A restrição aos direitos políticos no coronelismo da república velha


Porwilliammoura- Postado em 03 junho 2013

Autores: 
BARBOSA, Fabricio Agnelli

Em razão do marcante coronelismo, a restrição de direitos políticos foi a marca da política da Primeira República.

Resumo: Os objetivos do presente artigo foram definir se houve restrições aos direitos políticos pelo coronelismo, quem eram os coronéis e sua relação com o poder em geral. Além disso, também se abordou se ocorreu manifestação por direitos políticos, exclusão da população desses direitos (e suas proporções, causas e resultados) no período histórico analisado, relacionando, sempre que possível, com o acréscimo ou decréscimo da cidadania política, que se dava com a definição dos que eram eleitores e o procedimento eleitoral utilizado, totalmente tendencioso. Também se elucidou sobre estatísticas do comparecimento eleitoral, reflexo da difusão dos direitos políticos e, ao final, discorreu-se sobre o porquê do estabelecimento de oligarquias e sobre uma justificativa da dominação dos eleitores pelos coronéis, apresentando-se uma futura proposta de continuidade do tema.

Palavras-chave: Coronelismo; Direitos políticos; República Velha.

Sumário: 1. Introdução - 2. O coronelismo - 3. Formas de restrição à cidadania política - 3.1 Fraude eleitoral - 3.2 Exclusão do sistema político - 4. Comparecimento do eleitor - 5. Exigência por direitos políticos - 6. Considerações finais - 7. Referências Bibliográficas.


1. Introdução

 A Primeira República do Brasil, ou República Velha, compreende o período entre 1889 e 1930. Nela, houve descentralização do poder político devido ao predomínio do interesse das elites dos grandes latifúndios, que foram determinantes na forma como os direitos políticos se deram na sociedade brasileira, que, nesse aspecto, teve sua cidadania política limitada, devido ao modo pelo qual o sistema político se desenvolveu, incluindo ou excluindo quem era interessante para o coronel. Além disso, esperava-se que o período republicano difundisse os ideais republicanos, da Revolução Francesa (que se distanciavam da distribuição de privilégios), (CARVALHO, 2001, p. 40), e, entretanto, ele foi o contrário, principalmente pela transformação do voto em mercadoria aliada à restrição à cidadania política promovida pelo Coronelismo.


2. O Coronelismo

O coronelismo foi a espinha dorsal do sistema político da Primeira República, e se caracterizava principalmente por quatro características, presentes no chefe político local, “o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto e a desorganização dos serviços públicos locais”. O chefe político local era o coronel, que traçava o destino da política, por ser em geral o dono de grandes propriedades de terra, de onde provém seu poder econômico (LEAL, 1948, p. 44).

A criação do termo “coronel” veio do posto mais alto da Guarda Nacional (que era uma milícia imperial), na qual, desde o Império, o coronel possuía influência política. Com o fim da Guarda no início do século XX, restou-lhe praticamente o poder político e suas posses. Portanto, para continuar dona dos votos, a política municipal se baseava no “pacto coronelista”, que era a venda do voto em troca dos empregos e da verba pública municipal, fatores que ficavam dominados pelo coronel e eram o princípio de seu poder (MATTOS, 2011, p. 1). Por isso, o voto era um produto muito interessante de ser adquirido. Como o Brasil era majoritariamente rural na época abordada, e os coronéis tinham controle pleno no campo, o país todo foi vítima dessa prática, que, para conseguir seus objetivos, promoveu até verdadeiras guerras civis, conflitos armados em prol de intenções políticas e filosóficas (como o Positivismo) dos coronéis, os quais não podiam perder suas eleições porque elas significavam prestígio político, autoridade pública e controle de cargos públicos, estando as fronteiras entre as disputas coronelísticas e “conflitos ideológicos obscuramente traçadas” (CARONE, 1971; HOLLANDA, 2009 apud MATTOS, 2011, p. 3).

Com tudo isso em jogo, o voto era importantíssimo na decisão de conflitos armados entre dois ou mais coronéis, por exemplo, o que nos revela que o eleitor, se era manipulado, tinha também uma arma de sobrevivência.

