A relação entre o direito do trabalhador ao bem-estar e o seu meio ambiente do trabalho


Pormathiasfoletto- Postado em 09 abril 2013

Autores: 
CHACON, Daniel Cesar Franklin

 

 

A degradação do meio ambiente do trabalho é fato, porém ainda é incipiente a preocupação com a sua preservação entre os operadores do Direito no Brasil.

O conceito de ‘bem-estar’ evoluiu dentro das relações humanas, devendo ser entendido em sua integralidade, ou seja, físico, mental e social.

Já na Antiguidade o pensamento predominante era que o bem-estar e a saúde do homem implicavam uma harmonia com a natureza. O equilíbrio entre o corpo humano e o meio ambiente pressupunha um estado de bem-estar.

Hoje, com a evolução do mundo, não de se dá à importância devida a essas premissas básicas.

Desde a Idade Média, a ciência procurava demonstrar a relação existente entre certas doenças físicas e certas profissões, e também que algumas doenças estavam relacionadas imediatamente ao meio-ambiente.

A Revolução Industrial alterou o modo de se compreender o bem-estar no ambiente de trabalho, devido ao acúmulo crescente de pessoas nas fábricas e nas cidades. Apesar das Epidemias e Endemias que atingiam os trabalhadores, começou a se formar um entendimento utilitário por parte dos industriais em relação aos trabalhadores. Os patrões começaram a considerar que se os seus empregados trabalhassem bem alimentados e descansados, certamente produziriam mais.

A Saúde e o Bem-estar, no Brasil e no Mundo hoje, são direitos consagrados ao povo. Assim como o direito à alimentação, à moradia ou à educação, o trabalhador também tem direito à segurança, conforto e bem-estar. Não só à segurança de estabilidade no emprego, mas também a certeza de uma melhor qualidade de vida, a redução do stress para que tenha um completo bem-estar mental, o direito a não ser contaminado ou contrair doenças no trabalho, e se isso acontecer, que possa receber tratamento digno e adequado.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e as Normas Regulamentadoras (NR) do Ministério do Trabalho e Emprego estão, aos poucos, se adequando às exigências e determinações de Convenções e Tratados Internacionais, bem como da nossa Constituição da República Federativa do Brasil, no que se refere à saúde e ao bem-estar do trabalhador no seu ambiente de trabalho.

2. Meio Ambiente do Trabalho - Sua Importância

Entende-se como ambiente de trabalho o meio físico onde convivem os sujeitos da relação jurídica de trabalho. É o local, o posto onde se integram empregados e empregadores, para a realização das suas atividades laborais. Segundo De Masi, "... trata-se de uma atmosfera complexa, o clima psicológico que envolve trabalhador e patrão enquanto desempenham suas funções". [1]

A Iniciativa Privada e os Setores Públicos têm realizado políticas para amenizar o mal-estar sofrido pelos trabalhadores em seu local de trabalho, porém estas ações, ainda são insuficientes.

Fosse apenas o baixo salário, a classe obreira reagiria com bravura como sempre fez, pois não é de hoje que as contraprestações salariais, injustas e defasadas, atormentam milhões de trabalhadores e seus dependentes.

Somam-se a isso, e como agravantes, as péssimas condições de segurança, higiene e saúde no ambiente de trabalho. Os setores de produção continuam deprimentes. Calor, poeira, periculosidade, sujeira, desordem, instalações sanitárias ineficazes e barulho ensurdecedor concorrem sempre para degradar o local de trabalho, configurando-se um total desprezo pela dignidade e saúde do trabalhador.

Hoje, todas as formas de produção de bens e serviços, sejam no setor privado ou público, enfrentam dificuldades para conseguir melhorar a qualidade de vida de seus trabalhadores. Produzir mais, ser mais eficiente e competitivo a todo custo sem se importar com o bem-estar de quem produz é o desafio desses setores.

Além da necessidade de se manter no emprego, o trabalhador também se inquieta com o ambiente de trabalho, pois todo o seu rendimento profissional depende de um ambiente salubre e seguro.

O fato de existir a ameaça da perda do emprego, já se revela como uma das formas mais incisivas de mal-estar no ambiente de trabalho: a pressão psicológica. Esta desencadeia um total desequilíbrio nas funções orgânicas do trabalhador, diminuindo a sua saudável capacidade laborativa.

