Acesso à justiça: conceito, problemas e a busca da sua superação


Porbarbara_montibeller- Postado em 03 abril 2012

Autores: 
SOUZA, Wilson Alves de

SUMÁRIO: 1. Conceito de acesso à justiça. Noções gerais. 2. O problema educacional e o problema socioeconômico. 2.1. Tentativas de solução. 3. O problema cultural. 3.1. Tentativas de solução. 4. Mais uma vez o problema econômico: o custo do processo. 4.1. Tentativas de solução. 4.1.1. Gratuidade do acesso à justiça (gratuidade da justiça, assistência jurídica e assistência judiciária). 4.1.2. Gratuidade da justiça: dispensa do pagamento de taxas, custas e toda e qualquer despesa processual. 4.1.3. Assistência jurídica e assistência judiciária gratuitas. 4.1.4. Sobre a conveniência ou inconveniência da cobrança de taxa judiciária. 5. Processo e tempo: o problema da duração do processo. 5.1. Tentativas de solução. 5.1.1. Instituição de órgãos jurisdicionais especiais de pequenas causas. 5.1.2. Instituição de órgãos jurisdicionais leigos. 5.1.3. Incentivo à arbitragem. 5.1.4. Política legislativa e hermenêutica judicial no sentido de facilitar a tutela jurisdicional dos direitos coletivos (difusos e coletivos em sentido estrito) e individuais homogêneos. 6. Bibiliografia.  

 

 

 

 

 

1. Conceito de acesso à justiça. Noções gerais.

 

 

O conceito de acesso à justiça não pode ser examinado sobre um enfoque meramente literal, vale dizer, não há lugar, na atualidade, para a afirmação de que acesso à justiça significa apenas manifestar uma postulação a um juiz estatal, como se isso fosse suficiente para garantir ao cidadão o direito tão somente a uma porta de entrada.

 

            Em linhas gerais, o conceito (jurídico) de acesso à justiça vai muito além do sentido literal. Significa também o direito a um devido processo, vale dizer, um processo carregado de garantias processuais, um processo equitativo (justo), que termine num prazo mínimo razoável e produza uma decisão eficaz.

 

            Com efeito, obviamente que há que se garantir a porta de entrada. O Estado terá que instituir órgãos jurisdicionais e permitir que as pessoas tenham acesso aos mesmos. Mas isso é elementar. Veja-se que o Estado monopolizou o poder jurisdicional, e isso a um ponto tal que, em geral, qualifica como crime o exercício da autotutela. Portanto, mais do que uma razão jurídica, a colocação de tribunais à disposição das pessoas é um corolário lógico.

 

            Se é indispensável uma porta de entrada, necessário igualmente é que exista uma porta de saída, quer dizer, de nada adiantaria garantir-se o direito de postulação a um juiz sem um devido processo em direito, isto é, sem um processo provido de garantias processuais, concretizadas em princípios jurídicos essenciais, como o princípio do contraditório, da ampla defesa, do direito à produção de provas lícitas, da ciência dos atos processuais, do julgamento em tempo razoável, da fundamentação das decisões, da eficácia das decisões, de um julgamento justo, etc.

 

 

2. O problema educacional e o problema socioeconômico.

 

 

           O problema do acesso à justiça começa no plano educacional. Esse é o ponto de partida, isto é, pode-se mesmo dizer que o acesso à justiça começa a partir da possibilidade de conhecer os direitos e, quando violados, os mecanismos para exercê-los, na medida em que o conhecimento dos direitos, em larga medida, passa inicialmente pela informação.[1]Esse é um problema que varia a depender do nível educacional do povo de cada país. A realidade é que um cidadão desprovido de educação normalmente ignora os direitos que tem, não sabe se seus direitos foram violados e nem como buscar tutelá-los em caso de violação. O Brasil, com sua massa de aproximadamente vinte milhões de analfabetos,[2]sem contar os chamados analfabetos funcionais (os formalmente alfabetizados, mas que são incapazes de compreender ou elaborar uma frase de menor complexidade ou de realizar operações aritméticas simples, em decorrência de deficiências do sistema fundamental de ensino, principalmente do ensino público), é um péssimo exemplo, nesse ponto, de dificuldade de acesso à justiça.[3]

 

            É claro que o problema é muito relativo, na medida em que a depender da maior ou menor complexidade de determinado conflito jurídico um analfabeto sabe os direitos que tem e como tutelá-los jurisdicionalmente, e, de outro lado, um letrado, mesmo sendo uma pessoa com formação jurídica, pode ignorar certos direitos. Mesmo que se limite o problema do conhecimento ao nível jurídico, ninguém em estado de saúde mental normal é ignorante a respeito de tudo, do mesmo que não se pode afirmar que o mais escolarizado e mais informado dos homens sabe tudo, mesmo no campo da sua especialidade do saber, sobretudo hoje quando a própria vida jurídica se torna cada vez mais complexa com a expedição de atos legislativos a todo momento, inclusive pelo próprio Poder Executivo.[4]Nesse contexto, nem mesmo é tão rara assim a hipótese de advogados prestarem má orientação aos seus clientes, fazendo postulações manifestamente descabidas ou deixando de postular direitos violados, ou juízes julgarem causas aplicando leis revogadas, em ambos os casos por mera ignorância. No entanto, é inegável que, em média, quanto maior o preparo educacional das pessoas maior a possibilidade do conhecimento dos direitos e de como tutelá-los jurisdicionalmente em caso de sua violação. Tudo isso sem contar os indigentes, os deserdados do mundo, os párias da sociedade, que vivem (ou vegetam?) na miséria absoluta, que não sabem de onde vieram nem sabem para onde ir. Esses, como diz com expressividade Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, “não têm condições sequer de ser partes – os “não partes” são pessoas absolutamente marginalizadas da sociedade, porque não sabem nem mesmo os direitos de que dispõem ou de como exercê-los; constituem o grande contingente de nosso país”.[5]

 

            Deste modo, a falta de informação está estritamente ligada à condição socio-econômica das pessoas. Há uma evidente tendência a que quanto maior o nível de pobreza das pesssoas mais baixo o seu status social e menor o nível de informação, como também, como percebido por Boaventura de Sousa Santos, “quanto mais baixo é o estrato socio-econômico do cidadão menos provável é que conheça advogado ou que tenha amigos que conheçam advogados, menos provável é que saiba onde e como e quando pode contatar o advogado, e maior é a distância geográfica entre o lugar onde vive ou trabalha e a zona da cidade onde se encontram os escritórios de advocacia e os tribunais”.[6]

 

            Percebe-se, assim, que o problema da informação está relacionado com o princípio democrático, na medida em que quem não está informado dos seus direitos não tem como exercê-los, vale dizer, não está a participar da vida democrática, de maneira que para essas pessoas não se pode, nesse passo, falar em funcionamento da democracia.[7]

 

 

2.1. Tentativas de solução.

 

           

            A tentativa de solução deste problema está nas políticas governamentais, em investimentos maciços e bem orientados em educação e numa melhor divisão da renda do país de modo a que todos os cidadãos tenham condições dignas de vida. Esse talvez seja o mais relevante dado para melhorar o acesso à justiça. É que estamos convencidos de que, em geral, quanto mais economicamente desigual, quanto menos educada e informada uma sociedade maior a existência de conflitos entre os seus componentes. Aliás, a democracia começa aí. Só se pode afirmar que um Estado é efetivamente democrático se ele oferece igualdade de oportunidades a todos os seus cidadãos, e a tentativa dessa igualdade começa pela disponibilidade de acesso à escola pública gratuita e de qualidade a todos que não podem pagar, porque evidentemente que mais para frente será disparatada a diferença de oportunidades na vida entre aqueles que frequentaram e aqueles que não frequentaram escolas de qualidade. Assim, também não podemos afirmar como efetivamente democrático um Estado que imprima uma política econômica fundada numa elevada desigualdade da renda. Não se pode, é óbvio, exigir uma divisão econômica absoluta entre as pessoas. Os seres humanos são semelhantes mas ao mesmo tempo são diferentes sob diversos aspectos. No entanto, não se pode tolerar o aprofundamento dessas diferenças por força de política econômica que ao invés de avançar para reduzir as desigualdades entre as pessoas aprofunda essas desigualdades. Determinados governantes esquecem de pensar globalmente, ou seja, não se dão conta, como visto acima, de que aquilo que se deixa de investir em educação exige um investimento maior a posteriori em saúde, em segurança pública, em justiça, etc.

           

 

3. O problema cultural.

 

           

            O problema cultural também afeta gravemente o direito de acesso à justiça. Tal problema também tem uma relação direta com o problema educacional e com o problema socioeconômico, mas em menor extensão.

 

            A própria profissão de advogado, por envolver contrato de mandato para a defesa de interesses pessoais, gera uma certa desconfiança dos clientes. Muita gente deixa de contratar um advogado por falta de confiança. Essa cultura da desconfiança sem dúvida que é mais marcante dentre as pessoas mais pobres, o que significa dizer que há uma tendência a que este problema se mostre mais acentuado nos países menos desenvolvidos, o que não significa dizer que também não esteja presente em países desenvolvidos.[8]Trata-se, pois, de uma questão de cultura impregnada no seio de determinada sociedade. Essa desconfiança se agrava quando eventuais desvios éticos e jurídicos  –  estamos abertamente a falar de hipóteses, como a não prestação de contas a clientes, o patrocínio infiel, etc  –  nem sempre são punidos pelos órgãos encarregados de fiscalizar o exercício da advocacia.

 

            O fator desconfiança não se limita aos advogados, é dizer, expande-se também aos agentes do Poder Judiciário (juízes) e do ministério público. Muitas pessoas simplesmente não acreditam na imparcialidade de tais agentes.[9]Aqui também há um agravamento da desconfiança quando os órgãos encarregados de fiscalizar os juízes e os membros do ministério público deixam de punir eventuais desvios éticos e jurídicos  –  estamos abertamente a falar de hipóteses de corrupção financeira (vender sentenças ou pareceres, respectivamente) ou política (proferir sentenças ou pareceres para agradar os donos do poder e obter favores na carreira profissional ou de outra natureza)  –  eventualmente por alguns deles praticados.

 

            Outro problema cultural está no plano dos próprios agentes do Poder Judiciário e do ministério público, os quais, muitas vezes, fechados em si mesmos, carregados de cerimônias e formalidades desnecessárias, como as vestes talares, intimidam os cidadãos mais humildes, o que contribui muito fortemente para dificultar o acesso à justiça. Seguramente o respeito que os agentes do Poder Judiciário estão a merecer dos jurisdicionados não está na preservação dessa cultura ultrapassada, mas sim numa prestação jurisdicional ética e eficiente.

 

 

3.1.Tentativas de solução.

 

 

Como visto acima, a busca da solução do problema econômico e do problema educacional certamente que contribuirá pesadamente para minorar o problema cultural. A realidade, no entanto, é que problema cultural é de dificílima solução. A cultura de um povo não muda da noite para o dia.

 

            Sem dúvida que a solução aqui está na dura, difícil e constante tarefa de se exigir conduta ética a todos os cidadãos, e em particular a todos os chamados operadores do direito. De outro lado, não há dúvida de que em caso de eventuais desvios éticos o efetivo funcionamento dos órgãos de fiscalização do exercício da advocacia, do ministério público e da magistratura no sentido de punir rigorosamente eventuais desvios éticos de alguns desses profissionais em muito contribuirá para estabelecer a confiança daqueles que necessitam ter acesso à justiça como clientes, em relação aos advogados, e como jurisdicionados, em relação aos juízes, membros do ministério público e servidores.

 

            A cultura impregnada no âmbito dos tribunais com a prática de desnecessárias formalidades, a exemplo das vestes talares é muito antiga. Certamente que esta cultura não mudará instantaneamente. De tão antiga que é, de tão arraigada que está, certamente que demandará muito tempo para mudar. A exigência do uso de vestes talares pelos magistrados em determinados meios chega a ser exigência legal.[10]Poderá parecer que este venha ser um assunto de menor importância. No entanto, a verdade é que tais formalidades, de um lado, em nada ajudam para a eficiência da prestação do serviço jurisdicional e, de outro lado, conforme salientado acima, contribuem para dificultar o acesso à justiça, na medida em que servem para intimidar o cidadão humilde e, assim, afugentá-lo mais ainda do ambiente judiciário.

 

 

4. Mais uma vez o problema econômico: o custo do processo.

 

 

            O processo exige um custo altamente considerável ante a necessidade de investimento por parte do Estado em prédios, equipamentos, material de uso corrente, servidores, juízes, etc. No objetivo de tentar cobrir tais investimentos não raro os Estados costumam cobrar taxas pela prestação do serviço jurisdicional.

 

            Cumpre indagar se é ou não correta a política de cobrança de taxas pela prestação do serviço jurisdicional. Pode-se especular afirmando que a gratuidade de tal serviço pode estimular a litigiosidade. Ora, o conflito é da natureza humana, existe antes e fora do processo, e não pelo fato de não se pagar pela prestação do serviço jurisdicional. Pensamos que o litígio é tão desgastante do ponto de vista emocional que não cremos que as pessoas se disponham a litigar perante o Poder Judiciário apenas em virtude da gratuidade dos processos. Observe-se que o processo também tem, sob outra perspectiva, de todo modo, um elevado custo para os litigantes, porque têm que pagar advogados e, não raro, despesas com peritos, assistentes técnicos, etc. Mesmo nos Estados em que o ônus da sucumbência é imposto ao vencido, o resultado do julgamento de uma causa é sempre indefinido, de maneira que as taxas judiciárias representam mais um obstáculo para o acesso à justiça.[11]

 

 

4.1. Tentativas de solução.

 

 

4.1.1. Gratuidade do acesso à justiça (gratuidade da justiça, assistência jurídica e assistência judiciária).

 

 

            O conceito de gratuidade da justiça se refere apenas à garantia conferida ao cidadão de ter acesso à justiça sem necessidade de pagamento de taxa judiciária, custas e toda e qualquer outra despesa processual independentemente do resultado do julgamento da causa. Abrange o direito de não pagar honorários de advogado da parte contrária em caso de sucumbência na demanda. A concessão gratuita de advogado para demandar é uma situação que está envolvida no conceito de assistência judiciária, que é mais restrito e, de sua vez, está envolvido no conceito de assistência jurídica, este bem mais amplo porque envolve o serviço de defender os direitos do cidadão em juízo (assistência judiciária) e o serviço de orientação profissional, respostas a consultas, etc. Qualificamos, assim, o direito à gratuidade da justiça, o direito à assistência judiciária e o direito à assistência jurídica como gratuidade do acesso à justiça.

 

Tendo em vista o custo do processo, não raro muito elevado, o direito à gratuidade do acesso à justiça (gratuidade da justiça, da assistência jurídica e da assistência judiciária), em geral, é conferido apenas aos necessitados.

 

O conceito de necessitado, nesse sentido, é, como fica fácil perceber, impreciso, de maneira que em determinadas situações práticas teremos que enfrentar muitas dificuldades para afirmar que alguém se enquadra em tal situação. Como se sabe, em casos assim a solução do problema fica a depender das circunstâncias do caso concreto.

 

 Existem os espectros induvidosos: os por todos reconhecidamente ricos e os por todos reconhecidamente pobres. Mas também existe uma área nebulosa em que ficam muitas dúvidas no sentido de se saber se é ou não o caso de se qualificar alguém como necessitado para o fim do direito à gratuidade do acesso à justiça.

