Análise da Equiparação Salarial na Terceirização


Porvinicius.pj- Postado em 11 outubro 2011

Autores: 
SANTOS, Dália Maria Maia

Resumo: Numa sociedade que busca o dinamismo nas relações de trabalho, é necessário traçar posicionamentos claros para solucionar questões que envolvem a relação triangular: empregador, empresa prestadora de serviços e empregado terceirizado. Desse modo, o trabalho visa analisar as relações do empregado terceirizado com a empresa tomadora de serviços, no que diz respeito a sua isonomia salarial. É importante o esclarecimento do tema da equiparação na terceirização, visto que, falta legislação específica para a matéria, causando divergências na doutrina, jurisprudência e nos julgados dos tribunais.

Palavras-chave: Terceirização. Equiparação Salarial. Igualdade.


1. Introdução

O presente artigo tem como escopo a análise da situação dos empregados terceirizados nas empresas tomadora de serviços e a possibilidade de equiparação ao salário dos empregados diretos de empresas que tomam tais serviços. Objetiva-se, assim, estudar a possibilidade de igualar o salário do empregado terceirizado ao empregado direto da empresa tomadora de serviços, quando exercem a mesma função. A análise se faz importante diante da realidade que o trabalhador terceirizado enfrenta pela precarização de sua mão de obra, e do caráter conflituoso do assunto em tela.

 Inicialmente, expor-se-á o tema da terceirização, pois este é o tipo laboral que o empregado terceirizado se insere, e sua relação com outras empresas se faz porque ele está inserido numa prestadora de serviços do terceiro setor. Abordar-se-á então, aspectos relevantes da terceirização, em seu aspecto conceitual e prático. Serão discutidas as implicações que a falta de legislação própria para a terceirização trazem para o trabalhador.

Em seguida, o assunto a ser tratado é o da Equiparação Salarial, pois parece necessário entrar no âmbito da matéria especificamente, antes de a correlacionarmos com a terceirização. Pertinente, então, aprofundarmos em tal matéria, para entendermos as situações em que se pode utilizar o instituto equiparatório.

Finalmente, será feita a devida análise do tema, abordando os posicionamentos dos principais doutrinadores do país, tais como Mauricio Godinho Delgado, Sergio Pinto Martins e Alice Monteiro de Barros; e as mais recentes decisões do tribunais quanto ao tema da isonomia para o empregado terceirizado. Assim serão citados alguns julgados recentes que abordam a dinâmica da Equiparação na Terceirização.

2. A Terceirização Trabalhista

A terceirização é um fenômeno resultante da dinâmica das relações de trabalho, que proporcionou o surgimento de uma nova forma de subordinação do empregado, estruturalmente distinta de formas anteriores. Apresenta-se com maior ou menor intensidade em quase todos os países. É assunto relativamente recente no Direito do Trabalho do país, assumindo clareza estrutural e certa amplitude apenas nas últimas três décadas do segundo milênio. Pode-se dizer de modo genérico, que a terceirização surge com o desemprego, pois quando o país passa por crises econômicas, os empresários buscam artimanhas para diminuir seus custos, entre elas, diminuir a mão de obra. Segundo Sérgio Pinto Martins (2010, p. 2), a noção de terceirização no Brasil surgiu por volta dos anos cinqüenta pelas multinacionais, pelo interesse que tinham na essência do seu negócio. A indústria automobilística é um exemplo de terceirização, ao contratar a prestação de serviços de terceiros para a produção de componentes do veículo para contribuir com a montagem final.

No Brasil, pode-se afirmar que o fator que impulsionou o fenômeno da terceirização foi a entrada das multinacionais no território do país. Na década de 50, do século XX, sobretudo a partir do governo de Juscelino Kubitschek, houve abertura do mercado interno à competição estrangeira, vindo aqui se instalar diversas empresas, muitas das quais já adotando a terceirização como forma de obter maior produção. À medida que novas empresas surgiram no mercado nacional com condições superiores de competição em comparação as indústrias locais, estas tiveram que encontrar uma saída para aumentar a produtividade, diminuir custos. Uma das soluções encontradas foi terceirizar, remetendo para terceiras a produção acessória.

