensinamento solidamente dogmático, baseado na imagem religiosa de um Deus vingativo e todo poderoso. Foi isso que marcou o Antigo Testamento. Então, o Cristo procurou desfazer ao adentrar com seus ensinamentos de um Deus benevolente e que perdoa.

 

É com o advento do Cristianismo que ficou marcada a principal lição da justiça, tal qual é retratada por essa religião. A vinda exemplar de Cristo em sua nobre missão de esclarecimento acerca do justo e do injusto.

 

“E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça” ou “Porque, quando éreis servos do pecado, estáveis e livres da justiça”.

 

Em várias passagens há alusão à justiça e numa dessas pode-se ressaltar o fato de que o mundo passará, as coisas, as pessoas, as civilizações, os imperadores, as Igrejas, as doutrinas e os sábios ... mas a Palavra não passará.”

 

Noutra passagem, in litteris: “É mais fácil passar o céu e a terra do que cair um til da Lei.” (Lucas, cap. XVI, v.17).

 

Menciona uma ordem que está para além dos sentidos humanos, naturalmente de caráter espiritual, em que a Justiça aparece como fenômeno imperecível, e de acordo com a qual julgamento se exerce de forma inexorável; a eternidade e a irrevogabilidade são suas características.

 

As leis humanas são leis circunstanciais e se multiplicam exatamente em função da diversidade de caracteres dos povos. As leis divinas que presidem a ordem divina das coisas, ou o Universo em sua totalidade, não podem estar maculadas pela mesma especificidade, perecibilidade e circunstabilidade que são peculiares das leis humanas.

 

Estar ante a justiça divina é estar perante uma justiça presidida por Deus e aplicada por esse mesmo Deus.

 

Para além do legal e do ilegal, encontram-se as fronteiras cristãs. A elasticidade dos horizontes cristãos é bem maior que a dos horizontes materiais. Pode se mesmo cogitar a inserção humana em um mundo bidimensional, ou seja, numa duplicidade de papéis, um terreno e outro espiritual.

 

Outra passagem alude diretamente à questão de justiça: “Néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia.” Ou “Os quais, conhecendo a justiça de Deus ( que são dignos de morte os que tais coisas praticam) não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem.” (Paulo, Epístola de Paulo aos Romanos, Cap.I, vv. 30 a 32). Consagrando assim a culpa por ação e a culpa por omissão.

 

O mal e dor não existem porque Deus os ignora mas porque Deus os permite operar como formas de redenção da experiência humana. Tarefa inglória seria a existência da alma se seu percurso não estivesse marcado por um processo contínuo de aprendizado, que só se faz pelo conhecimento do bem e do mal, do justo e do injusto.

 

A justiça dos fariseus é tomada como paradigma do que não deve ser. Ou seja, amar somente os que nos amam... Não basta, o sentimento cristão reclama mais do fiel. Eis aí, a principal inovação de Cristo com relação aos ensinamentos que o precederam (...).

 

In litteris: “Amai os vossos inimigos, fazei o bem àqueles que vos odeiam e orai por aqueles que vos perseguem e vos caluniam. A fim de que sejai os filhos de vosso Pai que está nos céus, que faz erguer o Sol sobre os bons e sobre os maus, e faz chover sobre os justos e os injustos; porque se amardes senão aqueles que vos amam, que recompensa terei disto?”.(...).

 

A regra cristã é governada por máximas, e requer o que há de mais caro à pessoa, exige o desprendimento de si mesmo, ou mesmo de sua própria honra pessoal oferecendo-se ao ofensor a outra face. (...).

 

Pois toda injustiça não será solvida na revolta, na reação, na vingança, na devolução do mal, mas sim no perdão, no esquecimento das faltas alheias, na humildade e, sobretudo, no julgamento de Deus sobre o ofensor.

 

A atenção pelo outro, e portanto, pela exteriorização da conduta, tem que ser ressaltada, e isso à medida que é considerada fator de crescimento da alma no exercício da virtude.

 

Novamente, cumpre nova citação de Mateus, cap. VII, vv 1 e 2: “Não  julgueis, a fim de que não sejais julgados; porque vós sereis julgados segundo houverdes julgado os outros; e se servirá convosco da mesma medida da qual servistes para com eles.”

 

Num universo de imperfeitos, quem será o juiz das ações de quem?

 

Na base do perdão reside a reconciliação e na base desta, está a união. E, mais se afirma que toda lei, toda promessa, todos os mandamentos e todos os profetas encontram-se reunidos num só preceito: “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos”.

