Investigação Criminal e Prova na CF/88: Objetivos, destinatários e limites da atividade probatória no curso do inquérito policial


Porwilliammoura- Postado em 19 outubro 2012

Autores: 
PERAZZONI, Franco.

 

1. INTRODUÇÃO

A investigação criminal pode ser definida como um “método para a reconstrução de fatos passados que pretende responder a quatro perguntas básicas: onde, quando e como ocorreu o fato, e quem o praticou” (Garrido, Stangeland y Redondo, 2006, p. 853 apud Pereira, 2011, p. 59). 

É, por assim dizer, um processo de reconstrução histórica do fato criminoso, pelo qual o investigador busca responder a essas quatro perguntas básicas.

Assim, a investigação criminal guarda estreita semelhança com as investigações e pesquisas científicas, sobretudo aquelas levadas a efeito por historiadores e arqueólogos.

Note-se, entretanto, que apesar dessa forte aproximação entre a investigação científica e a investigação criminal, esta última é desenvolvida, precipuamente, em função do sistema de justiça criminal, o que sujeita seus métodos e a própria verdade passível de ser reconhecida nos autos do processo criminal aos limites normativos impostos pelo ordenamento pátrio. 

É, aqui, justamente, que reside a importância da Teoria das Provas Criminais para a investigação criminal, sobretudo à identificação das garantias constitucionais que repercutem na produção de provas e à própria posição jurídica ocupada pelo investigado/indiciado durante esta fase da persecutio criminis, conforme tentaremos apresentar a seguir.  

2. OBJETIVOS E DESTINATÁRIOS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

A investigação criminal não busca, diversamente do que aponta parte da doutrina, apenas comprovar a existência de uma infração penal e sua provável autoria, subsidiando, assim, a opinio delicti do Ministério Público, senão vejamos.  

A investigação criminal, conduzida no bojo do inquérito policial, sob o paradigma garantista esposado na CF/88[1], não visa exclusivamente confirmar a tese acusatória, muito pelo contrário: busca verificar a plausibilidade da imputação evitando processos desnecessários, daí dizer-se que “a investigação criminal não se volta mais à comprovação de um delito, do que para excluir imputações descabidas e aventuradas” (CARNELUTTI, 2001, p. 113)[2].

Nesse sentido, aliás, é importante lembrar que, apesar do caráter inquisitivo do inquérito, a legislação sabiamente autoriza ao investigado diversas possibilidades de interferir e participar ativamente no curso das investigações no sentido de produzir provas que lhe possam ser úteis à sua defesa.

E mais: mesmo uma vez comprovada a prática delituosa e oferecida denúncia pelo Parquet, as provas produzidas na fase investigativa continuarão a integrar o processo, independentemente do fato de se tratarem de elementos de convicção que favoreçam à tese acusativa ou de defesa.

Em outras palavras: a investigação criminal se dirige não apenas ao Parquet, mas também ao investigado (para o exercício de sua atividade defensiva, seja nos autos do próprio inquérito, de forma deferida, ou no âmbito do posterior processo penal, de forma ordinária) e à própria autoridade judiciária, constitucionalmente encarregada de zelar pela sua legalidade e pelo deferimento de eventuais medidas judiciais que se façam necessárias ao seu regular curso.

Note-se, aliás, que no bojo da investigação criminal, podem e devem ser adotadas medidas cautelares que, além de permitir a prisão processual dos envolvidos, a proteção de testemunhas e a apreensão de objetos e instrumentos do crime,  também servem à interrupção de atividades que, apesar de ainda não comprovadamente delituosas, estejam a causar danos de difícil ou impossível reparação futura (sobretudo nos crimes contra o meio ambiente e o patrimônio artístico, histórico, arqueológico e cultural), além de medidas de descapitalização voltadas à garantia da futura reparação dos danos ou restituição dos proveitos adquiridos pelos envolvidos (seqüestro, arresto e hipoteca legal).[3]  

É por isso que acreditamos que o sistema do inquérito policial, assim como previsto no ordenamento pátrio, se coaduna perfeitamente ao sistema acusatório consagrado na CF/88.  

A uma, por respeitar e celebrar o princípio da igualdade das partes (a investigação criminal não se volta à formação da opinio delicti  mais do que a comprovação da inocorrência do ilícito ou, ainda que comprovada a materialidade em si, da existência de causas excludentes da ilicitude ou ausência de culpabilidade do investigado, nos termos da legislação vigente).  

A duas, pois, assegura que intervenção da autoridade judiciária durante as investigações se dê para a apreciação de medidas judiciais necessárias à efetiva apuração dos fatos noticiados, quando direitos e garantias fundamentais estejam em jogo, ou ainda para coibir quaisquer abusos e ingerências no curso das mesmas.

Conforme já havíamos nos referido anteriormente, cremos ser justamente nesse ponto que reside a importância da Teoria das Provas Criminais para a investigação criminal, ao estabelecer limites ao Estado-investigação e aos métodos de perquirição e estabelecimento da verdade juridicamente qualificada.

Trataremos sobre esse tema em seguida.  

3. LIMITES JURÍDICOS DA PROVA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

Já ressaltamos que a investigação criminal, diversamente das investigações científicas, encontra-se condicionada pelo próprio ordenamento jurídico.

Não basta, portanto, à autoridade policial demonstrar a verdade factual (quem, quando onde e como praticou o fato-crime). Faz-se imperativo que essa verdade factual seja juridicamente qualificada (verdade processual).

Isto porque se, sob uma perspectiva contratualista e humanista, é o próprio cidadão que legitima o Estado a exercer o poder investigativo e, por conseguinte, a punição penal dos infratores identificados, não se pode, em hipótese alguma, cogitar por uma investigação criminal que desconsidere os valores ínsitos à personalidade humana, como a dignidade.

Daí porque a investigação criminal deve ser vista e compreendida como um fenômeno processual penal, a ser administrado, sempre, sob esse enfoque[4].

Importante, portanto, que as autoridades policiais e demais operadores do direito, dentre eles destacadamente o integrantes da magistratura e do ministério público, compreendam que a própria razão da existência da função do delegado de polícia, no Brasil, escuda-se no reconhecimento de que além da investigação preliminar ser um fenômeno a merecer um abordagem gerencial-administrativa, reveste-se, também, numa função tipicamente jurídica, a se pautar pela estrita legalidade e imparcialidade, só plenamente obtenível, por meio da existência de um Estado-investigação, dotado de autonomia e que não se confunda com os futuros personagens que agirão na persecutio criminis in juditio.

Nessa esteira, portanto, o delegado de polícia, como titular do Estado-investigação  possuiria tripla função: a) proteger os bens jurídicos mais importantes e ameaçados pela conduta humana; b) apurar as supostas práticas delituosas que lhe cheguem a conhecimento com zelo, imparcialidade e em estrita consonância com os ditames de um sistema processual de partes, portanto democrático e marcadamente acusatório e; c) proteger o próprio suspeito/investigado/indiciado dos excessos e arbítrios outrora cometidos pelo próprio estado, tendo em vista a sua condição de indivíduo, titular de garantias e direitos fundamentais.

