Inexigibilidade de licitação e seu rol taxativo no art. 25 da Lei nº 8.666/93


PorJeison- Postado em 18 março 2013

Autores: 
MORELO, Ludimila Carvalho Bitar.

 

I – INTRODUÇÃO.

 

O presente artigo trata da análise do credenciamento como forma possível de inexigibilidade de licitação, a fim de confirmar se atende aos princípios da legalidade e da impessoalidade, bem como se otimizam o tempo despendido nos certames licitatórios e se melhoram os gastos dos recursos públicos.

 

II – DESENVOLVIMENTO.

 

A Administração Pública exerce inúmeras atividades administrativas, sempre voltadas para o interesse público. Para alcançá-lo a Administração precisa contratar obras e serviços, além de adquirir diversos bens. Como a lei não poderia deixar ao administrador público esta escolha, sob pena de sacrificar o interesse público, eis que alguns administradores públicos são inescrupulosos, o ordenamento pátrio regulamentou a forma de contratação pelo Poder Público.

 

A aludida contratação pelo Estado, conforme previsão da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, conhecida como Lei de Licitações e Contratos Administrativos, e as suas posteriores alterações, deve ser precedida por um procedimento licitatório para garantir a igualdade entre os interessados participantes do certame e para escolher a proposta mais vantajosa aos cofres públicos.

 

A referida lei trouxe as modalidades, os tipos e os procedimentos que o processo licitatório precisa seguir para garantir as citadas igualdade e vantajosidade. Ademais, a lei de licitações e contratos administrativos elencou um rol de casos que permite ao administrador público dispensar ou inexigir a licitação.

 

Até aqui todos os doutrinadores administrativistas exploram o assunto. Os professores mais estudados por este pesquisador são: José dos Santos Carvalho Filho, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, Odete Medauar, Maria Sylvia Zanelo de Pietro e Marçal Justen Filho.

 

Adentrando ao tema do credenciamento, que é uma modalidade de inexigibilidade de licitação, verifica-se que o tratamento dispensado ao instituto é pouco explorado, podendo ser visto nas obras especializadas sobre licitações e contratos administrativos como as de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, Joel de Menezes Niebuhr, Marçal Justen Filho e Lucas Rocha Furtado, além da jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) que já tratou da matéria.

 

Lembra que a licitação é a regra, mas por alguns motivos o legislador permitiu a dispensa e a inexigibilidade da licitação. Na dispensa, a licitação é possível, mas inconveniente por diversos motivos, como por exemplo, pelo preço, pela titularidade da contratada, pela urgência ou calamidade pública e etc. Já na inexigibilidade de licitação, a competição é inviável por não haver concorrentes ou por haver diversos candidatos capacitados a ponto de serem contratados pela Administração Pública, em igualdade de condições.

 

Muitos administrativistas da primeira lista arrolada acima só explicam a inexigibilidade de licitação como sendo o evento onde há um único candidato habilitado a prestar tal serviço, obra ou fornecer o bem à Administração Pública, o que torna a competição impossível de ocorrência.

 

Já os estudiosos da segunda lista, aqueles especializados no tema de licitações e contratos, ampliam a explicação para concluir que o excesso de competidores capacitados também faz a licitação se tornar inexigível, eis que todos serão contratados pela Administração Pública em condições de igualdade, porque o preço do contrato é estipulado pelo ente público.

 

O professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, por exemplo, explica na obra Contratação Direta sem Licitação, que:

 

“Se a Administração convoca todos os profissionais de determinado setor, dispondo-se a contratar todos os que tiverem interesse e que satisfaçam os requisitos estabelecidos, fixando ela própria o valor que se dispõe a pagar, os possíveis licitantes não competirão, no estrito sentido da palavra, inviabilizando a competição, uma vez que a todos foi assegurada a contratação.”(FERNANDES, 2000) 

 

No mesmo sentido é o entendimento de Joel de Menezes Niebuhr, no livro Dispensa e Inexigibilidade de Licitação, sobre o instituto do credenciamento:

 

