O administrador público e a anulação de seus atos


Pormathiasfoletto- Postado em 03 maio 2013

Autores: 
CORREA, Lucíola Lopes

 

 

A Administração Pública baseia-se muitas vezes para anular o ato administrativo na súmula 473 do Egrégio Supremo Tribunal Federal:

A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

O administrador não pode olvidar, no entanto, que ela resguarda também o direito adquirido e, em muitas situações o ato poderá sobrepor-se até ao princípio da legalidade como bem ensina Weida Zancaner:

Calcada, primordialmente, nos princípios da legalidade e da segurança jurídica, a convalidação visa evitar a desconstituição dos abusos ou relações jurídicas que podem ser albergadas pelo sistema normativo se sanados os vícios que os maculam, já que a reação da ordem normativa com relação a essa espécie de atos ou relações não é de repúdio absoluto. Portanto, é mais consentâneo com o interesse público insuflar vida nos atos e ns relações jurídicas passíveis de convalidação do que desconstituí-los, mesmo porque a invalidação pode levar á responsabilização estatal no que pertine aos lesados de boa-fé.1

Ao bom administrador, além de noções gerenciais, incumbe também conhecimentos de Direito. Há que atentar para a essencialidade dos atos administrativos a serem praticados com o fito de adequá-los às realidades e normas para, ao cabo, atingir o único objetivo perseguido: o interesse público.
 

A doutrina é neste sentido:

Sendo assim, ao contrário do que se poderia imaginar, o candidato, em relação ao preenchimento de vagas em carreiras públicas, não está à mercê dos desmandos praticados pelo Administrador, encontrando, nos princípios constitucionais, resguardo para as suas aspirações.

...

Enfim, a segurança das relações jurídicas, que é um superprincípio jurídico, determinante da existência do próprio sistema jurídico, não se coaduna com a instabilidade gratuita, decorrente de meras irregularidades irrelevantes. Muitas vezes o desfazimento do ato ou da situação jurídica por ele criada pode ser mais prejudicial que sua manutenção, especialmente quanto a repercussões na ordem social. Não já razão para invalidade ato que tenha atingindo sua finalidade, sem causar dano algum, seja ao interesse público (que acabou sendo satisfeito), seja a direitos de terceiros. 2

A Administração tem o direito de rever seus atos, mas não de forma discricionária e subjetiva, e sim resguardando o direito adquirido e demais princípios como boa-fé, segurança jurídica. A doutrina é neste sentido:

Por fim, cabe registrar que a revogação-conforme demonstrado no decorrer de todo o texto-envolve ponderação de interesses particulares perante o interesse público. A observância dos limites expostos (especialmente os do presente capítulo) é de fundamental importância, pois o respeito aos direitos individuais também deve ser considerado como anseio da coletividade. O respeito à legalidade, à razoabilidade, aos direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos, a observância do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, e outras garantias mencionadas, são também considerados de interesse público.

Afinal, assim como o sistema jurídico consagra o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular-fundamento da revogação-, também garante a segurança jurídica, fundamento da imutabilidade das situações analisadas. 3

Muitas vezes sob o argumento de “proteção ao interesse público”, atos são anulados sem as garantias constitucionais do devido processo legal e do contraditório, olvidando-se o Administrador que “interesse público é, assim, limite e fundamento da atividade administrativa, mesmo aquela não vinculada.” 4

O interesse público e a legalidade não são princípios únicos e absolutos, e devem ser analisados em consonância com os demais princípios como segurança jurídica, boa-fé e juridicidade.
 

Recomenda a doutrina:

Especificamente na interpretação dos direitos fundamentais, inclusive de natureza econômica (liberdade de iniciativa, liberdade de expressão comercial, etc.), uma das mais importantes conseqüências dessa metodologia é que “os programas constitucionais dos direitos fundamentais não podem ser preenchidos por normas infraconstitucionais. Ao revés, são estas que devem ser apreciadas à luz desse programa e corrigidas em caso de conflito. Os direitos fundamentais estão em um grau particularmente alto apoiado pelos seus campos normativos. Em razão de sua aplicabilidade imediata, necessitam de critérios concretos que possam torná-los inteligíveis a partir da sua própria dogmática setorial sem precisar dos favores da lei ordinária, (...) evitando-se assim, a ‘interpretação da Constituição conforme a lei’. (...) Devem ser totalmente descartadas as condições não-escritas que poderiam levar à restrição de certos direitos fundamentais; as leis que podem restringir direitos fundamentais submetem-se a uma necessidade suplementar de prévia previsão constitucional explicita.5

Gustavo Binenbojm sobre o tema menciona que:

Dessa forma, verifica-se não ser possível extrair “o princípio da supremacia do interesse público” da análise do conjunto normativo constitucional, haja vista a ampla proteção dispensada aos interesses particulares, de tal maneira que aceitá-lo como norma-princípio é deixar subsistir a contrariedade sistêmica que representa e afrontar a constante busca pela unidade constitucional.6

...

