Participação política feminina: uma análise à luz do direito fundamental à igualdade


PorJeison- Postado em 15 outubro 2012

Autores: 
SANTOS, Eduardo Rodrigues dos.

 

RESUMO: Ao longo da história, as relações de gênero foram por muitas vezes conflituosas e viu-se um gênero (homens) subjugar o outro (mulheres). Fruto de uma cultura sexista, discriminatória e desumana, os homens acreditavam ser melhores e até mesmo superiores às mulheres e em detrimento disso abusavam, agrediam e as tentavam dominar. Uma realidade que apesar de todas as mudanças e conquistas das mulheres, ainda não foi completamente extinta, havendo também permanências. Neste cenário, uma das maiores desigualdades que ainda persiste é a desigualdade político-representativa. Nesse sentido, este trabalho consiste em uma investigação da atual situação político parlamentar da mulher no Brasil, mais especificamente, no Congresso Nacional brasileiro, visto que um dos mais importantes espaços a serem ocupados pelas mulheres é o Congresso Nacional, o poder legislativo federal, que atualmente possui uma porcentagem ínfima de mulheres. E é exatamente esta situação que nos propomos a analisar, problematizar, criticar, investigar e propor soluções viáveis que possam contribuir para alguma mudança significativa quanto à representatividade política feminina, no quadro atual. Foi trabalhada a Igualdade em sua forma mais plena, tanto no seu liame formal quanto material, buscando demonstrar que a participação efetiva das mulheres, não só é importante, mas essencial ao processo democrático brasileiro. Demonstra-se, conforme os dados da Síntese de Indicadores Sociais do ano de 2009, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que as mulheres, hoje, representam menos de dez por cento das cadeiras do Congresso Nacional, mesmo sendo a maioria da população brasileira e também de eleitoras. Após a análise dos dados estatísticos, concentrou-se em responder duas perguntas essenciais: porque há tão poucas mulheres na política brasileira? E o que fazer para mudar a atual situação das mulheres na política brasileira? Após se identificar as respostas dessas perguntas, passou-se a uma análise da concepção de Justiça, utilizando-se das discussões propostas por Henry Sidgwick e John Rawls, que trabalham a Justiça como um conceito que possui como característica fundamental e basilar o princípio da igualdade, visto que, acreditam eles, que para que uma sociedade possa vislumbrar a justiça, necessariamente ela tem de por em prática a igualdade, em todos os âmbitos e sentidos, buscar efetivamente uma igualdade real. Disso decorre, que um Estado Democrático de Direito como o Brasil, ou seja, um Estado que zela pelas garantias fundamentais do(a) cidadão(ã) e por uma justiça social eficaz, tem necessariamente que garantir esta igualdade, seja ela entre pobres e ricos, negros e brancos, homens e mulheres etc. Nesse sentido, é inaceitável que o Brasil possua um índice tão baixo, quanto o que é apresentado neste trabalho, de mulheres ocupando cargos no Congresso Nacional e, de modo geral, cargos públicos de alta relevância. Esta é uma situação que precisa de uma mudança drástica. Legislações e medidas que visem garantir as mulheres acesso aos cargos públicos de alta magnitude, bem como a cargos eletivos, são extremamente necessárias, pois apesar das transformações ocorridas nas últimas duas décadas, ainda há muito a se fazer, visto que o índice de desigualdade é abismal. Não se trata somente de ter mulheres em cargos políticos partidários e institucionais, mas que tenham tido acesso ao acúmulo sobre os movimentos femininos e feministas para que defendam projetos que façam avançar a luta das mulheres e sua equidade de fato. Investir nas mulheres é uma das formas de melhorar o mundo. Diante disso, esse trabalho apresenta propostas que visam atingir esta justiça e a igualdade real entre homens e mulheres de modo geral, e mais especificamente, no cenário político.

PALAVRAS-CHAVE: Participação Política; Mulher; Poder; Igualdade.