Concernente a sua denominação, a expressão terceirização surge de um neologismo resultante da combinação entre a palavra “terceiro”, acrescido de “izar”, que dá sentido de ação. Terceiro deriva do vocábulo latino tertius, que seria o estranho a uma relação entre duas pessoas. O sentido de “terceiro” no fenômeno da terceirização não se resume a sua conotação jurídica, aquele que é estranho a uma relação jurídica entre duas partes, mas ao significado usado no ramo da administração de empresas. Outros nomes também têm sido usados para designar o fenômeno em estudo: terciarização, focalização, horizontalização, contrato de fornecimento, subcontratação e outras. Mas apesar de diversas denominações, sem dúvida é terceirização é a mais adotada no âmbito dos Tribunais e também da Administração.

Sob o enfoque jurídico, Maurício Godinho Delgado (2008, p. 430), conceitua:

“O fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição  clássica de empregadora desse trabalhador envolvido.”

A doutrina não é unânime ao conceituar a terceirização. Alguns ressaltam seus aspectos econômicos, outros, os administrativos, ou ainda as suas nuances jurídicas. Um dos autores que se apressam em destacar o aspecto relacionado à administração de empresas é Rubens Ferreira de Castro (HENRIQUE, apud, DE CASTRO, 1997, p. 78), para quem a terceirização seria uma moderna técnica de administração de empresas que visa o fenômeno da competitividade empresarial através da distribuição de atividades acessórias a empresas especializadas nessa atividade, a fim de se concentrarem na organização, no controle e na direção da atividade principal.

Sérgio Pinto Martins ensina que, a terceirização consiste na contratação de terceiros para a realização de atividades que geralmente não constituem o objeto principal da empresa. A contratação compreende a produção de bens como serviços, como no caso de contratação para serviços de limpeza. Terceirização da atividade diz respeito à empresa e a terceirização da mão de obra ao serviço. Para esse autor é uma forma de contratação que agrega a atividade-fim de uma empresa, a que presta os serviços, à atividade-meio de outra, com a finalidade de ajuda mútua e complementariedade.

A respeito do objetivo da terceirização, Alice Monteiro de Barros (2010, p. 357) contribui:

Teoricamente, o objetivo da terceirização é diminuir os custos e melhorar a qualidade do produto ou do serviço. Alguns especialistas denominam esse processo de “especialização flexível”, ou seja, aparecem empresas, com acentuado grau de especialização em determinado tipo de produção, mas com capacidade para atender a mudanças de pedidos de seus clientes. Há exemplos desse processo na região centro-norte da Itália e também no Japão.

A autora não vê a terceirização como solução aos problemas empresariais, pois requer muita cautela no ponto de vista econômico e cuidados redobrados do ponto de vista jurídico para adotar a mão de obra terceirizada.

O fenômeno da terceirização impõe uma relação triangular, onde exista aquele que de fato labora, presta serviços, a empresa que se beneficia destes serviços e entre eles a empresa empregadora do trabalhador, uma empresa especializada que é contratada pela tomadora para prestar determinados serviços. Para que seja hipótese de terceirização lícita, obrigatoriamente deve existir a empresa prestadora de serviços, empregadora do trabalhador que labora na empresa tomadora, sendo que aquela deve ter efetiva estrutura. Desse modo é necessário que esta empresa exista, esteja regularmente constituída, registrada, não basta que exista uma empresa na aparência. Deve de fato ser empresa, preenchendo todos os requisitos exigidos pela lei laboral, no artigo 2° da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), para tal caracterização.

A relação de trabalho estabelecida deve se dar de fato e de direito, entre o empregado e sua empregadora, a empresa interposta. Caso os elementos fáticos jurídicos da relação de emprego estejam presentes entre o empregado e a empresa tomadora, não será caso de terceirização lícita. A pessoalidade é atributo da relação empregatícia. Esta é, sem dúvida, intuitu personae, ou seja, tem em vista as características pessoais do empregado, não podendo, em regra, ser substituído. Contrata-se determinado empregado em razão de suas características pessoais, tendo em mente suas habilidades.

