Improbidade administrativa: lei 8.429/92


PorPedro Duarte- Postado em 11 novembro 2012

Autores: 
Ana Emilia Gomez Marques

A corrupção é uma das ações mais estarrecedoras que assolam nações e povos, impedindo que a população tenha acesso a políticas públicas sociais que lhe assegurem uma boa qualidade de vida.

 

1 Introdução

A Lei n. 8.429, sancionada em de 02 de junho de 1992, ampliou o conceito de improbidade administrativa no exercício de cargos públicos, que passou a envolver não apenas os casos de enriquecimento ilícito, como também os de má gestão do erário e a transgressão dos princípios que fundamentam a Administração Pública.

Nos termos desta Lei, a improbidade administrativa se manifesta quando o agente público aufere qualquer tipo de vantagem patrimonial em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade, ocorrendo enriquecimento ilícito; quando causa prejuízo ao erário, independente de culpa ou dolo; ou quando atenta contra os princípios da Administração Pública.

Este diploma legal representa valioso recurso para assegurar a probidade administrativa visando garantir a incolumidade do patrimônio público e o respeito aos princípios da administração, constituindo instrumento indispensável para a gestão responsável dos bens coletivos com a manutenção da justiça social.

2 Corrupção e Improbidade Administrativa

O vocábulo improbidadeé de origem latina – improbitate – e significa, dentre outras coisas, desonestidade e corrupção. O vocábulo veio a ser adotado para adjetivar a conduta do administrador desonesto.           

A corrupção é uma das ações mais estarrecedoras que assolam nações e povos, impedindo que a população tenha acesso a políticas  públicas sociais que lhe assegurem uma boa qualidade de vida.

No serviço público, a corrupção está ligada aos fenômenos sociais, refletindo assim o estágio de organização social e política do País. Ela demonstra que é um subproduto da sociedade de consumo em que o enriquecimento é o principal símbolo do poder e do sucesso.

Pazzaglini Filho (1999, p. 37 e 38) entende que:

Numa primeira aproximação, improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo "tráfico de influência" nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.

Pode-se conceituar, então, improbidade administrativa como sendo a conduta do administrador que contraria as normas morais, a lei e os costumes, indicando falta de honradez e de atuação ilibada no que tange aos procedimentos da Administração Pública, seja ela direta, indireta ou fundacional, não se limitando apenas ao Poder Executivo e praticada não apenas pelo agente público, senão também por quem não é servidor e infringe a moralidade pública.

No Brasil, os atos de improbidade administrativa praticados com maior freqüência, dentre outros, são: superfaturamento de obra pública; aplicação irregular e desvio de verba pública; frustração da licitude do processo licitatório; falta de prestação de contas; uso indevido de veículos oficiais; uso de linhas telefônicas da repartição pública para fins particulares; percepção indevida de diárias de viagens, gratificações, propinas ou presentes e peculato.

O Brasil possui vasta legislação sobre combate aos atos ilícitos. Pode-se citar a Lei n. 7.347/85, que disciplina a ação civil pública; a Lei n. 9.034/95, que combate as ações praticadas por organizações criminosas; a Lei n. 9.613/98, que ataca a lavagem de dinheiro; e a Lei n. 8.429/92, que pune o enriquecimento ilícito, a má gestão do erário e a violação dos princípios administrativos.

Entretanto, segundo Sarmento (2002), o problema está no baixo nível de efetividade das leis. A norma jurídica será eficaz na medida em que a maioria dos destinatários aderir à conduta prescrita, ou seja, quando houver sucesso normativo.

3 Sujeitos da Improbidade 

Os conceitos dos sujeitos da improbidade foram estabelecidos pela Lei n. 8.429/92. O sujeito passivo é aquele que sofre as conseqüências da infração administrativa.

O art. 1º da Lei n. 8.429/92 estabelece que:

Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta Lei.

Parágrafo único – Estão também sujeitos às penalidades desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício de órgão público, bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Consideram-se, então, toda pessoa jurídica de direito público (União, Estado, Município, Autarquia) ou pessoa jurídica de direito privado (Empresa Pública, Sociedade de Economia Mista, empresas de capitais públicos).