 

1.    INTRODUÇÃO

Ao longo da história, as relações de gênero foram por muitas vezes conflituosas e viu-se um gênero (homens) subjugar o outro (mulheres). Fruto de uma cultura sexista, discriminatória e desumana, os homens acreditavam ser melhores e até mesmo superiores às mulheres e em detrimento disso abusavam, agrediam e as tentavam dominar. Uma realidade que apesar de todas as mudanças e conquistas das mulheres, ainda não foi completamente extinta, havendo também permanências.

O movimento iluminista, juntamente com revoluções burguesas do XVIII, trouxe uma nova dinâmica, uma nova ótica ao mundo, que se desenvolveu no século XIX e XX, através de movimentos humanistas, dentre eles, os movimentos de gênero, que lutavam e até hoje lutam pela igualdade de gênero e pelos direitos humanos das mulheres.

Constata-se, em pleno séc. XXI, que as mulheres são vítimas de um sistema culturalmente machista e desigual, isso em uma sociedade dita “democrática” como o Brasil, para não levantar casos de países como Irã, China, ou Líbano. Apesar de possuírem igualdade de direitos, não possuem igualdade de fatos. Possuem uma representatividade ínfima em relação ao numero de eleitoras e são vítimas das mais brutais atrocidades, como espancamentos, estupros e assassinatos, tudo isso dentro de seu próprio ambiente familiar.

Entretanto, as mulheres não estão inertes, muitas participam de movimentos importantes, têm uma militância e estão lutando para tornar real o que lhes foi garantido no papel. Por meio de órgãos como a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e dos movimentos de mulheres e feministas nacionais e internacionais elas buscam uma igualdade plena. Dentro desse cenário, um dos mais importantes espaços a ser ocupado pelas mulheres é o Congresso Nacional, o poder legislativo federal, que atualmente possui uma porcentagem ínfima de mulheres. E é exatamente esta situação que nos propomos a analisar, problematizar, criticar, investigar e propor soluções viáveis que possam contribuir para alguma mudança significativa quanto à representatividade política feminina, no quadro atual.  

2.    OBJETIVOS E METODOLOGIA

Este trabalho teve por objetivos, de forma geral, investigar e analisar a atual participação política feminina, tomando como base o Congresso Nacional brasileiro, através de um foco jurídico sob a égide do Princípio da Igualdade. De modo específico, pretendeu-se demonstrar os motivos que conduziram a atual baixa participação das mulheres no cenário político nacional, bem como propor soluções viáveis para o problema apresentado a partir de uma visão humanista.

A metodologia proposta neste trabalho consistiu em pesquisa bibliográfica e descritiva. A pesquisa bibliográfica concentra-se em dados estatísticos nacionais e internacionais obtidos através do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), concentra-se também em obras de Direito Constitucional que tratam do Princípio da Igualdade e, em específico, da Igualdade de Gênero, bem como de artigos científicos relacionados ao tema. Já a pesquisa descritiva, concentra-se em uma análise crítica da atual situação política nacional, principalmente em relação à desigualdade existente entre os gêneros na ocupação dos cargos públicos, mais especificadamente no Congresso Nacional e em uma análise histórico-cultural desta mesma situação, buscando identificar os motivos que geraram o problema levantado.  

3.    A IGUALDADE

            A igualdade é um ideário perseguido desde os primórdios das sociedades, afinal a situação de desigualdade não é um problema exclusivo do mundo contemporâneo. Ao longo da história das sociedades, a desigualdade é algo comum. Podemos citar exemplos marcantes, tais como: as sociedades Greco-Romanas que tratavam as mulheres como seres inferiores – que serviam somente para reprodução e serviços domésticos – e escravizavam os soldados inimigos que haviam sido derrotados em batalhas; a Igreja Católica que privilegiava a nobreza e o clero em detrimento dos demais cidadãos e que durante o período da escravidão negra, além de apoiá-la, criou uma “excelente” justificativa para amenizar os seus efeitos, alegando que os(as) negros(as) não possuíam alma e que a escravidão poderia contribuir para sua salvação. Em detrimento de situações como estas, a igualdade, a justiça, a liberdade, e vários outros ideais foram, cada vez mais, sendo buscados pela sociedade, o que gerou lutas extremamente relevantes, bem como tratados e declarações, tais como a Revolução Francesa a Revolução Russa, a Declaração Universal dos Direitos Humanos etc.