 

De outro lado, o conceito de necessitado não deve ser visto apenas tendo em conta o dado objetivo das condições financeiras de quem postula em juízo, quer dizer, necessário se faz examinar a excessiva diferença da situação financeira entre as partes litigantes, bem assim principalmente o valor econômico da causa, de modo que a parte mais fraca economicamente não terá como arcar com os custos do processo, dificuldades que não teria se a causa tivesse um valor econômico menor. Assim, necessitado não é conceito que se restrinja aos conceitos de miserável ou pobre, mas sim deve ser entendido como referente à pessoa que, nas circunstâncias do caso concreto, não tem condições de arcar com as despesas do processo, de modo a que o custo do processo a colocaria ou a sua família em dificuldades financeiras, ou então teria que alienar bens para postular a tutela dos seus direitos perante o Estado-juiz. Por outras palavras, para que se possa obter o direito à gratuidade do acesso à justiça não se exige que o postulante esteja a depender de terceiros para sobreviver, como também não é o caso de se exigir a alienação do pequeno patrimônio que dispõe ou colocar em dificuldades sua sobrevivência pessoal ou da família para pagar custear o processo (pagar advogados e as despesas processuais).

 

No que tange aos reconhecidamente pobres ou aos reconhecidamente ricos não há o que discutir, de maneira que o direito à gratuidade do acesso à justiça terá que ser concedidos àqueles e negado a estes.

 

Se a situação é de dúvida pensamos que se deve tender para a concessão do direito à gratuidade do acesso à justiça.

 

Ressalvado o aspecto econômico, o direito de gratuidade do acesso à justiça deve ser concedido a toda e qualquer pessoa sem qualquer distinção. Não é crível que ante um tema essencialmente humano se tolere qualquer tipo de discriminação com a consequência da negativa do acesso à justiça em função de raça, cor, sexo, religião, nacionalidade, etc. Nesse ponto, forçoso é convir que o acesso à justiça é tão fundamental do ponto de vista dos direitos humanos que a gratuidade de tal serviço deve ser concedido aos estrangeiros, inclusive aos apátridas, tanto quanto concedido aos nacionais.

 

O direito de gratuidade do acesso à justiça também deve ser concedido aos entes despersonalizados (sociedade sem personalidade jurídica, espólio, massa falida, etc.) e às pessoas jurídicas. Não há motivação aceitável para discriminar tais entes, importando também aqui, do mesmo modo que em relação à pessoa física, apenas a análise da qualificação de necessitado. Assim deve ser por diversos motivos. Primeiro, porque temos pessoas jurídicas sem fins lucrativos, inclusive com objetivos estatutários de prestar serviços sociais onde há falta da atuação estatal, não sendo razoável que estas pessoas não obtenham o benefício da gratuidade do acesso à justiça. Segundo, porque o fato de estarmos diante de pessoas jurídicas não pode simplesmente significar que todas elas têm recursos financeiros para sustentar uma demanda. Conforme imaginado por Pontes de Miranda, “pensemos numa escola, com fundo de caridade, ou numa fundação hospitalar, que se ache em dificuldade”. Daí concluir o ora referido autor que “tanto tem direito à assistência judiciária os que estão num asilo de caridade como a própria entidade, personificada ou não, que não tem meios para as despesas no juízo singular ou no tribunal”.[12]

 

O serviço de assistência jurídica, envolvendo, sendo o caso, a assistência judiciária, é dever primordial do Estado, atribuído ao Poder Executivo, de maneira que em havendo órgão instituído com tal finalidade (defensoria pública ou quem exerça as suas atribuições) a ele compete conceder ou negar tais serviços, usando os critérios acima descritos, razão pela qual pode o órgão administrativo em tela exigir provas da qualidade de necessitado a quem procurar seus serviços. Eventual negativa faz com que o cidadão que se sentir injustiçado ante tal medida postule ao Poder Judiciário que seja determinada a concessão de tal benefício. Trata-se de um processo para o fim de que o postulante possa conseguir acesso à justiça. O problema que aqui surge está em que se faltou defensor público ao postulante para obter o acesso à justiça contra outrem, quem será seu advogado nesta causa preliminar para postular contra o Estado a concessão de um defensor público? O meio mais razoável e mais adequado será admitir que o postulante se dirija diretamente ao juiz, em procedimento oral e bastante simplificado, para o fim de que este possa decidir o mais imediatamente possível a questão, ainda que, em sendo para deferir, em carácter provisório. Veja-se que quando o Estado não dispõe de tais serviços, ou não dispõe dos mesmos suficientemente, ao juiz cabe decidir o pedido de assistência judiciária, nomeando advogado em favor do necessitado.[13]

 

Há casos envolvendo direitos indisponíveis em que, independentemente da condição econômico-financeira da parte, o serviço de assistência judiciária terá que funcionar. Assim acontecerá no processo criminal caso o réu não constitua advogado, dado que o direito a defensor no processo criminal é um direito fundamental inescusável, o que também ocorre no processo civil em casos excepcionais. Nesses casos cabe ao juiz requisitar os serviços da defensoria pública ou nomear defensor em favor do réu, no processo criminal, e no processo civil em favor da parte em que tais direitos estão em discussão caso não haja órgão estatal com tal atribuição.[14]

 

Pensamos, no entanto, que se o réu que se omitir em constituir advogado não for necessitado, tem o advogado ou o Estado que prestou o serviço, conforme o caso, o direito de postular ao juiz arbitramento de honorários, independentemente do resultado do julgamento, porque não é razoável que se venha a usufruir gratuitamente de benefícios a que normalmente não se tinha direito, muitas vezes em detrimento de muitas pessoas efetivamente necessitadas.

 

Não importa a posição que o necessitado venha a assumir ou esteja assumindo no processo para obter o direito à gratuidade da justiça, isto é, tal direito deve ser conferido ao necessitado que esteja a atuar como autor, réu, ou sob qualquer modalidade de intervenção de terceiro, ainda que como assistente simples ou recorrente como terceiro prejudicado.[15]

 

 É irrelevante para a obtenção do direito à gratuidade da justiça o tipo de processo ou de procedimento, bem assim se o requerimento se dá no próprio processo ou em algum incidente processual.

 

O direito de requerer a gratuidade da justiça não está sujeito a preclusão, quer dizer, ainda que se trate de situação de necessidade preexistente, o autor não perde tal direito porque não o formulou na petição inicial, assim como o réu não perde tal direito porque não o formulou no prazo para a defesa. Também não há que falar em perda do direito se o mesmo não fora requerido até determinada fase processual. Por isso mesmo que nada impede o requerimento de assistência judiciária na fase recursal. Em princípio, o deferimento da gratuidade da justiça no curso do processo não autoriza a restituição do que já se pagou, como também é óbvio que não mais cabe requerer assistência judiciária gratuita após o caso julgado, a não ser que se trate de sentença que dependa de execução, caso em que o deferimento só vale para os atos pertinentes à execução, seus incidentes ou processos incidentes.

 

O direito de requerer a gratuidade da justiça também pode ser formulado a qualquer momento, com mais forte razão, em função da alteração da situação económico-financeira da parte. Melhor explicando, quando o processo se iniciou e até determinada fase do mesmo a parte nada requereu porque sua situação económico-financeira permitia pagar as despesas processuais, mas tal situação se alterou no curso do processo, o que permite o requerimento a partir do momento em que houve tal alteração e para valer sem efeito retroactivo. 

 

Ao juiz do processo compete decidir a respeito do pedido de gratuidade da justiça, devendo deferir tal pedido em carácter provisório mediante a simples afirmativa do postulante a respeito da sua qualidade de necessitado, salvo situações de evidência que imponham o indeferimento, resguardando-se à parte contrária o direito de fazer impugnação em torno do assunto, caso em que surge um incidente no processo que não se refere a direito processual,[16]uma vez que seu objeto é a discussão sobre o direito (material) a um processo gratuito, com todos os dilemas em torno de questões alusivas ao ônus da prova, que só podem ser resolvidas conforme as circunstâncias de cada caso concreto.[17]O caso, portanto, é de presunção relativa, não sendo dado ao juiz, em princípio, exigir prova de quem alega a condição de necessitado para deferir tal pedido, até porque, como visto, a decisão é provisória. Por isso mesmo, conforme visto acima, não há como negar tal direito à pessoa jurídica, como também não há porque, como quer parte da doutrina, tratar a pessoa jurídica com fins lucrativos diferentemente das pessoas jurídicas sem fins lucrativos e pessoas físicas para exigir das primeiras prova para concessão do deferimento da gratuidade da justiça.[18]Como afirmamos acima, se o juiz estiver diante de uma situação de evidência deve indeferir o pedido, apresentando os devidos fundamentos, não importando se o requerimento é de pessoa física ou jurídica com ou sem fins lucrativos.

 

Normalmente a parte postula ao juiz o direito à gratuidade da justiça diretamente no processo já com advogado constituído (defensor público ou advogado que aceitou defender os direitos da parte gratuitamente). Problema maior para o juiz resolver surge quando a parte aparece perante o juiz sem advogado alegando ser necessitado e não ter advogado, seja porque lhe foi negado expressamente tal alegado direito pela defensoria pública, seja pela ineficiência do serviço ou por falta do serviço, e não dispõe de advogado que aceite sua causa gratuitamente. Pelo menos nos casos de ineficiência ou falta do serviço de defensoria pública outra solução não há senão a designação de advogado pelo juiz.

 

 Com efeito, mais grave será esse problema se o necessitado sem advogado for réu no processo civil, ante o prazo para a defesa, gravidade que aumenta de grau quando o réu só procurou o juiz quando tal prazo decorreu em branco.

 

 Este grau de gravidade sobe muito mais se o réu procura o juiz após o julgamento da causa e restou vencido no processo. É que os sistemas jurídicos, de um modo geral, são drásticos no tratamento que dão aos efeitos da revelia, normalmente reputando verdadeiros os fatos alegados pelo demandante, pelo menos quando os direitos do réu são tidos como disponíveis ou não existir alguma outra causa que afaste tais efeitos.[19]Com relação ao autor tudo pode ser resolvido de maneira mais fácil posteriormente, bastando exigir daquele que obteve o direito à gratuidade da justiça indevidamente o pagamento das despesas processuais, mas o dilema do juiz se acentua quando o caso envolve o réu, porque o magistrado não o conhece e não tem como previamente saber as suas condições econômico-financeiras. De fato, percebe-se mais uma vez que o juiz não pode tomar decisões tendo em consideração apenas a letra fria da lei e ficando alheio a problemas de ordem social que estão ao seu redor. Muitas vezes esse demandado revel, além de economicamente necessitado, é pessoa humilde, analfabeta, ou que efetivamente perdeu grande parte ou todo o prazo em função do tempo perdido em procurar os serviços estatais de defensoria, não obtendo tais serviços. Em casos assim, para que se possa falar em verdadeiro acesso à justiça com pertinência ao réu pensamos que o juiz deve aplicar os mesmos critérios que seguiu em relação ao autor, no que couber, tendo como ponto de partida a presunção de que o réu é necessitado, conferindo-lhe o direito à gratuidade da justiça e, como o réu está sem advogado, também conferir-lhe o direito à assistência judiciária, requisitando defensor gratuito ao órgão estatal encarregado de tal serviço ou então nomeando advogado para prestação gratuita do serviço. Não sendo o demandado revel, ou mesmo que o seja, o juiz deve desconsiderar os prazos decorridos, relevando, em consequência, a revelia na segunda hipótese, e, assim, passando a contar novo prazo para contestação a partir do momento em que o defensor ou advogado designado for intimado para tal fim, devendo estas deliberações ter carácter provisório, isto é, deve a decisão final sobre o assunto ficar na dependência particularmente de impugnação do autor, até porque muitas vezes réu não necessitado, pode, em caos como tais, apresentar alegação de necessidade de justiça gratuita maliciosamente para tentar recuperar prazos perdidos.

 

 De outro lado, se o juiz já julgou a causa sua parcela de atuação fica reduzida porque após proferir a sentença esgotou ele o seu ofício jurisdicional, mas não pode se descurar de seguir o mesmo princípio da presunção da condição jurídica de necessitado ao réu que o procurou para requisitar defensor ao órgão da defensoria pública ou nomear advogado em seu favor, caso em que a um deles caberá fazer as devidas alegações com as provas pertinentes e postular a anulação da sentença, exatamente por tal motivo, no recurso que vier a interpor. Uma questão mais complexa não pode deixar de ser aqui analisada. É que esse réu possivelmente necessitado pode chegar ao juiz mais tardiamente ainda, ou seja, quando já se configurou a coisa julgada ou, quem sabe, até quando já estiver a sofrer a execução da sentença. Para que se forme a coisa julgada contra a parte vencida, necessário se faz a intimação regular do seu advogado e o decurso do prazo sem interposição de recurso, ressalvadas outras circunstâncias que aqui não interessam. Como na hipótese que estamos a tratar o demandado revel não tem advogado, o correto, porque a solução mais razoável possível, é intimá-lo pessoalmente da sentença com indicação do prazo para recorrer e das consequências jurídicas em caso de não interposição de recurso.[20]Vale mais uma vez ressaltar que o juiz não tem como saber se o réu é ou não um necessitado. Não havendo interposição de recurso contra a sentença forma-se a coisa julgada. Os sistemas jurídicos não podem conviver com a possibilidade de a parte poder interpor recurso a todo o tempo, de modo que há que buscar, no caso, a compatibilização entre o princípio do acesso à justiça com o princípio da segurança jurídica, processualmente configurado pelo princípio da coisa julgada. Ocorre que não existem princípios absolutos, nem mesmo o princípio da coisa julgada, de maneira que procurado o juiz pela parte que alegar ser pessoa necessitada nesta conjuntura, deve ele, igualmente requisitar defensor público ou nomear advogado, cabendo em tese os meios de impugnação à sentença passada em julgado previstos por cada ordenamento jurídico.[21]

 

 

4.1.2. Gratuidade da justiça: dispensa do pagamento de taxas, custas e qualquer outra despesa processual.

 

 

Conforme acima salientado, a gratuidade da justiça deve ser abrangente, integral, o que significa dizer que a quem fora conferido tal direito, além da taxa judiciária, não pode ser exigido o pagamento de custas e de toda e qualquer despesa processual. Assim é que o litigante a quem fora deferida a gratuidade da justiça também deve ficar dispensado, por exemplo, de pagar custas por atos processuais, de pagar honorários de perito, depositário, avaliador, despesas com deslocamento de testemunhas, honorários de advogado da parte contrária caso seja vencido na causa, etc. Nada, absolutamente nada deve ser cobrado à parte a quem fora deferido o benefício da gratuidade da justiça.[22]Qualquer despesa processual que se venha a exigir do litigante necessitado nos permite concluir que o ordenamento jurídico que assim dispõe não está a atender ao princípio do acesso à justiça.[23]

 

O fato de o direito à gratuidade da justiça ser integral não significa dizer que não possa haver deferimento parcial. Não há lugar para essa espécie de “ou tudo ou nada”. Há casos em que a parte pode pagar a despesa de alguns atos processuais, mas não pode a de outros, não havendo razoabilidade alguma para o juiz indeferir o requerimento ao simples fundamento de que a parte só teria direito em caso de deferimento integral da gratuidade da justiça.[24]

 