De forma ainda mais genérica considera-se o sujeito passivo da improbidade administrativa como qualquer entidade pública ou    particular que tenha participação de dinheiro público no patrimônio ou receita anual. Esta ampliação no rol dos sujeitos passíveis de atos ímprobos ocorre pelo fato de, atualmente, a atuação da Administração Pública ser uma atividade extremamente complexa, face a criação de diversos órgãos, conseqüência da descentralização do Poder Público.

O sujeito ativo do ato de improbidade é o agente público que, com ou sem a participação de terceiro, pratica o ato de improbidade. Segundo o art. 2°da Lei de Improbidade, o agente público é todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

O art. 3º da Lei n. 8.429/92 amplia o rol dos sujeitos ativos passíveis de responsabilização, englobando também, no que couber, aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta, ou seja, o terceiro.

Esta ampliação do universo de pessoas cujo procedimento pode ser apontado como ímprobo dá-se em virtude da possibilidade de pessoas estranhas à Administração procurarem obter benefícios de maneira reprovável e ilegal, e também pelo fato de agentes públicos cometerem atos de improbidade em parceria, em conluio com terceiros, que, nos termos desse diploma legal, também respondem por seu cometimento, aplicando-se, no que couber, as sanções nele previstas.

Obviamente, o terceiro, o particular, poderá apenas ser co-autor ou participante da conduta ilícita, pois apenas o agente público é que disponibilizará meios eficazes para a realização da conduta lesiva.

4 Atos de Improbidade Administrativa

A Lei de Improbidade Administrativa enumera nos arts. 9, 10 e 11 as hipóteses de responsabilização administrativa, indicando de forma exemplificativa as condutas que importam em enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e atentem contra os princípios da Administração Pública.

4.1 Dos atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito

Dispõe o art. 9º da Lei n. 8.429/92 que: “constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, e notadamente: [...]”.

São relacionados, então, doze hipóteses de atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito. Esse rol não é taxativo ou exaustivo, o que fica claro pela utilização, no caput, do advérbio notadamente para enunciar os incisos exemplificativos.

O enriquecimento ilícito administrativo sem justa causa caracteriza-se pelo acréscimo de bens ao patrimônio do agente público, em detrimento do erário, sem que para isso tenha havido motivo determinante justificável. Não é necessário, para tanto, enriquecimento de grande porte econômico, bastando apenas a ocorrência de acréscimos indevidos.

São três os requisitos essenciais para a configuração do enriquecimento ilícito, quais sejam, a prática do ato por um agente público; a inexistência de fundamento que justifique o recebimento de vantagem econômica decorrente de comportamento ilegal; a presença do nexo causal, ou seja, obtenção da vantagem por parte do agente público em virtude do desempenho de sua atividade pública.

Vale lembrar que não há a necessidade de resultado danoso à Administração Pública para restar configurado o enriquecimento ilícito, bastando apenas a expectativa de sua efetivação.

4.2 Dos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo

O art. 10 da Lei n. 8.429/92 fixa que: “constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: [...]”.

O artigo em questão relaciona treze hipóteses de atos de improbidade que causam dano ao erário. Esse rol também não é taxativo ou exaustivo, pois como no art. 9°, utiliza o advérbio notadamente para enunciar os incisos exemplificativos.

O agente público deve ter em sua consciência o dever de fidelidade e honestidade para com a Administração Pública, agindo com diligência e boa-fé, não podendo permitir que terceiros dilapidem o patrimônio público, muito menos poderá colaborar para que isto ocorra.

Aqui cabe a distinção entre o conceito de Erário e o de Patrimônio Público. O conceito de Patrimônio Público é mais abrangente, pois engloba não apenas os bens públicos, mas também o patrimônio ambiental, artístico, estético, histórico e turístico; o de Erário se restringe à dimensão econômico-financeira da Fazenda Pública, isto é, aos recursos financeiros do Estado.

