Prescrição penal antecipada


Porwilliammoura- Postado em 26 setembro 2012

Autores: 
SANDES, Hyran Ferreira

 

RESUMO: O direito de punir do Estado é um tema que abrange infinitas discussões e dentre elas se encontra o instituto da prescrição penal, que é óbice a esse direito do Estado. Atualmente, as divergências doutrinárias e jurisprudenciais se destinam ao novo instituto da prescrição, a prescrição penal antecipada, e é para tentar vislumbrar esse modelo de prescrição e suas discussões que surge esse trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: prescrição penal antecipada; direito; punir; Estado.


 

1 – INTRODUÇÃO

            A Prescrição Penal é um tema ainda muito discutido no meio jurídico atual, pois trata da perda do direito de punir do Estado diante do decurso do tempo, ou seja, o Estado não exerceu a pretensão punitiva (poder-dever de punir ou de intentar ação penal) ou a pretensão executória (poder-dever de executar a sentença ou de condenar) dentro do lapso temporal exigido, o que gerou a perda do interesse de agir e do conteúdo do fato criminoso. Ainda se acredita que esse instituto é um meio de tornar impune o infrator, mas como se verá adiante, não tem como objetivo premiar a injustiça e livrar o infrator, mas de certa forma punir o Estado pela sua incapacidade e incompetência para aplicar o seu dever de punir em tempo hábil.

            Diante de situações como a da prescrição retroativa (pertencente à pretensão punitiva) que é calculada pela pena fixada e aplicável da sentença condenatória para trás e de outras em que ao final do processo percebia-se a inutilidade do mesmo em vista de já ter prescrito o crime, insurge-se mediante criação doutrinária e jurisprudencial o instituto da prescrição penal antecipada, projetada ou virtual, que não está prevista expressamente na lei, mas que já é aceita por muitos profissionais do Direito. 

 

2 – PRESCRIÇÃO PENAL ANTECIPADA E AS DIVERGÊNCIAS

            A prescrição penal antecipada é o meio pelo qual o juiz irá projetar uma futura situação em que a pena objetivo do processo jamais será aplicada, ou seja, em que a produção do processo será inútil porque o Estado já terá perdido o direito de ação ou de execução devido à sua inércia. Abstratamente, mediante cálculo hipotético baseado nos fatos concretos à sua disposição, o juiz reconhecerá a prescrição retroativa, antes de intentada a ação ou durante o processo, em que diante da hipotética condenação, o prazo prescricional já teria decorrido. É por esse fator que se for aceita expressamente a prescrição antecipada, não terá mais necessidade de permanência à prescrição retroativa, situação que dá ensejo a uma das defesas dessa teoria como ressalta Francisco Afonso Jawsnicker:

Depois da prática de todos os atos processuais [...] o juiz profere a sentença, condena, e logo em seguida é reconhecida à prescrição retroativa. Não sendo aceitável o absurdo dessa situação, a prescrição antecipada apresenta-se como solução satisfatória (JAWSNICKER, 2004).

            Muitos fatores geram controvérsias no que tange à prescrição virtual e dentre eles, o principal é o interesse de agir do Estado. Sabe-se que no que tange a teoria geral do processo, as três condições fundamentais para o direito de ação são: a possibilidade jurídica do pedido; a legitimidade das partes; e o interesse de agir. Logo, se faltar ao processo uma dessas três, este estará fadado à antijuridicidade, em vista da ausência de justa causa para o início ou prosseguimento da ação. Como relata Francisco Afonso Jawsnicker, “Existe interesse de agir quando o provimento jurisdicional invocado é adequado, necessário e útil, daí decorrendo os requisitos da adequação, da necessidade e da utilidade (JAWSNICKER, 2004)”.

            Outro fator que se destaca é o princípio da economia processual, tendo em vista que com a inutilidade da ação prevista pela prescrição antecipada, não se movimentará o judiciário em vão.

Os defensores da prescrição antecipada encontram respaldo suficiente no princípio da economia processual, vez que é de indagar a razão de movimentar-se inutilmente a máquina judiciária com um processo onde já se sabe de antemão que, após a prolação de um édito condenatório, será impossível a imposição da sanção penal, face à ocorrência da prescrição (LOPES. p. 524. 1996).

            Para os opositores dessa teoria, como Osvaldom Palotti Júnior, não seria necessário a criação desse instituto devido à lentidão do judiciário, pois, para a agilidade dos processos seria necessário apenas que os juízes suprimissem o formalismo exagerado através de métodos adequados.

