OAB ajuíza ADI contra limite na dedução de despesas com educação no IRPF


Porwilliammoura- Postado em 28 março 2013

Autores: 
SANTIAGO, Igor Mauler
COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado
RIBEIRO JÚNIOR, Oswaldo Pinheiro

EXCELENTÍSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF

“Enfin, il osa lui faire un crime d’avoir voulu que chacun payât l’impôt suivant ses facultés.” [1]

CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – CFOAB, serviço público dotado de personalidade jurídica própria e regulamentado pela Lei nº 8.906/94, com sede em Brasília/DF, no SAUS, Qd. 05, Lote 01, Bloco M, CNPJ nº 33.205.451/0001-14, por seu Presidente MARCUS VINÍCIUS FURTADO COELHO e por seu advogado que esta subscreve, vem à presença de Vossa Excelência, com fulcro nos arts. 102, I, a, e 103, VII, da Constituição, no art. 54, XIV, da Lei nº 8.906/94 e no art. 2º, VII, da Lei nº 9.868/99, propor

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, COM PEDIDO DE CAUTELAR,

contra CÂMARA DOS DEPUTADOS, por intermédio de seu Presidente, com endereço para comunicações no Palácio do Congresso Nacional, Praça dos Três Poderes, Brasília-DF; SENADO FEDERAL, por intermédio de seu Presidente, com endereço para comunicações na Praça dos Três Poderes, Brasília-DF; PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, por intermédio de sua Presidenta, com endereço para comunicações no Palácio do Planalto, Praça dos Três Poderes, Brasília-DF, todos órgãos/autoridades federais responsáveis pela elaboração dos itens 7, 8 e 9 do inciso II do art. 8º da Lei federal nº 9.250/95 (com redação da pela Lei nº 12.469/2011), pelas razões que passa a expor.


1 - OS DISPOSITIVOS LEGAIS QUESTIONADOS:

Trata-se de impugnar a constitucionalidade dos itens 7, 8 e 9 do inciso II do art. 8º da Lei nº 9.250/95 (com redação da pela Lei nº 12.469/2011), que “altera a legislação do imposto de renda das pessoas físicas e dá outras providências”. Eis o seu teor:

 

“Art. 8º. A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas:

I – de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não-tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação definitiva;

II – das deduções relativas:

(...)

b) a pagamentos de despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, efetuados a estabelecimentos de ensino, relativamente à educação infantil, compreendendo as creches e as pré-escolas; ao ensino fundamental; ao ensino médio; à educação superior, compreendendo os cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado, doutorado e especialização); e à educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico, até o limite anual individual de: (Redação dada pela Lei nº 11.482, de 2007)

(...)

7. R$ 3.091,35 (três mil, noventa e um reais e trinta e cinco centavos) para o ano-calendário de 2012; (Incluído pela Lei nº 12.469, de 2011)

8. R$ 3.230,46 (três mil, duzentos e trinta reais e quarenta e seis centavos) para o ano-calendário de 2013; (Incluído pela Lei nº 12.469, de 2011)

9. R$ 3.375,83 (três mil, trezentos e setenta e cinco reais e oitenta e três centavos) a partir do ano-calendário de 2014. (Incluído pela Lei nº 12.469, de 2011)”

A imposição de limites tão reduzidos à dedutibilidade das despesas com educação na base de cálculo do imposto de renda das pessoas físicas ofende, conforme se demonstrará, diversos comandos constitucionais, como o conceito de renda (art. 153, III), a capacidade contributiva (art. 145, § 1º), o não-confisco tributário (art. 150, IV), o direito à educação (arts. 6º, caput, 23, V, 205, 208, 209 e 227), que a Constituição admite não ser plenamente garantido pelo Poder Público (art. 150, VI, c), a dignidade humana (art. 1º, III), a proteção da família (art. 226) e a razoabilidade (art. 5º, LIV).

Violando abertamente “a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos [e] a justiça social”, cuja defesa incumbe à Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94, art. 44, I), os dispositivos legais acima transcritos suscitam a iniciativa do Conselho Federal da entidade, legitimado universal à propositura da presente Ação Direta.


2 - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DA AÇÃO DIRETA:

2.1. Limites materiais do pedido: inconstitucionalidade por ação:

Duas são as censuras em princípio oponíveis ao art. 8º, II, b, da Lei nº 9.250/95 (com redação da pela Lei nº 12.469/2011):

  •  a sua insuficiência objetiva, por não contemplar inúmeras atividades essenciais à formação e ao aprimoramento intelectual e profissional do cidadão, como, entre outras, a aquisição de material didático, as aulas particulares e os cursos de idiomas, de artes e pré-vestibulares;
  •  a sua insuficiência quantitativa, por estabelecer – em relação às despesas autorizadas – limite de dedução claramente irrealista.

Volta-se a presente Ação Direta apenas contra o segundo defeito acima indicado, o qual decorre de uma conduta ativa do legislador (fixar teto simbólico), constituindo, pois, caso de inconstitucionalidade por ação.