A gratuidade integral pode encontrar alguns obstáculos, que certamente terão que ser superados, a exemplo de despesas com cópias de peças processuais, despesas com deslocamento de testemunhas e despesas com os honorários do perito, despesas essas que, muitas vezes têm que ser antecipadas. Ao propósito da perícia diz Cândido Rangel Dinamarco que “a assistência judiciária” não “inclui a dispensa de adiantar honorários a perito e outros auxiliares eventuais de encargo judicial (supra nn. 741,745 etc.), pelo fato de serem profissionais não remunerados pelos cofres públicos e não estarem obrigados a prestar serviços gratuitos ou correr o risco de não receber depois”.[25]Entendemos que tal tese não pode ser aceita, vez que querer que o necessitado adiante despesas sem os meios financeiros para tanto é o mesmo que negar o acesso à justiça. Em verdade, todas as despesas processuais que teriam que ser adiantadas por determinada parte, que não pode nem deve fazê-lo por ser necessitado e, assim, titular do direito à gratuidade da justiça, devem ser adiantadas pelo Estado. Ao menos deve ser assim num Estado que se proclama democrático de direito e, deste modo, comprometido com o acesso à justiça. Com efeito, esses obstáculos só surgem na prática porque o Estado, não raro, não cumpre aquilo a que está obrigado. Se não cumpre, ou ao menos, não cumpre a contento na parte mais elementar, que é dispor a todos os necessitados de um serviço eficiente de defensoria pública, não seria de esperar que cumprisse seu dever em outros aspectos mais distantes, como é o caso de adiantamento de honorários de perito. O fato é que esse é o primeiro passo, ou seja, exigir do Estado o adiantamento dos honorários do perito conforme arbitramento do juiz, devendo a parte contrária, não titular do direito à gratuidade da justiça, se vencida, ressarcir os valores que o Estado adiantou. Se o Estado não cumprir o seu dever, o juiz tem meios para superar tais obstáculos, a exemplo da designação de peritos que sejam funcionários do próprio Estado, o que, na prática, nem sempre é possível. Como terceira alternativa, pensamos que o perito não pode deixar de colaborar com o Poder Judiciário recusando o encargo de eventual designação judicial sob o argumento de que não está obrigado a trabalhar sem o adiantamento dos seus honorários. Observe-se que alguns terceiros têm, indiretamente, prejuízos em processo alheios e não podem se recusar a prestar sua colaboração. Basta lembrar do similar exemplo do advogado que presta serviço de assistência judiciária por designação judicial e da testemunha que perde um dia de trabalho, se trabalhador autônomo, ou da empresa, se a testemunha é empregado desta. Com o perito não pode nem deve ser diferente. Aliás, não se pode esquecer que há uma forte tendência de os peritos atuarem em muitos processos sem litigantes necessitados por nomeação do mesmo juiz, e assim auferirem rendas de modo que a prática revela, por isso mesmo, que o perito tende a aceitar o encargo. Ademais, os ordenamentos jurídicos podem impor a aceitação do encargo como dever jurídico, tanto em relação ao perito como em relação aos advogados, desde que em caráter eventual e não comprometa as normais atividades desses profissionais.[26]Ocorre que poderá surgir um outro obstáculo, qual seja o de que a perícia, muitas vezes, é de muita complexidade a ponto de exigir adiantamento de despesas elevadas com materiais, deslocamentos, etc, de maneira que não é justo exigir do perito que adiante tais despesas. Se o perito alegar que não tem como adiantar tais despesas pensamos que não há solução que não seja exigir do Estado aquilo que é do seu dever, ficando o processo paralisado até que isso ocorra, sem prejuízo de se procurar responsabilizar o agente da Administração encarregado de tais providências. De todo modo, nada impede que o perito aceite o encargo, adiante despesas e posteriormente proponha ação judicial contra o Estado para ser indenizado tanto pelo trabalho desenvolvido como pelas despesas que efetivou.

 

A idéia de integralidade do direito a gratuidade da justiça abrange, ao nosso ver, ajuda financeira, se necessário for, para os deslocamentos da parte para a prática de atos processuais em que a sua presença seja necessária para evitar sanções processuais ou para melhor exercício dos seus direitos, a exemplo de prestar depoimento pessoal sob cominação de confissão, bem assim assistir às audiências e nelas ter a possibilidade de prestar informações fáticas ao seu advogado, etc. Essa é uma situação que não se costuma inserir expressamente nos ordenamentos jurídicos, e que certamente deve ser vista com muita cautela, de maneira que tal pedido só deve ser deferido em casos de extrema necessidade. E certamente que existem casos em que o estado de necessidade da parte é tão acentuado que esta não dispõe de condições mínimas para arcar com tais despesas, de maneira que para garantir tal direito ao litigante que estiver nesta situação é o mínimo que se pode fazer em termos de paridade de armas. De outro lado, na falta de recursos financeiros imediatos, veículos e prédios de propriedade do Estado podem servir, respectivamente, para transporte e alojamento de pessoas necessitadas para tal fim.[27]

 

O direito à gratuidade da justiça é concedido rebus sic stantibus, é dizer, se no curso do processo a parte que obteve tal direito mudou a sua situação económico-financeira a ponto tal que não mais é considerado necessitado, deve pagar as taxas, custas e demais despesas processuais passadas e futuras. Se tal circunstância ocorreu após o encerramento do processo tudo fica a depender do resultado do julgamento da causa e de como o ordenamento jurídico regulamenta as consequências da sucumbência.[28]Eventual mudança da situação económico-financeira da parte beneficiária da gratuidade da justiça após o encerramento do processo deve merecer uma limitação temporal, porque as relações jurídicas de caráter pecuniário não podem ter conotação de perpetuidade.[29]

 

O direito à gratuidade da justiça tem as características da pessoalidade e da intransmissibilidade, na medida em que são concedidas em função das condições econômico-financeiras do seu titular no caso concreto. Isso significa dizer que tal direito não se estende aos litisconsortes nem aos sucessores inter vivos ou mortis causa. No caso do litisconsorte não titular do direito à gratuidade da justiça deve este adiantar as despesas que requereu individualmente, e adiantar proporcionalmente as despesas dos atos requeridos em conjunto com o litisconsorte titular do direito da gratuidade da justiça.[30]No caso de sucessão, aquele que passar a figurar como parte sucessora deve arcar com os custos do processo apenas a partir do momento em que passou a integrá-lo, ressalvada, é claro, a possibilidade de tal sucessor também requerer e obter o direito à gratuidade da justiça.[31]

 

O direito à gratuidade da justiça não protege o titular de tal direito que esteja a litigar de má-fé. É que o direito à gratuidade da justiça não é um passaporte para prática de abusos ou ilícitos de qualquer natureza, de modo que não pode servir de estímulo ou biombo para proteger conduta de má-fé do seu titular, não pairando dúvida de que as partes devem ser tratadas igualmente no plano da responsabilidade pelos atos de má-fé que vierem a praticar no processo, em qualquer aspecto (processual, criminal ou civil).[32]

 

A primeira investigação a se fazer em relação a esse problema é a individualização das condutas no plano da relação advogado/cliente, ou seja, é necessário examinar se o ato de má-fé fora praticado apenas pelo advogado da parte, apenas pela parte ou por ambos, devendo ser responsabilizado apenas quem praticou o ato e, em caso de participação de ambos, na medida da participação de cada um.

 

No que se refere a atos de má-fé praticados exclusivamente pela própria parte que resultem em sanção processual de multa ou que implique em dano a merecer pagamento de indenização à parte contrária não há como exonerar a parte faltosa apenas porque é titular do benefício da gratuidade da justiça Se a multa processual não é coercitiva, deve ser imposta sem tergiversações; se a multa é coercitiva, por razões práticas deve o magistrado procurar outros meios para efetivar as medidas necessárias, tendo em vista a inocuidade da medida, ao menos momentaneamente, ante a falta de meios de sua cobrança imediata, mas o juiz não pode aplicar sanções processuais em substituição como condição à prática de atos processuais regulares, porque estaria a dar às partes um tratamento discriminatório injustificável a impedir o acesso à justiça à parte necessitada, de modo a que quem pode pagar a multa efetivaria o pagamento e praticaria o ato processual regular, e quem não tem condições financeiras para pagar a multa não poderia praticar o ato processual regular.[33]

 

No que se refere ao dever de indenização por danos à parte contrária em caso de litigância de má-fé processual do adversário também não há como se falar em exoneração de responsabilidade, de maneira que se o titular do direito à gratuidade da justiça teve uma conduta processual de má-fé de modo a causar dano a seu adversário, deverá ser condenado a pagar indenização correspondente, não podendo a exigência de pagamento, com mais forte razão, ser condicionada à prática de qualquer ato processual.

 

Assim, as sanções pecuniárias (multas ou indenização por danos à parte contrária) devem ser aplicadas pelo juiz à parte beneficiária da gratuidade da justiça, mas em caso de não pagamento a efetivação e tal decisão fica a depender da existência de bens presentes ou futuros a tanto suficientes.          

 

 

4.1.3. Assistência jurídica e assistência judiciária gratuitas.

 

 

Na perspectiva do quanto exposto no item anterior, pensamos que deve o Estado garantir o acesso à justiça a todos os necessitados, com a criação de um serviço de advocacia pública eficiente. O critério para que se possa utilizar tais serviços é o mesmo já exposto nos itens anteriores, ou seja, havendo dúvida quanto à situação económico-financeira do postulante tal serviço deve ser concedido.

 

O serviço de assistência jurídica já envolve o direito à informação, na medida em que o defensor público pode e deve deixar de ingressar em juízo ao constatar que o cidadão que o procurou não tem direito algum.[34]No entanto, forçoso é convir que esse direito à informação pode resultar numa má informação no sentido de que o consulente não tem direito algum por deficiência técnica do defensor público e, assim, resultar, na prática, numa negativa de acesso à justiça. Verificando-se que o cidadão teve seu direito violado ou ameaçado de violação, e sendo o caso de pessoa necessitada ou, independentemente da necessidade financeira, sendo o caso de direitos indisponíveis, ao agente encarregado de tais serviços impõe-se o dever de prestar a devida assistência judiciária, ou seja, prestar completa defesa do direito do beneficiário em juízo.[35]

 

Alguns Estados atribuem o serviço público de assistência judiciária gratuita aos órgãos de defesa dos direitos do próprio Estado (Procuradoria do Estado ou Advocacia do Estado) ou então ao ministério público.[36]A primeira solução é a mais inconveniente, mas nenhuma das duas serve a contento aos interesses do cidadão necessitado. Tais órgãos poderiam ter alguma serventia nos casos em que estivessem em jogo direitos envolvendo apenas particulares, mas basta imaginar a hipótese, por sinal, muito frequente, de litígios envolvendo o cidadão e o próprio Estado para se perceber facilmente a inconveniência de tal situação, por sinal muito embaraçosa do ponto de vista ético, de um procurador de Estado ajuizar demanda em favor de um particular e contra o próprio Estado. A gravidade do problema mais se acentua se esse procurador do Estado não dispõe de garantias funcionais que permitam uma atuação independente. Sem qualquer sombra de dúvida que, a ser assim, a desconfiança do cidadão seria mais do que justificável.

 

Com relação ao ministério público o problema tem menor gravidade ante a independência conferida a tal instituição e aos seus membros, mas ainda assim os inconvenientes são grandes. Aqui também a atuação de tal órgão seria de grande valia nas demandas envolvendo particulares, nos casos de defesa de direitos coletivos e até nos casos de direitos individuais indisponíveis.[37]Nos Estados em que as atribuições do ministério público não se confundem com as funções de defesa dos direitos do próprio Estado tal valia persiste quando o órgão tivesse que defender um cidadão necessitado contra o Estado.[38]Ocorre que, no Brasil, mesmo nos Estados-membros em que os agentes do ministério público não exerciam, como hoje não exercem, funções de advogado da própria Administração, o fato é que sua função primordial em matéria criminal, ao promover a ação penal pública, e em matéria cível, ao promover ação civil pública, é atuar como parte autora contra o cidadão individualmente.[39]Aqui os inconvenientes são os mesmos se o necessitado for a parte demandada. Não ficaria bem para o componente de um órgão que tem a função de atuar em defesa dos direitos de toda a sociedade ao mesmo tempo atuar na defesa individual de direitos disponíveis do cidadão. Apesar das garantias funcionais atribuídas aos agentes do ministério público,[40]a realidade é que também aqui não se pode esperar que o cidadão tenha confiança em tais agentes para o fim da defesa dos seus direitos individuais. Em verdade, por tudo isso, forçoso é convir que as atividades dos agentes do ministério público, do mesmo modo que são incompatíveis com a defesa dos interesses das entidades públicas, também são incompatíveis com as atividades das defensorias públicas.

 

Com efeito, a solução mais adequada é a instituição de defensoria pública estatal, dando-se a tal órgão a mesma estrutura e a mesma autonomia que se dá ao ministério público,[41]e aos seus agentes os mesmos vencimentos e as mesmas garantias funcionais que se dá aos agentes do ministério público.[42]

 

O problema é que mesmo quando o Estado institui defensoria pública, tem-se verificado grande deficiência estrutural, não se dá ao órgão autonomia financeira e não se dá aos seus agentes os mesmos direitos e garantias conferidas aos agentes do ministério público. O serviço público estatal de assistência judiciária, sobretudo nos países menos desenvolvidos, onde se verifica grande quantidade de conflitos e massa populacional pobre, é relegado a segundo plano, sempre com o mesmo frisante, cansativo e inaceitável discurso da falta de recursos financeiros. Mas observe-se que a concessão de garantias funcionais aos defensores públicos e autonomia administrativa e financeira às defensorias públicas, tal como atribuídas ao ministério público, é um problema meramente político, o que nos leva a concluir que se é certo que há alguma dificuldade em se obter recursos suficientes para tudo, também certo é que quando se trata de garantir acesso à justiça ao cidadão necessitado a disponibilidade de recursos sempre merece menor atenção, numa simples comparação com os recursos disponibilizados em favor do ministério público, que tem funções, em termos, assemelhadas às funções da defensoria pública, mas que, queiramos ou não, exerce atividades repressivas contra o cidadão, embora a favor de toda a sociedade. Então, a realidade é esta: quando é para reprimir o cidadão os recursos não são tão escassos assim; quando é para defender o cidadão necessitado (estado de necessidade que, em princípio, a própria sociedade como um todo criou) os recursos são escassos ou até inexistentes.   

 

Ante a falta ou a deficiência do serviço público estatal de defensoria pública é por demais necessária a atuação da sociedade civil no sentido de minorar tão grave problema, por meio, por exemplo, da criação de organizações não governamentais com tais objetivos, contribuição das Faculdades de Direito, cujos alunos teriam muito a ganhar com os estágios profissionalizantes, da participação do órgão de classe dos advogados e até dos advogados individualmente.[43]

 

 

4.1.4. Sobre a conveniência ou inconveniência da cobrança de taxa judiciária.

 

 

Como visto, taxa judiciária não se confunde com custas nem com despesas processuais. Evidentemente que do ponto de vista da parte, e em sentido amplo, tudo que ela desembolsou no processo é despesa processual. As custas se referem ao pagamento em função da prática de determinado ato processual, como citação, intimação de testemunhas, etc. Despesa processual se refere a prestação de serviços com terceiros, como pagamento a depositários, peritos, etc. Taxa judiciária é tributo como contraprestação pela prestação do serviço jurisdicional ante o desencadeamento do processo com o exercício do direito de ação.

 

Com efeito, independentemente de a parte não ser tida como necessitada é bastante discutível a conveniência da cobrança de taxa nos processos como contraprestação do serviço jurisdicional. Pode-se argumentar que é mais justo que se cobre o tributo de quem pode pagar até como meio de melhor atender a quem não pode pagar. Ocorre que, de um lado, tem-se que a prestação do serviço jurisdicional não é um serviço qualquer, tendo-se que levar em consideração a alta finalidade social de carácter geral, que é a pacificação da sociedade. De outro lado, muitas vezes, independentemente de taxas judiciárias, o custo do processo, com honorários de advogado, adiantamento de despesas processuais e o risco de, em caso de sucumbência, pagar honorários de advogado à parte contrária nos sistemas que impõem o pagamento de todas as despesas ao vencido,[44]existem aquelas pessoas que se encontram numa faixa económico-financeira intermediária (não são tidas como necessitadas, mas também não são ricas). Ora, os honorários de advogado e as despesas processuais pesam consideravelmente no orçamento doméstico, de maneira que as pessoas necessitadas, muitas vezes, optam por não buscar a tutela de direitos. Isso, no fundo, se caracteriza também como litigiosidade reprimida, o que vem a ser socialmente perigoso.

