A Tábua Principiológica do Direito das Famílias: Comentários à Influência do Pós-Positivismo no Ordenamento Brasileiro


PorJeison- Postado em 12 novembro 2012

Autores: 
RANGEL, Tauã Lima Verdan.

 

Resumo:      Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea.

Palavras-chaves: Princípios. Vetores de Interpretação. Pós-Positivismo

Sumário: 1 Considerações Iniciais; 2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo no Ordenamento Brasileiro; 3 Princípio da Pluralidade das Entidades Familiares; 4 Princípio da Isonomia entre os Cônjuges/Companheiros; 5 Princípio da Isonomia entre os Filhos; 6 Princípio do Planejamento Familiar e da Paternidade Responsável; 7 Princípio da Dissolução do Casamento ou da Ruptura do Afeto; 8 Princípio da Solidariedade Familiar; 9 Princípio da Afetividade.


 

1 Considerações Iniciais

            Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.

            Com espeque em tais premissas, cuida hastear como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.

            Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais.

            Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.

Diante de tais ponderações, ressaltar se faz imperioso que com a inauguração de uma visão civilista, consolidada, maiormente, com a construção e promulgação do Estatuto de 2002,certos valores que, em momento passado, tinham amplo e farto descanso, já que eram a substancialização das características da sociedade dos séculos XIX e XX, não gozam de sedimento para se nutrir nem sustentáculos robustos para justificar sua manutenção. Ao reverso, passaram a ser anacrônicos e dispensáveis, sendo, por extensão, substituídos por uma gama de novos corolários e baldrames, que refletem a realidade vigente, abarcando os aspectos mais proeminentes da coletividade.

Neste diapasão, calha sublinhar, com grossos traços, que o Diploma em apreço abarcou tanto premissas de cunho patrimonialista, oriundas do antigo Códex de 1916, como a visão humanitarista e social preconizada e substancialmente valorizada pela Carta Magna, baseando-se nos valores da pessoa humana, da criança, do adolescente, do idoso, do consumidor, do deficiente e da família.  Desta feita, cumpre afirmar que maciças foram as alterações trazidas pela Lei N°. 10.406/2002 que, praticamente, todos os ramos que o constituem sofreram grandes mudanças, dentre os quais está à parte dos Contratos. Denota-se também a relevante valoração de certos mandamentos e preceitos que em outros tempos foram renegados a uma segunda categoria, dentre os quais o princípio da solidariedade familiar, da pluralidade das entidades familiares e da isonomia entre os cônjuges/companheiros, sem olvidar da igualdade entre os filhos.

2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo no Ordenamento Brasileiro

            Ab initio, tendo como pilares de apoio as lições apresentadas por Marquesi[4] que, com substancial pertinência, dicciona que os postulados e dogmas se afiguram como a gênese, o ponto de partida ou mesmo o primeiro momento da existência de algo. Nesta trilha, há que se gizar, com bastante ênfase, que os princípios se apresentam como verdades fundamentais, que suportam ou asseguram a certeza de uma gama de juízos e valores que norteiam as aplicações das normas diante da situação concreta, adequando o texto frio, abstrato e genérico às nuances e particularidades apresentadas pela interação do ser humano. Objetiva, por conseguinte, com a valoração dos princípios vedar a exacerbação errônea do texto da lei, conferindo-lhe dinamicidade ao apreciar as questões colocadas em análise.

            Com supedâneo em tais ideários, salientar se faz patente que os dogmas, valorados pelas linhas do pós-positivismo, são responsáveis por fundar o Ordenamento Jurídico e atuar como normas vinculantes, verdadeiras flâmulas desfraldadas na interpretação do Ordenamento Jurídico. Desta sorte, insta obtemperar que “conhecê-los é penetrar o âmago da realidade jurídica. Toda sociedade politicamente organizada baseia-se numa tábua principiológica, que varia segundo se altera e evolui a cultura e modo de pensar”[5]. Ao lado disso, em razão do aspecto essencial que apresentam, os preceitos podem variar, de maneira robusta, adequando-se a realidade vigorante em cada Estado, ou seja, os corolários são resultantes dos anseios sagrados em cada população. Entrementes, o que assegura a característica fundante dos axiomas é o fato serem “galgados à condição de cânone escrito pelos representantes da nação ou de regra costumeira à qual democraticamente aderiu o povo” (MARQUESI, 2009).

Nesta senda, os dogmas que são salvaguardados pela Ciência Jurídica passam a ser erigidos à condição de elementos que compreendem em seu bojo oferta de uma abrangência mais versátil, contemplando, de maneira singular, as múltiplas espécies normativas que integram o ordenamento pátrio. Ao lado do apresentado, com fortes cores e traços grosso, há que se evidenciar que tais mandamentos passam a figurar como super-normas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo[6]. Os  corolários passam a figurar como verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar[7]. Com efeito, essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que integram ao ramo Civilista da Ciência Jurídica, mormente o Direito das Famílias e o aspecto afetivo contido nas relações firmadas entre os indivíduos.