 

Daí resulta a regra de ouro: “Não fala aos outros o que não queres que te façam a ti” que formulada positivamente traduz o princípio da justiça: devemos tratar os outros tal como gostaríamos de ser tratados.

 

Ademais, a crítica de Kelsen recai sobre o caráter abstrato da fórmula, pois o subjetivismo do “desejar aos outros, o que desejaria para mim”, e não define o que é bom e nem o que é mau. Revela subjetivismo nefasto, sobretudo para definir limites do próprio ordenamento jurídico.

 

A doutrina de Cristo fora essencialmente apolítica e a passagem a seguir reforça tal entendimento: “Não vim para ser servido, mas para servir. O meu reino não é deste mundo, Dai a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”.

 

O que nos conduz a conclusão de que o Direito Positivo deve ser respeitado dando aos homens, e particularmente aos governantes, o que é dos homens e a Deus, o que é de Deus.

 

Enfim, a doutrina crística é a dos desvalidos, dos desamparados, dos empobrecidos e dos discriminados. E a justiça divina é a que tudo provê, que tudo sabe e que tudo pode. Porque nós pelo espírito da fé aguardamos a esperança da justiça.

Enfim, a filosofia cristã trouxe novas dimensões à questão da justiça. Cunhando uma concepção religiosa de justiça, identificando ajustiça humana como transitória e, por vezes, instrumento de usurpação de poder. Não é na justiça divina, na Lei de Deus que age de forma absoluta, eterna, fiel e imutável.

 

A lei humana aplicada no julgamento de Cristo que foi feito com base na opinião popular dos homens da época, é a justiça cega e incapaz de penetrar nos arcanos da divindade.

 

Aponta a justiça cristã aos valores que rompem com o imediato do que é carnal. O verbum representa não só a elucidação dos profetas, mas a encarnação por sua vida, história e palavras, das lições divinas sobre o que deve ser e o que não deve ser.

 A justiça cristã veio desmistificando figurar alegóricas populares e introduzindo novas práticas e novos conceitos e, sobretudo por meio de parábolas o que reforça a contínua interpretação.

 

Afinal Cristo veio semear a Boa Nova, no sentido de colher o joio separando-o do trigo, o que será feito no futuro apocalíptico por meio do julgamento final.

 

O sentimento cristão identifica o mal a uma doença, de maneira a dispor-se a seu tratamento e não faz precipitado julgamento e, sim reintegra pelo perdão, pela doação de sim e por aguardar pacientemente a reforma do outro coração.

 

Onde reside a vingança (vindita) não reside uma máxima cristã, e nem mesmo se pode entender como legítima uma guerra religiosa ainda que travestida de luta e combate aos infiéis, ou de disseminação de uma doutrina espiritual. Não existe guerra santa, existe sim guerra desumana e cruel.

 

Traduz a doutrina segundo a qual aquele que age por suas ações será medido; ao justo a justiça; ao injusto, a injustiça. Todo entendimento e lógica cristã devem pautar por esta praecepta, devem espelhar como reflexo, o comportamento de Cristo. E essa substância filosófica irá perdurar por todo período medieval.

 

Santo Agostinho –“A Justiça de dar a cada um o que é seu”.

 

A maior contribuição para o pensamento medieval não foi romana, mas grega. Realmente, foi a síntese conciliatória dos postulados religiosos com os filosóficos gregos que propulsionaram várias correntes do pensamento medieval.

 



[1] Immanuel Kant (1724-1804) foi filósofo prussiano, geralmente considerado o último grande filósofo dos princípios da era moderna. Foi professor catedrático da Universidade de Könisgsberg, cidade na qual nasceu e de onde nunca saiu, levando vida metódica e pontual e só dedicada aos estudos filosóficos. Realizou numerosos trabalhos sobre ciência, física e matemática. Também atuou na epistemologia, uma síntese entre o racionalismo continental bem representado por René Descartes e Gottfried Leibniz, onde imperava a forma de raciocínio dedutivo, e a tradição empírica inglesa (bem representada por David Hume, John Locke que valorizavam a indução). Kant se tornou famoso principalmente pela elaboração do chamado idealismo transcendental: todos nós trazemos formas e conceitos a priori (aqueles que não surgem da experiência) para experiência concreta do mundo, os quais seriam de outra forma, impossíveis de determinar.  Kant é historicamente um dos maiores expoentes nas fontes contemporâneas do relativismo conceitual. Também conhecido pela filosofia moral e pela proposta, a primeira moderna, de uma teoria da formação do sistema solar, conhecida como a hipótese de Kant-Laplace. O criticismo kantiano parte da confluência do racionalismo, do empirismo inglês e a ciência física-matemática de Isaac Newton. Seu caminho histórico restou marcado pelo governo de Frederico II, a independência norte-americana e a Revolução Francesa. Em sua dialética transcendental examina as possibilidades dos juízos sintéticos a priori na metafísica. A "coisa em si" (alma, Deus, essência do cosmos). Tratou ainda da paz perpétua que se refere ao direito cosmopolítico de circunscrever-se às condições de hospitalidade universal.