 

Deste modo, parece ser mais acertado cobrar taxa judiciária apenas dos ricos (grandes empresas e grandes fortunas), até como meio de facilitar o acesso à justiça em favor dos necessitados e daqueles que, apesar de não tão necessitados, sofreriam considerável impacto na sua situação económico-financeira ante a necessidade de demandar em juízo.

 

 

5. Processo e tempo: o problema da duração do processo.

 

 

O decurso do tempo mais ou menos largo é inerente à dinâmica dos processos. Salvo quando pode decidir prima facie contra o próprio autor o juiz não tem como solucionar uma causa sem ouvir o réu, não raro tem que colher provas orais em audiência, realizar perícias, inspeções, etc. De outro lado, os juízes normalmente têm carga excessiva de processos. Isso faz com que, ainda que num contexto da mais absoluta normalidade, o resultado dos julgamentos seja demorado.

 

Ocorre que a experiência tem revelado que a duração dos processos tem sido muito além do razoável, chegando a níveis de intolerabilidade crônica, principalmente nos países menos desenvolvidos.

 

O problema da demora excessiva do julgamento das causas é dos mais graves, na medida em que está diretamente relacionado com a idéia de efetividade, resultando muitas vezes, na prática, em verdadeira negação do acesso à justiça,[45]o que, consequentemente, afeta os direitos fundamentais do cidadão que está a precisar da tutela jurisdicional do Estado, como também deixa em dúvidas a própria credibilidade das instituições estatais, o que vem de ser um grande perigo para toda a sociedade. É preciso observar que o julgamento além de um tempo razoável é extremamente prejudicial e desgastante para todos: para o Estado, porque naqueles casos em que apresentou um julgamento sem qualquer eficácia suas instituições, como visto, perdem credibilidade perante toda a sociedade, na medida em que não alcançaram seus objetivos, além da perda de todo o investimento com o custo de um processo que resultou em nada; para as partes, em especial para a parte que tinha direito a ser reparado, porque, além do desgaste financeiro com todo o custo do processo e com a perda de tempo que teve que despender praticando atos processuais pessoais, como comparecimento às audiências para prestar depoimento, desgaste causado pela longa e constante angústia ante a dúvida do resultado de um julgamento, ainda tem que suportar o desgaste de receber uma decisão favorável que terá pouco, ou não terá, qualquer resultado prático; tudo isso também acarreta, sem dúvida, um desgaste psicológico, porque se a espera do julgamento dentro de padrões de normalidade, por si só, já é angustiante, imagine-se uma espera por tempo irrazoável, que, não raro, resulta em doenças físicas e psíquicas, e, assim, em outros desgastes financeiros, desgastes estes que podem se estender para o Estado se as vítimas desse cruel sistema são pessoas carentes.

 

De outro lado, a demora do julgamento por tempo além do razoável não raro resulta em acordos que na prática não passam de soluções profundamente injustas, na medida em que, em verdade, a parte mais fraca não tem como mais esperar e prefere perder grande parcela do seu direito do que esperar mais do que já aguardou, o que significa dizer que essa acomodação, em verdade, foi forçada ante a circunstância da demora excessiva do julgamento, dando a falsa aparência de que houve acesso à justiça com solução rápida do litígio.[46]    

 

Cumpre, pois, verificar quais as razões da demora excessiva dos julgamento das causas.

 

Costuma-se colocar as leis processuais, com seus procedimentos cheios de formalidades desnecessárias, como causa primeira, e até mesmo única, da demora excessiva dos julgamento das causas, passando-se a se clamar por reformas legislativas que, num passe de mágica, serviriam como uma panacéia para resolver o grande mal da morosidade da prestação jurisdicional. Esse discurso maniqueísta é visivelmente distorcido, frágil e, se não estiver carregado de má-fé, infantil. Não existe lei boa para juiz que não sabe aplicá-la ou, se sabe, quer aplicá-la mal, como também não existe lei ruim para juiz que sabe e quer dar a solução mais apropriada, correta e justa ao caso. Não se está a negar aqui, evidentemente, que não se deva buscar reformas legislativas que aprimorem os sistemas jurídicos, na medida em que facilita a tarefa dos juízes com uma visão hermenêutica mais aberta e dificulta as tarefas dos juízes que preferem uma hermenêutica literal. O que se quer deixar claro aqui é que não se pode escamotear problemas de ordem política, ordem econômica e de ordem social, para se querer atribuir a deficiência do serviço jurisdicional apenas, ou mesmo principalmente, ao fato da existência de leis que prescrevem procedimentos excessivamente formalistas. Esse problema, como salientado por Donaldo Armelin, “não será resolvido apenas através de leis, devendo mesmo se arredar tal enfoque que constitui marca de subdesenvolvimento, o de se pensar que problemas marcadamente econômicos possam ter soluções meramente legislativas”.[47]

 

Neste contexto, a primeira causa da morosidade da justiça está na política econômica dos governos. Quando se diz que “o povo clama por justiça”, antes da justiça prestada pelos juízes está a reclamar por justiça social, que deve ser prestada por aqueles que estão a conduzir a política (parlamento e governo) de determinado país. E assim é porque, conforme gizado acima, há uma forte tendência a que quanto maior a desigualdade da renda e da qualidade de vida entre as pessoas maior a posssibilidade de conflitos e maior a necessidade de juízes.

 

  Em segundo lugar, partindo-se da preexistente realidade sócio-econômica de cada país, o problema, mais uma vez, agora numa outra dimensão, continua a ser de política econômica. É que o exercício da função jurisdicional, como é elementar, exige estrutura suficiente, funcionários suficientes, mas, principalmente, juízes suficientes para resolver os processos pendentes, de maneira que o primeiro passo para se verificar a causa da demora excessiva dos processos é relacionar a quantidade de processos com a quantidade de juízes disponíveis à população, para daí se constatar se os governos fizeram os investimentos necessários no que se refere às necessidades dos cidadãos nesse plano.[48]

 

Nesse ponto cumpre verificar até onde vai a vontade política em resolver o problema. Dificilmente se chegará à solução necessária, porque os mais prejudicados com a demora da prestação jurisdicional são aqueles que se encontram das classes menos privilegiadas da população, os quais não têm como esperar muito tempo pelo resultado do julgamento de uma causa e a quem falta força política para pressionar os membros do legislativo e do executivo em investimentos na administração da justiça, até porque esses mesmos agentes são aqueles que mais causam lesão aos direitos da população, não muito raro em massa, com atos administrativos gerais ilegais, imposição de tributos inconstitucionais e planos econômicos mirabolantes também cheios de inconstitucionalidades.

 

Necessário se faz igualmente investigar qual a parcela de responsabilidade do próprio Poder Judiciário na demora da prestação jurisdicional. Um primeiro ponto pode estar também no aspecto político em que o Poder Judiciário se encontra envolvido. É que em determinados países o Poder Judiciário participa, de algum modo, do processo legislativo no que se refere à iniciativa das leis que criam cargos de juízes, servidores ou mesmo no que diz respeito ao encaminhamento de propostas orçamentárias, e provimento de cargos vagos de juízes e servidores[49], mas nem sempre seus dirigentes se manifestam como deveriam no sentido de claramente encaminhar ao Poder Legislativo os projetos com as reais necessidades da população. Quando se manifestam, o fazem, não raro, com projetos tímidos, porque claramente insuficientes, previamente negociados com os agentes dos Poderes Legislativo e Executivo, e ainda suportam o ônus político da deficiência ou falta do serviço, porque esses mesmos componentes do Legislativo e do Executivo são os primeiros a fazer carga junto ao povo e aos meios de comunicação de massa no sentido de atribuir responsabilidade apenas aos membros do Poder Judiciário pela demora excessiva da prestação jurisdicional, quando o procedimento político correto dos dirigentes do Poder Judiciário deve ser no sentido de encaminhar projetos de lei conforme as necessidades da população, sem prévias nefastas negociações de bastidores, e, caso rejeitados ou não atendidos a contento, expressar para a opinião pública onde está a verdadeira causa de tal demora e quem são os responsáveis, ou pelos menos os principais responsáveis, por tão grave dilema. Não é o caso de dizer que isso conduzirá à uma desavença entre os Poderes ou que o povo quer saber de soluções e não ficar a ouvir eventual bate-boca entre parlamentares, administradores e juízes. Se isso é certo, não menos certo é que cada um precisa claramente assumir ante a população suas responsabilidades por seus erros (por ação ou por omissão), e não querer atribuí-los a quem não os praticou, ou então se tinha outras prioridades e limitação de recursos, que exponha tudo isso ao povo com transparência. Isso também passa pela idéia de ética na política, além de ser uma questão de princípio e de justiça. Um segundo ponto é o de que alguma parcela de responsabilidade pela demora excessiva da prestação jurisdicional é atribuída ao próprio Judiciário no plano da própria administração da justiça, a exemplo de casos de juízes e servidores que não desempenham suas tarefas regularmente, deixando, inclusive, de comparecer ao serviço sem qualquer justificativa, atos que nem sempre são punidos pelos órgãos de controle. Os agentes do Poder Judiciário também não podem se escusar de suas responsabilidades no que se refere diretamente ao exercício da própria função jurisdicional com a prática de atos processuais desnecessários, adiamentos de atos processuais sem a menor necessidade e complacência com chicanas processuais de advogado de parte interessada na demora do julgamento da causa.

 

O último exemplo mostrado no parágrafo anterior demonstra que a demora excessiva na prestação jurisdicional também pode, não raro, ser atribuída às partes e a seus advogados, de má-fé ou não. Advogados desprovidos de melhor preparo técnico muitas vezes praticam atos processuais errados que exigem despachos visando complementação ou correção. Mas também é preciso não esquecer que, via de regra, há uma das partes do processo que tem todo o interesse em acelerar o julgamento porque está com o seu direito violado, enquanto a parte que praticou a conduta violadora tem todo o interesse em atrasar ao máximo que puder o julgamento da causa, situação que se inverte quando aquele obtém uma medida liminar cautelar ou de antecipação da tutela. Por outras palavras, quem, no processo, se encontra numa situação fática de desvantagem em relação ao bem da vida tende a querer um julgamento célere, enquanto quem está numa situação de vantagem tende a querer atrasar tanto quanto puder o julgamento da causa. Assim, portanto, como percebido por Boaventura de Sousa Santos, “neste domínio, e a título de exemplo, é importante investigar em que medida largos estratos da advocacia organizam e rentabilizam a sua atividade com base na (e não apensar da) demora dos processos”.[50]

 

 

5.1. Tentativas de solução.

 

 

As possíveis soluções para se tentar fazer com que o exercício da função jurisdicional se desenvolva no menor tempo possível começam por políticas econômicas dos governos no sentido de tentar a máxima divisão de renda entre os cidadãos, porque com isso inevitavelmente se reduzirão os conflitos e, consequentemente, a quantidade dos processos.

 

De outro lado, os governos também deverão orientar sua política econômica no sentido de dar ao serviço da administração da justiça a devida prioridade fazendo os investimentos necessários tanto no que se refere à estrutura quanto no que diz respeito à servidores, particularmente à juízes, tendo em vista a quantidade de processos existentes em determinada comunidade e, conforme visto acima, outros dados complementares.

 

Ao próprio Poder Judiciário cabe a sua parcela de atuação não deixando de prover os cargos vagos já existentes e de encaminhar os projetos para a criação de tais cargos e de apresentar propostas orçamentárias segundo as reais necessidades da população. De outro lado, deve o Poder Judiciário atuar de maneira firme no que se refere à sua própria atividade administrativa, sendo rigoroso na fiscalização e punição de juízes e servidores faltosos, mas também investindo na melhor preparação intelectual de tais agentes. No que se refere à própria atuação jurisdicional cumpre aos magistrados evitar atos processuais desnecessários, adiamentos desnecessários e coibir as procrastinações pretendidas pelas partes ou seus advogados.

 

No que se refere às partes e aos advogados cumpre uma atuação processual competente e regular, evitando-se, assim, demoras com emendas e correções e dispensando a prática de atos processuais procrastinatórios.

 

 

5.1.1. Instituição de órgãos jurisdicionais especiais de pequenas causas.

 

 

A instituição de órgãos jurisdicionais especiais de pequenas causas é uma providência louvável e, assim, necessária ante a pletora de processos que abarrota os tribunais a justificar procedimento mais simplificado.

 

Nesse ponto, o problema está no posicionamento político para a solução jurídica do significado de pequena causa. Esse problema começa pelo fato de que o legislador quer se guiar apenas pelo critério do valor econômico da causa como meio de firmar sua menor complexidade.[51]As dificuldades para a solução de tal problema se acentuam nos países de grande desigualdade econômica entre os cidadãos, tendo-se em consideração que os procedimentos dos processos da competência desses órgãos jurisdicionais de pequenas causas tendem a privilegiar o fator celeridade em detrimento dos fatores segurança ejustiça, muitas vezes descambando para a quebra de direitos e garantias constitucionais e processuais sacramentadas pelos sistemas jurídicos democráticos, tudo em nome, muitas vezes, de um falso acesso à justiça.[52]

 

Nesse particular, efetivamente, a inserção de um aspecto meramente objetivo e geral com base no valor econômico da causa, deixando de levar em consideração as grandes diferenças de condições econômicas entre os cidadãos (aspecto subjetivo), significa aplicação do princípio da isonomia à moda do liberalismo nas suas origens, quando de há muito tempo se afirma ter tal princípio um conteúdo jurídico que impõe tratamento desigual entre as pessoas, privilegiando umas em detrimento de outras na medida da desigualdade entre elas, tentando-se, com isso, uma igualdade real ao máximo possível. É nessa perspectiva que os ordenamentos jurídicos costumam, por exemplo, garantir um tratamento privilegiado ao empregado em relação ao empregador, ao consumidor em relação ao fornecedor, etc.

 

Deste modo, se as partes do processo têm idênticas condições econômicas, a solução dos órgãos jurisdicionais de pequenas causas, afastadas algumas evidentes situações de inconstitucionalidade, é aceitável. No entanto, é mister reconhecer que determinada causa pode não ter maior relevância, segundo o valor econômico fixado pelo legislador, para uma pessoa da classe rica ou da classe média, mas pode representar todo o património, ou grande parte deste, para uma pessoa da classe pobre, ou até mesmo ser o único bem que essa pessoa tem para sobreviver. Pense-se numa causa em que está em jogo a casa residencial de uma pessoa pobre, bem esse que ela passou lutando toda a sua vida para adquirir, enquanto do outro lado está como parte uma grande empresa de construção civil; pense-se numa causa envolvendo o veículo de um motorista de táxi, bem que ele passou grande parte da sua vida para adquirir e que é o único meio de sua sobrevivência e de sua da família, enquanto do outro lado está um banco ou um grande fabricante de veículos. Ora, como a quebra dos direitos processuais é via de mão dupla, ou seja, tanto pode prejudicar o pobre quanto o rico ou o remediado, se estes forem os prejudicados não têm eles muito ou mesmo quase nada a perder, mas se o prejudicado for o pobre, o que é uma forte tendência ante suas notórias maiores dificuldades na luta processual, poderá ele perder tudo ou muito do que conseguiu obter com sangue, suor e lágrimas num processo injusto; e se assim ocorreu, tivesse maiores garantias constitucionais e processuais, talvez obtivesse um processo justo. E maior será essa tendência, na medida em que determinados ordenamentos jurídicos, sustentados no falso discurso de garantir maior acesso à justiça, admitem nesses juizados o direito de postulação à própria parte, dispensando, assim, a defesa técnica dos direitos em juízo, quando o correto seria garantir sempre ao necessitado defesa técnica gratuita.[53]

 

            De outro lado, é preciso não perder de vista que as partes podem se encontrar numa mesma situação econômica e estarmos diante do mesmo dilema de modo a se considerar imprestável o procedimento aplicável nas causas da competência dos órgãos jurisdicionais de pequenas causas. Evidentemente que tal hipótese só se verificará entre pessoas pobres.