“O credenciamento seria uma hipótese de inexigibilidade de licitação, na medida em que esse procedimento se apresenta diante dos casos em que o interesse público não demanda a contratação de número limitado de pessoas, em que não haja relação de exclusão. Ou seja, quanto mais pessoas são contratadas, o interesse público será mais bem atendido.” (NIEBUHR, 2008)

 

Acrescenta ao ensinamento sobre o tema a Doutora Sônia Y. K. Tanaka, no artigo publicado no BLC de maio de 2003, da Editora NDJ, fl. 333, que se a Administração convida a todos os interessados que possuam os requisitos definidos no edital, dispondo-se, em princípio, a arrolar todos os que tiverem interesse e que satisfaçam as exigências estabelecidas, esses participantes não competirão, vez que a todos será assegurada a contratação que se fizer necessária, hipótese em que os próprios Tribunais de Contas têm recomendado o uso do sistema de credenciamento, nos termos do art. 25, caput, da Lei nº 8.666/93.

 

O professor Jacoby Fernandes, na aludida doutrina, enumera quatro aspectos que julga fundamentais para definir a possibilidade de uso ou não do credenciamento:

 

1.   todos os que satisfaçam às condições exigidas: não pode haver só um fornecedor que realize o objeto, pois a característica principal é que todos os selecionados serão contratados, embora demandados em quantidades diferentes;

 

2.   impessoalidade na definição da demanda, por contratado: exclui-se a vontade da Administração na determinação da demanda pelo credenciado;

 

3.   que o objeto satisfaça na forma definida no edital: atividade bastante regulamentada ou de fácil verificação, na qual as diferenças pessoais entre os credenciados têm pouca relevância;

 

4.   que o preço de mercado seja razoavelmente uniforme: comprovação e demonstração pela Administração da vantajosidade do preço por ela fixado em relação ao que poderia decorrer de um processo licitatório. (FERNANDES, 2000)

 

O Professor Toshio Mukai acrescenta a este rol que a inviabilidade jurídica da competição aparece em alguns casos porque o próprio ordenamento jurídico impede a competição. Não se trata, assim, de objeto singular, impossibilidade material ou inconveniência administrativa, é o próprio direito que prejudica a concorrência, eis que a todos são assegurado o tratamento igual, na medida que se igualam e o tratamento desigual, na medida que se diferenciam.

 

Dessa forma, observa que o credenciamento, como forma de inexigibilidade de licitação, ainda é um instituto pouco estudado no Brasil, tendo em vista que o princípio basilar da Constituição Federal (CF) é o princípio da legalidade, ou seja, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permitir e a Lei nº 8.666/93 não dispôs sobre o credenciamento expressamente, eis que ele é uma criação doutrinária, advinda da interpretação do art. 25 da referida lei (inexigibilidade de licitação).

 

O doutrinador José dos Santos Carvalho Filho, no livro Manual de Direito Administrativo, ensina que:

 

“No campo das licitações, o princípio da legalidade impõe, principalmente, que o administrador observe as regras que a lei traçou para o procedimento. É a aplicação do devido processo legal, segundo o qual se exige que a Administração escolha a modalidade certa; que seja bem clara quanto aos critérios seletivos; que só deixe de realizar a licitação nos casos permitidos na lei; que verifique, com cuidado, os requisitos de habilitação dos candidatos, e, enfim, que se disponha a alcançar os objetivos colimados, seguindo os passos dos mandamentos legais”. (CARVALHO FILHO, 2005)

 

A despeito disto, pode-se concluir que o administrador deve seguir a risca os dispositivos legais. Todavia, adotar o credenciamento como modalidade de inexigibilidade da licitação também é respeitar o princípio da legalidade, tendo em vista a impossibilidade de escolher um candidato entre todos habilitados em igualdade de condições e com preços idênticos, sob pena de ferir um outro princípio, o da isonomia.

 

Verifica-se que o princípio da igualdade também está previsto como direito fundamental na CF, pois ele concorre em igualdade de condições com a legalidade. A igualdade indica que a Administração deve dispensar idêntico tratamento a todos os administrados que se encontrem na mesma situação jurídica dentro do processo de escolha da proposta mais vantajosa economicamente para a Administração Pública.