Várias são as hipóteses de terceirização lícita juridicamente delimitadas, e algumas previstas em lei. Para Maurício Godinho Delgado (2008, p. 441), as situações-tipo de terceirização estão bem definidas pelo texto da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Estão constituídos quatro grupos de situações sócio-jurídicas delimitadas.  Primeiramente, situações empresariais que autorizem contratação de trabalho temporário. Essas situações estão expressamente especificadas pela lei 6.019 de 1974, então, ou se trata de necessidades transitórias de substituição de pessoal regular e permanente da empresa tomadora ou se trata de necessidade de algum acréscimo de serviço dessa empresa. A segunda situação, atividades de vigilância, regidas pela lei 7.102 de 1983. Delgado ressalta que, vigilante não é vigia. Este empregado não especializado, que se vincula ao ente tomador de seus serviços. O vigilante é membro de categoria especial, diferenciada, diferente do vigia, que se submete às regras da categoria definida pelo seu empregador, já o vigilante submete-se as regras próprias, sobre a estrutura e dinâmica da própria entidade empresarial. A próxima situação é a que envolve atividades de conservação e limpeza. Essa atividade foi uma das primeiras a ensejar a prática terceirizante no mercado de trabalho privado do país, ainda quando vigorava a antiga Súmula 256 do TST, porém, um rol semelhante já se encontrava expressamente referido no texto da lei 5.645, de 1970. O quarto grupo de situações tipo de contratação é a de serviços especializados ligados a atividade meio do tomador. Envolve atividades não expressamente discriminadas, mas que se caracterizam pela situação de não se ajustarem às atividades-fim do tomador.

Sérgio Pinto Martins (2010, p 160) estabelece a distinção entre a terceirização lícita e a ilícita:

A terceirização legal ou lícita é a que observa os preceitos legais relativos aos direitos dos trabalhadores, não pretendendo fraudá-los, distanciando-se da existência da relação de emprego. A terceirização ilegal ou ilícita é a que se refere à locação permanente de mão de obra, que pode dar ensejo a fraudes e a prejuízos aos trabalhadores.

A jurisprudência possui um papel relevante na construção do Direito. No tema da terceirização é de grande importância o posicionamento dos tribunais, embasado em enunciados de súmulas do TST, sobretudo em razão da falta de norma específica a respeito do tema. Em razão da falta de normas em torno de relevante fenômeno sócio jurídico, a jurisprudência passou por um processo exaustivo de atividade interpretativa, em busca de assimilar as inovações laborais à realidade normativa do país.

Dando novo rumo ao tratamento do tema, é aprovada a Súmula 331, que trata especificamente da terceirização. O novo enunciado rever os anteriores, minuciosamente, em quatro incisos de assuntos, inclusive, que não eram previstos na antiga Súmula 256, como os serviços prestados a Administração Pública e os serviços de limpeza. A aprovação se deu pela Resolução Administrativa n 23 do ano de 1993, tendo sido publicada no Diário da Justiça da União em 21/12/1993, com a seguinte redação:

“Contrato de Prestação de Serviços – Legalidade”

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). (Revisão do Enunciado nº 256 - TST)

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pela Res. processual e constem 96/2000, DJ 18.09.2000)

Percebe-se que em 2000, o inciso IV receberia uma nova redação, para esclarecer que a responsabilidade subsidiária ali presente também abrangeria órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista.

3. Equiparação Salarial na Terceirização

Para entender melhor o tema da equiparação salarial vale ressaltar a exposição de Maurício Godinho Delgado (2008, p. 789) que a conceitua como, “a figura jurídica mediante a qual se assegura ao trabalhador idêntico salário ao do colega perante o qual tenha exercido, simultaneamente, função idêntica, na mesma localidade, para o mesmo empregador. Ademais, explica que o colega comparado é chamado de paradigma ou espelho e o trabalhador interessado na equalização recebe a denominação de equiparando, paragonado ou ainda comparado.  