 

            Se a criação dos órgãos jurisdicionais de pequenas causas, com a simplicidade do seu procedimento levada ao máximo, fosse toda essa maravilha que se costuma apregoar sem maiores reflexões, cabe então perguntar: por quê não aplicarmos essa grande descoberta a todos os casos? Por quê estamos a perder tanto tempo com esse “tormentoso”, “enfadonho” e “ultrapassado” procedimento ordinário? Seguramente que as classes mais privilegiadas da sociedade terão, pronta e imediatamente, a seguinte resposta para dar: “não abriremos mão das nossas garantias constitucionais e processuais quando parcela considerável do nosso patrimônio estiver em jogo”. Então, será o caso de igualmente se responder que os componentes das classes menos privilegiadas têm direito às mesmas garantias processuais quando parcela considerável do patrimônio deles estiver em jogo, apesar de essa parcela patrimonial, para eles realmente considerável, o legislador ter afirmado ser objeto de pequena causa.

 

            Destarte, a instituição de órgãos especiais de pequenas causas é necessária e muito relevante primeiramente entre pessoas iguais ou aproximadas das classes alta e média ou mesmo entre pessoas da classe baixa, desde que digam respeito a bens de pequena significância para eles. Mesmo quando há uma grande diferença entre as pessoas, mas o bem em jogo não tem maior relevância, como soe acontecer em determinadas relações de consumo, justifica-se a solução dos órgãos jurisdicionais de pequenas causas. Ou então essa relevância é tão mínima que, conforme se verá no item posterior, o mais correto seja a entrega dessas causas a juizados leigos.

 

Deste modo, válido é concluir, que, sendo certo que nas causas de conteúdo econômico tem-se que partir, na maioria dos casos, de um critério objetivo fundado na fixação de valores para se saber o que é uma causa de grande ou média relevância ou de grande ou média complexidade (a ser entregue à justiça ordinária), de pequena relevância ou menor complexidade (a ser entregue aos juizados especiais) ou mínima relevância ou sem qualquer complexidade (a ser entregue aos juizados leigos), não se pode, no entanto, em absoluto, desprezar o aspecto subjetivo, é dizer, a situação econômica das partes no caso concreto.

 

Por último, na tentativa de se encontrar o significado jurídico de pequena causa não se deve levar em consideração apenas o aspecto econômico, uma vez que podem existir causas sem tal conteúdo que não tenham qualquer complexidade ou tenham grande complexidade.

 

 

5.1.2. Instituição de órgãos jurisdicionais leigos.

                                          

 

Para os casos sem qualquer complexidade e de valor sem maior relevância, uma solução possível, que, aliás, poderia contribuir para a redução de despesas do Estado com defensores públicos e juízes togados, e assim também para a celeridade dos processos a estes atribuídos, parece ser a instituição de órgãos jurisdicionais compostos por juízes leigos.[54]

 

Põe-se o mesmo problema descrito no item anterior, qual seja a rejeição que deve merecer o critério exclusivamente objetivo geral fundado apenas no valor econômico da causa, sem olhos para o aspecto subjetivo, ou seja, sem atentar para a situação econômica das partes envolvidas na demanda. Nesse sentido, vale aqui tudo quanto exposto no item anterior.

 

Do mesmo modo, não se deve esquecer das causas sem conteúdo econômico, mas que não tem a menor complexidade, como é o caso da maioria das causas de jurisdição voluntária.[55]

 

De outro lado esses juizados leigos ou de paz poderiam também funcionar previamente como órgãos de conciliação, a qual, quando obtida, reduz custos para o Estado, na medida em que dispensa todo o restante do curso do processo.

 

 

5.1.3. Incentivo à arbitragem.

 

 

O juízo arbitral é uma forma alternativa de solução de conflitos. Trata-se de permissão conferida pelo legislador às pessoas de resolverem seus conflitos fora da atuação estatal, por meio de um outro particular (árbitro) que funciona como se juiz fosse.

 

Fica fácil perceber que essa solução tem alto custo para as partes em conflito e visa, na prática, atender aos interesses das classes mais privilegiadas economicamente, uma vez que o pagamento de todas as despesas processuais, e mais os honorários do árbitro ou árbitros incumbe às próprias partes.

 

Tal solução legislativa tem cunho neo-liberal. As classes mais privilegiadas perderam a paciência com a demora da prestação jurisdicional estatal e além disso passaram a ter a opção de escolher o juiz do caso, vantagens que não têm como obter com a prestação jurisdicional estatal, porque os juízes estão normalmente abarrotados de processos e, de outro lado o sistema estatal não admite escolha de juiz, concedendo, no máximo, a escolha de foro.[56]Nada a opor a tal iniciativa, porque cada processo a menos que se deixa de levar ao Estado melhor para todo o resto da sociedade.

 

Do ponto de vista das classes menos privilegiadas tal solução só pode ser alcançada se houver colaboração da sociedade civil, ou seja, se instituições não governamentais, a começar pelo órgão de classe dos advogados, se dispuserem a prestar tal tipo de serviço à população em geral gratuitamente, ou então se o próprio Estado se dispuser a pagar os custos do processo, inclusive os honorários dos árbitros, soluções que reputamos de concretização bastante difícil.

 

 

5.1.4. Política legislativa e hermenêutica judicial no sentido de facilitar a tutela jurisdicional dos direitos coletivos (difusos e coletivos em sentido estrito) e individuais homogêneos.

 

 

Na chamada sociedade de massas afloram os conflitos que, dada a sua natural amplitude, são do interesse de toda a sociedade ou de grande parte dela.

 

A expressão direitos coletivos é gênero, abrangendo as espécies direitos difusos e direitos coletivos em sentido estrito. Os direitos individuais homogêneos, como evidentemente resulta do nome, são individuais, mas por abranger número considerável de pessoas, a exemplo de determinadas situações de relações de consumo, são tratados juridicamente como se fossem coletivos.

 

Os direitos difusos são os mais amplos, se caracterizam pela transindividualidade, pela indivisibilidade, pela indeterminação dos titulares que estejam ligados por circunstâncias de fato. É o caso, como exemplo mais claro que se pode apresentar, do direito ao meio ambiente saudável.

 

Os direitos coletivos (em sentido estrito) se caracterizam pela transindividualidade, pela indivisibilidade e pela titularidade de grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Cita-se como exemplo o direito do órgão de classe dos jornalistas insurgir-se contra uma lei ou decreto que venha a cercear o direito de livre manifestação dos componentes de tal classe.

 

Os direitos individuais homogêneos são decorrentes de origem comum, que envolvem um número considerável de pessoas. É o caso, por exemplo, do fato de determinado laboratório ter lançado à venda determinado produto que causou lesão aos adquirentes, ou determinada empresa que colocou a venda determinado produto com quantidade menor do que a anunciada na embalagem, lesando, assim, a todos os adquirentes de tais produtos.[57]

 

Esses tipos de conflito, como fica fácil perceber, geram muitas dificuldades para a sociedade e para o Estado, porque são conflitos de alta relevância social e que, caso não sejam solucionados, poderão acarretar alto nível de perigo para toda a sociedade.

 

Em determinadas situações alusivas aos direitos individuais homogêneos a lesão a cada pessoa é, às vezes, tão insignificante que não se justifica a utilização da máquina judiciária para reaver tal direito, ante o custo do processo e o custo indireto com a perda de tempo. Ocorre que não é aceitável que se deixe tais direitos sem qualquer reparação, uma vez que se a lesão individual é mínima, tal lesão vista coletivamente quase sempre é muito elevada, sem prejuízo da necessidade da aplicação de sanções de natureza administrativa que casos como tais exigem. A lesão mínima, exatamente por não compensar individualmente a via civilizada da tutela dos direitos por meio da jurisdição, ao invés de aparente conformismo, pode significar, na realidade, uma “litigiosidade contida”, e resultar em vinganças coletivas por meio de revoltas populares, solução que não convém ao Estado nem à sociedade civil.[58]

 

Sem nenhuma dúvida que é necessário a constante tentativa de superar a cultura meramente individualista em relação aos direitos coletivos e aos direitos individuais homogêneos, como se tais direitos fossem do mesmo nível dos direitos individuais. A exigência dessa nova visão de encarar o problema vale tanto no plano processual como no plano material, a começar por uma nova cultura a partir do ensino nas universidades onde o conteúdo programático das disciplinas nas faculdades de direito persiste, muitas vezes, na prevalência de uma visão individualista do direito, quando não se ignora o ensino em relação aos direitos coletivos.

 

Esse tema, como se sabe, não é novo, mas a verdade é que ainda há uma grande tendência à cultura de se procurar primeiro proteger os direitos individuais para depois se pensar em proteger os direitos coletivos.

 

Deste modo, faz-se necessário que se dê um tratamento jurídico diferenciado em relação aos direitos coletivos e direitos individuais homogêneos, principalmente no sentido de ampliar ao máximo a legitimação nos casos de tutela jurisdicional coletiva, afastando-se maiores formalidades com relação à prova dessa legitimação, bem assim na caracterização do que vem a ser direito coletivo.[59]

 

6. Bibiliografia

 

 

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MOREIRA, José Carlos Barbosa. O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo. In Temas de direito processual. Quinta Série. São Paulo: Saraiva, 1994.

 

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WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas do juizado especial de pequenas causas. In Juizado especial de Pequenas Causas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985.

 

 

 




[1]Nesse sentido, em termos, CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro, que acresce ser a informação também um ponto de chegada, quando muitas vezes o cidadão obtém direitos por via da tutela jurisdicional coletiva e desconhece que tais direitos foram tutelados. In Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 57-58.

[2]Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o Brasil teve no ano de 2003, uma taxa de 11,6% de analfabetismo com relação a pessoas de 15 anos ou mais, para uma população estimada de 186.979.747 pessoas, conforme pesquisa realizada no site www.ibge.gov.brdia 26 de agosto de 2006.

[3]Como afirma, de forma contundente, Donaldo Armelin: “O subdesenvolvimento com as suas sequelas, como o analfabetismo e ignorância e outras, campeia como maior ou menor intensidade nos variados quadrantes do Brasil. Isto implica reconhecer que em certas regiões o acesso à justiça não chega sequer a ser reclamado por desconhecimento de direitos individuais e coletivos”. ARMELIN, Donaldo. Acesso à justiça. In Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, Junho, 1989, vol. 31, p. 181.

[4]Como assinalado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, “mesmo consumidores bem informados, por exemplo, só raramente se dão conta de que sua assinatura num contrato não significa que precisem, obrigatoriamente, sujeitar-se a seus termos, em quaisquer circunstâncias. Falta-lhes o conhecimento jurídico básico não apenas para fazer objeções a esses contratos, mas até mesmo para perceber que sejam passíveis de objeção”. CAPPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 23.

[5]CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça…, cit., p. 58.

[6]SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça. In Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, vol. 37, p. 127.

[7]Nesse sentido, MORELLO, Augusto Mario. El conocimiento de los derechos como presupuesto de la participación. In Participação e processo (Coordenadores: Ada Pellegrini Grinover, Cândido Dinamarco e Kazuo Watanabe). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, pp. 166-179. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. O acesso à justiça e os institutos fundamentais do direito processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 37. 

[8]Informam Mauro Cappelletti e Bryant Garth que pesquisa realizada na Inglaterra revelou que até onze por cento dos entrevistados disseram que jamais iriam a um advogado. In Acesso à justiça. Cit., 24. Convenhamos que este percentual, a se considerar os padrões educacionais e socioeconômicos da Inglaterra, é bastante elevado.  

[9]Pesquisa realizada no nordeste brasileiro revelou que 84,6% dos entrevistados se sentiriam mais seguros de alcançar a justiça para o seu caso se pudessem escolher um árbitro de sua confiança para decidir no lugar do juiz porque o árbitro é pessoa conhecida. Cf. BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça. Um problema ético-social no plano da realização do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 269. Não há como negar que o percentual encontrado nessa pesquisa é bastante elevado, a exigir maior reflexão em torno desse problema, na medida em que a imparcialidade do juiz é essencial para a credibilidade da função jurisdicional no seu objetivo de manutenção da paz social. Com relação aos agentes do ministério público exige-se dos mesmos uma conduta de imparcialidade quando estão a atuar no processo como custos legis, além do que quando atuam como parte não se encontram no mesmo plano de liberdade dos advogados das partes, não sendo outra a razão pela qual as leis processuais prescrevem casos de suspeição e impedimento de tais agentes também nessa qualidade (Cf. CPC brasileiro, art. 138, I e CPC português, art. 125º, 1).

[10]No direito brasileiro o art. 31, da Lei n. 5010/66, determina que os juízes federais devem usar toga durante as audiências. No direito português a Lei nº 28/82, de 15 de novembro, que regulamenta a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional português, reza que “no exercício das suas funções no Tribunal e, quando o entendam, nas solenidades em que devam participar, os juízes do Tribunal Constitucional usam beca e um colar com as insígnias do Tribunal, de modelo a definir por este, podendo ainda usar capa sobre a beca”.  

[11]Como salientado por Mauro Cappelletti e Bryan Garth, “torna-se claro que os altos custos, na medida em que uma ou ambas as partes devam suportá-los, constituem uma importante barreira ao acesso à justiça”. E logo adiante acrescentam: “Qualquer tentativa realística de enfrentar os problemas de acesso à justiça deve começar por reconhecer esta situação: os advogados e seus serviços são muito caros”. CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Cit., p. 18.

[12]MIRANDA, Pontes de. Comentários ao código de processo civil de 1973. 5ª ed., rev. e aum. Vol. I, 1995, pp. 382-383. O art. 5º, LXXIV, da Constituição brasileira reza que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. O dispositivo ora em análise ao se referir a assistência jurídica contém menos que se pretendeu dizer, ou seja, envolve, na realidade, a idéia de gratuidade do acesso à justiça (gratuidade da justiça, assistência judiciária e assistência jurídica). De outro lado, dito dispositivo não faz qualquer tipo de discriminação, importando apenas que a pessoa, seja física, seja jurídica, não disponha de recursos financeiros suficientes. Neste sentido, mas sem fazer as correções das denominações utilizadas na Constituição brasileira, SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio, in Assistência jurídica integral e gratuita. São Paulo: Método, 2003, p. 60. No direito português o art. 20º, nº 1, da Constituição ao tratar do “acesso ao Direito e aos tribunais” é claro no sentido de que tal direito é assegurado a “todos”, “não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos” (destaque nosso), valendo ressaltar que a Lei nº 34/2004, de 29 de Julho é expressa em garantir “protecção jurídica” às “pessoas colectivas”, com alguma restrição, conforme se deduz dos artigos 7º, nº 4, 8º, nº 3 e 16º nº 3, verbais: “Artigo 7º. 4 – As pessoas colectivas têm apenas direito à protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário, devendo para tal fazer a prova a que alude o nº 1”. “Artigo 8º. 3 – A insuficiência económica das sociedades, dos comerciantes em nome individual nas causas relativas ao exercício do comércio e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada deve ser aferida tendo em conta, designadamente, o volume de negócios, o valor do capital e do património e o número de trabalhadores ao seu serviço e os lucros distribuídos nos três últimos exercícios findos”. “Artigo 16º. 3 – Se o requerente de apoio judiciário for uma pessoa colectiva, estabelecimento individual de responsabilidade limitada ou comerciante em nome individual e a causa for relativa ao exercício do comércio, o apoio judiciário não compreende a modalidade referida na alínea d) do n.º 1”.   