Essencial ao homem é trabalhar, mas trabalhar com condições ambientais dignas e salubres. Trabalho e saúde se entrelaçam na vida do homem trabalhador. Como bem salienta Wagner Giglio: "... o trabalho é essencial à manutenção da higidez psicológica do homem". [2]

A importância do meio ambiente de trabalho leva a uma constante e crescente preocupação com a busca da promoção do bem-estar e de uma melhor qualidade de vida do trabalhador. O Direito do Trabalho como fonte reguladora e mantenedora da ordem e da paz no seio das relações jurídicas trabalhistas, tem papel fundamental e deve se firmar como veículo de integração das novas políticas desenvolvidas para melhorar os padrões de saúde e higiene do trabalho.

O ambiente de trabalho se diversifica, podendo coincidir com o próprio lar do cidadão. Silva e Marchi, dois médicos brasileiros especialistas em saúde do trabalhador, lembram que: "nos últimos cinco anos o tema ‘qualidade de vida’ tem sido fortemente debatido, passando a integrar a cultura das organizações do trabalho". [3]

Não se pode pensar no Direito do Trabalho, dissociado de elementos como: Ordem Socioeconômica, Direitos Fundamentais, Bem-estar Coletivo, Direito Tutelar, Saúde e Higiene no ambiente de trabalho, Direitos de Gerações Futuras.

Considerando esta realidade, urge a necessidade de um cuidado maior com o ambiente de trabalho que, para muitos seres humanos, representa a sua segunda morada, onde passam grande parte das suas horas diárias.

O bem-estar do trabalhador no seu meio ambiente do trabalho é fator preponderante para a melhoria dos níveis de produção e de geração de riquezas, assim como para a manutenção, em níveis satisfatórios, da qualidade de vida dos trabalhadores.

3. Tutela Constitucional do Meio Ambiente do Trabalho

Segundo José Afonso da Silva, "o legislador constituinte optou por estabelecer dois objetos da tutela ambiental: um imediato que é a qualidade do meio ambiente, e outro mediato: a saúde, o bem-estar e a segurança da população, que se vem sintetizando na expressão 'qualidade de vida'". [4]

A Constituição Federal do Brasil, conhecida como a Constituição "Cidadã", em matéria de meio ambiente, redimensiona a importância em relação ao uso deste pelo povo. No bojo do artigo 225, aparece um novo horizonte para que o Poder Público e a Sociedade se unam num sistema de cooperação e de participação conjunta onde o pensamento comum é voltado para ações concretas capazes de promover a melhoria da qualidade de vida no nosso país.

A Constituição Federal, contemplando novas diretrizes, pede a construção e a implementação de uma consistente política de saúde no trabalho. Alguns dispositivos constitucionais reforçam este entendimento.

O artigo 7o, XXII, dita o direito à redução dos riscos do trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Este dispositivo, associado ao caput do artigo 194, indica a Seguridade Social como um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde.

Neste caminho de diretrizes constitucionais, pode-se ainda fazer referência aos artigos 196, 197 e 200, II, colocando a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doenças e de outras agressões.

Paulo de Bessa Antunes lembra que somos colocados em um ponto de "constante reflexão sobre o tema [qualidade de vida e meio ambiente do trabalho] em foco". [5]

José Afonso da Silva diz que, "a expressão ‘meio ambiente’ vista de forma bastante alargada, entra no conceito de ordem social". [6]

O Título VIII, da Constituição Federal, contemplando a Ordem Social, reza no artigo 193 que esta tem como base o primado do trabalho e, como objetivo, o bem-estar e a justiça social. Este Título comporta o Capítulo II, Seção II, que se volta ao tema ‘Saúde’. O artigo 200, VIII, inserido nesta seção, expressa claramente que: "Ao sistema único de saúde compete... colaborar na proteção meio ambiente, nele compreendido o meio ambiente do trabalho".

Estes dispositivos demonstram a exigência da ordem constitucional no tocante à proteção ao meio ambiente do trabalho. A noção de meio ambiente é elástica e envolve o meio ambiente do trabalho. É preciso que, como diz Raimundo Simão de Melo, "... se mude a cultura do nosso país, no sentido de que o ambiente de trabalho salubre e seguro, seja um dos mais importantes direitos do cidadão empregado, a ser respeitado pelo empregador, como ocorre em países do primeiro mundo". [7]

Os Estados e os Municípios brasileiros tentam adaptar e modernizar as suas leis e normas, para atenderem aos anseios da classe obreira em relação ao meio ambiente do trabalho. Alguns Estados da Federação se posicionam na vanguarda desta nova visão de amparo ao trabalhador no seu ambiente funcional.