Em decorrência de tais lições, destacar é crucial que o Código de 2002 deve ser interpretado a partir de uma luz emanada pelos valores de maciça relevância para a Constituição Federal de 1988. Isto é, cabe ao Arquiteto do Direito observar, de forma imperiosa, a tábua principiológica, considerada como essencial e exaltada como fundamental dentro da Carta Magna do Estado Brasileiro, ao aplicar a legislação abstrata ao caso concreto. A exemplo de tal afirmativa, pode-se citar tábua principiológica que orienta a interpretação das normas atinentes ao Direito das Famílias.Com o alicerce no pontuado, salta aos olhos a necessidade de desnudar tal assunto, com o intento de afasta qualquer possível desmistificação, com o fito primordial de substancializar um entendimento mais robusto acerca do tema.

3 Princípio da Pluralidade das Entidades Familiares

            Dentre os dogmas que orientam o Direito das Famílias, cuida salientar, inicialmente, acerca do princípio da pluralidade das entidades familiares, ressoando, de forma determinante, com  a realidade contida nas interações sociais. Anote-se, por oportuno, que o Ordenamento Pátrio, até a promulgação da Constituição da República Federativa de 1988, jungido em valores patrimoniais, assentava como núcleo familiar tão somente o constituído pelo vínculo matrimonial, renegando às demais entidades a uma situação de subcategoria, à margem do considerado como aceitável pela sociedade. “O Texto Constitucional alargou o conceito de família, permitindo o reconhecimento de entidades familiares não casamentárias, com a mesma proteção jurídica dedicada ao casamento[8]. Ao lado disso, cuida salientar que, de maneira expressa, a Carta Cidadã, no caput do artigo 226 consagrou que: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”[9].

            Ora, há que se reconhecer que o Constituinte tão somente positivou uma situação que vigorava em milhares de famílias brasileiras, reconhecendo, por via de consequência, que a constituição de um núcleo familiar é algo natural, oriundo das interações afetivas nutridas entre indivíduos. De outra banda, o casamento se afigura como uma solenidade, uma convenção estabelecida pela sociedade. Nesta esteira, com o escopo de adaptar a Ciência Jurídica aos anseios da sociedade, conferindo aos Diplomas Legais congruência com a atmosfera social em que incidem, mister se fez a adequação das normas a um cenário consolidado pela coletividade e que reclamava do Estado a devida proteção. Destarte, conforme se extrai do dispositivo legal supramencionado, Farias e Rosenvald salientam que “não somente a família originada através do casamento, bem como qualquer outra manifestação afetiva como a união estável e a família monoparental – formada pela comunidade de qualquer dos  pais e seus descendentes”[10].

            Ao lado disso, cuida evidenciar que a família, em ressonância ao burilado na Carta da República de 1988, deve ser interpretada em um sentido amplo, independentemente do modelo adotado. Assim, seja qual for a espécie, o Poder Público deverá a ela dispensar especial proteção, logo, tanto as células familiares constituídas de maneira solene, a exemplo do casamento, como a oriunda de relações informais, sem a origem solene, como a união estável, reclamarão proteção do Ente Estatal. Trata-se, com efeito, de um rol meramente exemplificativo o contido no artigo 226 da Constituição Federal, sendo, inclusive, tal interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal, o qual considerou como entidade familiar a união constituída entre duas pessoas do mesmo sexo, denominada “união homoafetiva”. Para tanto, à guisa de robustecimento das ponderações acima apresentadas, há que se trazer à colação o seguinte aresto:

Ementa: União Civil entre pessoas do mesmo sexo - Alta relevância social e jurídico-constitucional da questão pertinente às uniões homoafetivas - Legitimidade Constitucional do reconhecimento e qualificação da união estável homoafetiva como entidade familiar: Posição consagrada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF) - […]   Reconhecimento e qualificação da união homoafetiva como entidade familiar. - O Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) - reconhece assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em consequência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares. - A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à qualificação das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do gênero entidade familiar. - Toda pessoa tem o direito fundamental de constituir família, independentemente de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. A família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas. [...] (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE 477554 AgR/ Relator Ministro Celso de Mello/ Julgado em 16.08.2011/ Publicado no DJe-164/ Divulgado em 25.08.2011/ Publicado em 26.08.2011)

            A partir do entendimento jurisprudencial coligido, infere-se que não mais merecem prosperar os debates acalorados existentes nos Tribunais Pátrios, cingidos na discussão da união entre pessoas do mesmo, sendo, por vezes, tal entidade familiar renegada ao direito obrigacional, afastando-a da proteção inserta no Texto Constitucional. Como bem acinzela Rolf Madaleno[11], com prodigiosa pertinência, não mais é admissível o deslocamento de tal entidade familiar para o direito obrigacional, porquanto a família não se constitui apenas de pai, mãe e prole, ao reverso, é precedida de uma estruturação psíquica em que cada um dos seus integrantes ocupa um lugar determinado, uma função, sem que haja a necessidade de estarem biologicamente atrelados.