[13]No direito brasileiro a Lei n. 1.060/1950 assim disciplina o assunto em foco: “Deferido o pedido, o juiz determinará que o serviço de assistência judiciária, organizado e mantido pelo Estado, onde houver, indique, no prazo de 2 (dois) dias úteis, o advogado que patrocinará a causa do necessitado” (parágrafo 1º do art. 5º). Se no Estado não houver serviço de assistência judiciária, por ele mantido, caberá a indicação à Ordem dos Advogados, por suas seções estaduais, ou subseções municipais” (parágrafo 2º do art. 5º). “Nos municípios em que não existem subseções da Ordem dos Advogados do Brasil, o próprio juiz fará a nomeação do advogado que patrocinará a causa do necessitado” (parágrafo 3º do art.5º). 

[14]Nesse sentido, ALVES, Cleber Francisco e PIMENTA, Marilia Gonçalves. Acesso à justiça em preto e branco: retratos institucionais da defensoria pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 103. Como visto, apesar da letra do art. 5º, LXXIV, da Constituição brasileira (transcrição supra), isso não significa dizer que nos casos de direitos indisponíveis, como acima relatado, o Estado possa se abster de prestar assistência jurídica. De outro lado, o fato de não constar de forma expressa no texto constitucional o dever estatal de prestar assistência judiciária também não quer dizer que tal dever inexista, uma vez que ínsito ao princípio do acesso à justiça. A Lei n. 1060/1950 regulamenta o direito à gratuidade da justiça e, de algum modo, o direito à assistência judiciária gratuita, mas mistura os conceitos, a tudo qualificando como assistência judiciária. O Código de Processo Penal brasileiro dispõe que se o réu não constituir advogado o juiz terá que nomear defensor, e se o advogado, ainda que constituído, deixar de praticar algum ato fundamental à defesa o juiz terá que nomear defensor ad hoc (art. 263 e parágrafo único do art. 265). De sua vez, o Código de Processo Civil brasileiro dispõe que caso não haja na comarca representante judicial de incapazes o juiz dará curador especial ao incapaz sem representante legal ou quando houver colisão de interesses entre representante e representado, bem assim ao réu preso e ao réu revel citado por edital ou com hora certa (cf. art. 9º e parágrafo único). O Código de Processo Civil português tem disposições semelhantes para algumas dessas situações (cf. arts. 11º, 14º, 16º).  

[15]Nesse sentido, DIDIER JR., Fredie e OLIVEIRA, Rafael. Benefício da justiça gratuita. Aspectos processuais da lei de assistência judiciária (Lei Federal nº1.060/50). 2ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2005, p. 25.

[16]A impugnação ao pedido de assistência judiciária gratuita é um incidente no processo, mas não é incidente processual. É que nele se discute a existência ou inexistência do direito material (constitucional) a um processo gratuito.

[17]No direito brasileiro a Lei n. 1.060/1950 é expressa em torno do assunto nos seguintes termos: “A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.” Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta Lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais”. “A impugnação do direito à assistência judiciária não suspende o curso do processo e será feita em autos apartados” (art. 4º e parágrafos 1º e 2º). “O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o requerimento, dentro do prazo de 72 (setenta e duas) horas” (art. 5º). 

[18]Defendendo o tratamento diferenciado, veja-se, por exemplo, DIDIER JR. Fredie e OLIVEIRA, Rafael, in Benefício…, cit., pp. 29-30.

[19]O CPC brasileiro dispõe sobre o assunto nos seguintes termos: “Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor” (art. 319). “A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo antecedente: I – se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação; II – se o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III – se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público, que a lei considere indispensável à prova do ato” (art. 320). A disciplina do assunto no CPC português é idêntica, conforme a seguir transcrito: “Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tento juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor” (art. 484º, 1). “Não se aplica o disposto no artigo anterior: a) Quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar; b) Quando o réu ou algum dos réus for incapaz, situando-se a causa no âmbito da incapacidade, ou houver sido citado editalmente e permaneça na situação de revelia absoluta; c) Quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela acção se pretende obter; d) Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito” (art. 485º).

[20]O art. 322, do CPC brasileiro (redação da Lei nº 11.280, de 16 de fevereiro de 2006) dispõe o seguinte: “Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório” (caput). “O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar” (parágrafo único). A redação original de tal dispositivo era a seguinte: “Contra o revel correrão os prazos independentemente de intimação. Poderá ele, entretanto, intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontra”. Ao tempo da redação anterior parcela da doutrina criticava duramente o dispositivo em tela, principalmente para mostrar a necessidade de se dar ao revel ciência da sentença. Assim, por exemplo, assevera J. J. Calmon de Passos, após informar que ordenamentos de muitos países expressam a necessidade de se dar ao revel ciência da sentença: ”Entre nós será diferente? Nossa resposta é negativa. O nosso sistema se distinguiria por aquilo que se poderia chamar de ódio desabrido e irracional pelo contumaz. Estabelecemos a verdade dos fatos do autor, por força da contumácia; somamos a isso a antiga sanção de fluência dos prazos sem ciência do revel; deixamos de prever qualquer recurso específico para o contumaz, em prazo razoável; não lhe abrimos nenhuma oportunidade especial de recompor o contraditório. Como a tanto rancor inexplicável somar-se o que ao revel não negam os países mais exigentes no tocante à contumácia? E logo isso ocorrer num país que ainda ostenta o título de ser campeão da marginalização social e da ignorância? Dos desníveis violentos e dos vazios sociais imensos? Por que fazer mais desvalidos os que já são de si mesmos tão desvalidos? Nosso pensamento é no sentido de se afirmar a necessidade da intimação do revel para o trânsito em julgado da sentença contra ele proferida. Firmamos tal ponto de vista pelos motivos que se seguem. A sentença, num paralelismo com a lei, não obriga antes de conhecida. A publicação da sentença é, por conseguinte, ato indispensável para sua existência e eficácia. E não há publicação enquanto não há ciência. Pouco importa que dessa ciência também decorra o prazo para recurso e o Código tenha dito que para o revel os prazos correm independentemente de publicação. Essa norma só vale para as hipóteses em que a ciência pessoal não seja da essência mesma do ato, para que exista e seja eficaz. Nesse caso não está a sentença. O comando singular que ela contém exige a ciência do que a ele se deve submeter, para o fim mesmo do seu atendimento. E para esse fim a ciência é indispensável e sobreleva à limitação do art. 322” (In Comentários ao código de processo civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989, vol. III, pp. 448-449). Pena que na recente reforma processual o legislador brasileiro, ainda esquecido de que o Brasil é um país de muitos contrastes, com muitas possibilidades de réus analfabetos se tornarem, por isso mesmo, revéis, não tenha avançado para deixar clara a necessidade de intimação pessoal da sentença ao réu revel que fora citado pessoalmente, além do que é preciso não perder de vista que nas comarcas em que a intimação dos atos processuais se dá pessoalmente, e não pela publicação em órgão oficial, não há como deixar de intimar o réu pessoalmente da sentença da mesma forma que se intima a parte contrária, embora o autor seja intimado na pessoa do seu advogado, correndo o prazo para recurso segundo os mesmos critérios legais seguidos em relação ao autor, posto que, do contrário, viola-se o princípio da igualdade e o princípio da ampla defesa. O Código de Processo Civil português exige claramente a intimação pessoal da sentença ao réu revel se no processo existir informação de sua residência, ainda que não tenha constituído advogado, conforme se deduz do disposto no art. 255º, 1, 2 e 4. Assim: “1. Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações ser-lhe-ão feitas no local da sua residência ou sede ou no domicílio escolhido para o efeito de as receber, nos termos estabelecidos para as notificações aos mandatários”. “2. Exceptua-se o réu que se haja constituído em situação de revelia absoluta, que apenas passará a ser notificado após ter praticado qualquer acto de intervenção no processo, sem prejuízo do disposto no nº 4”(destaque nosso) “4. As decisões finais são sempre notificadas, desde que a residência ou sede da parte seja conhecida no processo” (destaque nosso).     

[21]No direito brasileiro o meio de impugnação a sentença passada em julgado é a ação rescisória, a ser proposta no prazo decadencial de 2 (dois) anos (CPC, arts. 485 e 495). No direito português a sentença passada em julgado pode ser impugnada por meio do denominado recurso extraordinário de revisão até o limite máximo de 5 (cinco) anos, e no prazo de 60 dias, contados do trânsito em julgado da sentença criminal em que se apure que a sentença atacada fora proferida por prevaricação, concussão, peita, suborno ou corrupção do juiz, caso em que, havendo demora no julgamento do processo criminal a ponto de ocorrer “risco de caducidade”, pode a parte interessada “interpor recurso mesmo antes de naquela ser proferida decisão”, e nos demais casos “desde que a parte obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão” (CPC, arts. 771º e 772º).   

[22]No direito brasileiro a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, dispõe sobre o assunto nos seguintes termos: “Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções: I – das taxas judiciárias e dos selos; II – dos emolumentos e custas devidos aos juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça; III – das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos fatos oficiais; IV – das indemnizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios, ou contra o poder público estadual, nos Estados; V – dos honorários de advogados e peritos; VI – das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas cações de investigação de paternidade ou maternidade” (o inciso VI fora acrescentado pela Lei nº 10.317, de 6 de dezembro de 2001). No direito português a Lei nº 34/2004, de 29 de julho, explicita o que denomina de “apoio judiciário”, conforme o disposto no artigo 16º, verbis: “Artigo 16º. 1 – O apoio judiciário compreende as seguintes modalidades: a) Dispensa total ou parcial de taxa de justiça e demais encargos com o processo; b) Nomeação e pagamento de honorários de patrono; c) Pagamento da remuneração ao solicitador de execução designado; d) Pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, de honorários de patrono nomeado e de remuneração do solicitador de execução designado; e) Pagamento de honorários de defensor oficioso. 2 – Na modalidade referida na alínea d) do número anterior não são exigíveis as prestações que se vençam após o decurso de quatro anos desde o trânsito em julgado da decisão final sobre a causa. 3 – Se o requerente de apoio judiciário for uma pessoa colectiva, estabelecimento individual de responsabilidade limitada ou comerciante em nome individual e a causa for relativa ao exercício do comércio, o apoio judiciário não compreende a modalidade referida na alínea d) do n.º 1. 4 – No caso de pedido de apoio judiciário por residente noutro Estado membro da União Europeia para acção em que tribunais portugueses sejam competentes, o apoio judiciário abrange os encargos específicos decorrentes do carácter transfronteiriço do litígio em termos a definir por lei”.   

[23]Nesse sentido, MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 35.

[24]Nesse sentido, DIDIER JR. Fredie e OLIVEIRA, Rafael. Benefício…, cit., pp. 18-20.

[25]DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001, vol. II, pp. 675-676.

[26]No direito brasileiro a Lei nº 1.060/1950 impõe aos profissionais liberais designados para o desempenho de atividade de defensor ou de perito a aceitação do encargo, salvo justo motivo, sob pena de multa (art.14). De outro lado, a Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) dispõe que: “Constitui infração disciplinar: XII – recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública” (art. 12, XII). No direito português a Lei nº 34/2004, de 29 de julho, assim dispõe sobre o assunto no artigo 33º, verbis: “Artigo 33.º 1 – O patrono nomeado para a propositura da acção deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados no caso de não instauração da acção naquele prazo. 2 – O patrono nomeado pode requerer à Ordem dos Advogados a prorrogação do prazo previsto no número anterior, fundamentando o pedido. 3 – Quando não for apresentada justificação, ou esta não for julgada satisfatória, a Ordem dos Advogados notifica o conselho de deontologia junto ao conselho distrital onde o patrono nomeado se encontra inscrito, para que proceda a apreciação de eventual responsabilidade disciplinar, competindo à Ordem dos Advogados a nomeação de novo patrono ao requerente nos termos previstos no n.º 5 do artigo 34.º 4 – A acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono”.

[27]Nesse sentido, DIDIER JR., Fredie e OLIVEIRA, Rafael. Benefício…, cit., p. 10.

[28]No direito brasileiro impõe-se ao vencido o ônus total da sucumbência à parte integralmente vencida, aplicando-se o princípio da proporcionalidade em caso de sucumbência recíproca (CPC, arts. 20 e 21). No direito português o vencido deve ser condenado, inclusive com aplicação do princípio da proporcionalidade, apenas a pagar as custas (CPC, art. 446º). Os honorários dos mandatários e técnicos e demais despesas processuais só serão devidos como uma das parcelas da indenização em caso de litigância de má fé, ressaltando-se que “os honorários serão pagos directamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado” (CPC, art. 457º).

[29]No direito brasileiro a Lei nº 1.060/1950 dispõe o seguinte: “A parte beneficiária pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo sem prejuízo do sustento próprio ou da família. Se, dentro de 5 (cinco) anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita” (art. 12). Apesar de tal dispositivo falar em custas, o legislador disse menos do que deveria expressar na hipótese de sucumbência total, porque nesse caso vale o princípio da responsabilidade integral dos custos do processo, o que significa dizer que o vencido deverá pagar todas as despesas processuais, inclusive honorários de advogado da parte vencedora. De outro lado, deve o juiz expressar na sentença tal condenação, ainda que tenha deferido o benefício integral da gratuidade da justiça. Ao proceder assim o juiz não estará incorrendo em contradição, vez que a eficácia dessa parte da sentença fica condicionada à mudança da situação econômico-financeira do necessitado vencido no decurso de 5 (cinco) anos. Não fosse assim, verificada a hipótese de tal mudança econômico-financeira do necessitado vencido dentro de tal prazo, a parte vencedora não disporia de título executivo, ou seja, teria que propor demanda cognitiva, o que geraria desnecessariamente outro processo. Na doutrina brasileira Cândido Rangel Dinamarco afirma que “a ressalva da inexigibilidade não se aplica aos casos em que o beneficiário só não disponha de recursos financeiros para custear o litígio (dinheiro, depósitos bancários, aplicações financeiras), tendo no entanto patrimônio que possa responder pelo custo processual; ele recebe advogado que o defenda sem remuneração e fica isento do adiantamento de despesas processuais, mas seria injusto e absurdo beneficiá-lo com o retardamento da obrigação de reembolsar o adversário” (In Instituições..., cit., vol. II, p. 678). Ocorre que, como vimos acima, o fato de a parte ter patrimônio não é fator que afaste o direito à gratuidade da justiça. Se tal patrimônio existia quando da concessão do direito à gratuidade da justiça ou se não houve posteriormente mudança patrimonial significativa a parte vencedora não pode executar o crédito resultante de tal condenação. Fosse diferente o juiz não estaria a garantir, em casos como tais, o direito à gratuidade da justiça, mas sim afirmando uma cobrança para o futuro em caso de sucumbência, quando isso só pode ser exato caso se insira mais uma condição, que é exatamente a mudança da situação econômico-financeira significativa no decurso de 5 (cinco) anos. No direito português o assunto está disciplinado nos seguintes dispositivos da Lei nº 34/2004, de 29 de julho: “Art. 10º. 1 - A protecção jurídica é retirada, quer na sua totalidade quer relativamente a alguma das suas modalidades: a) Se o requerente adquirir meios suficientes para poder dispensá-la”; e) Se, em acção de alimentos provisórios, for atribuída ao requerente uma quantia para custeio da demanda. 2 - No caso da alínea a) do número anterior, o requerente deve declarar, logo que o facto se verifique, que está em condições de dispensar a protecção jurídica em alguma ou em todas as modalidades concedidas, sob pena de ficar sujeito às sanções previstas para a litigância de má fé”. “Art. 13º. 1 – Caso se verifique que o requerente de protecção jurídica possuía, à data do pedido, ou adquiriu no decurso da causa ou no prazo de quatro anos após o seu termo, meios económicos suficientes para pagar honorários, despesas, custas, imposto, emolumentos, taxas e quaisquer outros encargos de cujo pagamento haja sido declarado isento, é instaurada acção para cobrança das respectivas importâncias pelo Ministério Público ou por qualquer outro interessado. 2 – Para os efeitos do número anterior, presume-se aquisição de meios económicos suficientes a obtenção de vencimento na acção, ainda que meramente parcial, salvo se, pela sua natureza ou valor, o que obtenha não possa ser tido em conta na apreciação da insuficiência económica nos termos do artigo 8º. 3 – A acção que se refere o nº 1 segue a forma sumaríssima, podendo o juiz condenar no próprio processo, no caso previsto no número anterior. 4 – Para fundamentar a decisão, na acção a que se refere o nº 1, o tribunal deve pedir parecer à segurança social. 5 – As importâncias cobradas revertem para o Cofre Geral dos Tribunais, sem prejuízo de serem pagos despesas e honorários nos termos de nota apresentada pelo patrono, deduzidos os montantes devidos a título de remuneração de patrono nos termos da presente lei”.