Outra explicação para a importância do voto é a perda da “autoridade senhorial” que o coronel possuía no Império, devido à abolição da escravidão. Logo, para continuar no comando da repressão e das benesses estatais o coronel necessitava de controle político (MATTOS, 2011, p. 5).

Dessa forma, resultava da figura do coronel a “pessoa mais poderosa do município”, e o coronelismo se constituía em uma “aliança desses chefes com os presidentes dos estados e desses com o presidente da República”, sendo um governo oligárquico, de articulação de minorias, que se mantiveram com sucesso no poder político da República Velha. Chegava-se a afirmar “para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei”, a lei do coronel (CARVALHO, 2001, p. 57). E o poder exercido por esse chefe tinha também uma legitimidade, por meio de práticas paternalistas, como a assistência social (na zona rural) com acesso a remédios, médicos, funerais, hospitais e defesa contra a polícia (CARVALHO, 2001, p. 64), fatores de muita consideração para quem tem dificuldades de subsistir por si mesmo, como era a maioria dos coagidos pelo coronel. Além desses aspectos, o federalismo posto pela Constituição de 1891, (que dava autonomia econômica para estados e municípios, prevalecendo o individualismo econômico e a descentralização política), também contribuiu para o sucesso das oligarquias, que obtiveram hegemonia principalmente da parte dos cafeicultores de São Paulo e dos grandes proprietários rurais de Minas Gerais na esfera federal (MENDONÇA, 2000, p. 316 apud VARES, 2012, p. 126). Logo, os coronéis lutavam apenas por seus direitos e interesses, sendo denominada por Campos Sales a totalidade da política coronelista baseada neles de “política dos governadores” ou “política dos estados” (apud VARES, 2012, p. 126), provavelmente em virtude das articulações políticas municípios-estados-país, caracterizada também por ser “clientelista” e ter prevalecido até 1930 (VARES, 2012, p. 126).

Apesar de comandar o cenário político conforme suas inclinações, os coronéis nem sempre usufruíam os cargos políticos de fato, podendo apoiar candidatos, que obedeceriam suas ordens, já que na estratégia de vitória do coronel estava a violência física, as ameaças, sua “influência pessoal” (porque em vários casos o eleitor dependia do coronel para sobreviver) e, na própria vitória, havia para o coronel apoio político, financeiro e militar (VARES, 2012, p. 126).


3. Formas de restrição à cidadania política

 A restrição à cidadania política da Primeira República se dava, em primeiro lugar, pela Constituição Republicana. Ela excluiu os analfabetos do direito ao voto, exigindo, para tanto, um requisito que apenas o direito social da educação poderia preencher, que era negado pela Constituição porque ela desobrigava o Estado do ensino primário, não promovendo “igualdade civil” (Canêdo, 2003, p. 531). Além disso, as mulheres não podiam votar, nem “os soldados, os mendigos e membros de ordens religiosas” (CARVALHO, 2001, p. 40). A Lei provocou retrocesso no acesso à cidadania política. Além disso, para que esta última exista, são necessários dois pré-requisitos: a independência social e a independência econômica do eleitor (não ter “voto de obediência, vínculo de responsabilidade” com organização de que seja membro e subsistir independentemente dos anseios alheios, respectivamente), (CANÊDO, 2003, p. 532), as quais se mostravam, na prática, inexistentes para a maioria da população.

 Outra forma de limitação para a independência do exercício dos direitos políticos era o processo de listagem exigido para se “colher” eleitores. Talvez ele trouxesse alguma legitimidade para quem se inserisse na política, mas faziam-se listas com o nome dos eleitores, para que eles pudessem votar, e os responsáveis por elas eram os políticos locais, já que não havia nenhum tipo de Justiça Eleitoral ou que atuasse no assunto. Desse modo, as “facções majoritárias locais” controlavam esse processo, o que resultava em listas fraudadas e incompletas, e “atas falsificadas” (CANÊDO, 2003, P. 532), de sorte que as listas chegavam a ser aceitas sem a assinatura do eleitor nos “requerimentos de inscrição eleitoral”, já que o candidato político podia assinar, o que limitava muito a cidadania política, conforme é descrito nos Anais da Câmara dos Deputados de Minas Gerais, em 1982:

Nos distritos muito disseminados, ninguém quer ser qualificado, ninguém se importa com a qualificação. Ora, o político interessado na qualificação terá que dirigir-se à casa de todos os eleitores e pedir a assinatura para requerimentos; mas a maior parte dos políticos fará os requerimentos, assinará e hão de ser reconhecidas as firmas. É melhor que a junta qualifique as pessoas que reconhecer estarem nas circunstâncias do que deixar-se esta brecha para a fraude. (RESENDE apud CANÊDO, 2003, p. 533)

 Assim, a qualificação refere-se a estar legalizado, alistado, para a eleição. Como era necessário ser, entre outras coisas, alfabetizado, os cabos eleitorais, totalmente tendenciosos, eram os responsáveis por alistar os eleitores que, (na esmagadora maioria analfabetos), quando iam se alistar, fingiam várias “moléstias” e “doenças de braço”, delegando sua assinatura a outras pessoas (porque o eleitor fisicamente impedido de assinar podia ser auxiliado) (CANÊDO, 2003, p. 533). Uma peculiaridade da votação era que, como o eleitor era fisicamente coagido, chegou a existir entre a mesa eleitoral e a sala de votação uma grade. Isso poderia ser uma tentativa de diminuir o controle sobre o eleitor, entretanto não adiantou: ele continuou preponderante devido ao uso de envelopes exigido ao eleitor, que depositava-o “diretamente na urna”; como os envelopes tinham cores e tamanhos diferentes, e eram dados pelos próprios políticos e “rubricados pelos mesários”, podia-se identificar em quem o eleitor votava (o voto continuava aberto) (CANÊDO, 2003, p. 534).

 Além disso, o direito ao voto tinha concepção “elitista e restritiva”, pelo perfil do eleitor dado pela Constituição de 1891 (MATTOS, 2011, p. 2), e o entendimento de cidadania política que se poderia ter em relação ao voto aberto era um “modelo heroico”, no sentido de que o eleitor precisava lutar por suas convicções conforme sua coragem e condições próprias permitissem (HOLLANDA, 2009 apud MATTOS, 2011, p. 3). Esses fatores não contribuíam para a difusão da cidadania política, já que o sistema anulava a oposição política (se considerar-se o número total de eleitores) e a vitória era dada pelas “juntas apuradoras, controladas pelos executivos estaduais” e pelos parlamentares eleitos anteriormente (MATTOS, 2011, p. 3), os quais tinham como base o apoio dos coronéis. Desse modo, não havia livre atuação política e nem concorrência eleitoral efetiva.

 Voltando às restrições legais, a Constituição prejudicava a cidadania política também por promover mais assuntos de liberdade individual, esquecendo-se das matérias de interesse geral, como a cidadania política plena. A discussão sobre ela estava nas mãos de “pequenos grupos políticos” (VARES, 2012, p. 124), que tinham o sistema legal a seu favor para “manobrar as massas de eleitores”, conforme foi mostrado na questão da articulação política, que não permitiu uma verdadeira participação eleitoral da maioria da população (VARES, 2012, p. 125).

 Postas essas ideias, a falta do exercício pleno de direitos políticos tinha como causa ainda a estrutura social, (dominada pelos coronéis que, com a violência de seus empregados, eram responsáveis pelo voto de cabresto, expressão dada ao voto coagido), que não dava independência aos trabalhadores do campo. Com isso, a população praticamente não possuía consciência política adequada, mesmo entre os imigrantes estrangeiros (porque eles vieram “do campo em seu país de origem”, o que nos revela a precariedade da educação nas áreas agrárias) (BATALHA, 2006, p. 165-167, apud VARES, 2012, p. 127) e, da mesma forma, não havia muito estímulo a essa consciência, se analisarmos a grande presença da fraude e da exclusão eleitoral.