Isto porque a investigação criminal possui duas faces, que apesar de aparentemente opostas, se afiguram indispensáveis no Estado Democrático de Direito: tutelar os bens jurídicos mais importantes e ameaçados pela conduta humana, sem, contudo, deixar de proteger o próprio investigado dos excessos e arbítrios outrora cometidos pelo próprio estado, em total desrespeito à sua condição de pessoa humana e, como tal, titular de garantias e direitos inatos e de caráter inalienável.

Nesse sentido, aliás, indefectíveis os ensinamentos do Prof. Eliomar da Silva Pereira (2011):

“[...] os direitos fundamentais são os lindes jurídicos da investigação criminal. Embora a lei não diga o que fazer na investigação criminal, estabelecendo o caminho necessário de pesquisa do crime (um método positivo), acaba o delimitando sob certos aspectos na medida em que estabelece limites legais que dizem o que não se pode fazer (um método negativo), ou o que se pode fazer sob certas condições, tendo por balizas os direitos fundamentais” (PEREIRA, 2011, p.289).

Advém, daí, a inarredável constatação de que a condução da investigação criminal exige, prioritariamente, uma abordagem jurídica, sobretudo no que se refere aos limites impostos ao Estado-investigação pelos direitos e garantias fundamentais do cidadão, vez que estes condicionam não apenas a atuação da Autoridade Policial e seus agentes, mas, sobretudo, as regras de validade e eficácia das próprias provas produzidas.

Tal constatação é ainda mais reforçada quando temos em mente o recrudecimento, nestas últimas décadas, do chamado “crime organizado” que, há muito, não se encontra mais restrito aos crimes tradicionais, como o tráfico de drogas.

Com freqüência, aliás, os noticiários e a imprensa especializada têm nos informado de operações realizadas pelo Departamento de Polícia Federal, e que apontam para a existência de grupos organizados, não raro infiltrados no seio estatal, que se dedicam às mais diversas atividades delituosas: desvio de verbas públicas, crimes e fraudes financeiras, previdenciárias e tributárias, “venda” de sentenças judiciais, crimes contra o meio ambiente e o patrimônio histórico etc.[5]

São, portanto, numerosas as organizações criminosas que hoje de dedicam às mais diversas práticas delituosas e que, não raro, dispõe de técnicas persuasivas de recrutamento que vão da propina até a coação daqueles que se oponham aos seus interesses, contando, assim, com a indispensável condescendência de agentes públicos, bem como de profissionais e técnicos especializados (em especial engenheiros, despachantes, advogados, contadores etc.).

Esta nova forma de criminalidade busca, sempre, evadir-se à atuação dos órgãos policiais, de fiscalização e jurisdicionais, valendo-se, não raro, de apoio técnico especializado e das modernas tecnologias disponíveis e portanto:

 “O maior desafio da Justiça será sempre buscar soluções legais contra essa espécie de criminalidade, sem abrir mão da observância aos direitos e garantias individuais. Será quase sempre sensível o ponto exato, estreita a linha divisória, mas temos que buscar incansavelmente esta Justiça – para que o mundo não pereça” (MENDRONI, 2009, p. 21).

 Nessa esteira, parece-nos claro que a efetiva repressão ao crime, sobretudo o crime organizado, demanda conhecimentos e instrumentos próprios, a fim de podermos, efetivamente, fazer frente aos avanços alcançados pelos respectivos grupos criminosos, nestes últimos tempos.   

É neste ponto, aliás, que, acreditamos, a atividade de Polícia Judiciária se distingue claramente das atividades desenvolvidas pelos demais órgãos que compõe o aparato estatal, sobretudo os órgãos de fiscalização e polícia administrativa, devendo através dos meios que a legislação sabiamente lhe disponibiliza (quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico, busca e apreensão, prisões cautelares, seqüestro de bens etc.), bem como por meio das modernas tecnologias de Informação e Inteligência hoje disponíveis, elucidar, de fato, toda a dinâmica criminosa, possibilitando a efetiva responsabilização e, principalmente, a descapitalização, senão de todos, ao menos dos principais envolvidos.

O que se buscará a seguir é relacionar, de forma objetiva e clara, alguns desses principais instrumentos de grande utilidade na investigação e repressão ao crime organizado, trazendo à tona os principais aspectos à sua admissibilidade como prova no processo penal.

3.1 Interceptação das comunicações

 A CF/88 consagrou em seu art. 5º, inciso XII: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

A Lei nº 9.296/96 veio para regulamentar este dispositivo constitucional, estabelecendo os requisitos e hipóteses em que se realizará a interceptação das comunicações telefônicas e esclarecendo, em seu parágrafo único, do artigo 1º, também que: “o disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática”.

Note-se, neste ponto, que o referido dispositivo legal, ao permitir, além da interceptação das comunicações telefônicas, também o monitoramento de comunicações em sistemas de informática e telemática, gerou grande celeuma no meio jurídico.

Com efeito, de um lado situaram-se autores do calibre de Vicente Greco Filho (1996, p. 12/13), os quais concluíam pela inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei 9.296/96:

"A conclusão é a de que a Constituição autoriza, nos casos nela previstos, somente a interceptação de comunicações telefônicas não a de dados e muito menos as telegráficas  (aliás, seria absurdo pensar na interceptação destas, considerando-se serem os interlocutores entidades públicas e análogas à correspondência). Daí decorre que, em nosso entendimento, é inconstitucional o parágrafo único do art. 1o .da lei comentada, porque não poderia estender a possibilidade de interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. Não se trata, aqui, de se aventar a possível conveniência de fazer interceptação nesses sistemas, mas trata-se de interpretar a Constituição e os limites por ela estabelecidos à quebra do sigilo". 

Em sentido diametralmente oposto, outra corrente sustentava, que, na verdade, o que pretendia o legislador constituinte pátrio, era garantir a inviolabilidade absoluta apenas das correspondências e das comunicações telegráficas.

Neste sentido, são bastante elucidativos os seguintes ensinamentos:

“Sustenta o eminente Tourinho Filho em seu conceituado "Processo Penal"  (Ed. Saraiva, 18ª ed., vol. 3, pág. 234, 1997), a existência de apenas duas hipóteses de inviolabilidade insertas no art. 5º, inc. XII da Constituição da República, e não quatro, como afirmamos alhures. Nesse sentido, defende o citado mestre que a aposição da vírgula entre as expressões "comunicações telegráficas" e "dados" revela a existência de dois casos apartados de inviolabilidade, a saber: i) correspondência e comunicações telegráficas; ii) dados e comunicações telefônicas. Sendo assim, a expressão "no último caso" refere-se, simultaneamente, às "comunicações telefônicas" e "dados", concluindo-se, por conseguinte, pela constitucionalidade do dispositivo legal em estudo. (LIMA NETTO, 1997).

Note-se que esta segunda corrente é a que hoje se mostra prevalente, tendo a interceptação das comunicações mantidas por correio eletrônico (e-mail) e programas de comunicação via internet, como MSN e Skype, consolidando-se, nestes últimos anos, como importante, senão fundamental, instrumento à investigação e repressão dos mais diversos ilícitos praticados por grupos criminosos.