            Acredita-se que se reconhecida a prescrição, não haverá constrangimento ilegal do réu desnecessariamente, pois, o réu não será sujeito a meses de espera pelo julgamento e condenação para só então descobrir que não pagará pelo fato criminoso. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em sentido contrário aos argumentos do interesse de agir e do constrangimento ilegal ressaltou no Acórdão:

O interesse de agir do Estado não se limita a possível sancionamento do réu, mas, buscando o ente público a manutenção da paz social, combate igualmente a criminalidade, ao sujeitar o réu ao processo penal, que tem caráter intimidativo e representa uma satisfação à vítima e à comunidade, além dos reflexos, na área cível, de uma decisão condenatória (7ª Câmara Criminal – RSE 70000883108 – 04/05/2000).

            O princípio da legalidade, previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal, é o fundamento maior da oposição à prescrição projetada, tendo em vista que somente após uma sentença condenatória é que se pode cogitar da prescrição em concreto (artigo 110 do Código Penal) e, como ensina Félix Fisher, não compete ao Poder Judiciário suprimir textos legais em busca da prática. Porém, segundo Renneé de Ó Souza,

Não se pode alegar falta de amparo legal para o seu prestígio, pois que o artigo 43, inciso III de Processo Penal reza que a denúncia ou queixa será rejeitada quando for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.

            Outro argumento contrário à prescrição antecipada é o da obrigatoriedade, afinal, os órgãos competentes para mover a máquina processual, são incumbidos de promover os atos até o final, visto que a discricionariedade do juiz não lhe dá o poder de analisar a possibilidade de intentar a ação penal. Em sentido contrário, outros doutrinadores entendem que se uma condição da ação é afastada (por exemplo, o interesse de agir) a obrigatoriedade também é.

            Os princípios da ampla defesa e do contraditório também são ressaltados para atingir a prescrição virtual. Fundados no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, são necessários e de direito do réu e do autor, logo deverão ser cumpridos, mas como no caso da prescrição antecipada não existirá a ação, entende-se que o direito a esses princípios também não foi quebrado. No que diz respeito ao princípio do devido processo legal, alega-se que se for prevista a pena sem o devido processo será ilegal, mas, a pena não irá se consumar se o processo for extinto pela prescrição projetada. Há ainda alguns doutrinadores que ressaltam a questão do direito do réu a uma sentença de mérito, no entanto, Diolinda Kurrle Hannusch ressalta:

O processo penal tem uma finalidade pública e não privatista, ou seja, existe para que o Estado possa exercer seu jus puniendi e não para que o acusado demonstre suas virtudes. Portanto, se o processo não for útil ao Estado, sua existência é jurídica e socialmente inútil.

            Um último argumento fundamental a se observar é o instituto da mutatio libelli. Previsto no artigo 384 do Código de Processo Penal, ressalta a questão de prova superveniente à decisão, mas, entende-se que, segundo o artigo 18 do mesmo ordenamento legal, no arquivamento de inquérito policial, novas provas podem levar a reabertura das investigações.

 

3 – CONCLUSÃO

            A prescrição penal antecipada é um instituto que, como visto, ainda precisa ser amadurecido em razão da realidade vivida pelo Poder Judiciário brasileiro, pois apesar de ser uma nova tendência promissora, ainda afeta princípios fundamentais da Carta Magna. Trata-se de um modelo de prescrição que mudaria o quadro do Judiciário no quesito agilidade, mas que afetaria, por exemplo, o princípio do devido processo legal, já amparado pela Constituição, o que não se traduz no caso da prescrição virtual.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Obra coletiva de autoria da Editora Rideel com a organização de Marcos Antônio Oliveira Fernandes. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009.

PENAL, Código: Decreto-Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940. Obra coletiva de autoria da Editora Rideel com a organização de Marcos Antônio Oliveira Fernandes. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009.

PENAL, Código de Processo: Decreto-Lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941. Obra coletiva de autoria da Editora Rideel com a organização de Marcos Antônio Oliveira Fernandes. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009.

SANTOS, Leonardo Palombo dos. Precrição virtual ou antecipada. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3814/Prescricao-virtual-ou-antecipada>. Acesso em 10 de abril de 2012.

JAWSNICKER, Francisco Afonso. Prescrição penal antecipada. ed. Curitiba: Juruá, 2004.

TEIXEIRA, Reinaldo Maio. Prescrição antecipada ou virtual: seu reconhecimento e aplicação no direito penal. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3793/Prescricao-antecipada-ou-virtual-seu-reconhecimento-e-aplicacao-no-direito-penal>. Acesso em 10 de abril de 2012.