Educação: de Anísio Teixeira à era digital


PorAnônimo- Postado em 01 dezembro 2009

LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br)
Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Educação: de Anísio Teixeira à era digital. Disponível em http://www.lfg.com.br - 27 novembro. 2009
Anísio (Spínola) Teixeira (1900-1971), baiano, foi um educador renomado, que estudou nos Estados Unidos (Teachers College da Columbia University), trabalhou e escreveu muito sobre educação (só a editora da UFRJ publicou uma coleção de 12 livros escritos pelo autor citado). Adotou como método de evolução das suas ideias o diálogo que, como bem explicou Marcus Vinicius da Cunha (na apresentação do livro Educação e o mundo moderno, de Anísio Teixeira, Coleção Anísio Teixeira, v. 9, Rio de Janeiro: UFRJ, 2006), "é uma prática que, no campo da ciência, sempre transcorre em clima hostil-amistoso (Popper)". O trabalho científico nunca é fruto (só) de esforços individuais, posto que ele decorre da crítica recíproca entre pessoas desejosas de compartilhar conhecimentos.
No seu trabalho Filosofia e educação (escrito em 1959 e republicado no livro citado), Anísio Teixeira criticava a filosofia (educacional) de tipo platônico, que se caracteriza por um dualismo que se multiplica em outros dualismos como atividade e conhecimento, atividade e mente, autoridade e liberdade, corpo e espírito, cultura e eficiência, disciplina e interesse, fazer e saber, subjetivo e objetivo, físico e psíquico, prática e teoria, homem e natureza, intelectual e prático etc. Esses dualismos, na visão de Anísio Teixeira, "continuam impedindo a constituição da sociedade democrática, definida como sociedade em que haja o máximo de participação dos indivíduos entre si e entre os diferentes grupos sociais em que se subdivide a sociedade complexa, deversificada e múltipla em que se vem transformando a associação humana".
O grande problema contemporâneo (isto foi escrito em 1959) "continua a ser o da organização da sociedade democrática (...) A educação institucionalizada em escolas resiste, de todos os modos, à ação das novas idéias e novas teorias".
Tudo o que o professor Anísio Teixeira descrevia (e criticava) valia para a era da educação (e da cultura) falada e escrita, ou seja, para a era da educação broadcast (unilateral). Na era digital (da internet e da web), a educação tende a ser cada vez mais interativacional (interativa e, dependendo do modelo pedagógico, também motivacional), onde todos falam com todos (isto é: professor fala com professor, professor fala com aluno, aluno fala com aluno etc.).
A resistência das escolas, doravante, será cada vez mais difícil, porque as pessoas conseguem as informações fora dela (na web). O mundo da web é o mundo da informação (dos dados). Sobretudo na web 3.0 (que está chegando), as pessoas vão se interagir de modo extremamente produtivo (útil). É bem provável que o dualismo platônico (teoria e prática, intelectual e prático etc.) venha a desaparecer. Nós vamos, na internet e pela internet, ensinar e aprender a teoria e a prática, o fazer e o saber, o intelectual e o prático etc.
Houve época em que o mundo podia ser separado em físico e virtual. Isso deixou de fazer sentido. A web é o mundo (como dizem John Battelle e Tim O´Reilly, criadores da expressão web 2.0), porque o mundo está dentro dela. Todas as coisas e todas as pessoas já estão ou vão estar na web, projetando suas "sombras informativas" (que são todas as marcas das pessoas e das coisas na web: suas fotos postadas, suas opiniões emitidas, seus e-mails enviados, as músicas, os carros, os livros etc.). Em razão da capacidade fantástica dos sensores, a internet está ficando inteligente mais rápido que se podia imaginar. Duas características parecem decifrar a web 3.0: interatividade útil e inteligência.
Na era digital "a comunicação nos une, nos dá um contexto compartido e uma ideia compartida (...) A acumulação e o tratamento de tantos dados recolhidos pelas máquinas, sensores e humanos permitem integrar uma dimensão de "realidade aumentada", que é a capa de dados entre tu e o mundo que te faz mais inteligente sobre o que estás vendo".
Na internet (e na web) não existem barreiras para o conhecimento (assim como para a participação democrática das pessoas na construção da ciência), a não ser o próprio acesso a ela, que exige muita banda larga. Dentro de pouco tempo tudo (coisas, pessoas, teorias, teses etc.) estará dentro da web. A questão que se apresenta no mundo educacional é saber o que vai ser útil e o que não vai ser útil para o conhecimento.
É aqui que o professor vai desempenhar papel sumamente relevante: a de selecionar as informações disponíveis, separar o joio do trigo, o útil do inútil.
Uma outra questão relevante: para que serve esse conhecimento? De acordo com nossa visão, coincidente com Anísio Teixeira, John Dewey etc., o conhecimento (difundido pela web) tem que servir para a construção de uma sociedade mais democrática, mais civilizada, que se afaste do modelo platônico aristocrático (que dividia a sociedade em três categorias: os intelectuais, os científicos experimentais e os técnicos). Ainda existe muito preconceito contra o ensino técnico (e o trabalho técnico). Privilegiado é o ensino intelectualístico (e o saber intelectual).
Como podemos difundir esse conhecimento? Um bom rumo (um guia, uma orientação) a ser seguido na era da educação digital (interativa + motivacional) é a teoria do comportamento moral de Dewey, que consiste no seguinte: "comportamento moral é o que leva o indivíduo a crescer, e crescer é realizar-se mais amplamente em suas potencialidades. E como tais potencialidades somente se desenvolvem em sociedade, o indivíduo cresce tanto mais quanto todos os membros da sociedade crescerem, não podendo o seu comportamento prejudicar o dos demais porque com isto o seu crescimento se prejudica" (cf. Anísio Teixeira, Educação e o mundo moderno, cit., p. 42).

http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=2009112311172129