3.1 Fraude eleitoral

 Nas fraudes eleitorais, desconsiderando a independência política dos eleitores, (que não existia), além da compra do voto, os coronéis tinham para seu auxílio os cabalistas, os capangas eleitorais, os fósforos e as eleições “a bico de pena”. Os primeiros deveriam garantir o voto dos alistados, não importando como, os segundos eram encarregados da violência física promovida e paga pelo coronel, protegendo seus amigos e amedrontando seus inimigos, de forma que estes não viessem para a eleição; já os terceiros eram necessários no votar mesmo, quando os eleitores precisavam de comprovar sua própria identidade: os fósforos fingiam ser o eleitor para garantir o voto de seu coronel, havendo até mesmo disputas entre dois fósforos pela mesma identidade e entre um fósforo e a pessoa verdadeira (CARVALHO, 2001, p. 34). Essas eram ferramentas utilizadas desde o Império, mas que se mantinham fortes na ordem republicana, como as eleições “a bico de pena”, que tinham esse nome por serem feitas apenas com a caneta e o papel, ou seja, sem o comparecimento dos eleitores (geralmente essas eram as eleições mais tranquilas, que geravam desconfiança, porque as eleições eram usualmente bagunçadas) (CARVALHO, 2001, p. 42).

3.2 Exclusão do sistema político

 Os excluídos em geral já foram tipificados e o que tinham em comum era principalmente o setor da classe social a que pertenciam, sendo promovida pela elite que dominava a política uma verdadeira “exclusão real dos setores subalternos, aos quais não interessava incorporar à cidadania” (LINHARES, 2000, p. 316 apud VARES, 2012, p.123). Dessa forma, praticamente 80% da população adulta brasileira estava fora da participação eleitoral em 1900, somando-se mulheres e analfabetos (CANÊDO, 2003, p. 532), o que é um retrato constante da realidade política do período republicano: excludente, seletiva e desonesta. A exclusão, claro, era mais profunda nas regiões agrárias do Brasil, nas quais o coronel tinha plenos poderes e a violência exercida por ele era maior (VARES, 2012, p. 122).

 Além dessas questões materiais, havia também a exclusão intelectual (não só no sentido do analfabetismo, mas também no de aptidão cívica para o exercício político). A aptidão cívica pode ser vista como uma qualidade de um cidadão, sua consciência política como membro da comunidade, que envolve antes a “capacidade de julgar e compreender” e a “instrução efetiva” do cidadão. Ora, é claro que a falta dela está relacionada ao analfabetismo, mas seu sentido vai além. Portanto, já no final do período republicano, em 1925, a situação brasileira era que, dos 30 milhões da população, apenas 24% eram alfabetizados e os eleitores (adultos homens alfabetizados) eram cerca de 1 milhão de pessoas, do qual “não mais de 100 mil, em cálculo otimista, têm, por sua instrução efetiva e sua capacidade de julgar e compreender, aptidão cívica no sentido político” e, se a “aptidão cívica” fosse mais rigorosa, apenas 10 mil possuíam-na (AMADO, 1925 apud CARVALHO, 2001, p. 65). Esse foi o resultado material da exclusão eleitoral, que se refletia no escasso comparecimento do eleitor, em relação à população total.


4. Comparecimento do eleitor

 O comparecimento à eleição é o principal fator para o exercício do voto. Sem ele, não há muita cidadania política. Analisando-se as estatísticas do comparecimento em relação à população total brasileira, com a exceção da eleição legislativa de 1912 da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (com 2,6% de comparecimento), apenas possuem-se dados sobre as eleições presidenciais, (NICOLAU, 2004, p. 3), e, mesmo assim, é necessário cautela com eles, devido às fraudes eleitorais frequentes. Entretanto, a taxa média de participação eleitoral na Primeira República foi de 2,3%, já que, em 1894, compareceram 2% dos eleitores; em 1898, 3%; em 1902, 4%; em 1906, 1%; em 1910, 3%; em 1914, 2%; em 1918, 1%; em 1919, 1%, em 1922, 3%; em 1926, 2% e em 1930, 5% (AMORIM; MUSZYNSKI, Lamounier, 2001 apud NICOLAU, 2004, p. 4). Isso mostra a falta de soberania popular em relação ao total da população, fruto da dominação dos coronéis e da restrição aos direitos políticos e também poucos resultados favoráveis à expansão da cidadania política no período republicano.