 

Na ponderação de valores, neste caso citado, entre legalidade e igualdade, deve-se prevalecer esta última, até porque o princípio da legalidade não será ofendido. Pode-se observar, ainda, que prevalecendo a igualdade, a legalidade também será atendida só que de forma interpretativa mais elástica, mais ampliada.

 

A lei em momento algum proibiu o credenciamento de interessados em contratar com a Administração Pública, só exigiu que fosse atendido o interesse público contratando a melhor opção, sem excluir nenhum concorrente. Portanto, o instituto do credenciamento atende à legislação pátria.

 

III – CONCLUSÃO.

 

Diante do que foi exposto acima, constata que o sistema de credenciamento respeita os princípios da legalidade e da impessoalidade, garantindo, assim, uma contratação mais vantajosa do ponto de vista econômico e temporal. Vantajosa, porque a Administração Pública terá gastos com pessoal, com publicação de edital e etc uma única vez. Depois de vários interessados credenciados no sistema, assim que surgir a necessidade do serviço, a Administração recorre à sua lista e convoca um credenciado, sem ter de realizar uma nova licitação, deixando de usar novamente verbas e tempo públicos.

 

Destaca-se que as empresas prestadoras de serviços, previamente habilitadas quanto aos aspectos jurídico, técnico e financeiro, mediante ampla publicação de edital com condições objetivas de concorrência já fixadas e conhecendo os preços estabelecidos pelo Poder Público, ficarão à espera do chamado da Administração para assinarem o contrato administrativo de prestação de serviço.

 

Verifica-se, no entanto, que a regra constitucional é a realização do procedimento licitatório para contratar serviços, obras ou fornecer bens à Administração Pública, na expectativa de garantir a maior vantajosidade possível nas contratações públicas dando igualdade de tratamento às pessoas tidas como iguais.

 

Todavia, há casos em que a lei proíbe a competição, como ocorre com algumas hipóteses de alienações de bens móveis ou imóveis públicos descritos no art. 17; há outros casos em que a lei entende que a competição é desnecessária, em virtude do valor da contratação, ou em função de alguma calamidade pública, urgência ou emergência ou outros fatos nos termos do art 24; e há situações em que a inviolabilidade de competição decorre do fato de só haver um interessado, ou de haver vários interessados, ou de ser serviço técnico-especializado, ou de envolver o setor artístico, conforme previsão do art. 25, todos da Lei nº 8.666/93.

 

Verifica, por fim, que o objetivo geral do referido estudo não foi alcançado, porque se esperava que o sistema do credenciamento ofendesse os princípios da legalidade e da impessoalidade, além de atrapalhar a vantajosidade da contratação pública, mas não foi esta a nossa conclusão.

 

Percebeu-se que o credenciamento no Brasil traz vantagens para todos os envolvidos na relação jurídica (Administração Pública, servidor público e empresa privada), principalmente reforçando a ideia da prevalência do interesse público. Logo, este sistema precisa ser mais adotado para otimizar tempo e dinheiro públicos, eis que conserva os princípios constitucionais da licitação, que são a vantajosidade econômica na contratação e o tratamento igualitário aos possíveis interessados em fazer parcerias com o Poder Público, além de confirmar a legalidade do sistema que está amparado no rol exemplificativo do art. 25 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

 

IV – REFERÊNCIAS.

 

BLC– Boletim de Licitações e Contratos. São Paulo: NDJ, maio 2003.

 

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 13ª ed., 2005.

 

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação Direta sem Licitação, Belo Horizonte: Fórum, 5ª ed., 2000.

 

FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos, Belo Horizonte: Fórum, 2007.

 

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, São Paulo: Dialética, 13º ed., 2009.

 

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional Administrativo, São Paulo: Atlas, 2ª Ed., 2005.

 

MUKAI, Toshio. Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos Administrativos, São Paulo: Saraiva, 1990.

 

NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública, Belo Horizonte: Fórum, 1ª ed., 2008.

 

Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.42458&seo=1>