Com estes dispositivos, vislumbra-se a existência de um início de atenção por meio das políticas públicas, em relação à efetivação das normas gerais de âmbito internacional e interno. Com isso o ambiente de trabalho é visto como parte integrante da proteção a ser dispensada ao meio ambiente geral.

Fiorillo e Rodrigues asseguram que o trabalho tutelado na Constituição da República, "... além de ser o trabalho humano, tem que estar indelevelmente ligado a um aspecto econômico, na medida em que ele, trabalho, é passível de valoração social". [8] Esta afirmação, em harmonia com o artigo 170 da Constituição Federal do Brasil, que prima pela valorização do trabalho, demonstra que a ordem econômica e social assegura a todos uma existência digna.

Como diz Kelsen:

"A função de toda ordem social, de toda sociedade – porque a sociedade nada mais é que uma ordem social – é motivar certa conduta recíproca dos seres humanos: fazer com que eles se abstenham de certos atos que, por alguma razão, são considerados nocivos à sociedade, e fazer com que executem outros que, por alguma razão, são considerados úteis à sociedade". [9]

O conceito mais abrangente de meio ambiente deve estar intimamente ligado ao conceito de ambiente do trabalho, sob pena de se negar à efetivação da tutela garantida pelos princípios constitucionais e de se omitir a realização da devida proteção dada ao hipossuficiente, princípio básico do Direito do Trabalho.

Hoje se tenta reformular de qualquer forma o nosso diploma legal do trabalho, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Porém as mudanças devem ser feitas de forma que não tragam prejuízos aos trabalhadores. A CLT tem, no Capítulo V do Título II, uma série de artigos que cuida especificamente da "Segurança e Medicina do Trabalho".

A sociedade e autoridades públicas devem tratar a questão como um direito constitucional. A saúde do trabalhador adquire status de direito social, perfilando-se assim como uma dimensão especial dos direitos fundamentais.

4. Visão antropocêntrica do meio ambiente

Respeitar o meio ambiente é respeitar os fundamentos e princípios republicanos explícitos nos artigos 1º e 3º da Constituição Federal. Promover o meio ambiente é promover o bem de todos (artigo 3º, IV), é situar o nosso país como Estado Democrático de Direito fundamentado nos valores sociais do trabalho (artigo 1º, IV) e no princípio da dignidade humana (artigo 1o, III).

A visão antropocêntrica do meio ambiente é voltada para se conhecerem quais são as vantagens obtidas pelo homem quando se protege o meio ambiente natural (água, solo, ar, flora e fauna). Colocar o homem como centro de todo trabalho voltado à proteção ambiental é corroborar o objetivo final dos cuidados com o meio ambiente.

A finalidade do Estado é promover o bem comum. Por isso, há de se admitir, consoante às palavras de Isabella Guerra, que: "Antes do Estado vem o indivíduo. Conseqüentemente o Estado deve respeitar o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança". [10]

Em um mundo globalizado onde se falam de tele-trabalho, robótica e informática, observa-se que, conforme o entendimento de Fiorillo e Rodrigues, "somente aqueles que possuírem vida com qualidade e saúde, terão condições de exercitar os demais direitos humanos, nestes compreendidos, os direitos sociais, de personalidade e políticos do ser humano". [11]

Celeste Gomes diz que "da articulação entre ambiente e qualidade de vida tem-se que o ambiente é um valor em si, destinado à manutenção da existência e o alargamento da felicidade dos seres humanos (visão teleológico-antropocêntrica)". [12]

Assim, o meio ambiente do trabalho, sendo o local onde se exerce qualquer atividade laboral, deve permanecer ecológica e humanamente equilibrado para que se viabilize o pleno exercício dos direitos, inclusive os direitos humanos dos trabalhadores.