No que se refere aos requisitos para interceptação, os mesmos se encontram devidamente delineados nos art.s 2º, 3º e 4º da Lei 9.296/96, podendo assim ser resumidos:        a) o requerimento de interceptação deve ser firmado pela Autoridade Policial ou pelo órgão ministerial e conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, indicando, ainda, os meios a serem empregados; b) o fato investigado deve constituir infração penal punida com pena de reclusão; c) devem estar presentes indícios razoáveis da autoria ou participação na infração penal; e   d) deverá restar comprovada a impossibilidade da prova não poder ser realizada por outros meios disponíveis (mostrando-se como medida de exceção).

Uma vez deferido o requerimento, caberá a Autoridade Policial conduzir os procedimentos de interceptação, encaminhando ao magistrado o respectivo auto circunstanciado, que conterá o resumo das operações realizadas (art. 6º da Lei 9.296/96).   

Ressalte-se, neste ponto, que o papel desempenhado pela Autoridade Policial e seus agentes durante a interceptação de comunicações telefônicas não se reveste, em absoluto, numa tarefa meramente mecânica de audição, transcrição e elaboração de relatórios.

Aos agentes incumbidos da análise desses dados, tanto os obtidos por meio telefônico como os obtidos por telemática é necessário, primordialmente, um razoável conhecimento do universo que estará investigando, a fim de poder efetivamente compreender e avaliar a vasta gama de informações a que serão submetidos.   

Numa investigação que apura crimes relacionados ao meio ambiente, por exemplo, deverá o agente estar familiarizado não apenas com os objetivos da investigação, mas também a forma como se dá o trâmite do respectivo licenciamento, requisitos legais etc.

O acompanhamento próximo da Autoridade Policial é também de suma importância, a fim de melhor orientar e direcionar os trabalhos. 

3.2 Quebras de sigilo bancário e fiscal

As quebras de sigilo bancário e fiscal revestem-se de suma importância nas investigações patrimoniais e financeiras das organizações criminosas, sendo indispensáveis à efetiva comprovação de diversos ilícitos praticados por seus integrantes, notadamente os relacionados à corrupção, sonegação fiscal e o enriquecimento ilícito.

Nessa esteira, a Lei nº 9.034/95 estabeleceu em seu art. 2º, III, que em qualquer fase da persecução criminal são permitidos, mediante autorização judicial, o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias e financeiras.

Isso porque:

"[...] não pode a ordem jurídica de um país razoavelmente civilizado fazer do sigilo bancário um baluarte em prol da impunidade, a favorecer proxenetas, lenões, bicheiros, corruptos, contrabandistas e sonegadores de tributos. O que cumpre ser feito é uma legislação cuidadosa que permita a manutenção dos princípios da privacidade e do sigilo de dados, sem torná-los bastiões de criminalidade. De resto, reza a sabedoria popular que quem não deve não teme. A recíproca é verdadeira" (COELHO, 1993, p. 100).

Os pedidos de quebra de sigilos bancário e fiscal devem ser dirigidos ao juízo competente e conter a qualificação completa dos investigados, notadamente os seus CPF’s.

Deverão ser narrados, além dos fatos já apurados no bojo do respectivo inquérito policial, também as justificativas que se fazem à realização dos levantamentos financeiros e patrimoniais dos investigados no interesse da respectiva investigação, bem como o lapso temporal a ser abrangido pela medida.

Importantíssimo que, no caso de não serem conhecidas, previamente, quais contas bancárias deverão ter o seu sigilo afastado e com vistas a se evitar a demorada consulta do Banco Central a todas as instituições financeiras, seja realizada, primeiramente, a quebra do sigilo fiscal dos investigados.

Isso porque, nos dados constantes do “Dossiê Integrado” e/ou do “Relatório de Movimentações Financeiras – CPMF”, provenientes da Secretaria da Receita Federal do Brasil, estarão identificadas as contas bancárias de titularidade dos investigados.

Note-se, por fim, que, em sede de quebra de sigilo bancário, aspecto de suma importância é o processamento e consolidação das informações obtidas junto às instituições financeiras. Para tanto, é imprescindível que seja requerido ao magistrado que determine às instituições financeiras o encaminhamento desses dados em meio digital, conforme modelo e formato previamente estabelecidos, fixando prazo razoável para o atendimento.[6]

Tal medida é de sobeja importância, pois, a depender da quantidade de investigados e respectivo volume de movimentações financeiras, o simples processamento desses dados pela perícia poderia levar vários meses.

3.3 Ação controlada e infiltração de agentes

A Lei nº. 9.034/95 estabelece que:

"Art. 2º. Em qualquer fase da persecução criminal que verse sobre ação praticada por organizações criminosas são permitidos: [...] II – a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações [...] V – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência[7], em tarefas de investigação, constituídas pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial”.

Note-se que ambos os mecanismos estão umbilicalmente ligados, vez que os próprios objetivos de uma verdadeira infiltração policial restariam sobejamente prejudicados caso não houvesse a previsão da ação controlada.[8]

A ação controlada já vem, há muito, sendo utilizada com sucesso pelos órgãos de Polícia Judiciária no combate ao crime organizado, notadamente em conjunto com as técnicas de monitoramento já anteriormente tratadas.

No que tange à infiltração policial, entretanto, existem diversos pontos que não se encontram devidamente esclarecidos na legislação especial, tais como: a) o prazo da infiltração e a possibilidade de sua prorrogação; b) forma e frequência da produção de relatórios a serem encaminhados à Autoridade Judiciária; c) o uso de identidade e documentos falsos pelo agente infiltrado; d) destinação de eventuais vantagens auferidas pelo policial "criminoso"; e) o valor probatório de policiais infiltrados; f) responsabilização do agente infiltrado pela participação nos crimes cometidos pela organização criminosa; etc.

Todas essas lacunas, por óbvio, têm prejudicado sobremaneira o uso mais frequente e eficiente da infiltração policial como técnica de repressão ao crime organizado. Cremos, entretanto, que o maior responsável pela subutilização dessa técnica é justamente a ausência de expressa previsão legal no que se refere à responsabilidade penal do agente infiltrado pelos crimes praticados no âmbito da organização.

Sobre o assunto, aliás, surgiram diversas correntes, conforme a seguir:

“[...] discute-se a posição jurídica do agente infiltrado, afirmando alguns a licitude de seu procedimento por ter atuado no estrito cumprimento de seu dever ou no exercício regular de direito legal ou a carência de culpabilidade por obediência hierárquica a ordem não manifestamente ilegal. Já outros asseguram existir na hipótese escusa absolutória, o que implica o reconhecimento do fato criminoso, sem imposição de pena em virtude de uma postura político-criminal”. (FRANCO, 2002, p.586).