A caracterização desta categoria de ato de improbidade administrativa depende da presença da ação ou omissão ilegal do agente público no exercício funcional, dano econômico efetivo ao erário, relação de causalidade entre o comportamento funcional ilícito e o efetivo dano patrimonial.

4.3 Dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública

O art. 11 da Lei n. 8.429/92 estabelece que: “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente: [...]”.

Os princípios são normas gerais, abstratas, nem sempre positivadas expressamente, porém todo o ordenamento jurídico que se construa com a finalidade de ser um Estado Democrático de Direito deve respeito a elas.

O art. 37 da Constituição Federal elencou de modo expresso cinco princípios inerentes a Administração Pública: da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. No entanto, outros princípios encontram-se inseridos na Lei Maior apesar de não mencionados em seu art. 37. Outros ainda são implicações evidentes do próprio Estado de Direito e, conseqüentemente, do sistema constitucional como um todo.

5 Sanções

A Constituição Federal dispôs em seu art. 37, § 4º, que: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos públicos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Conforme Sarmento (2002), a improbidade administrativa é ato ilícito que pode repercutir nas instâncias cível, penal e administrativa pela imposição de sanções distintas, previstas em lei, e só aplicáveis mediante o devido processo legal em que sejam asseguradas as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

As sanções previstas nesse dispositivo legal são essencialmente cíveis, ou seja, devem ser aplicadas no âmbito da ação civil pública. No entanto, considerando a independência das instâncias civil, penal e administrativa, nada impede que o mesmo ato de improbidade administrativa seja objeto de ação penal e de processo administrativo-disciplinar.                 

A intensidade dos atos ilícitos é distinta com relação aos efeitos financeiros, deterioração dos serviços públicos, degradação da qualidade de vida, inviabilização de programas sociais, etc.

Logo, as penas também devem ser diferenciadas. No caso de condutas mais graves, devem ser aplicadas em conjunto todas as sanções do art. 12. Para as de pequena intensidade, que se dê ao juiz a liberdade para escolher as sanções mais adequadas à repressão do ato ilícito.

O art. 12 da Lei de Improbidade trata das penas relativas ao enriquecimento ilícito no inc. I, aos danos ao Erário no inc. II e aos atentados aos princípios da Administração Pública no inc. III.

6 Considerações Finais

A Lei n. 8.429/92 é um importante instrumento de tutela da moralidade administrativa na medida em que pune rigorosamente os servidores ímprobos e impõe a gestão responsável dos recursos públicos. A sua efetividade depende da eficiência dos órgãos de controle da Administração Pública, de vontade política, do exercício da cidadania e, sobretudo, da independência do Poder Judiciário.

A luta contra a corrupção não se restringe apenas a identificar, processar e condenar as autoridades ímprobas. É necessária a criação de um ambiente em que a improbidade seja punida e as decisões administrativas estejam sujeitas ao controle de legalidade, moralidade e transparência. A melhoria no nível de profissionalismo do serviço público também repercute na diminuição dos índices de corrupção.

O Brasil está, assim, caminhando para a modernidade. A Lei n. 8.429/92 vem contribuindo para esse projeto na medida em que exige dos servidores o compromisso com a boa administração, com o uso racional dos recursos estatais e com a melhoria dos serviços públicos. Muitas ações civis públicas foram propostas pelo Ministério Público, e os Tribunais desenvolveram uma considerável jurisprudência nesse campo.

Cumpre lembrar que a aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa subordina-se aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser proporcional e compatível com a gravidade e a extensão da transgressão e do dano causado.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. (Série Legislação Brasileira).

_____________ . Lei nº. 8.429 de 2 de junho de 1992. Brasília, 1992.

Pazzaglini Filho. Lei de Improbidade Administrativa comentada. São Paulo: Atlas, 2002.

Pazzaglini Filho, Marino; Rosa, Márcio Fernando Elias; Fazzio Jr., Waldo. Improbidade administrativa. 4.ed. São Paulo: Atlas, 1999.

Sarmento, George. Improbidade administrativa. Porto Alegre: Síntese, 2002.

Silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.