            No âmbito do Direito, faz-se necessário traçar uma pequena, porém importante diferenciação a respeito do conceito de igualdade. A igualdade pode ser dividida em Igualdade Formal e Igualdade Material. Formal é aquela garantida por um texto legal que diz que todos(as) são iguais perante a lei e veda todo e qualquer tipo de privilégios e discriminação. Material é aquela que se vislumbra no mundo real, ou seja, é aquela que se efetiva de maneira plena e sólida e que garante a todos(as) condições iguais. Assim, a nosso ver, não basta termos uma igualdade formal, faz-se necessário uma igualdade material, efetiva e real.

            O Princípio da Igualdade, ou da Isonomia, está consagrado no art. 5º de nossa Constituição federal, que diz que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”. Em consonância com o parágrafo anterior, faz-se necessário esclarecer que este princípio significa muito mais do que simplesmente tratar a todos igualmente. Em verdade ele significa que deve-se tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, na medida de sua desigualdade. Abre-se neste ponto, espaço as discriminações positivas, ou seja, aquelas discriminações que visam efetivar a igualdade material, que chamamos de Ações Afirmativas e que, segundo Kildare Gonçalves, consistem em ações que “visam corrigir desvantagens que as minorias teriam sofrido no passado”, sendo minorias aqueles “grupos ou segmentos sociais que se encontram em piores condições de competição na sociedade em razão, na maioria das vezes, da prática de discriminações negativas, presentes ou passadas” (GONÇALVES, 2009, p. 796-7). Nesse sentido, Robert Alexy, em sua obra: Teoria dos Direitos Fundamentais, afirma que é uma obrigação do Estado criar ações e políticas que tornem as igualdades jurídicas (formais) em igualdades fáticas (materiais) (ALEXY, 2008).

3.1 A igualdade de gênero

A luta das mulheres para alcançar a plena igualdade de direitos é muito antiga, assim como a dos negros, a dos pobres, dentre outros. Entretanto, como explica Maria Helena Santana Cruz, enquanto movimento organizado tem início no cenário da Revolução Francesa, “e tem na Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, elaborada por Olympe de Gouges em 1791, seu marco histórico”, tanto que essa é considerada por historiadores e feministas como o documento mais importante da fase inicial da luta organizada das mulheres pelos seus direitos (CRUZ, 2009).

Kildare Gonçalves afirma que, durante os últimos séculos, as declarações de direitos, bem como as Constituições liberais limitavam-se a proclamar a Igualdade Formal, o que permitiu que as desigualdades entre homens e mulheres se perpetuassem e até mesmo se acentuassem em alguns casos. Essa situação só começou a mudar com o advento da Declaração Universal dos Direitos humanos, que abriu espaço para declarações de direitos da mulher, tais como a Convenção sobre os Direitos da Mulher (1952), Convenção sobre a Nacionalidade da Mulher Casada (1957) e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminações contra a Mulher (1979) (GONÇALVES, 2009).

            Em se tratando de Brasil, Daniela Ikawa e Flávia Piovesan – em seu artigo: Feminismo, Direitos Humanos e Constituição – afirmam que

...um momento destacado na defesa dos direitos humanos das mulheres foi a articulação desenvolvida ao longo do período pré-1988, visando à obtenção de conquistas no âmbito constitucional. Este processo culminou na elaboração da “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes”, que contemplava as principais reivindicações do movimento das mulheres, a partir de ampla discussão e debate nacional. Em razão da competente articulação do movimento durante os trabalhos constituintes, o resultado foi a incorporação da maioria significativa das reivindicações formuladas pelas mulheres no texto constitucional de 1988 (IKAWA; PIOVESAN, 2009, p. 164).