Para a configuração da equiparação salarial a doutrina estabeleceu os elementos constantes no artigo 461 da CLT como requisitos necessários para seu atendimento. Importante pontuar tais requisitos para entender a equiparação e para relacioná-la à figura da terceirização, foco do trabalho.

 O autor Maurício Godinho Delgado estabelece quatro requisitos da equiparação salarial: identidade da função exercida, identidade de empregador, identidade de localidade de exercício das funções, simultaneidade nesse exercício. Considera que os três primeiros requisitos estão diretamente fixados no caput do artigo 461. O quarto requisito surgiu da leitura da jurisprudência e da doutrina em relação ao tema.  Sérgio Pinto Martins na sua doutrina estabelece os mesmos requisitos, porém acresce trabalho de igual valor e inexistência de quadro organizado em carreira para tal configuração.

O princípio da igualdade salarial contido na CLT prevê a igualdade para trabalho que corresponde mesmo valor, independente de sexo, acresce também vedação à diferença de salário por razões de nacionalidade e idade. Nota-se que tais princípios são essenciais a segurança jurídica dos trabalhadores terceirizados, quando estes se encontram na situação de terceirização ilícita. A isonomia serviria para assegurar ao trabalhador ilicitamente terceirizado o direito às verbas trabalhistas legais aplicadas aos empregados da empresa tomadora.

No caso de terceirizados contratados licitamente, os princípios garantidores da isonomia remuneratória sofrem resistência no que tange a sua aplicação pelo ordenamento jurídico. Porém nota-se necessário a criação de um padrão de contratação mais adequado ao terceirizado, visto que a própria ordem constitucional condena diferenciação entre empregados. Sobre o assunto Godinho aduz (2008, p. 467):

                                                                                           

A combinação de todos esses significativos preceitos constitucionais confere suporte à interpretação isonômica mais avançada no sentido de que a contratação terceirizada não poderia, juridicamente, propiciar tratamento discriminatório entre o trabalhador terceirizado e o trabalhador inserido em categoria ou função equivalente na empresa tomadora de serviços. Em virtude do parâmetro constitucional analisado, seria devido, em tais situações, o chamado salário equitativo, hábil a assegurar a correspondência isonômica entre os respectivos profissionais.

A Consolidação das Leis do Trabalho também possui no mesmo sentido da Constituição regras sobre a não discriminação no trabalho. O artigo 5º da CLT diz que a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo. A contratação mediante terceirização não pode criar padrão de contratação inferior àquele que caracteriza o trabalhador submetido a contrato empregatício típico. Assim, a forma terceirizada da contratação não pode obrigar o empregado a perceber salário inferior aos outros empregados da tomadora dos serviços, prática perceptivelmente discriminatória.

Note-se que a ordem jurídica regulamentadora da terceirização temporária sempre assegurou a observância desse tratamento antidiscriminatório, ao garantir ao obreiro terceirizado remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora ou cliente, calculados à base horária no artigo 12, alínea "a" da Lei n. 6.019/ 74. Dessa forma, se o critério já se estendia de modo expresso, até mesmo à terceirização de caráter provisório, pode-se concluir que a ordem jurídica, implicitamente, consideraria aplicável o mesmo critério às terceirizações de longo prazo, as chamadas terceirizações permanentes.

4. Posicionamentos da doutrina e jurisprudência

O tema da equiparação salarial na terceirização de serviços é matéria de muitas controvérsias e de correntes divergentes na doutrina, que se diferencia em muitos aspectos, porém, nota-se a existência de duas correntes preponderantes. A primeira corrente considera não caber equiparação salarial do trabalhador terceirizado, contratado licitamente, com o empregado da empresa tomadora dos serviços, visto que para tal corrente, os empregados não possuem o mesmo empregador, ou seja, não há um dos requisitos para se considerar a equiparação, o de terem mesmo empregador. Mas não se deve esquecer que um caminho a ser seguido para considerar a isonomia está também na nossa Carta Maior, quando em seu artigo 5º, caput, ab initio e inciso I, garante a observância da isonomia.