Para o promotor de justiça Marcelo Batlouni Mendroni (2009, p. 112), entretanto:

“[...] a resposta parece estar mais uma vez na solução adotada pioneiramente pela doutrina alemã chamada de Princípio da Proporcionalidade Constitucional [...] segundo o qual, numa situação de conflito entre dois princípios constitucionais, deve-se decidir por aquele de maior peso [...]. Exemplificando, entre a vida e a intimidade ou a privacidade, evidente que a primeira tem maior peso, merecendo, em caso de necessidade, a sua eleição em detrimento dos demais. Nada poderia justificar o sacrifício de uma vida em favor da infiltração do agente e este deverá utilizar de todas as suas habilidades para impedi-lo. Claro que um policial infiltrado , impossibilitado de impedir o pior, em caso extremo, como por exemplo com uma arma apontada para a sua cabeça, e a ordem do criminoso que atire em outra pessoa, a solução estará nos princípios do direito penal, no caso, quer nos parecer, a excludente de culpabilidade pela coação moral irresistível”.

Forçoso reconhecer, entretanto, que ambas as posições acima transcritas, por si sós, não resultam ideais.

A primeira por ser extremamente ampla e garantir à irresponsabilidade penal do policial em toda e qualquer hipótese delituosa cometida no âmbito da infiltração seja sob o manto da excludente de ilicitude, seja pela escusa absolutória.

 A segunda por ser o critério da proporcionalidade extremamente subjetivo e casuístico, não fornecendo ao agente infiltrado (e nem mesmo ao operador do direito) parâmetros razoavelmente claros de atuação, relegando sua posterior avaliação ao bom senso da autoridade judiciária, na maioria das vezes pouco familiarizada com situações do gênero.

Cremos, sinceramente, ser necessária expressa previsão legal quanto à responsabilização do agente infiltrado, mesclando, se possível, ambos os critérios, nos seguintes termos: I. Exclusão da ilicitude, por estrito cumprimento do dever legal, em relação aos ilícitos que provavelmente serão cometidos pelo agente infiltrado, tendo em vista a própria natureza da organização criminosa (deverão esses ilícitos estar relacionados no requerimento/representação e na respectiva decisão judicial que autorize a infiltração); II. Previsão, expressa, das condutas e atividade vedadas ao agente infiltrado; e III. Adoção do critério da proporcionalidade para as hipóteses não expressamente previstas nos itens I e II.

Ressalte-se, por fim, que a infiltração e ação controlada nos crimes contra o meio ambiente urbano podem revestir-se de suma eficácia e valia na investigação do crime organizado praticado através de empresas e/ou com ramificações no Poder Público, permitindo a individualização, senão de todos, aos menos dos principais envolvidos.

3.4  Medidas de descapitalização

“A parte mais sensível do corpo humano é o bolso” (Delfim Netto).

Não resta dúvida de que o objetivo principal do crime organizado é a obtenção de lucro.

Assim, se por um lado, a quantificação exata do dano causado por atividades criminosas, notadamente as que atingem bens transindividuais, seja tarefa das mais difíceis, senão impossível, por outro, é necessário ao operador do Direito, ainda que de forma indireta, apurar um valor mínimo a se atribuir ao prejuízo suportado pela sociedade quando da prática de ilícito, inclusive porque muito além da simples condenação e restrição do jus libertatis individual dos criminosos, o primordial, cremos, é que o criminoso restitua à sociedade, pelo menos, os benefícios financeiros que adquiriu dessa prática nefasta.

E mais: considerando que as multas administrativas impostas pelos órgãos estatais, que raramente são pagas, e as prisões levadas a efeito, que logo cedem ao pagamento das fianças de valores irrisórios, não têm sido suficientes para coibir práticas criminosas cuja lucratividade é inegável, torna-se indispensável à descapitalização como medida não apenas de garantia da reparação do dano, mas, sobretudo, para desestimulo dos envolvidos.

São, portanto, de grande importância o conhecimento e efetiva aplicação dos institutos do sequestro, arresto e hipoteca legal de bens, previstos nos arts. 125 a 144 do CPP, assim definidos:

“O seqüestro é reservado ao produto ou proveito do delito, podendo o mesmo recair sobre bens imóveis (artigos 125 a 131 do CPP) ou sobre móveis (artigo 132 do CPP). A medida atinge única e exclusivamente o patrimônio adquirido ilicitamente pelo agente. Nos termos dos artigos 125 e 126 do CPP, é requisito para a concessão do seqüestro a presença de indícios veementes da origem ilícita dos bens do indiciado ou acusado, mesmo que estes tenham sido transferidos a terceiros. Observa-se que no caso dos bens imóveis, seja ele PRODUTO ou PROVEITO do crime, sempre caberá seqüestro. Tratando-se de bens móveis PRODUTO do crime caberá busca e apreensão, nos termos do art. 240, §1º do CPP, e, tratando-se de bens móveis PROVEITO do crime a medida cabível será o seqüestro. [...] Ahipoteca legal recai sobre imóveis do acusado e independe da origem ilícita do bem. Seu único objetivo é garantir a solvabilidade do credor na liquidação de obrigação ou responsabilidade civil decorrente de infração penal, ou seja, recomposição patrimonial dos danos, bem com o pagamento das custas e despesas processuais. São dois os pressupostos necessários para a especialização da hipoteca legal, quais sejam, a prova inequívoca da materialidade indícios suficientes de autoria[9] [...] Por seu turno, o arresto pode recair sobre bens imóveis (art. 136 do CPP), servindo como medida preparatória da hipoteca legal, bem como sobre bens móveis (art. 137 do CPP), destinando-se, em ambas as hipóteses, à garantia da ressarcimento do dano alcançando também as despesas processuais e aspenas pecuniárias, tendo preferência sobre estas a reparação do dano ao ofendido’ (art. 140 do CPP)” (CARAPEBA, 2007, p. 35-36).

Em resumo:  o sequestro se relaciona aos produtos ou instrumentos do crime, ao passo que o arresto e a hipoteca legal são aplicáveis à garantia da reparação do dano.

Note-se, por fim, que o sequestro poderá ser promovido durante a própria investigação criminal, mediante representação da autoridade policial ou requerimento firmado pelo órgão ministerial, ao passo que o arresto e a hipoteca legal podem apenas ser requeridas já durante a persecutio criminis in juditio.

4. ALGUNS OBSTÁCULOS QUE SE APRESENTAM À CONCRETIZAÇÃO DE UMA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NOS MOLDES EXATOS DA CF/88.

Ao longo deste singelo trabalho tentamos, até aqui, trazer à baila e enfrentar, ainda que por vezes de forma pouco mais que geral e perfunctória, aqueles que consideramos serem os principais questionamentos que se fazem em sede de investigação criminal quais sejam: 1) O que é? (o que é investigação criminal e quais os seus objetivos, destinatários e limites legais e constitucionais?); 2) Por quê? (porque a produção de provas durante a investigação criminal possui limites legais e constitucionais?); 3) Quem ou o quê? (quem pode investigar e quais os instrumentos de que dispõe para tanto?); e 4) Como? (como nos valermos desses instrumentos, sobretudo tendo em vista os limites impostos pelo próprio ordenamento pátrio?).      