            Nessa linha de exposição, ainda, há que se obtemperar que a família se apresenta como base da sociedade, como expressamente referência faz o artigo 226 da Constituição Federal, gozando de especial proteção do Estado, eis que cumpre a função que a sociedade contemporânea destinou à entidade, qual seja: transmitir a cultura e formar a pessoa humana. Em razão do pontuado, mister se faz a sua compreensão como sistema democrático, afigurando-se como um espaço aberto ao diálogo entre os seus integrantes, na qual se ambiciona a felicidade e a realização plena. “Ademais, ao reservar 'especial proteção do Estado' ao núcleo familiar, o Texto Constitucional deixa antever que o pano de fundo da tutela que lhe foi emprestada é a própria afirmação da dignidade da pessoa humana[12].

            Destarte,a proteção da entidade familiar tem como ponto de alicerce a premissa que aquela se revela como tutela avançada da pessoa humana, substancializando no plano concreto, real, a dignidade erigida de modo abstrato. Trata-se da utilização do núcleo como instrumento apto ao desenvolvimento da personalidade humana, salvaguardando, por conseguinte, a realização plena de seus membros. Igualmente, retira-se o aspecto essencialmente econômico e reprodutivo da entidade familiar, não mais prosperando a aproximação daquela com o ideário de produção, avançando, por extensão,  para uma compreensão arrimada em aspectos socioafetivos, nos quais se verifica a formação de uma unidade e de mútua ajuda, logo, é fato que restam materializados novos arranjos familiares. O casamento, com a nova sistemática consolidada no Texto Constitucional, é abandono como ponto robusto para buscar a proteção e o desenvolvimento da personalidade do indivíduo. A dignidade da pessoa humana, desfraldado como superprincípio do Ordenamento Pátrio, passa a sobrepujar, de forma determinante,  os valores simplesmente patrimoniais.

4 Princípio da Isonomia entre os Cônjuges/Companheiros

            Em uma primeira plana, cuida salientar que a igualdade reclamada entre homem e mulher é contemporânea, fruto dos múltiplos avanços sociais e culturais que passaram a orientar a sociedade, notadamente a partir do final do século XIX, com o surgimento do movimento feminista, em 1848[13]. Buscou-se, robustamente, afastar a mulher do jugo masculino, vindicando essa direitos e proteção igualitárias, colocando termo a qualquer espécie de discriminação. Restou substancializada, desta sorte, a superação definitiva do caráter patriarcal do Direito de Família. “No Direito de Família a revolução surgida com o advento da Constituição Federal de 1988 retira de sua gênese o caráter autoritário da prevalência da função masculina, quando tratou de eliminar as relações de subordinação[14], que existiam nos núcleos familiares. Ao lado disso, insta anotar que a  Constituição Federal salvaguardou, de maneira expressa, no caput do artigo 5º, o corolário da isonomia, em especial quando dicciona que todos são iguais perante a lei, estabelecendo as flâmulas orientadoras que a interpretação e aplicação do arcabouço normativo deverão, imperiosamente, observar, quando de sua incidência.

            Com cores fortes e grossos traços, o inciso I do aludido dispositivo traça que Art. 5º[omissis]I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”[15]. Reafirma, ainda, a Carta de Outubro, ao tratar especificamente da família, em seu artigo 226, prescreve os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, materializando, desta sorte, o princípio em explanação. “A evidente preocupação constitucional em ressaltar a igualdade substancial entre homem e mulher parece decorrer da necessidade de pôr cobro a um tempo discriminatório[16], no qual o homem exercia a chefia do núcleo familiar, estando a mulher condicionada a um patamar de subserviência.

            Nessa esteira de exposição, impende suscitar que aprouve ao Constituinte sagrou, com sulcos profundos, a igualdade substancial no plano familiar, rechaçando qualquer espécie de discriminação decorrente do estado sexual. Insta evidenciar que não ambiciona o dispositivo constitucional a igualdade física ou psicológica entre o homem e a mulher. Ao contrário, busca o dogma em comento proibir o tratamento jurídico distinto entre pessoas que se encontram alocadas na mesma situação. Todavia, gize-se, subsiste a possibilidade de tratamento diferenciado entre aqueles, desde que haja um rotundo motivo justificador, ou seja, sempre que se encontrarem em posições diversas, que reclamem um tratamento discrepante. Um claro exemplo a ser colacionado, tange ao fato da prerrogativa de foro da mulher, nas separações judiciais e na de conversão da separação judicial em divórcio. Neste sentido, colaciona-se o seguinte aresto:

Ementa: Direito Constitucional. Princípio da Isonomia entre homens e mulheres. Ação de Separação Judicial. Foro Competente. Art. 100, I do Código de Processo Civil. Art. 5º, I e Art. 226, § 5º da CF/88. Recepção. Recurso Desprovido. O inciso I do artigo 100 do Código de Processo Civil, com redação dada pela lei 6.515/1977, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. O foro especial para a mulher nas ações de separação judicial e de conversão da separação judicial em divórcio não ofende o princípio da isonomia entre homens e mulheres ou da igualdade entre os cônjuges. Recurso extraordinário desprovido.(Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE 227114/ Relator Ministro Joaquim Barbosa/Julgado em 22.11.2011/ Acórdão Eletrônico DJe-034/ Divulgado em 15.02.2012/ Publicado em 16.02.2012/ RT v. 101, n. 919, 2012, p. 694-699)

 

            Há que se reconhecer que o ideário de isonomia não está adstrito tão somente aos cônjuges, eis que a igualdade dos indivíduos, ainda que não estejam civilmente casados, como ocorrer nas uniões estáveis, reclamam tratamento igualitário nas relações afetivas. Plus ultra, mister se faz anotar que tal preceito é, maiormente, axioma estruturante do Estado Democrático de Direito, como elemento que salvaguarda a dignidade da pessoa humana, “traduzida pela solidariedade econômica dos cônjuges, que passam a contribuir com o seu trabalho no atendimento das necessidades de seu grupo familiar[17], além de outras diretivas decorrentes do calor da evolução isonômica. Ao lado disso, a isonomia conjugal, consagrada no Texto Constitucional, afastou todo o arcabouço normativo que consagrava o tratamento diferenciado entre os cônjuges.

            Outrossim, ruiu instituições tradicionais que vigoravam, notadamente a chefia masculina da célula familiar e o pátrio poder, como também a exclusiva administração do acervo patrimonial exclusivamente pelo cônjuge varão. Ademais, em outro viés, a mulher passou a gozar de responsabilidades, compartilhando com o homem ônus que, outrora, estavam a ele relacionados, passando a participar das decisões familiares, bem assim contribuir monetariamente para a mantença da família, quando ela exerce uma atividade remunerada. Nesta esteira, há que se trazer à colação o seguinte entendimento:

Ementa: Direito Civil. Pátrio Poder. Guarda. Permuta de Imóveis mediante alvará. Não audiência do pai separado. Anulação do Ato Jurídico. Recurso Não Conhecido. I  - Não tendo o pai, judicialmente separado, sido ouvido quanto à conveniência da permuta envolvendo imóveis de seus filhos menores, mesmo estando estes sob a guarda da mãe, viciado se apresenta o ato jurídico, praticado em ofensa ao instituto do pátrio poder. II - A legislação que rege o pátrio poder recebeu consideráveis alterações em face do 'Estatuto da Criança e do Adolescente' e, especialmente, do princípio da igualdade jurídica dos cônjuges, agasalhado na Constituição Vigente. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 7.659/SP/ Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira/ Julgado em 16.04.1991/ Publicado no DJ em 20.05.1991, p. 6536)

            Nesse alamiré, verifica-se que os feixes dogmáticos irradiados do princípio da isonomia entre os cônjuges objetivam estabelecer uma relação afetiva horizontal, sem que haja a subordinação da mulher em relação ao homem, como acontecia no passado. Não mais subsiste, com efeito, a visão de que a entidade familiar era hierarquizada, tendo a figura masculina, in casu, o cônjuge varão o detentor das tomadas de decisão, incumbindo ao cônjuge virago tão somente cumpri-las, sem questionar ou mesmo opinar.

5 Princípio da Isonomia entre os Filhos

            Com clareza solar, o artigo 227 da Constituição Federal, em seu parágrafo 6º, hasteia o princípio da isonomia entre os filhos, afixando que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação[18]. Por oportuno, cuida evidenciar que o ideário de igualdade, enquanto flâmula orientadora, tem o condão de obstar as distinções entre filhos, cujo o argumento de fundamentação é a união que une os genitores, casamento ou união estável, além de repudiar as diferenciações alocadas na origem biológica ou não. “Não há mais, assim, a possibilidade de imprimir tratamento diferenciado aos filhos em razão de sua origem. Sequer admite-se qualificações indevidas dos filhos[19].