Feita essa delimitação, tem-se que a hipótese não é sequer de inconstitucionalidade por omissão parcial, que se verifica (a) quando “o legislador promulgou norma que não corresponde, plenamente, ao dever constitucional de legislar” ou ainda (b) quando “uma mudança das relações jurídicas ou fáticas impõe-lhe um dever de adequação do complexo existente” (voto do Min. GILMAR MENDES na ADI nº 875/DF – DJe 30.04.2010).

A segunda situação é claramente inaplicável, já que não se trata de erosão da constitucionalidade de normas longevas, mas sim da impugnação de dispositivos com vigência específica para cada um dos anos-bases analisados (os itens 7 a 9 transcritos no tópico precedente).

O mesmo se diga da primeira condição, visto que – embora não se vá defender a existência de uma vedação constitucional à fixação de um teto razoável na matéria – é certo que tampouco há um dever constitucional de limitar-se a dedutibilidade dos gastos com educação na base de cálculo do IRPF, restrição aliás inexistente para as despesas com saúde e pensão alimentícia, para darmos apenas alguns exemplos (Lei nº 9.250/95, art. 8º, II, a, d, e e f).

Contudo, ainda que se entendesse que o caso é de omissão parcial, ter-se-ia a plena fungibilidade, inclusive quanto à técnica decisória, entre a ADI e a ACO, pois – ao contrário do que se passa quanto à exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade, onde a cassação da regra imperfeita suprime vantagem lícita concedida aos agraciados, sem nada proporcionar aos discriminados – aqui a anulação dos comandos profligados bastará para atender plena e imediatamente ao desígnio constitucional de impulso à educação.

Manifesta, por tudo isso, a diferença entre o objeto desta ADI e a pretensão rechaçada pelo STF no RE nº 388.312/MG (Rel. para o acórdão Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe 11.10.2011).

Ali se consideravam em bloco, pedindo-se a sua atualização judicial pelos índices oficiais de inflação, valores referidos na legislação do IRPF para diferentes fins: definição da parcela mínima não-tributável (o impropriamente chamado “limite de isenção”[2]), do limite de isenção das aposentadorias e pensões, do desconto-padrão por dependente (decorrência do princípio da praticabilidade, pois seria inviável apontar e comprovar os gastos efetivos com habitação, vestuário, alimentação, higiene, etc., atribuíveis a cada um deles), das faixas de renda sujeitas a cada uma das alíquotas progressivas e, ainda, do teto de dedutibilidade das despesas com educação própria ou por dependente.

A ação partia da validade originária de cada uma daquelas cifras, protestando somente contra a omissão do legislador em atualizá-los pela inflação. O pleito foi negado, como se sabe, ao fundamento da separação dos Poderes: legalidade estrita e vedação à atuação do Judiciário como legislador positivo.

Aqui, no entanto, cuida-se apenas das despesas com educação e se busca a declaração de inconstitucionalidade dos tetos de dedução impostos de maneira específica para os anos-bases de 2012 a 2014.

A diferença é nítida: enquanto não se concebe uma lei de IRPF no Brasil sem o estabelecimento de um valor mínimo intributável, de um desconto-padrão por dependente ou de faixas de renda para a aplicação da tabela progressiva, não existe imperativo lógico ou jurídico quanto à fixação de um limite de desconto das despesas com educação, cuja eliminação em nada prejudicaria a coerência interna do tributo (de lembrar, mais uma vez, os gastos essenciais do contribuinte a que não se aplica qualquer teto: saúde e pensão alimentícia, entre outras).

Não se discute nestes autos se um tal limite seria aceitável em tese, desde que condizente com a realidade. O que apenas se afirma é que ele é inconstitucional, nos termos em que ora fixado.

A procedência desta Ação Direta, obviamente, não levará o STF a definir o teto de abatimento que entenda legítimo. Isso é tarefa a ser empreendida pelo legislador, sempre sujeito ao controle judicial.

Todavia, até que nova lei venha a ser editada a dedução desses gastos permanecerá ilimitada, tal como ocorre para outras despesas vitais.

2.2. Limites materiais do pedido: atuação do Judiciário como legislador negativo:

Viu-se acima que tudo o que se pretende é a fulminação de comandos legais determinados. E tal anulação, ainda que parcial, não é daquelas aptas a subverterem o sentido original da lei, infringindo de maneira oblíqua a vedação à atuação do Judiciário como legislador positivo.

A censura foi feita por esse e. Tribunal, v.g., na ADI-MC nº 1.063/DF, que se voltava – entre outros pontos que não interessam aqui – contra as seguintes expressões do art. 8º, § 1º, da Lei nº 8.713/93:

“Art. 8º, 1º. Aos que, na data de publicação desta lei, forem detentores de mandato de Deputado Federal, Estadual ou Distrital, é assegurado o registro de candidatura para o mesmo cargo pelo partido a que estejam filiados na data da convenção, independentemente de sua escolha nesta, salvo deliberação em contrário do órgão de direção nacional do partido.”