Ocorre, entretanto, que, em toda ou qualquer atividade humana, via de regra, se desejamos plena eficácia em nossa empreitada, não nos basta apenas conhecer os instrumentos de que dispomos, seu funcionamento, seus objetivos, destinatários e limites.

Mais do que isso, necessário se faz, também, conhecer os obstáculos que haveremos de enfrentar em nossa empreitada.

Nesta esteira de raciocínio, ainda que talvez de forma bastante incompleta, eis que, por si só, este tema poderia ser objeto de um estudo próprio, de fôlego e certamente bastante fecundo, optamos por encerrar nosso singelo estudo trazendo à tona aqueles que julgamos serem os principais obstáculos a uma efetiva investigação criminal, em estrita consonância com o sistema acusatório, o Direito à prova e o Garantismo Penal previsto na CF/88, conforme trataremos a seguir. 

4.1 A formação do profissional do direito: o problema do ensino jurídico

É notória a desenfreada proliferação de cursos de Direito em nosso país, bem como, nas grades curriculares destes cursos, a patente despreocupação em fornecer aos futuros bacharéis um conteúdo mais humanístico e reflexivo.  

Privilegia-se, hoje, o que Antônio Alberto Machado (2000, p. 109) classifica como sendo um ensino estritamentepositivista, voltado pura e simplesmente à tarefa da subsunção da norma escrita ao caso concreto.

Disciplinas como direitos humanos, criminologia, ética e tantas outras de suma importância na formação de um jurista consciencioso, ou simplesmente inexistem, ou ainda necessitam de melhor adequação (aumento de carga horária, contratação e capacitação de professores etc.) nas grades curriculares da maioria das faculdades de direito, sejam públicas ou privadas.

Essa formação, sobejamente incompleta, despolitizada e acrítica, posteriormente, dificulta a correta interpretação e aplicação das normas relacionadas a direitos e garantias fundamentais.

4.2 A ausência de uma legislação adequada ao combate do crime organizado

A legislação pátria ainda é bastante incipiente no que se refere à efetiva repressão à denominada criminalidade organizada, notadamente a ilícitos que não se enquadrem no denominado “crime organizado clássico[10]”.

Mais que isso, é preciso ter em mente que o fenômeno criminal é dinâmico e busca se aprimorar, encontrando e aproveitando-se das muitas lacunas da lei.

Deve, portanto, a legislação e o instrumental repressivo do estado estar em continua evolução para que possam acompanhá-lo pari passo, sem abrir mão, por óbvio, da estrita observância aos direitos e garantias fundamentais.

4.3  Estrutura e funcionamento do Sistema de Justiça Criminal

“Um Judiciário eficiente e respeitado é um dos alicerces da estabilidade econômica, política e social. No Brasil, ocorre que o Judiciário não tem uma imagem positiva. Fala-se, com freqüência, de sua ineficácia e lentidão, e acredita-se mesmo que esteja em crise [...] As deficiências de recursos humanos, acrescidas de procedimentos processuais arcaicos, geram a morosidade dos cartórios, o que, por sua vez, é parte permanente de favores e irregularidades diversas. Assim, à necessidade de uma nova gestão profissional e de adequados critérios de recrutamento e treinamento de pessoal para as atividades administrativas, soma-se a indispensável modernização dos procedimentos e rotinas processuais - arena em que se destaca, por sua importância, a informatização processual. Sem a solução desse gargalo, não há como dotar o Judiciário da celeridade que os novos tempos requerem. (MACHADO, 2006).”

Do trecho acima, infelizmente, resta claro que o Poder Judiciário brasileiro ainda não corresponde aos anseios de uma justiça célere e eficaz.[11]

Por óbvio, o panorama não se revela muito diverso nos demais órgãos que compõem o sistema de justiça criminal lato sensu, notadamente as polícias judiciárias e o Ministério Público.

Cremos, sinceramente, que a carga de trabalho do reduzido número de juízes, promotores e autoridades policiais poderia ser aliviada pela modernização e simplificação dos procedimentos e atos processuais, principalmente pelo uso de novas tecnologias[12] bem como pela delegação de competências e atribuições para a realização de alguns atos por parte de funcionários qualificados, direcionando-se, dessa forma, as atividades das respectivas autoridades apenas para os atos que, verdadeiramente, lhe cabem com exclusividade.

4.4 Desarmonia entre os órgãos que integram a “persecutio criminis extra juditio”: a investigação ministerial, a “hipertrofia” do inquérito policial e o esvaziamento das funções do Delegado de Polícia.

Muitas investigações criminais seriam mais céleres e eficientes sob o ponto de vista probatório se houvesse uma melhor compreensão e exercício, por cada um  dos personagens que integram a persecução criminal (Parquet, Poder Judiciário e Polícia Judiciária), de seus respectivos papéis, atribuições e competências legais.

São exemplos claros dessa flagrante desarmonia as “investigações ministeriais”, a chamada “hipertrofia” do inquérito policial (GOMES, 2009) e o contínuo esvaziamento das funções exercidas pelo Delegado de Polícia.

Por óbvio, este assunto, por si só, dada à amplitude e paixões que desperta, poderia ensejar uma obra inteiramente a ele dedicada. Entretanto, nosso objetivo aqui é apenas lançar um pouco de luz sobre um tema que cremos de suma importância e que gera reflexos em todo o sistema de persecução criminal brasileiro, com reflexos em garantias e direitos fundamentais do próprio investigado, senão vejamos.

Dentre as diversas inovações trazidas pelo Estado Democrático de Direito, no Brasil, talvez a mais importante foi justamente a atribuição a órgãos distintos das diversas tarefas desempenhadas na persecutio criminis.

Neste diapasão, aliás, indefectíveis os ensinamentos de Geraldo Prado (2003, p. 152):

“(...) A estrutura democrática se contrapõe à forma autoritária de Estado, de sorte que em um processo penal democrático as funções acabam distribuídas entre órgãos distintos obedecendo está mesma lógica”.

E mais:

“O processo do tipo acusatório é essencialmente um processo de partes, no qual se contrapõem a acusação e a defesa, num duelo judiciário caracterizado pela igualdade das posições e dos direitos das duas partes contrapostas sobre as quais se ergue, moderador impassível, o juiz” (BUONO, 1991, p. 28) .

Destarte, acusatório não é apenas o sistema processual que concebe o juiz como um sujeito distinto das partes, mas principalmente aquele que garante, efetivamente, uma contenda entre iguais, restando, sobretudo, a figura do juiz como um moderador imparcial (FERRAJOLI, 1995, p. 564).

Ou seja: um verdadeiro Sistema Acusatório não se restringe a simples divisão das tarefas atribuídas a cada um dos personagens que atuam na persecutio criminis in juditio. Isso porque a adoção desse sistema, no Brasil, possuiu também importante reflexo já na fase pré-processual ou investigativa, notadamente no que se refere ao claro estabelecimento dos papéis específicos a serem desempenhando pelo Parquet e pela Polícia Judiciária nessa fase (LIMA, 1997, p. 69).