Em vez de uma regra de prevalência, impõe-se ao intérprete/aplicador do Direito um percurso ponderativo que, considerando a pluralidade de interesses jurídicos em jogo, proporcione solução capaz de realizá-los ao máximo. E “é essa ponderação para atribuir máxima realização aos direitos envolvidos o critério decisivo para a atuação administrativa”. 7

Ao caso concreto haverá a necessidade de ponderação entre os interesses envolvidos, efetivando-se e aplicando-se o princípio da juridicidade.
 

Neste sentido cite-se:

A boa-fé é um importante princípio jurídico, servindo também como fundamento para a manutenção do ato tisnado por alguma irregularidade, conforme já observou Weida Zancaner ao discorrer sobre a convalidação, podendo, em certas situações, sobrepor-se ao princípio da legalidade, cabendo sua invocação tanto pelo agente público quanto pelo cidadão que com ele se relaciona. 8

Complementando a lição acima se impera mencionar novamente Gustavo Binenbojm:

Por outra via, a norma de supremacia pressupõe uma necessária dissociação entre o interesse público e os interesses privados. Ocorre que, muitas vezes a promoção do interesse público – entendido como conjunto de metas gerais da coletividade juridicamente consagradas – consiste, justamente, na preservação de um direito individual, na maior medida possível. A imbricação conceitual entre interesse público, interesses coletivos e interesses individuais não permite falar em uma regra de prevalência absoluta do público sobre o privado ou do coletivo sobre o individual.

Na verdade, o conceito de interesse público é daqueles ditos juridicamente indeterminados, que só ganham maior concretude a partir da disposição constitucional dos direitos fundamentas em um sistema que contempla e pressupõe restrições ao seu exercício em prol de outros direitos, bem como de metas e aspirações da coletividade de caráter metaindividual, igualmente estampadas na Constituição. Ao Estado Legislador e ao Estado Administrador incumbe atuar como intérpretes e concretizadores de tal sistema, realizando as ponderações entre interesses conflitantes, guiados pelo postulado da proporcionalidade.

Assim, o melhor interesse público só pode ser obtido a partir de um procedimento racional que envolve a disciplina constitucional de interesses individuais e coletivos específicos, bem como um juízo de ponderação que permita a realização de todos eles na maior extensão possível. O instrumento deste raciocínio ponderativo é o postulado da proporcionalidade. 9

Ao ponderar os interesses envolvidos resguarda o Administrador os seguintes princípios: direito subjetivo e adquirido, boa-fé, segurança jurídica em contraponto ao interesse público, concretizando assim o princípio do Estado Democrático de Direito.

Tal situação é decorrência lógica da conclusão de que “a boa-fé dos administrados passou a ter importância imperativa no Estado Intervencionista, constituído, juntamente com a segurança jurídica, expediente indispensável à distribuição da justiça material”. 10

Por cite-se Afonso Rodrigues Queiro:

Não brigam com o princípio da legalidade, antes atendem-lhe o espírito, as soluções que se inspirem na tranquilização das relações que não comprometem insuprimivelmente o interesse público conquanto tenham sido produzidas de maneira válida. É que a convalidação é uma forma de recomposição da legalidade ferida. 11

De todo o exposto, conclui-se que a ponderação é medida que se impera ao Administrador como concretizador das ações da Administração Pública, buscando sempre que possível a convalidação do ato, como dito acima, “recompondo a legalidade ferida”.

 

1 ZANCANER, Weida. Da convalidação e invalidação dos atos administrativos. 2ª edição. Malheiros Editores. P. 59

2 SPITZCOVSKY, Celso. Limitações Constitucionais aos Editais de Concursos Públicos. Publicada no Juris Síntese nº 52 - MAR/ABR de 2005

3 TALAMINI, Daniele Coutinho. Revogação do Ato Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p250-251

4 FREITAS, Ney José de. Ato administrativo: presunção de validade e a questão do ônus da prova. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p.51.

5Alexandre Santos de ARAÚJO. A “Supremacia do Interesse Público” no Advento do Estado de Direito e na Hermenêutica do Direito Público Contemporâneo – Interesses PÚBLICOS versus INTERESSES PRIVADOS. Editora Lumen Juris, 2007, pg. 15 e16.

6 BINENBOJM, Gustavo. Da Supremacia do Interesse Público ao Dever de Proporcionalidade: Um Novo Paradigma para o Direito Administrativo. Interesses PÚBLICOS versus INTERESSES PRIVADOS. Editora Lumen Juris, 2007, P. 141

7 Op. cit, P.146

8 DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sérgio. Processo Administrativo. Malheiros: 2007, p. 103-104.

9 BINENBOJM, Gustavo. Da Supremacia do Interesse Público ao Dever de Proporcionalidade: Um Novo Paradigma para o Direito Administrativo. Interesses PÚBLICOS versus INTERESSES PRIVADOS. Editora Lumen Juris, 2007, P. 166-167

10 Op. Cit. P. 104.

11 Citado em ZANCANER, Weida. Da convalidação e invalidação dos atos administrativos. 2ª edição. Malheiros Editores. P. 58

 

Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3728/O-administrador-publico...