A “supressão seletiva” dos trechos em destaque, segundo o voto condutor do eminente Min. CELSO DE MELLO, “alterar[ia], substancialmente, o conteúdo material da regra impugnada, modificando-lhe o sentido e elastecendo o âmbito de sua incidência”, “a ponto de (...) comprometer, em sua integridade, a própria vontade estatal positivada no texto da lei” (Plenário, DJ 27.04.2001).

Deveras, a prevalecer o pedido, da candidatura nata (a) dos Deputados Federais, Estaduais e Distritais (b) ao mesmo cargo passar-se-ia à candidatura nata (a’) de todo detentor de mandato (b’) a qualquer cargo, regra nova que destoa completamente do objetivo visado pela lei.

Não é o que se tem aqui.

A uma porque se trata da impugnação integral de partes autônomas de um dispositivo legal (os multicitados itens 7 a 9), e não de palavras pinçadas do fraseado normativo.

A duas, principalmente, porque o direito ao abatimento dos gastos com instrução já existe, e a eliminação da trava arbitrária a que está sujeito não “desfigurar[á] o sentido da regra legal”, mas antes compatibilizará a decisão legislativa com as imposições da Constituição.

É certo que a procedência desta Ação Direta levará à redução do IRPF devido por vários contribuintes, mas tal circunstância – corriqueira em debates de fundo tributário – não basta para atrair a pecha, que não se impôs em outros feitos nos quais se combatiam restrições à exclusão de valores para efeito da apuração dos mais variados tributos. Assim, à guisa de exemplo:

a) o RE nº 344.994/PR (Plenário, Rel. para o acórdão Min. EROS GRAU, DJe 28.08.2009), sobre a legitimidade do limite de 30% para a compensação de prejuízos na base de cálculo do IRPJ;

b) a ADI-MC nº 2.325/DF (Plenário, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ 06.10.2006), contra os dispositivos da Lei Complementar nº 102/2000 que fracionavam a dedução de créditos de ICMS por bens do ativo fixo e restringiam o aproveitamento de créditos do mesmo imposto quanto às entradas de energia elétrica e serviços de comunicação;

c) a ADI nº 3.128/DF (Plenário, Rel. para o acórdão Min. CEZAR PELUSO, DJ 18.02.2005), onde se declarou a invalidade das regras da EC nº 41/2003 que sujeitavam a contribuição previdenciária as aposentadorias e pensões dos servidores públicos, mesmo naquilo em que não atingissem o teto dos benefícios do regime geral.

Em todos esses casos a anulação das regras que impediam a dedução de certas parcelas no cálculo dos tributos – e é disso que se trata nestes autos – acarretaria (e efetivamente acarretou, na situação referida na letra c) a redução do valor devido àquele título, sem que por isso se pudesse falar em atuação normativa do STF.

2.3. Limites materiais do pedido: estraneidade à discussão de políticas públicas:

Com efeito, o direito à educação impõe ao Estado prestações positivas e negativas, aquelas voltadas à oferta de instrução pública de qualidade e acessível a todos os legitimados, estas consistentes na abstenção de comportamentos que entravem, para os optantes, o acesso à instrução particular.

Versa esta Ação Direta apenas sobre uma de tais prestações negativas – a proibição da exigência de IRPF sobre as quantias empregadas pelo cidadão na instrução privada –, não importando a judicialização de políticas públicas e repelindo, bem por isso, a invocação da reserva do possível, que nunca constituiu óbice à impugnação judicial de tributos, mormente quando destituída de efeitos patrimoniais pretéritos.

De notar, en passant, que esta Corte atribui tal relevância à educação que – pelo menos quanto às creches e às pré-escolas – supera o argumento da reserva do possível mesmo quando se trata de exigir a atuação positiva do Poder Público, asseverando que aquela cláusula “encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial”, a qual assegura “acesso efetivo (...) a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação...” (2ª Turma, ARE nº 639.337-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe 15.09.2011).

Este debate, relevantíssimo, não precisará ser travado nos presentes autos.

2.4. Limites temporais do pedido:

Uma última precisão se impõe: voltando-se contra os itens 7 a 9 do inciso II do art. 8º da Lei nº 9.250/95, a presente ação se limita aos anos-bases 2012 (exercício 2013) a 2014 (exercício 2015).

O termo final explica-se por ser 2014 o último período para o qual o tema está disciplinado em lei.

O termo inicial, que traduz renúncia à discussão do tema quanto a exercícios anteriores ao corrente (e, assim, à infusão à decisão de inconstitucionalidade de efeitos quanto a anos anteriores), visa a evitar controvérsias sobre:

  • a viabilidade financeira e operacional da restituição do indébito aos contribuintes que tiveram, no passado, despesas de educação superiores aos valores então autorizados; e
  • a correspondência, em cada ano pretérito, entre tais limites e a realidade econômica então vigente.

A incongruência entre os tetos de dedução aqui enfocados e o panorama atual, que é intuitiva, e os efeitos jurídicos dela advindos, também evidentes, serão demonstrados a seguir.