A prova ilícita no processo penal


Pormathiasfoletto- Postado em 22 outubro 2012

Autores: 
SILVA, Ana Patrícia G

 

 

No processo penal, autor e réu almejam provar suas alegações objetivando o convencimento do magistrado. O direito de produzir provas das partes está inserido no âmbito do devido processo legal. Ressalte-se que em matéria criminal, considerando a presunção de inocência do acusado, o ônus da prova cabe a(à) acusação, o que não impede que a defesa as produza. Além das partes poderem requerer tal produção, pode o juiz determinar de ofício a realização de provas por força do artigo 156 do Código de Processo Penal, alterado pela Lei nº 11.690/08.

O direito à prova, mesmo sendo de fulcro constitucional, não é absoluto apresentando limitações tanto em relação ao objeto quanto em relação aos meios de produzi-la. Sua admissibilidade consiste em uma valoração prévia com o objetivo de evitar que elementos ou meios de provas vedados pelo ordenamento jurídico pátrio adentrem no processo e sejam considerados pelo juiz em seu julgamento. O objetivo maior é o de busca pela verdade, mas livre de possíveis distorções. No que tange a tais limitações, há a chamada prova ilícita, objeto deste breve estudo.

A Constituição Federal de 1988 determinou claramente no inciso LVI do art. 5º que são inadmissíveis as provas obtidas por meio ilícito no processo penal. No mesmo sentido, o CPP, em seu art. 157, com redação dada pela Lei 11.690/08, determina: "São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais".

A prova ilícita configura-se quando sua obtenção infringir direito material ou principio constitucional, como por exemplo a prática de tortura para conseguir alguma informação, a escuta telefônica ou a quebra de sigilo bancário sem autorização judicial.

Além da prova ilícita em si, há também a que decorre dela chamada prova ilícita por derivação, existente no processo penal brasileiro, inspirada no direito norte-americano que criou a teoria fruits of the poisonous tree (frutos da arvore envenenada). A construção doutrinária consiste na inadmissão de prova, ainda que produzida licitamente, mas que decorra de uma prova considerada ilícita. Tal teoria encontra-se positivada no § 1º do art. 157, do CPP que dispõe que "São também inadmissíveis as provas derivadas das provas ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras". Havendo prova ilícita esta deve ser inadmitida, sem obstaculizar a continuidade regular do processo criminal que contenha provas livres de ilicitude e que não tenham sido contaminadas por aquela.

Uma segunda teoria que se encontra no CPP trata da prova autônoma definindo que será apta a prova obtida por fonte independente da que originou a prova ilícita. Nesse caso não será aplicada a teoria dos frutos da arvore envenenada. Nos termos do § 2o do artigo 157 “Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”. Tourinho Filho diz: [...] “se a despeito de ter havido prova ilícita existirem outras provas autônomas e independentes e que por si sós autorizam um decreto condenatório, não há cuidar de imprestabilidade da prova. A ilicitude de uma não contamina a outra, se esta, óbvio, tiver origem independente”. (TROURINHO FILHO, Fernando da Costa, Código de Processo Penal Comentado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Volume 1).

A doutrina também elenca outras teorias que visam flexibilizar a teoria dos frutos da árvore envenenada, entre elas, a teoria da descoberta inevitável. Conforme Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar se a prova, que circunstancialmente decorre de prova ilícita, seria conseguida de qualquer maneira, por atos de investigação válidos, ela será aproveitada, eliminando-se a contaminação. A inevitabilidade da descoberta leva ao reconhecimento de que não houve um proveito real, com violação legal. (TÁVORA, Nestor e Rosmar Rodrigues Alencar. Curso de Direito Processual Penal. 4. ed. Salvador: Jus Podium, 2010)

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a doutrina e a jurisprudência posicionaram-se no sentido de que em hipótese nenhuma a prova ilícita poderia ser aceita por mais relevante fato por ela apurado, em razão não só da previsão constitucional, mas da proteção ao cidadão que tal vedação representa contra eventuais ações abusivas do Estado.