A Constituição Brasileira de 1988, segundo Kildare Gonçalves, está inserida no rol das Constituições que contêm ações positivas em favor das mulheres, tais como: a aposentadoria da mulher com menor tempo de contribuição e idade que o homem; e a proteção de uma licença maior que a do homem, quando nasce um filho (GONÇALVES, 2009). José Afonso da Silva destaca que apesar do caput. do art. 5º da Constituição abranger a igualdade de gênero, foi colocado um inciso específico para tratar do tema como forma de contemplar as virtuosas lutas das mulheres contra a discriminação e a desigualdade, assim  no inciso I de seu art. 5º, a Constituição proclama que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”  (SILVA, 2010). Ademais, a legislação infraconstitucional brasileira, bem como diversos Tratados, Declarações e Pactos Internacionais, dos quais o Brasil é signatário, possuem importantes medidas afirmativas em favor das mulheres, tais como: a Conferência Mundial sobre a Mulher (México, 1975); Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (ONU/1979); Conferência Mundial de Copenhage (1980); Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher-CEDAW (parcial em 1984 e total em 1994) e seu protocolo facultativo (2002); Conferência Mundial Nairóbi (1985); Conferência dos Direitos Humanos em Viena (1993), Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher (1993) e IV Conferência Mundial sobre a Mulher/Plataforma de Ação (Beijing, 1995); Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher/Convenção de Belém do Pará (1995); Lei 11.340 de 2006 (Lei Maria da Penha); Lei 9.029 de 1995 (que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização para efeitos admissionais nas relações de trabalho); e várias outras.  

4.    BREVE HISTÓRICO SOBRE A SITUAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES NO BRASIL

            Conforme explica Álvaro Ricardo Souza Cruz – em sua obra: Direito à Diferença – desde os primórdios das sociedades a mulher, em geral, é vista como um ser frágil e inferior, o que gerou, ao longo do tempo, consequências terríveis oprimindo sua vida social e suprimindo seus direitos. Vítimas de um sexismo truculento e arrogante, as mulheres eram vistas como objetos sexuais, donas de casa, mães, ou no máximo como mão de obra barata e jamais poderiam ocupar cargos de relevância, ou que exigissem um nível de conhecimento mais apurado. Tudo isso gerou uma situação desigual que ainda possui reflexos notórios em nossa sociedade, como o fato de as mulheres ainda serem as responsáveis por mais de 90% dos serviços domésticos remunerados no Brasil, ou de receberem, em média, 25% menos que os homens para exercerem a mesma função e além de tudo isso, de modo geral, exercem uma tripla jornada de trabalho – trabalham fora (emprego), cuidam da casa (serviços domésticos) e cuidam dos filhos (mãe) – enquanto os homens, de modo geral, dedicam-se apenas ao seu trabalho, fruto de uma visão machista que acredita que cuidar da casa e de criança é “coisa de mulher” (CRUZ, 2005).

Especificamente sobre a situação política das mulheres no Brasil é importante ressaltar os movimentos reivindicatórios que ocorreram no final do Império e início da República inspirados nos movimentos feministas da Europa e principalmente dos Estados Unidos, “quando as mulheres, acreditando no processo de modernização, reivindicaram o direito de votar”, entretanto, apesar da Proclamação da República em 1889, tiveram suas reivindicações negadas pela Assembleia Constituinte de 1891 que adotou postura contrária ao sufrágio feminino, conforme explica Martha Maria dos Santos (SANTOS, 2001, p. 77).

            Segundo Martha Maria este “movimento só foi retomado com vigor, em 1922, quando Berta Lutz organizou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino”, que tinha como principais objetivos: estimular a educação das mulheres, auxiliá-las na escolha e na preparação para uma profissão, conscientizá-las dos problemas sociais e uni-las pela luta dos direitos políticos (SANTOS, 2001, p. 77).