[30]Nesse sentido, DIDIER JR., Fredie e OLIVEIRA, Rafael. Benefício…, cit., pp. 20-21.

[31]No direito brasileiro a Lei nº 1.060/1950 é expressa em tal sentido, nos seguintes termos: ”São individuais e concedidos em cada caso concreto os benefícios de assistência judiciária, que se não transmitem ao cessionário de direito e se extinguem pela morte do beneficiário, podendo, entretanto, ser concedidos aos herdeiros que continuarem a demanda, e que necessitarem de tais favores na forma estabelecida nesta Lei” (art. 10). No direito português a referida Lei 34/2004, de 29 de julho, dispõe o seguinte: “Art. 7º. 4 – A protecção jurídica não pode ser concedida às pessoas que alienaram ou oneraram todos ou parte dos seus bens para se colocarem em condições e o obter, nem, tratando-se de apoio judiciário, aos cessionários do direito ou objecto controvertido, quando a cessão tenha sido realizada com o propósito de obter aquele benefício” (grifo nosso). “Art. 11º. 1 – A protecção jurídica caduca nas seguintes condições: a) Pelo falecimento da pessoa singular ou pela extinção ou dissolução da pessoa colectiva a quem foi concedido, salvo se os sucessores na lide, no incidente da sua habilitação, juntarem cópia do requerimento de apoio judiciário e os mesmos vierem a ser deferidos”.

[32]Nesse sentido, afirma José Carlos Barbosa Moreira, após deixar claro que a gratuidade da justiça não abrange as multas processuais: “a pobreza não justifica, ao nosso ver, a concessão de um bill de indenidade quanto a comportamentos antijurídicos” (O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo. In Temas de direito processual. Quinta Série. São Paulo: Saraiva, 1994, pp. 52-53). 

[33]Na doutrina brasileira afirmam, por exemplo, Fredie Didier Jr. e Rafael Oliveira que é “a gratuidade judiciária não abrange, nem poderia abranger, as multas processuais”, apesar de que adiante afirmam que é “um contra-senso impor ao beneficiário multa coercitiva. Nesses casos, melhor seria que o magistrado se valesse de outra medida coercitiva (art. 465, parágrafo 5º do CPC) para a efetivação da tutela jurisdicional. De qualquer sorte, porquanto seja, em tese, possível a cominação, a gratuidade não isentaria o beneficiário do seu pagamento” (In Benefício…, cit., p. 11).

[34]No direito português a Lei nº 34/2004, de 29 de julho de 2004 é expressa no sentido de prescrever que “o acesso ao direito compreende a informação jurídica e a protecção jurídica” (art. 2º, 2). De outro lado, dispõe o art. 4º, da referida Lei: “Incumbe ao Estado realizar, de modo permanente e planejado, acções tendentes a tornar conhecido o direito e o ordenamento legal, através de publicação e de outras formas de comunicação, com vista a proporcionar um melhor exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres legalmente estabelecidos”. De seu turno, reza o art. 5º da referida Lei: “1 – No âmbito das acções referidas no artigo anterior serão gradualmente criados serviços de acolhimento nos tribunais e serviços judiciários. 2 – Compete à Ordem dos Advogados, com a colaboração do Ministério da Justiça, prestar a informação jurídica, no âmbito da protecção jurídica, nas modalidades de consulta jurídica e apoio judiciário”.

[35]No direito português a Lei nº 34/2004, de 29 de julho dispõe, de certo modo, sobre o assunto nos seguintes termos: “Art. 14º. 1 – A consulta jurídica abrange a apreciação liminar da inexistência de fundamento legal da pretensão, para efeito de nomeação de patrono oficioso. 2 – A consulta jurídica pode compreender a realização de diligências extrajudiciais ou comportar mecanismos informais de mediação e conciliação, conforme constar do regulamento dos gabinetes de consulta jurídica. 3 – Da apreciação que conclua pela inexistência de fundamento legal de pretensão cabe reclamação para o conselho distrital da Ordem dos Advogados, que assegura sempre a reapreciação, nos termos do regulamento dos gabinetes de consulta jurídica”.

[36]No Brasil muitos Estados-membros instituíram órgãos de defensoria pública. Mas o Estado-membro mais rico da federação brasileira (São Paulo) atribui tal serviço à própria Procuradoria do Estado, que é o órgão encarregado de defender o Estado. A União deixava os necessitados relegados à sorte, ou seja, não tinha defensoria pública nem atribuía tal função a nenhum órgão público, e só instituiu defensoria pública a partir de 2001, apesar de tal exigência constar expressamente na Constituição de 1988 (art. 134 e parágrafo 1º) e na Lei Complementar nº 80/1994. Em Portugal, como visto acima, não existe um serviço estatal específico de defensoria pública, ficando tal serviço a cargo da Ordem dos Advogados, com a colaboração do Ministério da Justiça (Lei nº 34/2004, de 29 de julho, artigo 5º, nº 2). 

[37]A Constituição brasileira expressa tais situações claramente conferindo ao ministério público “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, atribuições essas que estão explicitadas no art. 129, I a IX), apesar de tal legitimação não ser sempre exclusiva, conforme ressaltado pelo parágrafo 1º do referido artigo. Exemplo, no direito brasileiro, de legitimação do ministério público, embora não exclusiva, em caso de defesa de direitos individuais indisponíveis é o da defesa do interditando (cf. CPC, parágrafo 1º do artigo 1182). No direito português o ministério público é órgão de defesa do ausente e do incapaz sem representante (CPC, art. 15º).

[38]No Brasil antes da Constituição de 1988 os Estados-membos dispunham de órgãos próprios (Procuradorias) para a defesa dos seus direitos, mas curiosamente os membros da Procuradoria da República (nome dado ao Ministério Público Federal na Constituição anterior e na atual) funcionavam como órgãos do ministério público e como advogados da União. A Constituição de 1988 vedou tal possibilidade (art.129, IX) e previu a instituição da Advocacia-Geral da União, ficando a atribuição da execução fiscal, em evidente desnecessária dualidade de órgãos, a cargo da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (art. 131 e parágrafo 3º), órgão que existia anteriormente à Constituição de 1988, mas que, curiosa e inexplicavelmente, não tinha atribuição para atuar em juízo. No direito português o ministério público, dentre outras atribuições, é representante do Estado (CRP, art. 219º, 1; CPC, art. 20º).

[39]É óbvio que não se está aqui a negar que o ministério público, ao ajuizar ação civil púbica, defende interesses de toda a sociedade, inclusive agindo contra o Estado e contra administradores públicos (agentes políticos ou não), mas para tanto não se pode esconder que normalmente ele está a agir como parte contra o cidadão.

[40]No direito brasileiro o ministério público, apesar de não ser órgão integrante do Poder Judiciário, tem a mesma autonomia atribuída a tal Poder, e os seus membros tem as mesmas garantias e incompatibilidades dos juízes (CF, parágrafo 2º do art. 127 e parágrafos 5º e 6º do art. 128). No direito português os agentes do ministério público, apesar de representarem o Estado, são qualificados pela Constituição portuguesa como “magistrados” (art. 219º, nº 4), mas na verdade tal órgão “goza de estatuto próprio e autonomia” (art. 219º, nº 2) e seus agentes “não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos em lei” (art. 219º, nº 4).

[41]Consta na Constituição brasileira que “às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º” (parágrafo 2º do art. 134). Curioso é que o constituinte brasileiro não referiu tal providência à Defensoria Pública da União, Distrito Federal e Territórios, apesar de que não seria razoável uma interpretação literal no sentido de afastar a autonomia financeira desta, na medida em que a razão jurídica do dispositivo em tela é a mesma, nada justificando tratamento diferenciado. No entanto, seja em relação à União, seja em relação aos Estados a realidade fática está bem distante do quanto consta na Constituição. No ordenamento jurídico português, como visto acima, não há defensoria pública. No entanto, conforme a Lei nº 34/2004, de 29 de julho, “o acesso ao direito e aos tribunais constitui uma responsabilidade do Estado, a promover, designadamente, através, de dispositivos de cooperação com as instituições representativas das profissões forenses” (artigo 2º), que, no caso, é a Ordem dos Advogados, com a colaboração do Ministério da Justiça (art. 5º, nº 2). De outro lado, “a decisão sobre a concessão de proteção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente, de acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo à presente lei” (artigo 20º, da referida Lei).

[42]A Constituição brasileira, timidamente, embora não deixe de ser relevante, em dispositivo alusivo à Defensoria Pública da União, Distrito Federal e Territórios, diz que fica “assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais” (parágrafo 1º do art. 134). Também aqui não temos como razoável qualquer interpretação que não estenda a aplicação de tal dispositivo aos defensores públicos dos Estados-membros porque a razão jurídica do dispositivo é a mesma, nada justificando tratamento diferenciado.

[43]Como visto acima, no direito brasileiro é dever jurídico dos advogados e acadêmicos de direito a partir da 4ª série a aceitação de designação para desempenho do encargo de defensor de parte a quem fora concedido o benefício da gratuidade da justiça, salvo justo motivo (Lei nº 1.060/1950, arts. 14 e 18). No direito português o advogado nomeado pela própria Ordem dos Advogados para a propositura da ação poderá requerer pedido de escusa, com indicação dos motivos, ao referido órgão (artigo 34º, 1 a 6).

[44]No direito brasileiro impõe-se o ônus da sucumbência ao vencido, abrangendo inclusive os honorários de advogado como meio de indenizar o vencedor em relação aos valores que este desembolsou para pagar ao seu patrono (CPC, art. 20). Eis que a Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) dispõe no art. 23 o seguinte: “Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo o próprio advogado direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”. Tal dispositivo não pode ser interpretado literalmente porque estaria a consagrar o direito ao advogado a receber do cliente duas vezes (o que recebeu por força do contrato e o que o cliente receberia como meio de ressarcimento do que pagou ao seu advogado). Se o advogado nada recebeu do cliente sem dúvida que os honorários de sucumbência constituem crédito daquele; se já recebeu do cliente o que tinha que receber o dispositivo não se aplica, a não ser que exista contrato escrito de prestação do serviço profissional com tal cláusula, circunstância que o advogado, por imperativos jurídicos e principalmente éticos, deve deixar muito clara ao cliente. No direito português previu-se o pagamento de honorários pelas custas, nos termos do art. 454º, 1, que dispõe: “Os mandatários judiciais e técnicos da parte vencedora podem requerer que o seu crédito por honorários, despesas e adiantamentos seja, total ou parcialmente, satisfeito pelas custas que o seu constituinte tem direito a receber da parte vencida. Se assim o requererem, é ouvida a parte vencedora e em seguida se decidirá”. No entanto, dispõe o nº 3, do mesmo artigo que “a remuneração devida ao solicitador de execução e o reembolso das despesas por ele feitas, assim como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, mas integram as custas que ele tenha direito a receber do réu ou executado”.

[45]Disse Rui Barbosa, com muita expressividade, em discurso que fez como paraninfo dos alunos concluintes do ano de 1920, do curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade” (In Oração aos moços. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 53).

[46]Como salientado por Owen Fiss ao mostrar as anomalias do acordo ante as disparidades de recursos entre as partes, a parte mais pobre “pode necessitar, de imediato, da indenização que pleiteia e, desse modo, ser induzida à celebração de um acordo como forma de acelerar o pagamento, mesmo ciente de que receberá um valor inferior ao que conseguiria se tivesse aguardado o julgamento. Todos os autores de ações judiciais querem suas indenizações imediatamente, mas um autor muito pobre pode ser explorado por um réu rico, pois sua necessidade é tão grande que o réu pode compeli-lo a aceitar uma quantia inferior àquela a que tem direito”. FISS, Owen. Um novo processo civil: estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade. Tradução: Daniel Porto Godinho da Silva e Melina de Medeiros Rós. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 125.

[47]ARMELIN, Donaldo. Acesso à justiça. Cit., p. 173.

[48]Para a análise deste problema costuma-se relacionar a população com a quantidade de juízes existentes. Pensamos, no entanto, que o mais acertado, porque se trata de critério mais objetivo e mais direto, é relacionar processos pendentes com juízes existentes. É claro que o fator quantidade de processos também é um dado variável a depender da maior ou menor complexidade dos casos submetidos a julgamento, mas forçoso é convir que processos simples e processos complexos existem em qualquer lugar. Ademais, não se perca de vista que o critério populacional pode variar muito em função do grau de litigiosidade existente em determinada localidade, não se devendo perder de vista que há forte tendência, como visto acima, a que haja maior quantidade de litígios e, assim, maior quantidade de processos, quanto maior for o nível de desigualdade econômica entre as pessoas.  

[49]No Brasil, por exemplo, a Constituição dispõe no que se refere a tais matérias o seguinte: “compete privativamente: I – aos tribunais: c) prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição; d) propor a criação de novas varas judiciárias; e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecido o disposto no art. 169, parágrafo único, os cargos necessários à administração da Justiça, exceto os de confiança assim definidos em lei; II – ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores; b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores; d) a alteração da organização e da divisão judiciárias” (art. 96); “ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira; os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias” (art. 99 e parágrafo 1º). A Constituição portuguesa remete à lei “os requisitos e as regras de recrutamento dos juízes dos tribunais judiciais de primeira instância”, mas é expressa no sentido de determinar que “o recrutamento dos juízes dos tribunais judiciais de segunda instância faz-se com prevalência do critério do mérito, por concurso curricular entre juízes da primeira instância”, e que “o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça faz por concurso curricular aberto aos magistrados judiciais e do Ministério Público e a outros juristas de mérito, nos termos que a lei determinar” (art. 215º, 2, 3 e 4). De sua vez, o artigo 217º., da mesma Constituição dispõe, verbis: “Artigo 217º. 1. A nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da acção disciplinar competem ao Conselho Superior da Magistratura, nos termos da lei. 2. A nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais, bem como o exercício da acção disciplinar, competem ao respectivo conselho superior, nos termos da lei. 3. A lei define as regras e determina a competência para a colocação, transferência e promoção, bem como para o exercício da acção disciplinar em relação aos juízes dos restantes tribunais, com salvaguarda das garantias previstas na Constituição”.      