 

[2] Jürgen Habermas é filósofo e sociólogo alemão. Licenciou-se em 1954 na Universidade de Bonn, com a tese sobre Schelling intitulada "O absoluto e a História". Foi assistente de Theodor Adorno no Instituto para Pesquisa Social de Frankfurt. No início da década de sessenta realizou pesquisa empírica sobre a participação estudantil na política alemã. Até o presente momento continua muito atuante e produtivo e, frequentemente participa de debates e atua em jornais como cronista político.

[3] Michel Foucault (1926-1984) importante filósofo e professor catedrático de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France de 1970 a 1984. Seu trabalho foi desenvolvido em uma arqueologia do saber filosófico, da experiência literária e da análise do discurso. Também se concentrou sobre a relação entre poder e governamentalidade, e das práticas de subjetivação. Foucault renegou os modos tradicionais de analisar o poder e procurou realizar suas análises não de forma dedutiva e sim indutiva, por isso passou ater como objeto de análise não categorias superiores e abstratas de análise tal como questões do que é o poder, e o que o origina e tantos outros elementos teóricos, voltando-se para elementos mais periféricos do sistema total, isto, é passou-se a interessar-se pelos locais onde a lei é efetivada realmente. Segundo Foucault, devemos compreender que a lei é uma verdade "construída" de acordo com as necessidades do poder, em suma, do sistema econômico vigente, sistema, atualmente preocupado principalmente com a produção de mais-valia econômica e mais-valia cultural, tal como explicado por Guattari. O poder em qualquer sociedade precisa de uma delimitação formal, regras do direito, surgindo, portanto, os elementos necessários para a produção, transmissão e oficialização de "verdades". O poder precisa da produção de discursos de verdade, como disse Foucault.

[4] Rudolf Stammler (1856-1938) foi um filósofo do Direito alemão. Inspirado na corrente neokantiana conferiu à ciência do Direito e atribuiu-lhe metodologicamente os instrumentos dos “fins e dos meios" contrapostos aos de "causa e efeito" das ciências naturais. O mistério de Stammler reside na sua tentativa de superar o positivismo de sua época. É autor da teoria do chamado Direito Natural de conteúdo variável. O neokantismo ou neocriticismo é corrente filosófica desenvolvida principalmente na Alemanha, a partir de meados do século XIX até 1920. Preconizou o retorno aos princípios de Kant opondo-se ao idealismo objetivo de Hegel, então predominante, e a todo tipo de metafísica, mas também se colocava contra o cienticismo positivista e a sua visão absoluta da ciência. O neokantismo pretendia, portanto recuperar a atividade filosófica como reflexão crítica acerca das condições que tornam válida a atividade cognitiva - principalmente a Ciência, mas também os demais campos do conhecimento - da Moral à Estética. Estamos submetidos à verdade também no sentido em que ela é a lei, e produz o discurso da verdade que decide, transmite e reproduz, pelo menos em parte, efeitos de poder.

 

[5] Chaim Perelman (1912-1984) foi um filósofo do Direito que durante a maior parte de sua vida viveu na Bélgica. É um dos mais relevantes teóricos da retórica no século XX. Sua obra principal é o Traté de l'argumentation - la nouvelle rhétorique  (Tratado da Argumentação) de 1958, escrito junto com Lucie Olbrechts-Tyteca no Brasil. A obra fora traduzida para o português pela Editora pela Editora Martins Fontes (1996).