Éfren Córdova, em 1923, já chamava atenção para o que seria o local de trabalho:

"O centro do trabalho, quer dizer, o lugar onde o trabalhador trabalha e passa uma boa parte de sua existência, deveria não somente ser um lugar no qual a maquinaria, o equipamento, o sistema elétrico e as operações e processos que nele se efetuem tenham o maior grau de segurança possível, mas também que ofereça um ambiente sadio de trabalho onde haja ventilação, iluminação, sem ruído e vibrações e ainda mais reúna as condições necessárias para promover o bem-estar do trabalhador, para que este realize suas tarefas de maneira sossegada e com satisfação". [13]

Realizar o bem-estar do trabalhador é antes de tudo fazer com que ele trabalhe em lugar limpo, seguro e saudável. O direito do trabalho deve salvaguardar o homem trabalhador, afastando-o das inúmeras formas de degradação ambiental no seu posto de trabalho, para que ele realize a sua labuta com melhor qualidade de vida.

Como afirma Arnaldo Süssekind, "A necessidade de proteção social aos trabalhadores constitui a raiz sociológica do Direito do Trabalho e é imanente a todo o seu sistema jurídico". [14]

Com o surgimento de doenças ocupacionais e o aumento do número de acidentes no trabalho, houve a necessidade da elaboração de normas para melhorar este ambiente em seus mais diversos aspectos e segundo Sérgio Pinto Martins, o "legislador mostrou-se consciente das modificações tecnológicas e das conseqüências na saúde do trabalhador. O direito passou então a determinar certas condições mínimas que deveriam ser observadas pelo empregador, inclusive aplicando sanções para tanto e exercendo fiscalização sobre as regras determinadas". [15]

Francisco Meton Marques de Lima, diz que o "primeiro aspecto do princípio da proteção ao trabalhador é o aspecto físico". [16]

A relação "capital-trabalho" é um campo vasto para aplicação e extensão da tutela ambiental, pois são diversificadas as formas de trabalho na atualidade e todas se relacionam diretamente com meio ambiente.

5. Conclusão

Portanto todos os esforços estão evoluindo no sentido de que as conquistas, como o bem-estar do trabalhador, são batalhas vencidas rumo a definitiva cidadania, como bem diz Rands: "Assim a perspectiva, também, convida a um esforço de uma pesquisa continuada direcionada ao aumento dos efeitos da ‘cultura da cidadania ativa’, sobre as seguintes transformações sociais que têm acontecido sob o rótulo de ‘cidadania conquistada’. [17]

6. Notas e Referências Bibliográficas

[2] GIGLIO, Wagner D. "Perspectivas dos contratos temporários e política de emprego". in Revista LTr. São Paulo: LTr, n.61-12, 1997, p.1605/1607.

[3] SILVA, Marco Aurélio Dias e MARCHI, Ricardo de. Saúde e qualidade de vida no trabalho. São Paulo: Best Seller, 1997, p. 7/8.

[4] SILVA, José Afonso. Direito constitucional ambiental. São Paulo: Malheiros, 1994, p.54.

[5] ANTUNES, Paulo de Bessa. Curso de direito ambiental: doutrina, legislação e jurisprudência. Rio de Janeiro: Malheiros, 1994, p. 54.

[6] SILVA, José Afonso. Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 15a. Edição, 1998, p.795.

[7] MELO, Raimundo Simão de. "Segurança e meio ambiente do trabalho: uma questão de ordem pública". In Revista Coad- Adv. Rio de Janeiro: Coad, n.04, 1996, p.19-22.

[8] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco e RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997, p.65.

[9] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.21.

[10] GUERRA, Isabella F. Ação civil pública e meio ambiente. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.76.

[11] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco e RODRIGUES, Marcelo Abelha. Op. Cit., p. 28.

[12] GOMES, Celeste L. S. Pereira. Crimes contra o meio ambiente. Responsabilidade e sanção penal. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 09.

[13] CÓRDOVA, Éfren. O trabalho no mundo socialista de Cuba. Tradução de Irany Ferreira. São Paulo: LTr, 1993, p. 239 / 241.

[14] SÜSSEKIND, Arnaldo. Et all. Instituições do direito do trabalho. 15ª edição, atualizada por Arnaldo Süssekind e João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr, 1995, v. 1, p. 135.

[15] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 8ª edição. São Paulo: Atlas, 1999, p.535.

[16] LIMA, F. M. M. Elementos de direito do trabalho e processo trabalhista. 5a. Edição. São Paulo: LTr, 1993, p. 48.

[17] Do original: "Such a perspective, too, invites a continuing research effort targeted at flowing up the effects of the ‘culture of active citizenship’ on the ensuing social changes which have been labeled the ‘conquered citizenship" . In RANDS, Maurício. Labour Relations and the unionism in contemporary Brazil. Oxford: St. Antony’s, 1999, p.26.

 

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