Alice Monteiro de Barros, assim se posiciona perante este assunto:

A isonomia a que alude o artigo 461 consolidado aplica-se excepcionalmente quando se trata de empregadores diferentes, ou seja, na hipótese de trabalhador temporário, cuja remuneração deverá ser a mesma daquela auferida por empregado de idêntica função da empresa tomadora ou cliente, conforme comando contido na Lei nº 6.019 de 1974. O mesmo raciocínio se aplica, por força do artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, à terceirização, ou seja, aos empregados contratados por empresas prestadoras de serviços para prestarem serviços a outras empresas, do contrário haverá séria violação ao princípio constitucional da isonomia. (BARROS apud  FILADELFO, 2010, p. 3).

Não contrariando as considerações de Alice Monteiro de Barros, Godinho (2008, p. 466) ainda esclarece como deve ser aplicada essa isonomia aduzindo que tal isonomia seria assegurada ao trabalhador ilicitamente terceirizado garantindo a ele todas as verbas trabalhistas previstas na lei e nas normas aplicáveis ao empregado cumpridor da mesma função na entidade estatal tomadora dos serviços. Ou, todas as verbas trabalhistas legais e normativas próprias à função específica exercida pelo trabalhador terceirizado junto à entidade estatal beneficiada pelo trabalho.

Maurício Godinho (2008, p. 447) deixa seu ponto de vista claro quando afirma o seguinte:

Há regras da própria legislação ordinária que indicam na direção isonômica constitucionalmente determinada: é o que se passa com o art. 12, “a”, da lei n. 6.019/74 (que fixa o salário equitativo no trabalho temporário). Ora, tal preceito é plenamente compatível com as demais situações-tipo de terceirização, aplicando-se analogicamente a tais casos (arts. 8 º, CLT e 125, CPC) : é que se a isonomia impõe-se até mesmo na terceirização temporária, de curto prazo, muito mais necessária e logicamente ela impor-se-á nas situações de terceirização permanente – em que a perversidade da discriminação é muito mais grave, profunda e constante.

Visão contrária a segunda corrente, Sérgio Pinto Martins não considera o cabimento da equiparação salarial aos empregados terceirizados, pois afirma que a regra presente no artigo 12 da lei 6.019, que assegura a equivalência salarial, é garantia prevista apenas ao trabalhador temporário, e que não se deve aplicar a analogia para outras situações laborais. Assim, (MARTINS, 2010, p. 136):

No meu entendimento não é possível haver equiparação salarial ou igualdade de salário entre empregado de empresa prestadora de serviços e empregado pertencente à tomadora, pois os empregadores são distintos. A exceção diz respeito ao empregado da empresa de trabalho temporário, que tem de receber a mesma remuneração do empregado da tomadora, com fundamento na alínea a do artigo 12 da Lei n° 6.019/74.

Com o intuito de driblar os questionamentos acerca do cabimento ou não de equiparação a trabalhadores terceirizados, os tribunais têm lançado orientações diversas quanto ao tema tratado. Algumas, pronunciando igualdade ao terceirizado, outras não considerando equiparação ao empregado, mas como o direito do trabalho é dinâmico, os tribunais têm considerado a peculiaridade de cada situação.

 Atualmente grande parte da jurisprudência vem confirmar o direito de equivalência de salários e direitos na terceirização ilícita. Porém, não se deve esquecer que em casos de terceirizações ilícitas, já se tem considerado o vínculo direto do trabalhador, ou seja, passa a ser empregado direto com direitos a todas as verbas trabalhistas de um empregado diretamente contratado. Como exemplo, uma decisão da Corte Superior Trabalhista, que em suma expõe:

Recurso de revista. Equiparação salarial. Terceirização. Diferenças. A atual jurisprudência da SDI-1 deste Tribunal já decidiu pela possibilidade de isonomia salarial entre os empregados da tomadora de serviços e da empresa terceirizada desde que o terceirizado preste serviços, em atividade-fim, em igualdade de condições com os empregados da tomadora. (E-ED-RR-655028/2000.1, relatora ministra Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, DJ 25-05-2007.) Recurso conhecido e provido”. (TST. RR - 854/2005-004-21-00. Ac. 3ª Turma. Relator ministro Carlos Alberto Reis de Paula. Publicação: DJ – 08-02-2008.)