[6] O operador do Direito antes de tudo significa o graduado em Direito. Segundo o Dicionário HOUAISS da Língua Portuguesa, o vocábulo operador, significa “aquele que opera, realiza algo, executa uma ação”, dentre outras acepções. E ainda segundo HOUAISS, verifica-se a palavra “construtor” com o significado, dentre outros, daquele que “constrói, o que domina o saber de construir”. Afinal, há operador ou construtor do Direito? A nosso sentir, em operador do Direito não se pode cogitar, com o devido respeito aos que entendem de forma contrária. Verifica-se que Direito concebido pelo Estado, tal como se conhece hodiernamente, está em crise bem evidenciada, e nem sempre há o que se denomina de “justiça material”. Em muitos casos, prevalece a forma sobre o conteúdo; ações judiciais são extintas sem que ao menos se adentre ao mérito, em decorrências de irregularidades que poderiam ser supridas, ou até mesmo por  desatenção (ou despreparo técnico mínimo necessário) do profissional que atua no processo; muitos são os casos em que o direito material está mais do que cristalino, devidamente provado no curso do feito, e diante das manobras processuais (diga-se, recursos de agravo de instrumento, embargos de declaração), da parte contrária, acabam por fulminar qualquer pretensão do prejudicado. Para superar o aforismo criado em torno da expressão "operador do Direito" e isso se faz durante a formação acadêmica. A quebra do paradigma é fundamental para se obrar na mente do acadêmico de Direito a importância apenas parcial que tem no desenvolvimento sustentável, o que não impede o exercício efetivo e empenhado da profissão escolhida. Assim, "operar o Direito" implica na dimensão primeira  o modo pelo qual se pode atingir a conscientização da população sobre as leis vigentes e prerrogativas ínsitas aos sujeitos de direitos (medida profilática do Direito) e, numa segunda dimensão, a justa satisfação das partes durante o litígio (medida razoável de aplicação da justiçado Direito).

 

[7]Inicialmente, a palavra paideia advém de paidos que significa criança, significava simplesmente "criação de meninos". Mas, tal significado inicial dista em muito do elevado sentido que mais tarde adquiriu. O termo significa também a própria cultura construída a partir da educação. Era o ideal que os gregos cultivavam do mundo para si e para sua juventude. Uma vez que o governo próprio era muito valorizado pelos gregos, a Paideia combinava ethos(hábitos) que o fizessem ser signo e bom tanto como governado quanto como governante. O objetivo não era ensinar ofícios, mas sim treinar a liberdade e nobreza. Paideia igualmente pode ser encarada como legado deixado de uma geração para outra na sociedade. Mortimer Adler (filósofo norte-americano) tenta, com sua produção científica, resgatar a paideia hoje, na nossa contemporaneidade. Este destaca a importância de ler, estudar e apreender as ideias dos grandes pensadores, e a vida toda, lutou por essa causa.

[8] A natureza da alma (psychê) humana é descrita no diálogo Fedro de Platão de modo tripartite, através do Mito do Cocheiro. Neste, ela é composta por um cocheiro e por uma parelha de cavalos alados, um branco e outro negro. Eles se constituem como dois impulsos no inteiro da alma humana: um apolíneo e outro dionisíaco. Esta teoria ocupa lugar central na filosofia platônica, na medida em que permite trabalhar com a ascensão do mundo sensível ao inteligível. Na visão platônica, a alma humana é composta por um cavalo branco e um negro. O cavalo branco corresponde ao elemento apolíneo da alma, isto é o racional, na medida em que o reino da razão e do intelecto é o que distingue mais propriamente o homem da besta -, que busca a perfeição, elevação, luminosidade e verdade. Mas o cavalo negro desestrutura a razão apolínea: o impulso dionisíaco investe e irrompe avassalador, desmedido e furioso, transgredindo todos os limites.

 

[9] No princípio do mito do cocheiro se divide cada alma em três partes, sendo dois cavalos, e a terceira parte o cocheiro. Assim devemos continuar. Dissemos que um dos cavalos é bom e outro não. Quando o cocheiro vê algo amável, essa visão lhe aquece a alma, enchendo-a de pruridos e desejos. O cavalo bom obedece ao guia, como sempre, obedece a si mesmo se refreia. Mas o outro não respeito o freio e nem o chicote do condutor. No Mito do Cocheiro, no diálogo “Fedro”, Platão compara a alma a uma carruagem puxada por dois cavalos, um branco (irascível) e um negro (concupiscível). O corpo humano é a carruagem, e o cocheiro (Razão) conduz através das rédeas (pensamentos) os cavalos (sentimentos).  Cabe ao homem através de seus pensamentos saber conduzir seus sentimentos, pois somente assim ele poderá se guiar no caminho do bem e da verdade. 