            Porém, apenas em 1932, durante o Governo de Getúlio Vargas, com o advento de um novo Código Eleitoral foi que as mulheres conquistaram o direito de votar, ou seja, somente dez anos após a revigorante retomada do Movimento Feminista idealizado por Bertha Lutz e quarenta e três anos após a Proclamação da República. E somente em 1933, as mulheres conseguiram eleger a primeira deputada do Brasil – Carlota Pereira de Queiroz (SANTOS, 2001).

            Em 1995 foi publicada a lei 9.100 que previa que cada partido ou coligação deveria reservar uma cota mínima de 20% das vagas para a candidatura de mulheres. Em 1997 foi publicada a lei 9.504, que em seu art. 10, § 3º passou a obrigar que cada partido ou coligação reservasse o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo a cargos legislativos, a fim de aumentar a presença feminina no cenário político brasileiro. Entretanto, apesar desta reserva, os partidos não conseguiam preencher essas vagas, em decorrência principalmente da ausência de investimentos que visassem trazer a mulher para este cenário, bem como de uma cultura preconceituosa que muitas vezes inibe a mulher e a coage a não entrar para a “vida política” (CRUZ, 2005).

Em 2009, houve uma pequena, porém significante modificação no texto deste parágrafo. Agora ao invés de reservar, cada partido ou coligação terá de preencher o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. Com toda certeza, isto fará com que os partidos se preocupem mais com a conscientização e a educação política das mulheres, bem como os fará se aproximar das lideranças femininas já existentes, mas que anteriormente não possuíam espaço no cenário político em detrimento, dentre outros aspectos, da negligência dos nossos representantes. 

É importante ressaltar dentro deste processo de conquistas das mulheres, a criação da Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher no ano de 2002, que no ano seguinte foi transformada em Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e hoje não possui mais “Especial” no nome, pois tem poder e autonomia de ministério e é a responsável por muitos dos projetos que visam dar efetividade a igualdade de gênero consagrada em nossa Constituição, ou seja, projetos que visam tornar a igualdade formal, já existente, em igualdade material, real, fática.

4.1. A situação política das mulheres no Congresso Nacional antes da eleição de 2010.

            Segundo os dados da Síntese de Indicadores Sociais do ano de 2009, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cada 100 mulheres temos 94,8 homens, ou seja, a população feminina compreende mais de cinqüenta e um por cento (51%) da população brasileira, além disso, as mulheres compreendem a maior parte do eleitorado brasileiro e são as responsáveis pela metade da mão de obra economicamente ativa.  

Apesar de representarem a maioria da população brasileira e também de eleitoras, as mulheres ocupam cerca de 9% das cadeiras do Congresso Nacional. O Brasil possui hoje apenas nove Senadoras da República – o que representa apenas 10% das cadeiras do Senado federal – e quarenta e cinco Deputadas Federais – o que representa somente 8,77% das cadeiras da Câmara dos Deputados (dados extraídos dos sites do Senado Federal e da Câmara dos Deputados). Em detrimento desta situação catastrófica é que o Brasil, na avaliação da União Interparlamentar da participação das mulheres no Parlamento (UIP), aparece em 107º lugar dentre os 187 países avaliados, ficando atrás de países como Cuba, Equador, Peru, Venezuela, Bolívia, Paraguai etc., conforme o Relatório Final da Comissão Tripartite para a Revisão da Lei 9.504/1997 (SPM, 2009).

Em uma análise crítica, Maria Helena Santana Cruz, afirma que

O ingresso da mulher na política partidária, formalmente conquistado desde a década de 30 do século passado, continua a ser um fato novo, cujas facetas, dinâmicas, contradições e significados precisam ser interrogados.   A participação das mulheres na política constitui um específico objetivo do milênio. O fortalecimento da mulher na arena política tem o potencial de transformar as sociedades. Seu envolvimento em organismos governamentais nos níveis nacional e local leva à criação de políticas e leis centradas na mulher, na criança e na família. Contudo, a escassa participação feminina no poder político da sociedade aponta para o fato de que se nega à mulher a plena fruição dos benefícios que adviriam de sua presença mais efetiva naqueles espaços, constituindo um processo saudável em toda sociedade que se pretende democrática e pluralista (CRUZ, 2009).