            Ora, com supedâneo em tal sedimento, é plenamente possível anotar que que todo e qualquer filho gozará dos mesmos direitos e proteção, seja em órbita patrimonial, seja em âmbito pessoa. Destarte, todos os dispositivos legais que, de maneira direta ou indireta, acinzelem algum tratamento diferenciado entre os filhos deverão ser rechaçados do Ordenamento Pátrio. Operou-se, desta sorte, a plena e total equiparação entre os filhos tanto na constância da entidade familiar como aqueles tidos fora de tal entidade, bem assim os adotivos. Ademais, não mais prosperam as regras discriminatórias que antes nomeavam os filhos como sendo ilegítimos. Trata-se, com efeito, da promoção da dignidade da pessoa humana, superprincípio hasteado pelo Ordenamento Pátrio como pavilhão, que fora, em razão dos costumes e dogmas adotados pelo Códex de 1916 olvidados. Colaciona-se, além disso, o entendimento jurisprudencial que obtempera:

Ementa: Direito de Família. Filiação Adulterina. Investigação de Paternidade. Possibilidade Jurídica. I - Em face da nova ordem constitucional, que abriga o princípio da igualdade jurídica dos filhos, possível é o ajuizamento da ação investigatória contra genitor casado. II – Em se tratando de direitos fundamentais de proteção a família e a filiação, os preceitos constitucionais devem merecer exegese liberal e construtiva, que repudie discriminações incompatíveis com o desenvolvimento social e a evolução jurídica. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 7.631/RJ/ Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira/ Julgado em 17.09.1991/ Publicado no DJ em 04.11.1991, p. 15688)

            Nesse diapasão, a mais proeminente consequência da afirmação do corolário da isonomia entre os filhos é tornar o interesse menorista o essencial critério de solução de conflitos que envolvam crianças ou adolescentes, inserindo robustas alterações no poder familiar. Ao lado disso, cuida citar as ponderações de Madaleno, “embora ainda não tenha sido atingido o modelo ideal de igualdade absoluta da filiação, porque esquece a lei a filiação socioafetiva, ao menos a verdade biológica e a adotiva não mais encontram resquício algum de diferenciação e tratamento[20].

            Insta salientar que, conquanto a legislação não tenha consagrado a proteção a filiação socioafetiva, os Tribunais de Justiça, com fincas no superprincípio da dignidade da pessoa humana, têm ofertado respaldo a tal situação. Afora isso, impender negritar que a estruturação de uma relação pautada em liames socioafetivos, de maneira indelével e robusta, a existência do filho afetivo assegura o direito subjetivo, inclusive, de vindicar em juízo o reconhecimento desse vínculo. No mais, deve a filiação socioafetiva ser inconteste, reunindo, via de consequência, além do óbvio convívio entre os possíveis genitores e os pretensos filhos, elemento concretos, que demonstrem, com segurança, que aqueles detinham o desejo de exercerem a condição de pais, conjugado com o nome, o tratamento e os fatores caracterizadores da posse do estado de filho. Cita-se, oportunamente, o seguinte entendimento jurisprudencial que se coaduna com o lançado a campo:

Ementa: Civil e Processual Civil. Recurso Especial. Família. Reconhecimento de Paternidade e Maternidade Socioafetiva. Possibilidade. Demonstração. 1. A paternidade ou maternidade socioafetiva é concepção jurisprudencial e doutrinária recente, ainda não abraçada, expressamente, pela legislação vigente, mas a qual se aplica, de forma analógica, no que forem pertinentes, as regras orientadoras da filiação biológica. 2. A norma princípio estabelecida no art. 27, in fine, do ECA afasta as restrições à busca do reconhecimento de filiação e, quando conjugada com a possibilidade de filiação socioafetiva, acaba por reorientar, de forma ampliativa, os restritivos comandos legais hoje existentes, para assegurar ao que procura o reconhecimento de vínculo de filiação sociafetivo, trânsito desimpedido de sua pretensão. 3. Nessa senda, não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva, na qual se encontre caracterizada, de maneira indelével, a posse do estado de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo, o reconhecimento desse vínculo, mesmo por meio de ação de investigação de paternidade, a priori, restrita ao reconhecimento forçado de vínculo biológico. […] (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1189663/RS/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 06.09.2011/ Publicado no DJe em 15.09.2011)