Assim, se à Polícia Judiciária, exercida (art. 4º do CPP) e dirigida (art. 144 da CF/88) por delegados de polícia de carreira, coube a investigação e apuração das infrações penais (art. 144 da CF/88), ao Ministério Público foi atribuído o exercício do controle externo da atividade policial (art. 129 da CF/88).

Neste ponto, é importante, aliás, trazer a lume as precisas palavras do prof. Luiz Roberto Barroso ao asseverar que:

“Não é desimportante lembrar que a Polícia se sujeita ao controle do Ministério Público. Mas se o Ministério Público desempenhar, de maneira ampla e difusa, o papel da Polícia, quem irá fiscalizá-lo?” (BARROSO, 2009).

De fato, caso o próprio Parquet realize a investigação criminal, quem seria o responsável pelo seu controle externo? Certamente não seria a própria instituição ministerial, pois, assim agindo, não haveria controle externo, e sim interno[13].

Note-se que, ao acumular o Parquet as funções de órgão acusador, investigador e fiscalizador (interno?), violado resta claramente o princípio da igualdade das partes, enunciado que se reveste no principal sustentáculo de todo o Sistema Acusatório.

Nem se diga que o próprio juiz pode intervir diretamente na investigação ministerial, exercendo o seu controle externo, pois tal fato seria o golpe de misericórdia com vistas ao completo desvirtuamento do sistema acusatório. Isso porque, neste caso, a Autoridade Judiciária se envolveria diretamente com a investigação, comprometendo sua imparcialidade e fragilizando, de vez, todo o sistema.

Nessa esteira, alerta-nos Aury Lopes Jr. dos graves perigos em que incorre o órgão ministerial ao aventurar-se como investigador:

“Na prática, o promotor atua de forma parcial e não vê mais que uma direção. Ao se transformar a investigação preliminar numa via de mão única, está-se acentuando a desigualdade das futuras partes com graves prejuízos para o sujeito passivo. É convertê-la em uma simples e unilateral preparação para a acusação, uma atividade minimista e reprovável, com inequívocos prejuízos para a defesa” (LOPES JR., 2001, p. 97).

Reputamos, portanto, que a investigação direta levada a cabo pelo órgão ministerial não encontra guarida no sistema acusatório, pois viola sobejamente o princípio da igualdade das partes, pilar de todo o referido sistema, ao: a) atribuir poderes em demasia ao Parquet, sem qualquer controle externo; e b) converter a investigação preliminar em mera preparação para a acusação, com inequívocos prejuízos ao investigado e sua defesa.[14]

Reiteramos, aliás, que é justamente essa concepção, equivocada, de que a investigação preliminar resulta em mera preparação para a acusação também a responsável pelas outras duas consequências nefastas a que nos referíamos: a “hipertrofia” do inquérito policial e a desvalorização do papel exercido pela Autoridade Policial napersecutio criminis extra juditio, inclusive com a perda de grande parcela de suas atribuições legais e a ausência, quase total, de prerrogativas e poderes para instruir o inquérito.[15]

Sobre o fenômeno da hipertrofia do inquérito policial, trazemos à baila por seu brilhantismo e precisão os ensinamentos do Prof. Luiz Flávio Gomes e do colega DPF Fábio Scliar (2009):

“[...] os problemas detectados no inquérito estão unicamente relacionados com o que se convencionou chamar de "hipertrofia do inquérito policial", isto é, a concentração nesta fase de atos que deveriam ser praticados na etapa do processo criminal [...] que faz o parquet exigir do inquérito policial um nível de cognição para o qual não está destinado. Acreditamos que é possível identificar uma ordem de três fatores que causam esta distorção: 1) conveniência de produzir provas em detrimento do investigado, em um ambiente, o do inquérito policial, em que ele não tem a mesma capacidade de reação em face do caráter com que se apresentam ali o contraditório e as possibilidades de defesa; 2) a falta de uma cultura probatória na instrução processual criminal e, finalmente, 3) o entendimento jurisprudencial distorcido do o que seja "lastro probatório mínimo" para recebimento de denúncia, que acaba por infundir no parquetuma expectativa equivocada acerca da intensidade de produção probatória no inquérito policial pelo delegado de polícia, uma vez que se o Ministério Público não apresenta o lastro probatório que o Judiciário tem exigido, fatalmente a ação penal não será recebida, por ausência de justa causa, conforme exposto na nova redação do inciso III do art. 395 do Código de Processo Penal, que consolidou a posição jurisprudencial neste sentido, ou não prosperará, podendo ser trancada pela via do habeas corpus, ao mesmo argumento conforme o inc. 1 do art. 648 daquele diploma legal.”

Por fim, no que se refere ao papel desempenhado pelo Delegado de Polícia no âmbito da persecução criminal, cremos, sinceramente, fazer-se necessário, urgentemente, uma maior valorização desse profissional, atribuindo-lhe garantias e poderes para que possa, efetivamente, desempenhar as suas funções de forma célere e imparcial[16].

Nesse sentido, fazemos nossas as palavras do Delegado-chefe da Polícia Civil de Minas Gerais, Marco Antônio Monteiro:

“O Delegado de Polícia tem sua autoridade afirmada pelo Código de Processo Penal e, nesta condição, opera um conjunto de institutos jurídicos que sustentam o exercício democrático da força legítima. O Delegado de Polícia, enquanto bacharel em Direito, é chamado a presidir os atos de força que consubstanciam a investigação, assegurando a austeridade da lei, mas, ao mesmo tempo, garantindo a qualquer indivíduo contra quem pesarem evidências de conduta criminal, os direitos fundamentais afirmados pela civilização. Assim, entendo que a comunidade jurídica deve fortalecer o cargo do Delegado de Polícia, mas fazê-lo dentro de uma perspectiva garantista, de modo a que este profissional dê substância à certeza de que a lei, mesmo no correr da trepidação moral das relações sociais sob as tensões da violência, será observada em todos os seus comandos. A proteção de direitos, nesta difícil fase da ação estatal, não significa enfraquecimento do poder republicano de reprimir crimes, mas sim a certeza de que a lei tem a severidade de procedimentos conquistados histórica e universalmente pelo Direito” (IAMG, 2009).

5. À GUISA DE CONCLUSÃO - A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: NOVOS PARADIGMAS DE ATUAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL EM FACE DO DIREITO À PROVA E DO MODELO ACUSATÓRIO

A visão panorâmica que se buscou traçar ao longo destas linhas, no que tange à investigação criminal em nosso ordenamento pátrio, inclusive a releitura que se faz necessária quanto aos objetivos e os destinatários dessa atividade, haja vista o estandarte garantista desfraldado pela Constituição Cidadã de 1988, obviamente não esgota todas as matizes referentes a um tema de tal envergadura.   

Ficou claro, entretanto, que, sobretudo, nestas últimas décadas, o ordenamento jurídico evoluiu significativamente em sede de direitos e garantias fundamentais e que essa evolução possui flagrantes e inafastáveis reflexos na forma como se deve comportar o delegado de polícia na condição de titular da investigação criminal. 