[50]SANTOS, Boaventura Sousa. Introdução à sociologia…, cit., p. 127.

[51]A Constituição brasileira apresenta um conceito extremamente vago ao tratar da necessidade de criação desses juizados especiais quando fala em causas cíveis de menor complexidade (art. 98, I). Ora, um dos conceitos mais complexos em qualquer plano, principalmente no plano jurídico, é o conceito de complexidade. Há uma tendência a que quanto mais baixo o valor econômico da causa menos complexo ela deve ser. Mas isso não passa de tendência, ou seja, não pode ser considerado como dado único com todas as suas consequências, até porque nem toda causa tem conteúdo econômico. Há que se analisar o caso concreto, porquanto uma causa pode ter um valor econômico baixo e ser de média ou grande complexidade, do mesmo modo que pode ter um valor econômico elevado e ser de menor complexidade. Ademais, não se pode desconsiderar o aspecto subjetivo, ou seja, a situação econômica das partes no caso concreto. O fato é que temos no Brasil duas Leis federais que regulamentam esses juizados especiais sem justificativa plausível no que se refere a diversidade de procedimento: uma, que se aplica à Justiça Estadual (Lei n. 9099/1995), apesar de não ter essa finalidade específica; outra, que se aplica à Justiça Federal (Lei n. 10.259/2001). Ambas se limitam ao critério meramente objetivo (o valor econômico da causa) para o fim de definir o que é causa de menor complexidade: a primeira considera como causa de menor complexidade, dentre outras, a que não exceder 40 vezes o salário mínimo (art. 3º), o que equivale na atualidade a R$ 14.000,00 (catorze mil reais) ou aproximadamente € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros); a segunda, sem qualquer razoabilidade na diferença de tratamento, dispõe que os juizados especiais federais tem competência para julgar causas, excluindo algumas hipóteses, até o valor de 60 salários mínimos, o que equivale na atualidade a 21 mil reais ou aproximadamente 8250 euros. No direito português, a Constituição prevê a possibilidade dos “julgados de paz” (art. 209º, 2), que estão regulamentos pela Lei nº 78/2001, de 13 de julho, descrevendo-se no artigo 8º as matérias para as quais tais “julgados” são competentes, mas também fixa um critério de valor, que não pode exceder a alçada do tribunal de 1.ª instancia (art. 7º), valor esse que, conforme o artigo 24º, 1, da Lei nº 3/99 é € 3740,80 (três mil e setecentos e quarenta euros e noventa e oito cêntimos).   

[52]No direito brasileiro percebe-se que a Lei n. 9099/1995 contém inúmeras situações de inconstitucionalidade, conforme os exemplos a seguir: a) “não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial” (art. 20), enquanto, de outro lado, “extingue-se o processo sem julgamento do mérito quando o autor deixar de comparecer a qualquer das audiências do processo” (art. 51), o que viola o princípio da isonomia, uma vez que na primeira situação há forte tendência de o demandado perder a causa, enquanto na segunda hipótese o demandante faltoso não corre tal perigo, além de retirar do demandado o direito ao julgamento do mérito da causa por ato unilateral do adversário; b) “sobre os documentos apresentados por uma das partes, manifestar-se-á imediatamente a parte contrária, sem interrupção da audiência” (parágrafo único do art. 29), o que agride o princípio da ampla defesa, na medida em que as partes poderão ter necessidade de examinar os documentos com maior rigor, o que pode exigir prazo razoável para tal manifestação; c) “não se admitirá, no processo, qualquer forma de intervenção de terceiro nem de assistência” (art. 10), dispositivo que viola o princípio da ampla defesa porque há situações em que o direito das próprias partes poderá ficar comprometido caso não se demande de logo também contra terceiros, como na hipótese de evicção, ou comprometer direitos de terceiros, caso fiquem impedidos de intervir como assistentes de alguma das partes; d) “a extinção do processo (sem exame do mérito) independerá, em qualquer hipótese, de prévia intimação pessoal das partes” (parágrafo 1º do art. 51), o que agride ao princípio do processo devido em direito, na medida em que as partes têm o elementar direito de tentar influenciar a decisão judicial, inclusive para colaborar no resultado desta, no sentido de evitar erros do juiz por falta de informação correta sobre os fatos; e) “não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento instituído por esta Lei” (art. 59), o que violenta o direito constitucional de ação, na medida em que, tal como acontece no processo civil comum, existem situações excepcionais em que há que se garantir o direito de se impugnar a própria sentença passada em julgado; f) no julgamento em segunda instância “se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão” (art. 46, 2ª parte), o que viola ao princípio da fundamentação das decisões judiciais, porquanto tal fundamentação é algo inerente ao Estado democrático de direito, além do que exigindo, como se exige, fundamentação do recurso, a repetição dos fundamentos da sentença significa que o julgamento do órgão de 2º grau não enfrentou os argumentos de fato e de direito apresentados pelo recorrente, ou seja, em nada fundamentou sua decisão.

[53]No direito brasileiro a referida Lei n. 9099/1995 dispõe que nas causas de valor até 20 salário mínimos as partes poderão postular sem advogado (art. 9º), mas “no recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por advogado” (parágrafo 2º do art. 41). No âmbito da Justiça Federal a Lei n. 10.259/2001 dispõe expressamente apenas que “as partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogados ou não” (art.10).  Na prática tem-se entendido que apenas para os recursos exige-se advogado, apesar de tal Lei nada expressar sobre o assunto. Não é novidade no Brasil o direito de postulação às partes independente de advogado muito antes da atual Constituição. Assim pode ser no processo trabalhista (cf. Consolidação das Leis do Trabalho, art. 791) e no processo penal com relação ao direito de propor ação de habeas corpus (Cf. Código de Processo Penal, art. 654). O próprio Código de Processo Civil após firmar a regra geral de que “a parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado”, insere exceção no sentido de que “ser-lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver” (art. 36). Tais situações foram questionadas a partir da Constituição de 1988, ao dispor que “o advogado é essencial à administração da justiça” (art. 133) e que “a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV” (art. 134). No direito português o Código de Processo Civil prescreve a obrigatoriedade de constituição de advogado nos seguintes casos: “a) nas causas da competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário; b) nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor; c) nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores” (art. 32º, 1). Ressalta-se a seguir que: “Nos inventários, seja qual for a sua natureza ou valor, só é obrigatória a intervenção de advogado para se suscitarem ou discutirem questões de direito”. “Quando não haja advogado na comarca, o patrocínio pode ser exercido por solicitador” (art. 32º, 3 e 4). A jurisprudência brasileira inclinou-se para o entendimento de que as exceções antes existentes não afrontavam a tais dispositivos da Constituição, bem assim que as supra referidas Leis posteriores que disciplinaram a instituição dos juizados especiais não afrontavam a Constituição quando permitiram a atuação das partes sem advogado. Na realidade, dizer que o advogado é sempre essencial à administração da justiça é inserir na Constituição uma cláusula corporativista e que constitui reserva de mercado em favor dos advogados. Ora, se um rico empresário quer defender pessoalmente os seus direitos disponíveis em juízo o problema é todo dele. Os advogados não terão motivos para preocupações porque a realidade prática revelará que essas pessoas não são idiotas para assim procederem. Certamente que constituirão advogados para a defesa dos seus direitos, e seguramente também que procurarão os melhores, não só porque não colocariam facilmente em jogo seu precioso patrimônio, como também porque não gastariam seu precioso tempo fora das suas atividades normais. O problema é o pobre. Quanto a este, com relação a quem o advogado é, efetivamente, essencial faz-se da Constituição letra morta, porque, mais do que ninguém, precisa de defesa técnica dos seus direitos, na medida em que a pobreza costuma vir acompanhada da ignorância, e ao invés de a eles se conceder advogado gratuitamente vem-se com o discurso enganador de que permitindo-se à parte o direito de postular em juízo sem advogado garante-se o acesso à justiça. Para os necessitados o advogado deve, sim, ser essencial à função jurisdicional do Estado, só que o Estado deve garantir advogado gratuito a tais pessoas. Até que concordamos em que, mesmo entre pobres, o Estado não precisaria gastar seus recursos com defensor público para causas de mínima significância, a exemplo de causas em que se pede indenização porque o cão de um vizinho engoliu a galinha do outro. Mas em casos assim, a melhor solução, na linha do exposto no item seguinte, é a justiça leiga (denominada no Brasil de juizado de paz). Nesse contexto e nessa medida, temos como certo que todas essas normas que dispensam advogado para atuação em juízo no que se refere aos necessitados, quando consideráveis direitos seus estão em jogo, são inconstitucionais, na medida em que violam o princípio da ampla defesa dos direitos. Em relação ao habeas corpus observe-se que está em jogo o direito indisponível à liberdade. Até pela circunstância de que quem está ameaçado de prisão ou quem se encontra preso possivelmente terá grandes dificuldades para constituir advogado, é correto permitir o direito de ação sem advogado. Mas, mais uma vez, na verdade, o problema aqui é o necessitado. Se o rico não colocaria em dificuldades o seu patrimônio deixando de constituir advogado para defesa dos seus direitos, muito menos arriscaria a sua liberdade deixando de constituir advogado para resgatá-la. Por isso mesmo, entendemos que na ação de habeas corpus proposta pelo próprio paciente sem habilitação profissional o juiz ao mesmo tempo em que requisitar informações à autoridade coatora deve requisitar defensor público em favor do paciente para a sua defesa técnica. Nos “julgados de paz” do direito português também é facultada a postulação por advogado, sendo obrigatória a postulação por advogado “quando a parte seja cega, surda, muda, analfabeta, desconhecedora da língua portuguesa ou, se por qualquer outro motivo, se encontrar numa posição de manifesta inferioridade”, bem assim em caso de recurso (Lei nº 78/2001, de 13 de julho, artigo 38º, 2 e 3).

[54]A Constituição brasileira admite a justiça leiga, que denomina de “justiça de paz” com atribuição apenas “para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação” (art. 98, II). Como visto acima, a Constituição portuguesa também admite a existência de “julgados de paz” (art. 209º, 2), que estão regulamentados na Lei nº 78/2001, de 13 de julho, onde estão prescritos os requisitos para o exercício da função de juiz de paz, dentre os quais ser licenciado em Direito (artigo 23º) e os casos de competência de tais julgados (artigo 6º a 14º). No entanto, como igualmente gizado acima, cumpre-nos advertir que os “julgados de paz” do direito português se assimilam aos “juizados especiais” do direito brasileiro.

[55]Assim, por exemplo, no caso do direito brasileiro, a separação consensual (CPC, arts. 1120 a 1124), a confirmação de testamento particular (CPC, arts. 1130 a 1133), coisas vagas (CPC, arts. 1170 a 1176), o divórcio consensual (Lei nº 6.515/77, art. 34 e parágrafos). No direito português temos igualmente, a título de exemplo, o caso da separação ou divórcio por mútuo consentimento (cf. CPC, arts. 1419º a 1424º).

[56]A arbitragem fora instituída no Brasil com a edição da Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, cujo projeto fora da iniciativa do Senador Marco Maciel, do Partido da Frente Liberal. Essa Lei não admite questionamento das decisões do árbitro perante os órgãos jurisdicionais estatais, porque “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário” (art. 31), cabendo ação anulatória perante o Poder Judiciário em casos excepcionais no prazo de 90 (noventa) dias, após o recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento” (art 33. e parágrafo 1º). Antes de tal Lei entrar em vigor a solução arbitral estava regulamentada no Código de Processo Civil, que exigia a homologação do laudo arbitral pelo Poder Judiciário. No direito português a Lei nº 31/86, de 29 de agosto, regulamenta a chamada “arbitragem voluntária”, que equivale à arbitragem do direito brasileiro, onde não há lugar para a chamada “arbitragem necessária”, conforme o previsto em lei especial ou conforme regulamentação prevista nos artigos 1525º a 1528º, do CPC à falta de regulamentação na lei especial que imponha tal arbitragem.

[57]No direito brasileiro, essas definições se encontram, em termos, expressas no art. 81 e parágrafo único da Lei n. 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor).

[58]No expressivo dizer de Kazuo Watanabe, “litigiosidade contida” é “fenômeno extremamente perigoso para a estabilidade social, pois é um ingrediente a mais na ‘panela de pressão’ social, que já está demonstrando sinais de deteriorização do seu sistema de resistência (‘quebra-quebra’ ao atraso dos trens, cenas de violência no trânsito e recrudescimento de outros tipos de violência” (WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas do juizado especial de pequenas causas. In Juizado especial de Pequenas Causas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 2).

[59]A Constituição brasileira trata expressamente de temas envolvendo legitimação em relação à tutela jurisdicional coletiva dos direitos em mais de uma oportunidade. Assim: “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimação para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente” (art. 5º, XXI); “o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados” (art. 5º, LXX); “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência” (art. 5º, LXXIII); “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas” (art. 8º, III); “podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I – o Presidente da República; II – a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI – o Procurador-Geral da República; VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII – partido político com representação no Congresso Nacional; IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional” (art. 103, I a IX); “são funções institucionais do Ministério Público: II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição; V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas” (art. 129, II a V). Existem no direito brasileiro diversas leis disciplinando a tutela jurisdicional coletiva. A principal, porque a mais geral, é a Lei n. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), que no que se refere a legitimação dispõe o seguinte: “a ação principal e a ação cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que: I – esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil; II – inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico” (art. 5º). “O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido” (parágrafo 4º do art. 5º). Grande parcela dos juízes brasileiros tem dado interpretação restritiva aos problemas de legitimação em tutela jurisdicional coletiva. No caso do art. 5º, XXI alguns juízes têm exigido autorização individual escrita de todos os associados para que a entidade possa propor a ação em juízo, quando na verdade a norma constitucional não faz tal exigência, até porque em caso de milhares de associados os autos do processo ficariam abarrotados de papéis desnecessariamente; pensamos que essa autorização pode ser obtida por meio de aprovação em assembléias gerais dessas associações, legítima e formalmente convocadas, ressalvando-se no processo as manifestações dos vencidos minoritários que não querem defesa de seus direitos por meio da entidade associativa. O Supremo Tribunal Federal tem exigido o que chama de “pertinência temática”, ou seja, a vinculação entre o sujeito autor da ação e o objeto desta, para admitir a legitimação de Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Governador de Estado ou do Distrito Federal e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, principalmente em relação à última. Ora, como não existe norma constitucional prevendo tal restrição, a discussão sobre a constitucionalidade das leis e atos do poder público é tão relevante para toda a sociedade, não só para fazer respeitar a lei máxima da nação, como também para evitar demandas individuais em massa, que pensamos que a solução melhor ao caso está numa interpretação mais ampla, nunca numa interpretação que, mais do que restritiva, cria situações que o constituinte não previu para evitar o exame do mérito de causas de altíssima relevância política e social. No direito português consta na Constituição da República disciplina a respeito da ação popular: nos seguintes termos: “É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para: a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural; b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais” (art. 52º, nº 3, a e b). A ação popular está regulamentada pela Lei nº 83/95, de 31 de agosto. Dispõe também a Constituição portuguesa sobre o controle abstrato de constitucionalidade, inclusive em caráter preventivo, e inconstitucionalidade por omissão (arts. 278º, 279º e 281º a 283º).