Ementa: Direito civil. Família. Recurso Especial. Ação de anulação de registro de nascimento. Ausência de vício de consentimento. Maternidade socioafetiva. Situação consolidada. Preponderância da preservação da estabilidade familiar. […]  - O descompasso do registro de nascimento com a realidade biológica, em razão de conduta que desconsidera o aspecto genético, somente pode ser vindicado por aquele que teve sua filiação falsamente atribuída e os efeitos daí decorrentes apenas podem se operar contra aquele que realizou o ato de reconhecimento familiar, sondando-se, sobretudo, em sua plenitude, a manifestação volitiva, a fim de aferir a existência de vínculo socioafetivo de filiação. Nessa hipótese, descabe imposição de sanção estatal, em consideração ao princípio do maior interesse da criança, sobre quem jamais poderá recair prejuízo derivado de ato praticado por pessoa que lhe ofereceu a segurança de ser identificada como filha. - Some-se a esse raciocínio que, no processo julgado, a peculiaridade do fato jurídico morte impede, de qualquer forma, a sanção do Estado sobre a mãe que reconheceu a filha em razão de vínculo que não  nasceu do sangue, mas do afeto. - Nesse contexto, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, § 6º, da CF/88, envolve não apenas a adoção, como também “parentescos de outra origem”, conforme introduzido pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural. - Assim, ainda que despida de ascendência genética, a filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea deve ter guarida no Direito de Família, assim como os demais vínculos advindos da filiação. - Como fundamento maior a consolidar a acolhida da filiação socioafetiva no sistema jurídico vigente, erige-se a cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta, tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo – preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares. […] (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1000356/SP/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 25.05.2010/ Publicado no DJe em 07.06.2010)

6 Princípio do Planejamento Familiar e da Paternidade Responsável

            Alargando os horizontes para a célula familiar, aprouve ao Constituinte, ao  estruturar o parágrafo 7º do artigo 226 da Constituição da República Federativa do Brasil[21], entalhar, expressamente, a possibilidade de planejamento familiar, ao enfrentar o problema da limitação da natalidade, arrimado no ideário de paternidade responsável. Ambiciona o corolário do planejamento familiar a estruturação de núcleos familiares despidos de condições de sustento e manutenção. Ao lado do exposto, há que se considerar, também, a gama de empecilhos que são originários do “crescimento demográfico desordenado e, por isso, ao Poder Público compete propiciar recursos educacionais e científicos para a implementação do planejamento familiar[22]. De qualquer sorte, destaque-se, caberá aos cônjuges/companheiros a escolha das balizas e do modo de agir, sendo defeso a utilização de meios coercitivos, tanto por parte das instituições oficiais como particulares, para a implantação do planejamento familiar.

            Em consonância dom tais ideários, a Lei Nº. 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que regula o §7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências[23], trouxe consigo tais ideários, estabelecendo, expressamente, que o planejamento familiar se revela como o conjunto de ações que objetivam a regulação da fecundidade, garantindo, via de consequência, direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou por ambos. Trata-se, com efeito, de reconhecimento do direito do cidadão de organizar sua célula familiar. Ao lado disso, cuida salientar que “a citada norma legal, ainda, prevê que o planejamento familiar  será orientado por ações preventivas e educativas, além da garantia de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis[24] com o objetivo de dispensar uma regulação da fecundidade.

7 Princípio da Dissolução do Casamento ou da Ruptura do Afeto

            A Carta de Outubro facilitou a dissolução do casamento, notadamente a partir da Emenda Constitucional nº. 66/2010, que afastou, de maneira categórica, os pressupostos exigidos para findar o vínculo matrimonial existente. Ao lado do esposado, assinale-se que com o advento da emenda acima aludida não mais subsistem os pressupostos da separação de fato por mais de dois anos ou da separação judicial por mais de um ano para a decretação do divórcio, bem como de antecedente partilha de bens do casal. Nesse particular aspecto, consoante ensina o professor Pablo Stolze Gagliano, “com a entrada em vigor da nova Emenda, é suficiente instruir pedido de divórcio com a certidão de casamento, não havendo mais espaço para a discussão de lapso temporal de separação fática do casal ou, como dito, de qualquer outra causa específica de descasamento”[25], vigorando atualmente o princípio da ruptura do afeto ou da dissolução do casamento.

            Mister se faz anotar que a nova redação dada ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional n.º 66 possui eficácia plena e imediata, passando a não mais ser exigência para o divórcio o implemento de prazos ou condições. Ao lado do expendido, é certo que a redução do Texto Constitucional tem o condão de possibilitar que o casamento civil se dissolva imediatamente após a sua celebração se assim desejarem os contraentes, facilitando sobremaneira a concretização, no mundo jurídico, da vontade dos cônjuges em deixar de sê-lo. Plus ultra, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, hoje jubilado, ao julgar o Recurso Especial n.º 268.665/RJ, manifestou que:

[…] embora meu desapreço ao formalismo, acredito que a oportunidade de os cônjuges confirmarem perante o Juiz a sua disposição de se divorciarem é indispensável para a regularidade do processo, considerados os efeitos pessoais e patrimoniais daí decorrentes, em relação aos cônjuges e aos filhos. O casamento é uma instituição social valiosa, que a lei regula de modo detalhado, e o se desfazimento, no instante em que vivemos, requer um mínimo de formalismo, no qual se inclui o de se garantir manifestação de vontade consciente e livre. Para isso, a audiência de ratificação.