Conforme já vimos, o delegado de polícia, como titular do Estado-investigação, possui tripla função: a) proteger os bens jurídicos mais importantes e ameaçados pela conduta humana; b) apurar as supostas práticas delituosas que lhe chegam a conhecimento com zelo, imparcialidade e em estrita consonância com os ditames de um sistema processual de partes, portanto democrático e marcadamente acusatório[17] e; c) proteger o próprio suspeito/investigado/indiciado dos excessos e arbítrios outrora cometidos pelo próprio estado, tendo em vista a sua condição de indivíduo, titular de garantias e direitos fundamentais. 

A primeira das funções relacionadas é, obviamente, a que, a primeira vista, guarda maior relação com a própria natureza policial e jurídico-criminal das atividades desempenhadas pelo delegado de polícia, vez que o direito penal é, justamente, o direito protetor dos bens jurídicos mais importantes, a ultima ratio.

O direito penal, entretanto, não se esgota na sua atividade repressiva, vez que, modernamente, a ultima ratioressurge sob uma nova roupagem de função claramente garantista: limitar o arbítrio do soberano e proteger, sob o pálio dos ideais iluministas, os direitos e garantias fundamentais do indivíduo.[18]

Infelizmente, este sutil equilíbrio entre Estado (investigação, acusação e juiz) e indivíduo, fruto de séculos de evolução paulatina e pilar de todo o sistema criminal moderno, vem sendo gravemente ameaçado pelas novas tendências penais desencadeadas nesta últimas décadas, notadamente o denominado Direito penal do inimigo[19] e diversas outras correntes como, por exemplo: a) a tendência securitária ou da tolerância zero, que preconiza a necessidade de ampliação dos poderes materiais da polícia a partir de uma legislação rigorosa e securitária, não apenas no âmbito penal e processual penal, mas também administrativo, inclusive com medidas que autorizam a polícia a agir, em determinados casos, sem prévia autorização judicial, em situações que o diploma processual e a própria Constituição geralmente a exigem; b) o movimento Lei e Ordem, que preconiza um Direito penal máximo, com maior criminalização de condutas e penas mais severas; c) a tendência justicialista ou império dos juízes, que se fulcra no reforço dos poderes judiciais em face dos demais poderes e em face do próprio cidadão, com restrição dos direitos, garantias e liberdades consagrados na Lei Maior.

Por óbvio, o surgimento das novas ameaças e perigos na nossa sociedade de risco[20] nos arrastaram, nestes últimos anos, ao cenário de intensa desconfiança no Direito Penal do Cidadão como instrumento hábil a fazer frente à moderna criminalidade organizada, tornando-o terreno fértil para teorias e doutrinas do gênero. 

De fato, cremos ser esta desconfiança e o temor generalizado que incute na população e nos próprios Estados uma das principais molas propulsoras a fomentar o surgimento dessas novas correntes doutrinárias.

Temos em mente, entretanto, que, se, sob uma perspectiva contratualista e humanista, é o próprio cidadão que legitima o Estado a exercer o poder punitivo, não se pode, em hipótese alguma, cogitar pela desconsideração de valores ínsitos à personalidade humana, como a dignidade.

Isto porque não se pode confundir a necessidade de maiores e melhores investimentos na área de segurança e justiça criminal, notadamente no que se refere à investigação criminal técnica e científica, como uma oportunidade para lançarmos por terra toda a gama de garantias, valores e direitos individuais conquistados com tanto custo ao longo de vários séculos.

Ora, a história já nos leciona, e não foram poucas vezes, que quando nos afastamos de nossa própria humanidade, as conseqüências são sempre as mais nefastas.

Este, cremos, deve ser o norte a direcionar, sempre, as atividades desenvolvidas pelo delegado de polícia no exercício de seu importantíssimo mister à frente da investigação criminal.  

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do Processo Penal. São Paulo: Ed. RT, 1973.

BARROSO, Luís Roberto. Investigação pelo Ministério Público. Disponível em: <http://www.tj.ro.gov.br/emeron/sapem/2004/JUNHO/0406/ARTIGO/A06.htm> Acesso em: 05.12.2011.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994.

BOSCHI, José Antônio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 2a ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. 

BUONO, Carlos Eduardo de Athayde e BEMTIVOGLIO, Antonio Tomás. A reforma processual penal italiana: reflexos no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 16.ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

CARAPEBA, Gabriela de Carvalho. Das medidas assecuratórias. Disponível em <http://www.prr5.mpf.gov.br /nucrim> Acesso em 12.12.2011.

CARNELUTTI, Francesco. Direito Processual Penal. Campinas: Peritas, 2001. Vol. 2. 

COSTA, Eduardo Maia. Que processo penal queremos? Congresso da Justiça. Disponível em  <http://www.asficpj.org >. Acesso em 10.11. 2011.

DINAMARCO, Cândido Rangel, ARAUJO CINTRA, Antônio Carlos de, e GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 12ª ed. São Paulo: ed. Malheiros, 1996.

FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2002.  

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Ed. RT, 2002.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 1995.

FILHO, Vicente Greco. Interceptação Telefônica: Considerações sobre a Lei no 9.296 de 24 de julho de 1996. São Paulo: Saraiva, 1996.

FRANCO, Alberto Silva. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. 7 ed. São Paulo: RT, 2002.

GOMES, Luiz Flávio. SCLIAR, Fábio. Crise do Inquérito Policial? Disponível em <http://www.lfg.com.br>. Acesso em 10.11. 2011.

GOMES, Luiz Flávio. SCLIAR, Fábio. Delegado deveria ter mesmas prerrogativas de juiz. Disponível em <http://jusvi.com/artigos/36799/2> Acesso em 11.11.2011.

GOMES, Rodrigo Carneiro. O Crime organizado na visão da Convenção de Palermo. 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2009. 

GRANZOTTO, Claudio Geoffroy. Análise da investigação preliminar de acordo com seus possíveis titulares. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/9522>. Acesso em: 27.11.2011

IAMG. Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Entrevista com o delegado-chefe da Polícia Civil de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.iamg.org.br > Acesso em: 10.12.2011.

LIMA, Marcellus Polastri. Ministério Público e persecução criminal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1997.

LOPES JR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

MACHADO, André Augusto Mendes. Investigação Criminal Defensiva. 1ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

MACHADO, Antônio Alberto. Ministério Público: Democracia e Ensino Jurídico. Del Rey; Belo Horizonte, 2000.

MACHADO. Mario Brockmann. Reforma do Judiciário e CidadaniaDisponível em:<http://www.casaruibarbosa.gov.br/mario_machado/main_marioreforma.html> Acesso em 12.12.2011.

MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. São Paulo: Forense, 1961. v.3.

PACHECO, Rafael. Crime organizado: medidas de controle e infiltração. Curitiba: Juruá, 2007.

PERAZZONI, Franco. Tutela Penal do Meio Ambiente Urbano. São Paulo: Baraúna, 2011.

PEREIRA, Eliomar da Silva. Teoria da investigação criminal. Coimbra: Almedina, 2011.

PEREIRA, Lizandro Mello. Sigilo no inquérito Policial. Disponível em <http://ambitojuridico.com.br>. Acesso em: 12.12.2011.