Atualmente a doutrina se diverge quanto ao tema. Parte da doutrina entende que em função da unidade do ordenamento jurídico, não é possível admitir a prova ilícita, pois a Constituição Federal e o CPP vedam expressamente.

Entretanto há doutrinadores e julgados que vêm conferindo certa maleabilidade à vedação constitucional no intuito impedir distorções que poderiam ser causadas em casos excepcionais. O argumento seria que tais provas poderiam ser admitidas em casos excepcionais visando a proteção de valores mais relevantes do que os violados quando da colheita da prova.

Conforme ensina Alexandre de Moraes “essa atenuação prevê, com base no Princípio da Proporcionalidade, hipóteses em que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em casos extremamente graves, poderão ser utilizadas, pois nenhuma liberdade pública é absoluta, havendo possibilidade, em casos delicados, em que se percebe que o direito tutelado é mais importante que o direito à intimidade, segredo, liberdade de comunicação, por exemplo, devendo permitir-se sua utilização”. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006).

Nestor Távora, na bibliografia já citada acima, considera que esse entendimento deve ser empregado para preservar os interesses do acusado. Assim, afirma que “nesta linha, se de um lado está o jus puniendi estatal e a legalidade na produção probatória, e o do outro o status libertatis do réu, que objetiva demonstrar a inocência, este último bem deve prevalecer, sendo a prova utilizada, mesmo que ilícita, em seu benefício”. É o caso de convalidação de provas ilícitas em prol do principio da presunção da inocência.

Ressalte-se que há entendimento mais abrangente. O juiz poderia lançar mão do princípio da proporcionalidade e admitir uma prova ilícita na medida em que no caso em concreto, em um inevitável conflito de valores, a admissão se faça imprescindível para salvaguardar um bem maior em detrimento de um menor, em prol da busca pela verdade e justiça.

No entanto essa não é a corrente majoritária da doutrina e jurisprudência, mas tem trazido questionamentos quanto às prioridades que o juiz deve ter em seu julgamento. Seria o da total legalidade, em aplicação restrita da lei, ainda que ocasione absolvição de culpados, ou o da proporcionalidade, analisando o caso concreto e as circunstâncias de obtenção da prova em tese ilícita, mas que desvenda fatos decisivos para a percepção da verdade real.

Nesse sentido, trecho de um julgado: “Não há que se anular decisão condenatória se a suposta prova ilícita dos autos não foi o único elemento de convicção, " "mas só veio a corroborar as outras licitamente obtidas” (HC 74.599/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão)".

Muitas vezes a discussão residirá no âmbito de ser aquela prova ilícita ou não. E em certos casos será admitida ao considerá-la lícita em prol da caracterização e repressão de uma ação delituosa, conforme se apreende no julgado abaixo:

“Caracterizado o delito de tráfico de entorpecentes, cuja permanência lhe é própria, podem os agentes públicos adentrar o domicílio do suspeito, independentemente de mandado judicial, para reprimir e fazer cessar a ação delituosa'. (TJMG. Proc. 1.0699.08.087952-0/001(1). Julgamento em 11/08/09. Realtor Eduardo Brum)

Em um primeiro momento, a produção de provas de forma ilícita conduz a sua nulidade por força do art. 5º, inciso LVI da CR/88 e também da decisão que a considerasse. Mas não seria razoável que uma prova ilícita possa anular uma decisão que proceda a correta composição da lide, dos fatos ocorridos e das conseqüências jurídicas.

Apesar da previsão constitucional, a prova ilícita vem sendo considerada em alguns casos esporádicos ainda que a corrente majoritária legalista desconsidere sua possibilidade em defesa da segurança jurídica garantida pelo estado democrático de direito e suas garantias fundamentais.

 

Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6150/A-prova-ilicita-no-proc...