            De fato, ao se esmiuçar a moldura afetiva que contorna o Direito de Família, verdadeiro contrassenso, alinhado com os postulados emanados pelo princípio da dignidade da pessoa humana, a manutenção de institutos que obstassem o desfazimento do vínculo matrimonial. Ademais, busca-se, por meio da prescindibilidade do lapso temporal e dos requisitos outrora exigidos,  assegurar ao indivíduo a estruturação de entidades familiares que reflitam justamente os anseios e conjunção de sentimentos de seus integrantes. Afora isso, não mais subsistindo os vínculos afetivos que deram gênese à célula familiar, a facilitação da dissolução do casamento é medida que se impõe, desde que retrate o interesse das partes envolvidas na discussão. Ademais, a afetividade substancializa a própria busca pela felicidade, que decorre, implicitamente, da vasta gama de valores compreendidos no superprincípio da dignidade da pessoa humana, assumindo, por via de consequência, papel preponderante no processo de afirmação, gozo e robustecimento dos direitos fundamentais.

8 Princípio da Solidariedade Familiar

            Outro maciço corolário que constitui a tábua principiológica do Direito das Famílias, a solidariedade familiar pode ser observada no artigo 1.511 do Código Civil[26], especial quando dicciona que o casamento importa em comunhão plena de vida, eis que evidente na ausência da comunhão plena de vida, desaparece a essência do matrimônio e, por extensão, da própria entidade familiar, como sustentáculo da união estável ou mesmo qualquer associação familiar ou afetiva. Ao lado do expendido, “a solidariedade é princípio e oxigênio de todas as relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compreensão e cooperação[27], fortalecido pela ajuda mútua, quando se fizer necessário.

            Ademais, o dever de assistência imaterial entre os cônjuges/companheiros atenta-se para a comunhão espiritual nos momentos felizes e serenos, tal qual nas experiências mais tormentosas e desgastantes da vida cotidiana. Outrossim, na vida social, o cônjuge está concatenado com os ideários de solidariedade o respeito aos direitos de personalidade do seu consorte, fomentando e incentivando suas atividades sociais, culturais e profissionais, que constituem a personalidade de cada um dos integrantes do par afetivo. No que tange a crianças e adolescentes, pode-se anotar que tal corolário decorre de expressa disposição contida na Carta de 1988, em seu artigo 227[28], eis que a família se apresenta como núcleo de proteção àqueles, já que dá corpo à base da sociedade. Outrossim, tais ideários de solidariedade, em se tratando de crianças e adolescentes, são estendidos à sociedade e ao Estado prestarem a carecida proteção.

            Plus ultra, infere-se, também, a manifestação de tal axioma na solidariedade no âmbito dos alimentos, já que robustece o dever de mútua assistência material, ainda que em diferentes vertentes, quando se trata do idoso, o qual goza de autonomia na escolha daquele que lhe prestará alimentos, recebendo, assim, tratamento diferenciado, conferido, expressamente, pelo artigo 12 do Estatuto do Idoso, conforme se infere da seguinte redação: “Art. 12.A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores[29]. Assim, com clareza solar, poderá o idoso optar, em havendo vários os obrigados, por um dos prestadores, em qualquer grau de parentesco, ao passo que os demais devedores deverão acionar aqueles que apresentam grau de parentesco mais próximo em detrimento daqueles que são detentores de grau de parentesco mais remoto.

9 Princípio da Afetividade

            Ao se analisar as relações compreendidas pelo Direito de Família, denota-se que o afeto é o axioma de sustentação dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, a fim de atribuir sentido ao corolário da dignidade da pessoa humana. O dogma ora aludido representa significativo vetor de interpretação, sendo considerado como verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o Ordenamento Pátrio vigorante, traduzindo, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta  a ordem republicana e democrática, salvaguardada pelo sistema de direito constitucional positivo. “A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto[30]. Com efeito, os vínculos sanguíneos não têm o condão de se sobrepor aos laços afetivos nutridos, podendo, inclusive, ser afirmada a prevalência desses em relação àqueles. Ao lado disso, o afeto, enquanto constitutivo de dogma, se revela de maciça importância, sendo, inclusive, um dos baldrames estruturantes dos argumentos que inspiraram o reconhecimento da união homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal. No mais, com bastante proeminência, Daniel Sarmento, ao lecionar acerca do tema em debate, saliento, oportunamente, que:

Enfim, se a nota essencial das entidades familiares no novo paradigma introduzido pela Constituição de 88 é a valorização do afeto, não há razão alguma para exclusão das parcerias homossexuais, que podem caracterizar-se pela mesma comunhão e profundidade de sentimentos presentes no casamento ou na união estável entre pessoas de sexos opostos, não existindo, portanto, qualquer justificativa legítima para a discriminação praticada contra os homossexuais[31].