 

[10] A tripartição da alma é crucial para se entende não apenas a psicologia, ética e a política platônica, mas também a ligação com o restante de sua filosofia. A inovação platônica não se limita apenas à sua teoria da reminiscência. Mas o fato de ter sido o primeiro a cogitar de uma alma tripartite, fonte e explicação de nossos desejos e conflitos, nossas virtudes e vícios, de nosso conhecimento seguro ou falho, de nossa vida em sociedade, seja esta ideal ou deturpada. E a relevância da teoria da alma tripartite pode encontrar nas grandes semelhanças mesmo com teorias contemporâneas bem conhecidas. E podemos mesmo encontrar semelhanças com a Psicanálise (terminologia usada por Freud) ao estabelecer diferentes relações no interior do indivíduo e deste com o mundo exterior nomeia três elementos da psiquê, a saber: o Id, o ego e o superego.

 

[11] Platão fundou a Academia, num retiro distante propício para a avaliação e observação de forma abstrata do mundo. Ao passo que seu discípulo, Aristóteles fundou o Liceu um espaço engajado na cidade e preocupado em observar as práticas e comportamento humano.

[12] Ética a Nicômaco é a principal obra de Aristóteles sobre Ética. E expõe sua concepção teleológica e eudaimonista de racionalidade prática, sua concepção da virtude como mediania e suas considerações sobre o papel do hábito e da prudência. Vale ressaltar que a ideia de virtude, na Grécia Antiga, não é idêntica ao conceito atual, muito influenciado pelo cristianismo. Virtude tinha o sentido da excelência de cada ação, ou seja, de fazer bem feito, na justa medida, cada pequeno ato (além disso, os valores da altura e local em que ele escreveu tal obra eram bem diferentes da leitura atual); a palavra bem ou mal, por exemplo, apresenta significados totalmente opostos, como por exemplo, temos a servidão e o machismo, que para ele era algo natural e há décadas são coisas tidas como "ruins" altamente influenciadas por valores pós-cristãos.

 

[13] Livro V.Justiça.

V.a. Sua esfera e natreza distinta. De que maneira a justiça é um meio-termo. V.a.1. O justo como o legal, e o justo como o proporcional e equitativo: o primeiro considerado. V.a.2. O justo como o proporcional e equitativo; distribuído em justiça distributiva e justiça retificatória. V.a.3. A justiça distributiva de acordo com proporção geométrica. V.a.4. A justiça retificatória, de acordo com proporção aritmética. V.a.5. A justiça nas trocas; reciprocidade de acordo com uma proporção. V.a.6. Justíça política e tipos análogos de justiça. V.a.7. Justiça natural e justiça legal. V.b. Sobre como a sua natureza intrínseca envolve escolha. V.b.8. A escala gradativa de ações errôneas. V.b.9. Pode um homem ser voluntariamente ser tratado de modo injusto? Será o distribuidor, ou o receptor, o culpado da injustiça na distribuição. A justiça não é tão fácil como pode parecer, pois não é uma maneira de agir, mas uma disposição interna. V.b.10. Equidade, um corretivo da justiça legal. V.b.11. Pode um homem tratar a si mesmo injustamente?

 

[14] Virtude é qualidade moral, é a disposição de um indivíduo de praticar o bem; e não é apenas uma característica, trata-se de uma verdadeira inclinação. Virtudes são todos os hábitos constantes que levam o homem para o caminho do bem. Há diferentes usos do termo relacionado à força, a coragem, o poder de agir, a eficácia de um ou a integridade da mente.

[15] Estoicismo foi uma escola da filosofia helenística fundada em Atenas por Zenão de Cítio no início do século III a.C. Ensinavam os estoicos que as emoções destrutivas resultam de erros de julgamento, e que um sábio, ou pessoa com "perfeição moral e intelectual", não sofreria dessas emoções. Afirma o estoicismo que todo o universo é corpóreo e governado por um logos divino (noção que os estoicos tomaram de Heráclito e desenvolvem). A alma está identificada com este princípio divino como parte de um todo ao qual pertence. Este logos (ou razão universal) ordena todas as coisas: tudo surge a partir dele e de acordo com ele, graças a ele o mundo é um kosmos (termo em grego que significa "harmonia"). O estoicismo propõe se viver de acordo com a lei racional da natureza e aconselha a indiferença (apathea) em relação a tudo que é externo ao ser. O homem sábio obedece à lei natural, reconhecendo-se como uma peça na grande ordem e propósito do universo, devendo assim, manter a serenidade perante tanto as tragédias quanto as coisas boas. Estoicos mais tardios tais como Sêneca e Epicteto enfatizaram que a virtude é suficiente para a felicidade, um sábio era imune aos infortúnios. Esta crença é semelhante ao significado de calma estoica, apesar de essa expressão não incluir as visões éticas radicais estoicas de que apenas um sábio pode ser verdadeiramente considerado livre, e que todas as corrupções morais são todas igualmente viciosas.