O julgado seguinte é uma situação em que o Tribunal não considerou a equiparação. Seja por não assegurar a analogia, ou por não considerar o vínculo da tomadora com o empregado da prestadora de serviços. Demonstrando assim, a diversidade de opiniões quanto ao tema, e a falta de legislação específica.

TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA - ISONOMIA ENTRE EMPREGADOS DAS EMPRESAS PRESTADORA E TOMADORA DOS SERVIÇOS - IMPOSSIBILIDADE. 1. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, os empregados de empresa prestadora de serviços não têm direito ao recebimento das vantagens salariais inerentes à categoria dos empregados da empresa tomadora dos serviços, em face do princípio da isonomia, quando nem sequer foi reconhecida a existência de vínculo empregatício com a referida tomadora. 2. Com efeito, é possível a responsabilização subsidiária da tomadora dos serviços (Súmula 331 do TST) pelos direitos trabalhistas não honrados pela prestadora dos serviços, mas sempre tendo por base aqueles próprios da categoria à qual pertence a empresa prestadora, sendo certo que os referidos empregados têm direito apenas às mesmas condições ambientais de trabalho, por laborarem no mesmo local. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido”. Processo: RR - 46200-93.2009.5.13.0024 Data de Julgamento: 13/10/2010, Relatora Ministra: Maria Doralice Novaes, 7ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 22/10/2010.]

No dia 26 de abril de 2010 o Tribunal Superior do Trabalho publicou a Orientação Jurisprudencial (OJ) 383, pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais. Composta por quatorze ministros, o órgão é revisor das decisões das Turmas e unificador da jurisprudência do TST. O quorum mínimo é de oito ministros para o julgamento de agravos, agravos regimentais e recursos de embargos contra decisões divergentes das Turmas ou destas que divirjam de entendimento da Seção de Dissídios Individuais, de Orientação Jurisprudencial ou de Súmula.

O teor da OJ 383 é o seguinte:

OJ-SDI1-383 TERCEIRIZAÇÃO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E DA TOMADORA. ISONOMIA. ART. 12, “A”, DA LEI N.º 6.019, DE 03.01.1974 (DEJT divulgado em 19, 20 e 22.04.2010) A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei n.º 6.019, de 03.01.1974.

Apesar de a orientação tratar da equiparação na administração pública, percebe-se que pela analogia presente no próprio corpo do enunciado, também se aplica a regra para entidades privadas. Portanto, ao aplicar a norma de forma analógica, a OJ 383 do TSTabre a possibilidade de aplicar a empresas privadas os mecanismos de isonomia salarial aos trabalhadores terceirizados em comparação com os trabalhadores regulares, evitando a fraude trabalhista.

Por fim, segue julgado que utiliza a OJ 383 para solucionar processos trabalhistas:

TERCEIRIZAÇÃO. ISONOMIA SALARIAL. POSSIBILIDADE. OJ-SBDI-1-TST-383. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho consolidou o entendimento de que é possível a isonomia salarial entre os empregados da empresa prestadora de serviços e aqueles da empresa tomadora de serviços que exerçam as mesmas funções. Jurisprudência que reafirma as diretrizes constitucionais de valorização do trabalho (artigo 1º, IV, da Constituição Federal) e proibição de diferença de salários e distinção entre profissionais (artigo 7º, XXX e XXXII, da Constituição Federal). Recurso de revista não conhecido. Processo: RR - 94700-50.2006.5.04.0121. Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires, 3ª Turma. 