            Visto que a presença da mulher no cenário político é um fator extremamente importante não só para o combate da desigualdade de gênero, mas também para o melhoramento da sociedade como um todo, são analisados, a seguir, os motivos, de hoje, pelos quais as mulheres atuam com menos de 10% nas cadeiras do Congresso Nacional e, posteriormente, o que se pode fazer para mudar a situação apresentada.

5.    PORQUE HÁ TÃO POUCAS MULHERES NA POLÍTICA BRASILEIRA?

Esta é uma pergunta que nos remete a fatores histórico-culturais extremamente complexos e relevantes, pois como já vimos, a desigualdade de gênero não é um problema exclusivo do atual cenário político, mas sim fruto de uma sociedade patriarcal e sexista que excluiu as mulheres por séculos.

O Relatório Final da Comissão Tripartite para a Revisão da Lei 9.504/1997 aponta várias justificativas para a baixa participação política institucional das mulheres, destacando a dupla jornada de trabalho imposta culturalmente às mulheres através da divisão sexual do trabalho, onde as mulheres têm de conciliar trabalho produtivo e reprodutivo, que na verdade pode ser vista como uma tripla jornada, pois grande parte das mulheres além do emprego realiza os trabalhos domésticos de dentro de casa e ainda cuida dos filhos, assim, o tempo que a mulher poderia utilizar se engajando na atividade política é subtraído por uma carga excessiva de obrigações que os homens, em geral, não têm (SPM, 2009).

Em detrimento desta situação, as mulheres que decidem atuar na esfera pública enfrentam enormes desafios para administrar e dividir o tempo entre suas diversas funções (mãe, esposa, dona de casa e militante política), além de terem de lidar com o preconceito, que ocorre inclusive dentro do âmbito familiar. Tudo isso, limita as possibilidade das mulheres conseguirem construir uma carreira política, seja nos movimentos sociais, nos partidos políticos ou nos parlamentos, pois no sistema político brasileiro, uma vitória depende, de modo geral, de uma presença continuada nos movimentos sociais, na direção de partidos, presença em cargos relevantes da administração pública ou em setores de grande visibilidade, ou até mesmo de sucessivas candidaturas, o que exige a disponibilidade de um tempo que, via de regra, as mulheres não possuem (SPM, 2009).  

Nesse sentido, afirma-se no Relatório Final da Comissão Tripartite que

a dinâmica de funcionamento nos espaços de poder não considera as especificidades da situação das mulheres. Nesses espaços, muitas mulheres têm que descobrir e inventar modos para administrar o conflito estabelecido entre o papel esperado da mulher na esfera privada (seja como mãe, dona de casa ou esposa) e sua ação política na esfera pública. Nestes termos, este conflito não se coloca para os homens, para os quais atuar na política não é algo que lhe exija romper com nenhuma expectativa social, ao contrário, na divisão sexual do trabalho, a ele cabe o espaço público (SPM, 2009, p. 12).

 

            Além de toda essa discriminação histórica, as mulheres ainda têm de lidar com a violência doméstica (agressão física, ameaças e estupros de companheiros, de pais e padrastos), uma realidade cruel que atormenta, mata e seqüela milhares de mulheres todos os anos em nosso país, uma realidade histórica e que só a partir da ultima década vem recebendo uma atenção relevante de nossos governantes. José Sanmartín, citado por Rogério Greco, afirma que a violência doméstica isola a vítima (mulher) socialmente e a flagela psicologicamente (GRECO, 2010).

            Existe uma gama muito diversificada de fatores que afasta e impede a entrada e permanência das mulheres no cenário político partidário brasileiro, onde como vimos, destacam-se a violência doméstica, a tripla jornada de trabalho, a discriminação, a realidade sócio-cultural machista que exclui muitas mulheres da vida política partidária, já que política fazem cotidianamente, a infra-estrutura do sistema que não se preocupa com a realidade da mulher, dentre muitos outros. 