            Ao lado disso, conforme se tem colhido em atuais entendimentos jurisprudenciais, notadamente os consolidados pelo Supremo Tribunal Federal, o afeto passou a ser reconhecido como valor jurídico imerso em natureza constitucional, apresentando-se como um novo cânon que informa e inspira a formulação da própria acepção de entidade familiar. Por oportuno, torna-se forçoso o reconhecimento que o novel ideário, no âmbito das relações familiares, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, com o fito de estabelecer direito e deveres decorrentes de vínculo familiar, consolidando na existência e no reconhecimento do afeto. Trata-se, com efeito, de reconhecer a afetividade, enquanto princípio norteador das relações familiares, notadamente contemporaneamente, qualificando para além de sua órbita ética, passando a gozar de status jurídico, impregnado de essência constitucional.

Referências:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil.  Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em    30 jul. 2012.

BRASIL. Lei Nº. 9.263, de 12 de janeiro de 1996. Regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 31 jul. 2012.

BRASIL.Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 31 jul. 2012.

BRASIL. Lei Nº. 10.741, de 1º de Outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.  Disponível em: . Acesso em 31 jul. 2012.

BRASIL.Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não-Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: . Acesso em 30 jul. 2012.

CAMARGO, Ayla. Nas origens do movimento feminista “revisitado” no Brasil: O Círculo de Mulheres de Paris. In: I Simpósio sobre Estudos de Gênero e Políticas Públicas,                   2010, jun.24-25. Londrina. Brasil. ANAIS... Disponível em: . Acesso em 31 jul. 2012.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. 

GAMA, Ricardo Rodrigues. Dicionário Básico Jurídico. 1ª ed. Campinas: Russel, 2006.

GAGLIANO, Pablo Stolze. A nova Emenda do Divórcio: Primeiras Reflexões. Disponível em: http://pablostolze.ning.com/page/artigos-2. Acesso em: 31 jul. 2012.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 2ª ed. (rev. e aum.). Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2004.

MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

MARQUESI, Roberto Wagner.Os Princípios do Contrato na Nova Ordem Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 513, 2 dez. 2004. Disponível em: . Acesso em 30 jul. 2012.

POLITO, André Guilherme. Dicionário de Sinônimos e Antônimos. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2005.

TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em: .  Acesso em 30 jul. 2012.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: .  Acesso em 30 jul. 2012. 

 

[1]              VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: .  Acesso em 30 jul. 2012.

[2]           BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: . Acesso em 30 jul. 2012.

[3]           VERDAN, 2009. Acesso em 30 jul. 2012.

[4]              MARQUESI, Roberto Wagner. Os Princípios do Contrato na Nova Ordem Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 513, 2 dez. 2004. Disponível em: . Acesso em 30 jul. 2012.

[5]           Idem.

[6]              VERDAN, 2009. Acesso em 30 jul. 2012.

[7]              TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em: .  Acesso em 30 jul. 2012.

[8]           FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 37.

[9]              BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 30 jul. 2012.

[10]             FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 38.

[11]             MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 66.

[12]             FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 38.

[13]             Neste sentido: CAMARGO, Ayla. Nas origens do movimento feminista “revisitado” no Brasil: O Círculo de Mulheres de Paris. In: I Simpósio sobre Estudos de Gênero e Políticas Públicas, 2010, jun.24-25. Londrina. Brasil. ANAIS... Disponível em: . Acesso em 31 jul. 2012.

[14]             MADALENO, 2008, p. 21.

[15]             BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 30 jul. 2012.

[16]             FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 39.

[17]             MADALENO, 2008, p. 21.

[18]             BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 30 jul. 2012.

[19]             FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 41.

[20]             MADALENO, 2008, p. 67.

[21]             BRASIL.Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 30 jul. 2012: “Art. 226 [omissis] §7º- Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.

[22]             FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 42.

[23]          BRASIL. Lei Nº. 9.263, de 12 de janeiro de 1996. Regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 31 jul. 2012.

[24]             FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 43.

[25]             GAGLIANO, Pablo Stolze. A nova Emenda do Divórcio: Primeiras Reflexões. Disponível em: http://pablostolze.ning.com/page/artigos-2. Acesso em: 31 jul. 2012.

[26]             BRASIL.Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 31 jul. 2012: “Art. 1.511.O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”.

[27]          MADALENO, 2008, p. 64.

[28]             BRASIL.Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 30 jul. 2012: “Art. 227.É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão        “.

[29]          BRASIL. Lei Nº. 10.741, de 1º de Outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.  Disponível em: . Acesso em 31 jul. 2012.

[30]             MADALENO, 2008, p. 66.

[31]          SARMENTO, Daniel. Casamento e União entre Pessoas do mesmo Sexo: Perspectivas Constitucionais in: Igualdade, Diferença e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 643.

 

Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.38110&seo=1