5. Considerações Finais

           Ao longo da exposição do trabalho, percebeu-se a importância de uma legislação aplicável ao tema da terceirização. Apesar de não ser tão recente, o trabalho deste terceiro setor, da prestação de serviços, tem sido largamente utilizado no país da ultima década em diante. As empresas com o intuito de cortar gastos acabam por optar pela terceirização de suas atividades-meio, pois, contratar um empregado direto custa mais caro para a empresa.  Há situações em que o interesse da empresa tomadora é apenas de repassar para o terceiro setor atividades que não são essências e que muitas vezes tomam o tempo dos empregados diretos, atrapalhando a produtividade da empresa.

 Não há duvidas da importância das atividades das empresas prestadoras de serviços para o desenvolvimento do país, e também na criação de empregos, faz-se então, necessário oferecer aos empregados terceirizados salários adequados, assim, a falta de lei própria só contribui para a formação de terceirizações ilícitas, ou mesmo terceirizações lícitas, mas que não oferecem salários compatíveis com as atividades realizadas.

Ademais, a falta de legislação específica gera uma série de correntes e pensamentos divergentes, que apesar de aparentemente ser uma situação saudável, podem gerar injustiças para quem trabalha para o setor. Como foi explanado nos capítulos anteriores, não há unanimidade na doutrina do país quanto ao tema da equiparação salarial do empregado terceirizado, tanto a corrente que defende a igualdade de salários e os que não consideram o cabimento se baseiam nos mesmos ordenamentos jurídicos, a Constituição da República, a CLT, e a Lei do Trabalhador Temporário, isto é a legislação pátria.

Com a leitura dos capítulos do presente trabalho percebeu-se que, assim como a doutrina, a jurisprudência não possui um posicionamento concreto acerca da equiparação salarial na terceirização. E percebeu-se mais, que não há unanimidade no que tange à equiparação remuneratória propriamente dita, o que mostra ainda mais a complexidade da matéria.

Devido a tal complexidade, em abril de 2010 o TST editou a Orientação Jurisprudencial 383, igualando o salário do trabalhador terceirizado aos empregados das empresas da administração pública, quando estes exerciam as mesmas funções. Porém, como a OJ não tem mesma força de lei, há julgados recentes que não se orientam na proposta da OJ. Outro questionamento levantado foi o de se poder utilizar a orientação somente em situações do empregador ente público. Como o corpo do texto da OJ não faz limitação, acredita-se que se pode utilizar a orientação em casos do tomador de serviço ser um ente privado.

Dessa forma, diante da análise do trabalho, reforça-se a necessidade de legislação específica ao tema da equiparação salarial na terceirização de serviços, para que, verdadeiramente, possa fazer jus aos princípios basilares da igualdade e da isonomia contidos no artigo 7º, XXX, XXXI, XXXII, da Carta Maior, e nos artigos 460 e 461 da CLT, no que tange ao salário igual, pois é visível a precarização dessa forma de atividade pela falta de previsão legal. Além de ser uma solução para a controvérsia da doutrina e jurisprudência, e principalmente nas decisões dos tribunais.


5. Referências

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: Ltr, 2010.

BRASIL. Lei n. 6.019 de 03 de janeiro de 1974. Dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências. 

BRASIL. TST. RR - 46200-93.2009.5.13.0024. Data de Julgamento: 13/10/2010, Relatora Ministra: Maria Doralice Novaes, 7ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 22/10/2010.

BRASIL. TST. RR - 854/2005-004-21-00. Ac. 3ª Turma. Relator Ministro: Carlos Alberto Reis de Paula. Publicação: DJ – 08-02-2008.      

CORREIA DE MELO, Bruno Herrlein. A igualdade aristotélica e o princípio da isonomia salarial. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 954, 12 fev. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7948>. Acesso em: 13 set. 2010.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo-SP: Ltr, 2008.

FILADELFO, Giovana Cardoso. Terceirização ilícita e seus efeitos - cabimento da isonomia salarial. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 86, 01/03/2010 [Internet]. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9225. Acesso em 15/09/2010.

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