6.    O QUE FAZER PARA MUDAR A ATUAL SITUAÇÃO DAS MULHERES NA POLÍTICA BRASILEIRA?

Com base em toda a pesquisa realizada para o desenvolvimento deste trabalho, principalmente nos dados e propostas do Fórum Nacional de Instâncias de Mulheres de Partidos Políticos. Mais Mulheres no Poder: Plataforma 2010 foi possível identificar várias medidas que podem contribuir para mudar a atual situação das mulheres no cenário político brasileiro, bem como equilibrar as relações entre homens e mulheres, tais como:

·         Identificar lideranças e promover as mesmas com cursos de formação política visando uma eficaz, qualitativa e ampla participação feminina nos postos de decisão da comunidade local, dos sindicatos, dos governos mais abrangentes, havendo um efetivo empowerment feminino.

·         Estimular o preenchimento das cotas femininas e sua ampliação nas direções de sindicatos, partidos e no lançamento de candidatas, aplicando punições aos partidos que não cumprirem a lei.

·         Adotar cotas em diversos espaços políticos representativos, pois ampliando-se a representatividade feminina em um setor, estimulam-se outros, além de que a mulher tem de estar presente em todos os espaços, pois ela é, assim como o homem, elemento essencial da sociedade, não podendo ser excluída.

·         Destinar recursos do fundo partidário e do tempo de propaganda partidária e eleitoral para utilização com mulheres, e divulgação da temática da participação política das mulheres e da igualdade e democracia de gênero.

·         Os partidos políticos devem promover cursos de formação e capacitação política para candidatas e demais militantes e criar, nos encontros, infra-estrutura necessária caso mulheres precisem levar filhos(as) menores e não precisarem elas próprias ficarem cuidando das crianças.

·         Integrar perspectivas de gênero na legislação, nas políticas públicas, nos programas e projetos .

·         Promover e proteger os direitos humanos das mulheres, por meio da plena implementação de todos os instrumentos de direitos humanos, especialmente a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher.

·         Promover a criação e a manutenção de creches e pré-escolas, que possam atender em tempo integral, majoritariamente públicas, para que possam atender a grande demanda existente no país. Filhos(as) são responsabilidade de todos(as). Pais, mães, estado com políticas públicas.

·         Promover a criação e ampliação das Delegacias das Mulheres, Casas Abrigo e de ongs, bem como sua estruturação material e profissional, que possa contar com psicólogos(as), assistentes sociais, advogados(as), dentre outros profissionais que passem por formação continuada e que sejam necessários para atender e amparar as mulheres e crianças que vivenciem a violência. 

·         Promover a criação e implementação de políticas que visem dar as novas gerações uma educação igualitária, integral, cidadã e não discriminatória, fragmentada, dicotômica, que ensine desde a pré-escola até o ensino superior que todos somos iguais, mulheres, homens, negros, brancos, portadores ou não de deficiência etc. 

·         Promover políticas que visem modificar a cultura sexista que habita os lares brasileiros, estimulando que homens e mulheres dividam as tarefas domésticas de maneira igualitária e mais por competências e habilidades e não por construções tradicionais, promovendo um equilíbrio entre as relações de gênero no âmbito familiar.

·         Aprimorar os marcos legais e institucionalização das políticas de gênero, através de um pacto entre os três níveis do poder executivo – municipal, estadual e federal – que possibilite a criação e consolidação de órgãos apropriados de gestão que ao mesmo tempo, realize a implantação da transversalidade das ações.

·         Apoiar a constituição e ampliação dos conselhos de direitos da mulher em todos os níveis da federação, que possam não só conscientizá-las de seus direitos, mas também garantir a elas acesso a estes direitos.