PITOMBO, Sérgio M. de Moraes. Inquérito Policial: Novas Tendências. – Belém: CEJUP, 1987.

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 2.ed. Rio de Janeiro, 2003.

RANGEL, Paulo. Direito Processual PenalRio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

REVISTA ACADEMICA – Estudos Avançados de Inquérito Policial – Academia de Ciências, Letras e Artes dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo. Ano I, 2000, nº 03.

ROCHA, Luiz Otávio de Oliveira. Agente infiltrado: inovação da Lei 10.217/2001. Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. V. 1, nº 1, 2001, p. 141 – 166.

TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. v.1.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 1º Volume. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito Penal do Inimigo e Terrorismo. São Paulo: Almedina, 2010.

ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático de Direito. São Paulo: Brazilian Books. 2005.

ZACCARIOTTO, José Pedro. A Portaria DGP18/98 e a Polícia Judiciária Democrática – Revista dos Tribunais, ano 88, novembro de 1.990 – Vol. 769.

Notas:

[1] A expressão garantismo foi cunhada pelo jusfilósofo italiano Luigi Ferrajoli em sua obra “Direito e Razão”. Refere-se ao conjunto de teorias a respeito do direito penal e processual penal concebido pelo referido autor, segundo o qual toda norma jurídica deve ser lida e interpretada em conformidade com seus princípios formadores (e, portanto, garantidores de sua própria vigência, validade e eficácia normativas).

[2] Note-se, entretanto, que para não perder esse caráter garantista, bem como revestir-se da necessária eficiência (celeridade), a investigação não pode se aprofundar a ponto de pretender formar juízo de certeza sobre a imputação, o que só deve ocorrer em juízo. Falaremos sobre isso mais adiante ao tratarmos da chamada “hipertrofia” do inquérito policial (GOMES & SCLIAR, 2009). 

[3] Por óbvio, o próprio deferimento, pela autoridade judiciária, de medidas cautelares no bojo de uma investigação criminal, sobretudo aquelas que trazem em si limitações às liberdades e garantias individuais do cidadão (v.g, prisões processuais, buscas domiciliares) e ao direito de propriedade (apreensões, medidas de descapitalização etc.) exigem a existência de provas juridicamente qualificadas e suficientes da efetiva prática de um ilícito penal e de seus possíveis autores (a chamada “justa causa penal”).

[4] Daí, aliás, serem as investigações preliminares conduzidas, na maior parte do mundo, por autoridades judiciárias ou ministeriais, e no Brasil por ocupante de cargo privativo de bacharel em direito, submetido a concurso de provas e títulos nos mesmos moldes àqueles que se submetem as demais autoridades do mundo jurídico

[5] Para informações sobre todas as operações da Polícia Federal deflagradas entre anos de 2003 e 2009: http://www.dpf.gov.br/DCS/operacoes/indexop.html

[6] No âmbito da Polícia Federal, esse processamento dos dados se dá de forma automatizada, através do denominado sistema SIMBA, por intermédio do qual o Banco Central (i) circulariza a ordem judicial a todas as instituições financeiras com as quais os investigados mantenham relacionamento bancário, (ii) recebe as informações, e (iii) repassa-as ao Instituto Nacional de Criminalística, que fica responsável pela análise prévia e elaboração dos respectivos laudos periciais. Com o SIMBA as informações vêm em formatação mais amigável, e já submetida à prévia análise de sua integridade, formato e consistência, facilitando a análise pela equipe de investigação.

[7] Em que pese a lei referir-se a “agentes de inteligência”, somos da mesma opinião de ROCHA (2001, p. 148) e FRANCO (2002, p. 587) para quem a infiltração somente será possível à coleta de provas a serem utilizadas no processo penal, devendo ser realizada, sempre, por agentes de Polícia Judiciária.

[8] Note-se, entretanto, que a recíproca não é verdadeira, sendo plenamente possível a autorização e uso da ação controlada fora do contexto da infiltração policial, como, por exemplo, durante investigações que se baseiam no monitoramento à distancia do grupo criminoso (campanas, interceptação das comunicações etc.).

[9] É possível, portanto, serem especializados bens imóveis adquiridos anteriormente à prática do ilícito, pois não exige qualquer relação entre o bem e a referida prática.

[10] Ao se referir ao “crime organizado clássico”, MENDRONI (2009, p. 190-197) nos remete a organizações criminosas voltadas a atividades como o tráfico de drogas, extorsões, tráfico de armas, exploração de jogos de azar e prostituição.

[11] Não raro (e aqui valemo-nos de nossa experiência pessoal) pedidos e representações feitas por autoridades policiais no interesse de investigações que versam sobre o crime organizado levam semanas e até meses para serem apreciados e julgados.

[12] O uso da videoconferência na realização de oitivas e interrogatórios, assim como no cumprimento de precatórias, bem como a digitalização dos processos, procedimentos e inquéritos policiais têm se revelado de grande valia nesse sentido.

[13] Neste ponto, aliás, é de salientar-se que até mesmo um eventual controle interno sobre as investigações ministeriais teria que se coadunar com a reconhecida independência funcional de que gozam os seus membros.

[14] Note-se, aliás, que esta concepção de investigação para a acusação é o principal fundamento utilizado pelos membros do Parquet em defesa das investigações por eles diretamente realizadas, através da denominada teoria dos poderes implícitos.

[15] Chega a ser irônico que a Autoridade Policial tenha que, muitas das vezes, se socorrer do próprio órgão ministerial para a obtenção de documentos e informações de órgãos públicos, por não possuir, expressamente, poder requisitório para o fiel e regular exercício de suas atribuições legais.

[16] Estranhamente, muito embora os críticos da Polícia Judiciária se escudem na ausência dessas prerrogativas e poderes como principal razão da ineficácia e morosidade das investigações policiais, buscando, assim, fundamentar e justificar as “investigações ministeriais”, não se vislumbra qualquer esforço desses mesmos críticos no sentido de conferir ao Delegado de Polícia essas merecidas garantias e poderes, muito pelo contrário.

[17] Isto não significa que a investigação preliminar não continua, pela sua própria natureza e finalidade, a possuir forte caráter inquisitivo. O que se deve ter em mente, sempre, é que a autoridade policial não deve pautar as suas investigações sob o ponto de vista da acusação apenas, mas, atuar com imparcialidade na apuração da verdade e na colheita de elementos de convicção que lhe sejam úteis, independentemente de virem, posteriormente, a beneficiar a acusação ou a defesa. 

[18] Neste sentido já se posicionava o marquês de Beccaria em seu manifesto intitulado “Dei delliti e delle pene” (1764).

[19] Sobre o tema, que exorbita em muito os estreitos limites deste trabalho recomendamos a leitura do livro do Prof. Manuel Valente, intitulado “Direito Penal do Inimigo e Terrorismo”, constante de nossas referências. 

[20] Para aprofundamento, recomenda-se a leitura da obra “A sociedade do risco” do escritor alemão Ulrich Beck, já disponível em português.

 

Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.40098