·         Fortalecer os mecanismos institucionais de políticas para as mulheres (divisões, secretarias, coordenadorias…) para a implantação eficaz das políticas públicas para as mulheres e de um plano de igualdade e inclusão emergencial, a médio e longo prazo e que promova a transversalidade das ações de governo com recorte de gênero. Faz-se de fundamental importância o fortalecimento, ou mesmo a criação de órgãos com autonomia administrativa e financeira que coordenem e executem em parceria com as demais instâncias governamentais e não-governamentais tais políticas. Não deve ser as “cozinhas” dos governos. Devendo contar com pessoas qualificadas, envolvidas com a temática, podendo ser indicadas pelos conselhos de direitos da mulher.

·         Participar do debate sobre a reforma política, visando sustentar e ampliar a representação das mulheres, negros e demais minorias (excluídos) com financiamento público para as campanhas, a fim de se evitar que aqueles que detêm mais recursos financeiros levem vantagem sobre os demais.

As propostas são muitas, as possibilidades também, entretanto, há necessariamente de existir vontade política e determinação para que não sejam apenas ideias, mas que possam sair do papel e serem implementadas, para que possamos mudar verdadeiramente essa situação vergonhosa em que nosso país se encontra, pois em um país onde as mulheres representam mais de 51% do eleitorado, elas não podem representar apenas 9% do Congresso Nacional.

7.    CONSIDERAÇÕES FINAIS

Autores como Henry Sidgwick (SIDGWICK, 2005) e John Rawls (RAWLS, 2005) trabalham a Justiça como um conceito que possui como característica fundamental e basilar o princípio da igualdade. Para eles, para que uma sociedade possa vislumbrar a justiça, necessariamente ela tem de por em prática a igualdade, em todos os âmbitos e sentidos, buscar efetivamente uma igualdade real. Disso decorre, que um Estado Social Democrático de Direito como o Brasil, ou seja, um Estado que zela pelas garantias fundamentais do cidadão e por uma justiça social eficaz, tem necessariamente que garantir esta igualdade, seja ela entre pobres e ricos, negros e brancos, homens e mulheres etc.

Nesse sentido, é inaceitável que o Brasil possua um índice tão baixo, quanto o apresentado, de mulheres ocupando cargos no Congresso Nacional e, de modo geral, cargos públicos de alta relevância. Esta é uma situação que precisa de uma mudança drástica. Legislações e medidas que visem garantir as mulheres acesso aos cargos públicos de alta magnitude, bem como a cargos eletivos, são extremamente necessárias, pois apesar das transformações ocorridas nas últimas duas décadas, ainda há muito a se fazer, visto que o índice de desigualdade é abismal. Não se trata somente te haver mulheres em cargos políticos partidários e institucionais, mas que tenham tido acesso ao acúmulo sobre os movimentos femininos e feministas para que defendam projetos que façam avançar a luta das mulheres e sua equidade de fato. Investir nas mulheres é uma das formas de melhorar o mundo.

8.    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.

CRUZ, Álvaro Ricardo Souza. Direito à Diferença: As ações afirmativas como mecanismos de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

CRUZ, Maria Helena Santana. O poder político e as mulheres nas eleições em Sergipe. Revista de Política e Cultura da Seção Sindica dos Trabalhadores da UFS – ANO  X v.15 e 18 Jan/dez 2009. Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/eixo/politicas-publicas/publicacoes/o-poder-politico-e-as-mulheres-nas-eleicoes-em-sergipe/view>. Acesso em: 15 de julho de 2010. 

Fórum Nacional de Instâncias de Mulheres de Partidos Políticos. Mais Mulheres no Poder: Plataforma 2010. Disponível em: <http://www.maismulheresnopoderbrasil.com.br/pdf/SPM_Plataforma2010.pdf>. Acesso em: 15 de julho de 2010.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 7. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010. v. 2.

GONÇALVES, Kildare. Direito Constitucional. 15. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores Sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira. 2009. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2009/indic_sociais2009.pdf>. Acesso em 15 de julho de 2010.

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